Improbidade em razão de atos anteriores praticados pelo presidente

Leniência: força maior, imprevisão, função social e boa-fé (parte I)

Já tivemos a oportunidade de tratar neste espaço de temas caros ao estudo da improbidade, como foro por prerrogativa de função e dupla dimensão de responsabilização (improbidade/crimes de responsabilidade). Por isso, não é nenhuma novidade repisarmos que não ignoramos o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que inexiste o chamado foro privilegiado em ações de improbidade e de que os agentes políticos, à exceção do Presidente da República, estão sujeitos a duplo regime, podendo responder tanto por improbidade quanto por crimes de responsabilidade.

A questão que se põe é justamente a exceção, restrita ao Presidente da República. Que não pode ele ser alvo de improbidade por atos praticados no exercício do mandato, isso é certo, mas e por atos anteriores?

A pergunta não parece ser muito complexa: se a exceção diz respeito ao Presidente, que no exercício do mandato se submete aos crimes de responsabilidade (que derrogam o regime de responsabilização da improbidade), o agente, se Presidente ainda não era, pode sim ser alvo de ação de improbidade. O ponto, contudo, exige aprofundamento.

Sabido que a ação de improbidade admite afastamento cautelar do cargo; igualmente conhecida a divergência no âmbito da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça sobre se a sanção de perda da função pública se atrela ao cargo em que praticado o ilícito ou se ela se estende para o cargo atualmente desempenhado, ainda que posterior ao ilícito. Daí a reflexão: imagine-se a hipótese de um agente que seja réu em ação de improbidade e posteriormente se torne Presidente; ou a hipótese de alguém que se torne Presidente, mas passe a ser investigado por possível improbidade praticada anteriormente à assunção ao cargo.

Em ambas as hipóteses, questionamentos surgem: dada a inexistência de foro por prerrogativa de função em improbidade, seria possível ao membro do Ministério Público que oficia perante o primeiro grau empreender procedimento inquisitório tendo como alvo o Presidente? Ajuizada a demanda, seria possível afastamento cautelar do Presidente em razão de ato supostamente praticado anteriormente à posse? Tramitando a ação, a sanção de perda de função pública poderia atingir o cargo de Presidente?

Particularmente, entendemos que a resposta é negativa para as três questões. A Constituição, bem assim a lei dos crimes de responsabilidade, previu regime detalhado e excepcional de responsabilidade para o Presidente da República. As situações que admitem sua retirada forçada do cargo são absolutamente extremas e exigem grandes solenidades, enunciadas taxativamente no artigo 86, § 1º, da Constituição. A par desse dispositivo, merece destaque o § 4º do mesmo artigo, a rezar que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

É dizer, a dinâmica sancionadora da ação de improbidade estaria bem mais próxima das condições de procedibilidade e da impossibilidade de responsabilização que norteiam a matriz de responsabilização dos crimes comuns e de responsabilidade e mais distante de uma mera ação cível comum, que admitiria tramitação livre em primeiro grau.

Assim, entendemos (de lege ferenda ou por uma aplicação analógica dos dispositivos acima) que o ajuizamento de ação de improbidade por ato anterior ao mandato potencialmente careceria de interesse processual ou de justa causa, seja pela falta de condição de procedibilidade, seja pela impossibilidade de ela resultar em responsabilização na constância do mandato. Seria o caso, pois, de se extinguir a ação, dada a impossibilidade de suspensão do processo por período prolongado. Por outro lado, o prazo prescricional poderia ser suspenso a partir da assunção do mandato, sendo retomado ao término dele (o paralelo aqui é com o prazo prescricional para exercício de pretensão sancionadora em razão de ato praticado por agente político no exercício do mandato, que somente se inicia ao fim do último período eletivo).


Rcl 2.138 e Pet 3.240.

https://www.conjur.com.br/2019-jul-05/mudrovitsch-pupe-improbidade-perda-funcao-publica

 é sócio-fundador do Mudrovitsch Advogados, professor de Direito Público, doutor em Direito Constitucional pela USP e mestre em Direito Constitucional pela UnB. Membro do grupo de trabalho instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça destinado à elaboração de estudos e indicação de políticas sobre eficiência judicial e melhoria da segurança pública.

 é sócio do Mudrovitsch Advogados, especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, professor de Processo Civil do IDP e vice-presidente da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

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