Marco Aurélio completa 30 anos no Supremo Tribunal Federal

Scaff: As bodas de pérola do ministro Marco Aurélio com o STF

Marco Aurélio Mendes de Faria Mello está entre os integrantes do Supremo Tribunal Federal mais longevos desde que a República foi proclamada, em 1889. Neste sábado (13/6), completa 30 anos como membro da corte da qual é atualmente vice-decano, uma vida dedicada ao cargo como testemunha e, não raro, ator de transformações que impactaram a história brasileira. Tem pela frente exatamente um ano e um mês até a aposentadoria compulsória.

É definido pelos colegas como “homem talhado para o colegiado”, “um dos mais notáveis juristas” e incansável defensor da Constituição. Ao longo dos anos, foi um semeador de ideias e soluções, tanto no aspecto jurisprudencial quanto processual. Defendeu como poucos o direito de ir e vir e a liberdade de expressão.

É um observador rigoroso do devido processo legal e, em tempos de pandemia, reforçou a postura contrária à invasões do Judiciário em atos do Legislativo e do Executivo. Diz que é comum confundir atuação marcante para buscar a efetividade da ordem jurídica com ativismo judicial. 

“O STF tem a última palavra e depois que ele decide não tem a quem recorrer, o que gera uma responsabilidade maior. Não gera possibilidade de forçar a mão nesse ou naquele sentido. Paga-se um preço por se viver em um Estado Democrático de Direito e está ao alcance de todos: o respeito irrestrito às regras estabelecidas”, apontou, em entrevista ao Anuário da Justiça.

Apenas três ministros tiveram maior estadia na cadeira do Supremo Tribunal Federal: Hermínio do Espírito Santo, André Cavalcanti e Celso de Mello, atual decano.

Nelson Jr./STF

Histórico

Marco Aurélio foi empossado por Fernando Collor de Mello em 1990. Na iniciativa privada, foi Chefe do Jurídico dos Conselhos Federal e Regional dos Representantes Comerciais do Rio de Janeiro e Advogado da Federação dos Agentes Autônomos do Comércio da Guanabara. Integrou o Ministério Público do Trabalho (1975-1978), de onde saiu para o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (1978-1981) e o Tribunal Superior do Trabalho (1981-1990).

Cumpriu três mandatos no Tribunal Superior Eleitoral, quando foi presidente da corte também em três oportunidades. Presidiu o STF entre 2001 e 2003. Em seu discurso de posse, alertou: “numa época em que o tecnicismo exacerbado, a quase obsessiva especialização da s ciências, a danos a impessoalidade das relações econômicas contemporâneas promovem desvirtuamento ímpar de valores, convém a toda a sociedade, sobretudo aos magistrados, restabelecer o enfoque no ser humano”.

Carlos Moura/STF

Cumprindo essa função, discursou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado em agosto de 2001, defendendo a reforma da legislação instrumental, mas chamando a atenção para a necessidade de que o Estado “adote postura exemplar e cumpra, com fidelidade absoluta, sem potencializar o objetivo em detrimento do meio, o que estabelecido nessa mesma legislação e, principalmente, as decisões judiciais”.

Por conta da presidência do STF, ocupou interinamente a Presidência da República em duas oportunidades, uma das quais sancionou a Lei 10.461, que criou a primeira emissora pública a transmitir ao vivo os julgamentos da corte suprema. Costuma chamar a TV Justiça de “filha”, já que o projeto de criação saiu de seu gabinete.

Rebate a crítica de que a transmissão ao vivo e em cores desacelerou o ritmo dos julgamentos e inflou o ego dos julgadores. “A TV Justiça é publicidade! É levar para a população em geral o que é julgamento e aproximar a justiça da sociedade. É irreversível e dá transparência maior à vida do próprio Supremo”, afirmou em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2020, com lançamento previsto para agosto.

Reconhece a utilidade da instituição do julgamento virtual, mas o define como “o maior mal da jurisdição atual”. Defende que o julgamento seja feito olho no olho, com debates em que os ministros possam se complementar em meio à discussão do conteúdo. Inclusive considera que os julgamentos devem ser cada vez menos permeados por academicismo, como forma de dar celeridade e evitar o elevado número de processos parados nos gabinetes.

Votos e jurisprudência

Costuma brinca que já sabe o título do livro que vai publicar quando deixar o tribunal: Os Votos que Não Proferi. Diz que acumula processos de sua relatoria em que liberou o voto, mas não vê como seu entendimento ganhar publicidade por conta do grande volume da pauta.

Nelson Jr./STF

Dá como certo que esses casos não serão julgados até sua aposentadoria.

No Plenário, fica constantemente vencido. Muitos de seus entendimentos minoritários com o tempo se transformaram em teses majoritárias, como destacou o ministro Dias Toffoli, ao homenagear o colega. 

“Exemplos emblemáticos são a declaração de inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos; a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel; a inconstitucionalidade da cláusula de barreira; o reconhecimento do instituto da infidelidade partidária e a constitucionalidade da prisão apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, citou Toffoli.

Foi dele também a proposta para tentar corrigir distorções no uso de Habeas Corpus, que inundavam as cortes brasileiras — e ainda inundam — em 2012. À época, inaugurou na 1ª Turma a jurisprudência que não conhece de Habeas Corpus impetrado em substituição ao recurso ordinário. Alegou que a prática configura uma tentativa de saltar instâncias. Se alguma ilegalidade fosse identificada, o HC era concedido de ofício.

Depois, lamentou que a postura tenha levado a um barateamento do HC. Se arrependimento matasse, eu estaria morto”, disse ele em entrevista ao Anuário da Justiça. “A ótica de se adotar rigor maior na adequação caiu tão a gosto que passaram a apontar; ‘se já transitou em julgado, não Cabe Habeas Corpus’; ‘se a decisão poderia ter sido impugnada, é o caso de ir para o Superior Tribunal de Justiça mediante recurso especial’; ‘se a parte não manejou o Recurso Especial, não cabe HC’. Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura, que está prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus.”

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