Opinião: A ilegalidade da cobrança do adicional ao RAT

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A Contribuição para o Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GILRAT) é contribuição a cargo do empregador pessoa jurídica, exigido em face do risco advindo das atividades desempenhadas pelas empresas, cuja base de cálculo é a totalidade das remunerações pagas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, destinada ao financiamento da aposentadoria especial[1] e dos benefícios concedidos em decorrência dos riscos ambientais de trabalho[2], nos termos do art. 22, inciso II, da Lei nº 8.212/1991.

A contribuição ao RAT está vinculada ao custeio do direito dos trabalhadores ao seguro contra acidente de trabalho, nos termos do inciso XXVIII do artigo 7º[3] e do inciso I do artigo 201, ambos da Constituição Federal.

Por ser uma contribuição social com destinação específica, está submetida às regras do Sistema Constitucional Tributário e às normas gerais do Código Tributário Nacional e possuí as alíquotas básicas de 1%, 2% e 3%, fixadas segundo o grau de risco (grave, médio ou leve) vinculado à subclasse do CNAE correspondente à atividade preponderante de cada estabelecimento, considerada aquela que possui o maior número de empregados e trabalhadores avulsos vinculados. 

Além das alíquotas básicas do RAT, o §6º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 institui também a obrigação ao recolhimento da Contribuição com base no acréscimo das alíquotas em 6%, 9%, 12%, nos casos em que o trabalhador estiver sujeito a condições de trabalho que lhe outorgue o direito à aposentadoria especial de 15, 20 ou 25 anos de contribuição.

A partir de abril de 1994, a legislação previdenciária passou a exigir a comprovação do tempo trabalhado cumulada com a exposição do segurado à agentes nocivos, exigindo-se a apresentação de formulários emitidos pelo empregador, exceto para ruído, que demandava além do referido formulário à apresentação de laudo técnico (LTCAT).

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335 RG, em dezembro de 2014, analisou discussão a respeito da negativa de concessão do benefício, sob o argumento de que a empresa fornecia ao segurado EPI inibidor de ruído, fixando duas importantes teses: (i) o direito à aposentadoria especial pressupõe efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo, de modo que se o EPI for capaz de neutralizá-lo, não haverá direito ao benefício; (ii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador da eficácia do EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial.

Contudo, existem questões que colocam em xeque a constitucionalidade da cobrança da alíquota adicional da Contribuição ao RAT e que merecem ser objeto de avaliação por parte da doutrina e, principalmente, do Poder Judiciário.

Primeiramente, deve-se avaliar se a aposentadoria especial é um benefício previdenciário cujo custeio valide a cobrança de uma alíquota adicional à Contribuição ao RAT.

A contribuição ao RAT, como já consignado, tem como função o custeio dos benefícios previdenciários vinculados à acidentes ou enfermidade decorrentes do exercício da atividade laboral. Os benefícios vinculados a eventos acidentários laborais são: a) Pensão por morte acidentária (código B93 – art. 74 da Lei nº 8.213/91); b) Aposentadoria por invalidez acidentária (código B92 – art. 42 da Lei nº 8.213/91); c) Auxílio-acidente (código B94 – art. 86 da Lei nº 8.213/91); d) Auxílio-doença acidentário (código B91 – art. 59 da Lei nº 8.213/91).

Entretanto, a aposentadoria especial é um benefício previdenciário que, apesar de vinculado à exposição de agentes nocivos, não é decorrente de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, mas concedida em face da exposição do segurado a agente nocivo, no ambiente de trabalho, por um determinado prazo.

Não se vislumbra pertinência entre o custeio da aposentadoria especial e a Contribuição ao RAT, inclusive antes de 1998 não havia a cobrança da alíquota adicional. O direito à aposentadoria especial decorre da previsão expressa do texto constitucional, sendo que a Carta Magna não trouxe a previsão de seu financiamento por uma alíquota adicional à antiga Contribuição ao Seguro do Acidente do Trabalho (SAT).

