Opinião: Adiamento da LGPD por MP traz insegurança jurídica

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Em um país onde a atuação de um poder sobre as competências constitucionais do outro se torna recorrente, a Medida Provisória n°. 959, de 29 de abril de 2020, de forma inesperada, adiou a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei n°. 13.709/2018) para 03 de maio de 2021.

Ora, como o tema já vinha sendo devidamente tratado pelo Projeto de Lei n°. 1.179/2020 em trâmite na Câmara dos Deputados e já aprovado pelo Senado Federal, era de se esperar que referida norma seguisse seu curso normal. Ou seja, fosse apreciada pela Câmara dos Deputados e, uma vez aprovada, encaminhada para a sanção ou veto presidencial.

Mas, fomos todos surpreendidos com a edição do ato do poder executivo que, sem considerar a expectativa gerada e já incorporada pelo mercado, passou uma borracha no processo legislativo.

Afora a questão procedimental, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal, as medidas provisórias se justificam para o tratamento de matérias de relevância e urgência. Não nos parece que um tema que verse sobre a data de vigência de uma lei, em estágio avançado de discussão no Congresso Nacional, estando aprovado pelo Senado Federal, apresente a relevância e a urgência constitucionalmente exigidas para uma medida provisória.  

É bem verdade, que a MP 959 trata de outro tema (operacionalização do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego), que, diante da crise sanitária, apresenta-se como relevante e urgente, mas não a postergação da entrada em vigor da LGPD.

Além disso, ressalta-se a insegurança jurídica provocada por tal ato. Uma medida provisória tem vigência de 60 dias, podendo ser prorrogada uma vez por igual período. Tem, portanto, validade de até 120 dias. Vencido esse prazo, sem aprovação pelo Congresso Nacional, ela perde eficácia.

Pois bem, no último dia 20 de abril de 2020, enfrentamos a edição da Medida Provisória n. 955/2020, cujo único objetivo foi revogar a Medida Provisória n. 905/2019, que tratava do programa verde e amarelo para relações de trabalho. A revogação se deu no último dia de sua vigência, uma vez que era evidente que não seria aprovada em tempo hábil.

Nesse contexto, não há qualquer garantia institucional de que a MP n. 959/2020 será aprovada no tempo legalmente previsto. E, se não o for?

Se não o for, não se descarta a hipótese de a LGPD entrar em vigor ainda em agosto de 2020.

E, com que cenário o mercado deve atuar?  

Diante de uma situação de incerteza, o ideal é que as empresas, para além das discussões normativas, procedimentais e políticas, adotem práticas adequadas de proteção de dados pessoais como parte de sua estratégia de negócios. Desta forma, mitigam não só os riscos de não conformidade, mas também a responsabilidade em situações vazamento ou tratamento indevido das informações. Lembrando que, já são representativas as decisões judiciais que protegem a pessoa titular dos dados.

Acrescentando que, empresas com operações no exterior, seja por suas matrizes, subsidiárias ou mesmo na condição de fornecedoras ou clientes em cadeias globais, podem estar sujeitas as regras de proteção de dados de outros países, como a GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia), e, portanto, devem ter um nível de proteção adequado como condição de manutenção desses negócios.

Enfim, que a proteção de dados não fique à mercê da determinação de uma data, mas sim que as empresas reconheçam sua relevância na condução de suas atividades e, então, consolidem-na como parte da cultura empresarial de um país que quer crescer de forma robusta, responsável e sustentável!

 é sócia da Advocacia Correa de Castro e Associados (ACC), mestre em International Business Transactions and Comparative Law pela University of San Francisco (EUA) e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua há mais de 20 anos na área de estruturação de negócios, em projetos de Investimento Direto Estrangeiro e fomento à inovação.

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