STF adia discussão sobre medidas para proteção de indígenas ante a covid-19

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Com o fim do recesso forense, o STF retomou nesta segunda-feira, 3, as sessões plenárias de julgamento. Em sessão extraordinária por videoconferência, os ministros debatem a ADPF 709, cujo tema é a proteção dos povos indígenas ante a pandemia de covid-19 e suposta omissão do governo Federal na adoção de medidas.

O plenário decidirá se confirma a medida cautelar deferida no dia 8 de julho pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, por meio da qual determinou ao governo Federal a adoção de diversas medidas para combater o avanço da covid-19 sobre os povos indígenas e suas aldeias, entre elas a instalação de uma “sala de situação” com participação de índios, Ministério Público e Defensoria; a criação de barreiras sanitárias; e a elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da doença. 

Feito o relatório e as sustentações orais, votou o relator, ministro Barroso, pedindo que os colegas referendem a cautelar.

Pelo adiantado da hora, a sessão foi suspensa e deve prosseguir na quarta feira, dia 5, em sessão plenária programada para as 14h. 

Voto do relator

Inicialmente, o ministro Luís Roberto Barroso pontuou que sua cautelar se assentou em três premissas:

i) O princípio da prevenção ou da precaução – Em matérias que envolvam a vida das pessoas, destacou o relator, a jurisprudência do Supremo é de que se adote todas as medidas possíveis, desde que razoáveis e proporcionais. Assim, sua preocupação primária foi de proteção da vida e da saúde desses grupos, inclusive pelo risco de extinção de etnias.

ii) Estabelecer diálogo institucional. Para Barroso, a concretização de políticas públicas necessárias depende da atuação da União, por intermédio do ministério da Saúde e das Forças Armadas. “Não tem como o Judiciário elaborar esses planos e dar-lhes execução. Por esta razão, o diálogo entre Judiciário e Executivo é imperativo.”

iii) A preocupação de estabelecer diálogo intercultural. “Este diálogo entre nossa própria cultura e a cultura indígena me parecia imprescindível para a solução adequada desses problemas.

Quanto às medidas cautelares impostas em sua liminar, o ministro explicou ponto a ponto as determinações, as quais resumiu da seguinte forma:

Aos povos em isolamento de contato recente

– Instalação de barreiras sanitárias

– Instalação de sala de situação, com participação de comunidades indígenas, do MP, da DPU, do CNJ, e de representante de seu gabinete, além de técnicos que a sala de situação venha a convocar.

Aos povos indígenas em geral

– No tocante à retirada dos invasores, determinou-se providência emergencial de cordão sanitário de isolamento e a elaboração de um plano de desintrusão;

– Relativamente ao acesso dos índios aldeados em áreas não homologadas, determinou a extensão dos serviços específicos para indígenas; em relação aos que estão em área urbana, determinou a extensão desses serviços específicos se o SUS não pudesse atendê-los.

– Elaboração e monitoramento de um plano, a ser elaborado por grupo de trabalho no âmbito do governo Federal.

 

 Ante o exposto, pediu aos colegas a ratificação da cautelar concedida. 

Sustentações orais

Pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, manifestou-se Luiz Henrique Eloy Amado. Ele destacou que houve aumento do desmatamento e de atividades de garimpo e que, no contexto de pandemia, as comunidades não tiveram paz, porque, além de lutarem pela vida, precisaram lutar contra os interesses econômicos que recarem sobre as terras indígenas. Destacou ainda que há sério risco de genocídio e que, em caso de grupos isolados, corre-se o risco de serem exterminados.

“Proteger os povos indígenas é um compromisso do Estado brasileiro, que não pode ser mitigado.”

Em seguida, falou pelo PSB e Rede Sustentabilidade o advogado Daniel Antônio de Moraes Sarmento, que iniciou sua fala destacando tratar-se de um dos julgamentos de maior relevância da história do Supremo, porque em jogo não apenas milhares de vidas, mas a sobrevivência de povos indígenas inteiros. O advogado elogiou a decisão de Barroso, mas destacou como fundamental uma questão que não foi atendida na cautelar pelo ministro: a questão da retirada dos invasores das 7 terras indígenas citadas na inicial – garimpeiros e madeireiros que, segundo o causídico, se tornaram o principal vetor da pandemia no local. 

“São os povos indígenas que, na defesa de sua saúde, desejam a retirada, estão cientes dos riscos, e que esta é a sua solução, uma solução amparada na ciência, uma solução que trata os povos indígenas brasileiros como sujeitos de direito.”

Pelo PDT, manifestou-se o advogado Lucas de Castro Ribas, que pediu a ratificação da liminar, e em maior extensão, incluindo a retirada dos invasores como pedida de saúde pública das populações indígenas, e não de política agrária.  