Tal contexto reforça o entendimento de que o custeio da aposentadoria especial deve estar vinculado ao recolhimento da contribuição patronal de 20% do total da remuneração e da contribuição do segurado, nos termos dos artigos 22 e 20 da Lei nº 8.212/91.

Inexistindo pertinência entre a Contribuição ao RAT e o financiamento da aposentadoria especial, a alíquota adicional tem, na realidade, a natureza de uma contribuição específica para o financiamento da aposentadoria especial.

Essa “nova” contribuição, contudo, se adequa ao disposto no Texto Constitucional, por não decorrer de Lei Complementar e, principalmente, por ter o mesmo fato gerador e base de cálculo da Contribuição ao RAT, violando o disposto no §4º do artigo 195, conjugado com o inciso I do artigo 154 da Constituição.

Além disso, deve-se avaliar se é proporcional exigir do empregador o recolhimento dessa alíquota adicional.

As empresas recolhem a Contribuição ao RAT à alíquota de 1%, 2% ou 3%, moduladas pelo FAP (que pode majorar a alíquota básica em até 100%), independentemente da existência de evento acidentário.

Considerando o recolhimento por empresa, é possível deduzir que, na maioria dos casos, o sistema de custeio acidentário seja superavitário, com o total de recolhimento do RAT sendo superior ao custeio acidentário ocorrido no ambiente laboral do contribuinte.

Como as empresas recolhem a Contribuição ao RAT sobre a remuneração de todos os seus empregados, sendo que a maioria, muito provavelmente, nunca receberá provento acidentário. Haverá, nesse contexto, um superávit de arrecadação, caso seja considerado o conjunto dos empregados da mesma empresa e o total de benefícios acidentários pagos a estes segurados.

Por fim, existe uma nova situação, trazida pela Reforma da Previdência que torna ainda mais questionável a validade da cobrança do adicional ao RAT.

A Emenda Constitucional nº 103/19, que introduziu a Reforma da Previdência Social, alterou o sistema de aposentadoria especial, principalmente para aqueles que entrarem no sistema previdenciário após a sua entrada em vigor, ao vincular o seu gozo a requisito de idade mínima do segurado. Antes da Reforma da Previdência, o direito à aposentadoria especial estava vinculado, exclusivamente, ao tempo de exposição ao agente nocivo, sendo: (i) 25 anos de atividade especial de risco baixo; (ii) 20 anos de atividade especial de risco médio; (iii) 15 anos de atividade especial de risco alto.

Com a Reforma, essa sistemática foi alterada, com a instituição de duas possibilidades.

Primeiro, uma regra para quem já trabalhava antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, mas que não tinha reunido o tempo de atividade especial para se aposentar.

O cidadão que se encontrar nesta situação terá que comprovar que cumpre o requisito da pontuação referente à soma da idade com o tempo de atividade especial e tempo de contribuição, incluindo meses e dias, nos seguintes termos: (i) 66 pontos + 15 anos de atividade especial, para as atividades de alto risco; (ii) 76 pontos + 20 anos de atividade especial, para as atividades de médio risco; (iii) 86 pontos + 25 anos de atividade especial, para as atividades de baixo risco.

Por exemplo, um segurando que em 2019 tinha 40 anos de idade e que iria se aposentar em 2022 com uma aposentadoria especial de risco abaixo (considerando que continuaria na mesma atividade durante esse período), só atingirá os requisitos da aposentadoria especial em 2031.

Já para os segurados que ingressarem no sistema previdenciário após a Reforma é necessário cumprir o requisito da idade mínima, além do tempo de atividade especial. Para se aposentar, o segurado precisará ter: (i) 55 anos de idade + 15 anos de atividade especial, para as atividades de alto risco; (ii) 58 anos de idade + 20 anos de atividade especial, para as atividades de médio risco; (iii) 60 anos de idade + 25 anos de atividade especial, para as atividades de baixo risco.

