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Até meados de fevereiro de 2020, pouco se discutia sobre restrições à liberdade de locomoção em todo o país, cujo cerne costuma permear, de maneira proeminente, o debate criminal. Porém, o tema tomou rumos inéditos: com o rápido alastramento da Covid-19, a qual tem se mostrando fator de difícil embate nos países afetados, as quarentenas têm sido adotadas como meio eficaz na contenção de uma possível infecção generalizada (dada a ausência de tratamentos médicos e vacinas com eficácia comprovada).

A imposição de isolamento social coletivo, a suspensão de atividades comerciais, acadêmicas e empresariais e a contenção de deslocamento territorial estão sendo, até o presente momento, aplicadas com o consenso de órgãos internacionais como a OMS. Contudo, ainda há resistência por parte de alguns setores (nacionais e internacionais) da sociedade, por entenderem que a quarentena é um fator prejudicial à economia global, defendendo, assim, a flexibilização do isolamento [1].

Surtos epidêmicos não são novidade na história contemporânea, tendo em vista as pandemias da gripe espanhola e aviária e, mais recentemente, do vírus H1N1. Apesar disso, a complexidade da questão que se coloca é: para além do combate ao vírus transmissor da Covid-19, como o Direito brasileiro pode manter a proteção das garantias fundamentais coletivas sem que haja agressão à liberdade individual, dado o contexto de recessão econômica e polarização política?

Primeiramente, é necessário pontuar o ineditismo da situação atual. Pouco se encontra na jurisprudência brasileira dos últimos tempos sobre o atuar das instituições no combate às pandemias. Entretanto, as autoridades têm discutido a restrição da liberdade de locomoção (para a defesa da saúde coletiva e da ordem social) frente à manutenção da saúde econômica do Estado.

A recessão da economia brasileira, agravada pelo fraco crescimento do PIB em 2019 [2], acalorou o debate sobre a manutenção de quarentenas nos estados-membros, principalmente em metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, onde existem o maior número de casos de mortes pelo coronavírus.

Na declaração oficial de 16 de abril de 2020 [3], o presidente da República, Jair Bolsonaro, pontuou que “jamais iria retirar o direito constitucional de ir e vir, seja qual fosse o cidadão”, além de estabelecer como meta a tomada de medidas para evitar a proliferação do vírus, por meio do “convencimento e com medidas que não atinjam a liberdade e as garantias individuais de qualquer cidadão”. A atipicidade da situação pôs em conflito com o Governo Federal as medidas tomadas pelos governos estaduais, uma vez que a autonomia do pacto federativo permite a adoção de soluções necessárias para a contenção da pandemia.

A Medida Provisória n˚ 926, editada pelo Executivo Federal em 20/03/20, alterou os artigos 3º, caput, incisos I, II e IV, e parágrafos 8º, 9º, 10º e 11º da Lei 13.979/20, e se tornou alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341, de relatoria do ministro Marco Aurélio. Em sede de cautelar, o relator deferiu parcialmente o pedido autoral, sem impugnar os dispositivos em questão, porém tornando explícito o entendimento de que os estados possuem competência concorrente para tomar suas próprias decisões no tocante aos procedimentos sanitários da quarentena.

O STJ também se posiciona nesta linha de raciocínio, reforçando a necessidade de tutela do Estado no combate às pandemias, como pontuou o ministro Humberto Martins no julgamento do REsp 1.299.900: “O Estado possui o dever de mitigar ou evitar os efeitos de pandemias e epidemias conhecidas” [4]. Além disso, o ministro Francisco Falcão acompanhou a decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF), determinando o uso de recursos levantados nos acordos de Colaboração Premiada na Operação Calvário para medidas necessárias à contenção da Covid-19.[5]

Do ponto de vista jurídico, a Constituição de 88 provê o respaldo legal para a adoção das medidas sanitárias anti-pandêmicas. A Lei 13.979/2020 (conhecida como “Lei da Quarentena”) tem como base constitucional o artigo 196 da Carta Maior, que dispõe:

“Artigo 196  A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Tais medidas visam a resguardar os direitos fundamentais e sociais, previstos nos artigos 5º e 6º da CF/88, além de concordar com os fundamentos da República Federativa do Brasil, como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF/88). O Ministério da Saúde emitiu a Portaria nº 356/20, em que estabelece parâmetros para a contenção da transmissibilidade do vírus e pode-se destacar a possibilidade de responsabilização criminal pelo descumprimento das medidas de combate adotadas, nos termos do artigo 268 do Código Penal:

“Artigo 268 Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena
detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único
A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro”.

Os artigos 136 e subsequentes da CF/88 preveem que, em situações excepcionais ou de emergência (como os estados de sítio e de defesa), podem ser determinadas restrições a direitos fundamentais, como a liberdade de locomoção e de reunião. Contudo, há instituições que observam tais medidas como violadoras de valores constitucionais, como pontuou, em parecer, a Ordem dos Advogados do Brasil [6].

Nesse sentido, é possível perceber que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não possui preparo para lidar com questões de grande comoção social. Admite-se que o contexto proporcionado pela Covid-19 é totalmente atípico, porém, é possível perceber que as instituições estão manifestando-se na tentativa de reduzir os números da doença (ainda que tais medidas sejam passíveis de críticas). Apesar disso, a questão é: até que ponto a liberdade do cidadão deve ser reduzida frente a frente à saúde coletiva, considerando que não há hierarquia entre direitos fundamentais?

Pela perspectiva utilitarista, deve-se atingir a melhor eficiência com o menor custo. Assim, seria justo que as instituições mantivessem a restrição máxima, abrindo margem para implantação dos sistemas constitucionais de crise. Entretanto, conforme pontua a OAB, tais medidas podem levar a arbitrariedades. Por outro lado, quais limites devem ser impostos às instituições para que a sensação de pânico não justifique o cruzamento dos limites impostos pela Constituição?

Há mais perguntas do que respostas. Contudo, admite-se que os três poderes devem controlar-se mutuamente em nome da manutenção do Estado Democrático de Direito e da contenção de possíveis abusos. Somente o tempo será capaz de curar os sintomas que essa pandemia causará no ordenamento brasileiro e o futuro permitirá que lidemos com as sequelas jurídicas deixadas pela doença.

 é graduando em Direito pela FND/UFRJ, servidor público na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e possui experiência na área de pesquisa qualitativa em Direito Constitucional, com ênfase no Eixo-Sul e América Latina.

 é graduando em Direito pela UFRJ/FND, foi monitor de Direito Penal e possui experiência nas áreas de Direito Penal, Criminologia e Processo Penal.

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