Pelo PCdoB, Paulo Machado Guimarães chamou a atenção para o fato de que a contaminação e letalidade da covid-19 entre os povos indígenas é maior do que na população brasileira, que, por si só, justificaria o referendo da cautelar. “Consideramos fundamental, importantíssima, a interlocução entre os agentes públicos e as comunidades indígenas”, destacou, afirmando que a mesma não ocorreria até o momento não fosse pela decisão de Barroso. “Compete a União a proteção aos bens indígenas – e nenhum bem maior que a própria vida.”

Pela AGU, José Levi afirmou que, desde o primeiro momento, o empenho da União é mostrar e debater políticas públicas pertinentes em curso. “Neste sentido, a ADPF abre oportunidade qualificadíssima de debate.” Levi destacou a atuação do ministério da Defesa em todo o território nacional no enfrentamento da pandemia em favor dos indígenas, sobretudo no que se refere ao suporte logísticos. 

“Existe e funciona toda uma estrutura administrativa dedicada a acolher a questão indígena; por outro lado importa reconhecer que ela está ainda melhor coordenada e complementada a partir do diálogo fomentado pela medida cautelar, ora em processo de referendo.” Assim, disse que não haverá pedido de suspensão da liminar. “O interesse aqui é dar cumprimento à cautelar. (…) Referendada a cautelar, a União roga seja reconhecido o máximo empenho que está acontecendo por parte dela para atender às determinações em um contexto complexo sobre as mais diversas óticas.” E concluiu elogiando o ministro Barroso, como “relator impecável para o caso”.

Pela PGR, Augusto Aras ratificou manifestação escrita, favorável ao referendo da decisão do relator. 

Também realizaram sustentação oral pelos amici curiae o advogado Gustavo Zortéa da Silva, pela DPU; a advogada Juliana de Paula Batista, pelo Instituto Socioambiental; Gabriela Araújo Pires, pela Comissão Guarani Yvyrupa; Pedro Sérgio Vieira Martins, pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns e Terras de Direito; e Julia Melo Neiva, falando pelo Conectas Direitos Humanos. 

Ação

A ADPF foi ajuizada pela Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e por seis partidos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT). Eles requerem a adoção de providências, por parte do governo, no combate à epidemia da covid-19 entre a população indígena.

Na ação, a entidade e as legendas alegam que ações e omissões do Poder Público no combate à doença nessas comunidades estão causando um “verdadeiro genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras”, e que a taxa de mortalidade por covid-19 entre indígenas é de 9,6%, contra 5,6% na população brasileira em geral.

Liminar

Ao analisar o pedido, o ministro Barroso enfatizou que os povos indígenas são especialmente vulneráveis a doenças infectocontagiosas. Segundo Barroso, há indícios de expansão acelerada do contágio da covid-19 entre seus membros e alegação de insuficiência das ações promovidas pela União para sua contenção.

Na decisão, o relator reconheceu a legitimidade da Apib na propositura da ação, mesmo diante da jurisprudência do STF limitar configuração de “entidades de classe” àquelas representativas de pessoas que desempenham a mesma atividade econômica ou profissional. Para ele, é o caso de superar tal interpretação restritiva do conceito, “que além de obsoleta é incompatível com a missão institucional do Tribunal”.

Quanto ao pedido de retirada de invasores nos territórios indígenas que praticam atividades ilícitas – como desmatamento, extração de madeira e garimpo ilegal – o ministro Barroso afirmou que não há dúvida de que a remoção é imperativa. “Entretanto, a situação não é nova nem guarda relação com a pandemia”, disse.

O ministro afirmou que determinar o ingresso de forças militares e policiais em terra indígena para retirar os invasores implicaria em um risco de conflito armado durante a pandemia.

“Há, portanto, considerável periculum in mora inverso na determinação da retirada tal como postulada, já que ela implicaria o ingresso de forças militares e policiais em terra indígena, em risco de conflito armado durante a pandemia e, por conseguinte, poderia agravar a ameaça já existente à vida de tais povos.”

Assim, deferiu as seguintes medidas:

Para os povos indígenas em isolamento ou povos indígenas de recente contato:

– Criação de barreiras sanitárias, que impeçam o ingresso de terceiros em seus territórios, conforme plano a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala de Situação (infra), no prazo de 10 dias;

– Criação de Sala de Situação, para gestão de ações de combate à pandemia;

Para os povos indígenas em geral:

– Inclusão, no “Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas”, de medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas;

– Imediata extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos aldeados situados em terras não homologadas.

– Plano elaborado pela União para desintrusão das terras indígenas: “Portanto, se nenhum plano for desenvolvido a respeito da desintrusão, voltarei ao tema”;

Veja a íntegra da decisão.

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