A forma de fixação do valor do provento de aposentadoria especial também foi alterada. Na sistemática anterior, a aposentadoria especial era integral e equivalia a 100% da média salarial do trabalhador. A partir de novembro de 2019, com a vigência da Reforma, o benefício será de 60% da média para quem se aposenta com 15 anos de serviço insalubre, para mulheres e mineiros de subsolo, ou 20 anos, para homens. Cada ano a mais de contribuição acrescenta 2% da média salarial ao valor final da aposentadoria.

Com a vinculação do direito à aposentadoria especial também ao requisito da idade mínima, ocorreu uma desvirtuação do binômio custeio-benefício, o que afeta a própria justificativa jurídica do recolhimento do adicional do RAT pelo empregador, uma vez que não é mais o tempo de exposição do segurado ao agente nocivo que, exclusivamente, gerará o direito à aposentadoria especial, e o consequente custo ao sistema previdenciário.

Vejamos o seguinte exemplo: um trabalhador começou, em abril de 2020, com 20 anos de idade, a trabalhar numa atividade que lhe expõe ao agente nocivo ruído. Antes da Reforma, como se trata de um agente classificado como de risco baixo, após 25 anos de trabalho com a exposição, não tendo laborado em outra atividade, esse segurado poderia se aposentar. Pela nova sistemática, esse trabalhador terá que laborar 40 anos, até chegar aos 60 anos de idade, para que possa se aposentar, mesmo com a exposição ao agente nocivo. Caso ele trabalhe todo esse período na mesma função, o seu empregador ou empregadores, terão recolhido o adicional ao RAT, sob a alíquota de 6%, por 40 anos. 

Outro exemplo: um trabalhador que completar, em 2021, 25 anos de trabalho exposto ao agente ruído, não tendo trabalhado em outra atividade, e tiver 45 anos de idade, terá que trabalhar até 2029, quando completará 53 anos de idade e 33 anos de contribuição, perfazendo os 86 pontos exigidos. Neste caso, a contribuição adicional ao RAT terá sido recolhida por 33 anos.

Tais exemplos demonstram que a nova sistemática tornou inaplicável a norma de incidência do adicional ao RAT, uma vez que esta dispõe que: “O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte  ou vinte e cinco  anos de contribuição, respectivamente.

Com a Reforma, não existe mais, para a grande maioria dos trabalhadores, a possibilidade de ter o gozo da aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, devido a inclusão do requisito da idade mínima.

O pressuposto da norma e justificação para o pagamento do adicional era que o segurado se aposentaria após um período menor de contribuição (25, 20 ou 15 anos), situação essa que não é mais viável, para a grande maioria dos casos. Isso porque somente no caso de os trabalhadores que começarem a laborar em atividade com exposição a agente nocivo, em idade mais avançada, será possível a aposentadoria após o tempo de exposição previsto na legislação.

Não é juridicamente justificado que se imponha ao empregador um ônus adicional, tendo em vista que este já recolhe as contribuições patronal e do RAT, que já cumprem o dever de solidariedade social, ao mesmo tempo que o legislador desnatura a figura da aposentadoria especial, desvinculando-a do seu fato gerador lógico, que é o tempo de trabalho do segurado com exposição a agente nocivo.

Impõe-se que a doutrina e a jurisprudência se debrucem sobre a legalidade da cobrança do adicional da Contribuição RAT, tendo em vista, principalmente, as alterações promovidas pela Reforma da Previdência. 

[3] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

 é sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogado, doutorando em Direito Público pela PUC/MG e mestre em Direito Tributário pela UFMG. Professor em cursos de pós-graduação do IBMEC, Faculdades Milton Campos e PUC/MG. Autor dos livros “O Dever Fundamental de Recolher Tributos no Estado Democrático de Direito” e “Estudos de Custeio Previdenciário”.

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