Márcio Luiz Silva: O ‘novo normal’ eleitoral

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O presidente da República subscreveu nota na qual se lê: “As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p.ex. a tomada de poder. Também não aceitam tentativas de tomada de poder por outro poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”.

É de conhecimento ordinário que o juízo político, por atender aos imperativos da conveniência e da oportunidade, e porque não lhe exige a Constituição, prescinde de motivação ou fundamentação expressa para sua validade. O mesmo raciocínio não se aplica às decisões judiciais, que precisam sempre ser fundamentadas. E a validade da decisão judicial atende aos requisitos cuja avaliação cabe exclusivamente ao Poder Judiciário…

A Lei Complementar 64/90 dispõe textualmente que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Essa disposição normativa não foi imposta pelo Poder Judiciário, apesar de claramente inspirada pela evolução jurisprudencial, mas votada pelo parlamento em 2010. Parlamento esse do qual fora integrante um certo chefe do Executivo.

O juízo político a que a nota faz menção é aplicável ao processo de impeachment para a deliberação eminentemente política quanto à ocorrência de um entre os tantos crimes de responsabilidade perpetrados (a lista é longa e vai desde a apologia à tortura até inépcia na condução de crise sanitária). Ao que indica a manifestação em apreço, não há ânimo por parte do presidente em submissão serena ao artigo 86 da Constituição Federal, por entender demasiado vaga eventual fundamentação por parte dos parlamentares. Isso já seria mais um motivo, nos expressos termos do artigo 85, II e VII, da Constituição…

No entanto, o que causa assombro é eventual insinuação de que o mandato outorgado pelos 55,13% dos votos válidos, presumidamente obtidos em processo legítimo, não possam ser passíveis de cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral.

As regras do jogo orientam e integram o sistema democrático. Não basta auferir o maior número de votos se esses foram obtidos mediante vícios. Houve um tempo em que a “potencialidade” desses vícios influírem no resultado em interessante exercício de adivinhação era condição à cassação do mandato maculado. Como se lê a partir da redação da LC 135, de 4 de junho de 2010, o que se espera atualmente é que a regra valha para todos e seus parâmetros sejam efetivamente o limite de cada candidatura. Assim, hoje há o limite de gastos. Gastar um pouquinho acima do que permitido pode até não ser abuso econômico no sentido clássico, mas certamente o é no político. Registrar menos de 30% de candidaturas femininas é abuso passível de cassação de toda a lista de candidatos do partido, tenha individualmente o integrante da lista concorrido ou não para a irregularidade. Isso porque o sistema eleitoral assim preconiza e, portanto, deve ser obedecido.

Ora, atacar um endereço de opositores adulterando o sentido das mensagens durante o processo eleitoral (hoje sabemos o quão irremediáveis as consequências de fake news na formação de opinião) parece, s.m.j., constituir conduta grave.

Beneficiar candidatura por meio de impulsionamento de mensagens patrocinadas por empresários amigos sem que essa despesa haja integrado a prestação de contas também parece, novamente me penitenciando de eventual absurdo, conduta grave e tendente ao desequilíbrio em relação aqueles que obedeceram aos limites impostos.

Seja como for, ao Judiciário caberá analisar as provas produzidas e, fundamentadamente, decidir. Não há espaço ao juízo de mera conveniência ou a oportunidade de correção de rumos. Não é disso que se trata, mas do exercício regular da jurisdição que diz respeito à confiança geral no sistema político. Caso seja sinalizado que invadir endereços eletrônicos, espalhar falsidades e potencializar apoios externos sem controle de despesas é aceitável, abriremos as portas do caos.

Márcio Luiz Silva é advogado eleitoralista.

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