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A substituição de atos processuais presenciais pelos realizados de forma virtuais não é novidade. No âmbito dos tribunais, há algum tempo já existe a prática da realização de julgamentos colegiados virtuais.

Por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) aplica o julgamento virtual em segundo grau desde 2011 [1]. Atualmente, mesmo os colégios recursais paulistas julgam processos de maneira virtual. Nos tribunais superiores, os julgamentos virtuais são realizados com frequência. Em 2017, por exemplo, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal julgou, em decisões finais, 4.317 processos [2].

Apesar da experiência muito bem-sucedida nos tribunais, no primeiro grau de jurisdição as audiências continuavam sendo realizadas da maneira antiga, presencialmente.

O arcabouço normativo favorecia, mas apenas em parte. A Lei nº 11.900/2009, que alterou o Código de Processo Penal, prevê o interrogatório de réu preso por videoconferência, mas somente de forma excepcional e justificada [3]. A mesma lei previu que a oitiva de testemunhas também poderia ser feita por videoconferência [4]. O Código de Processo Civil de 2015 previu a realização de audiências virtuais, em vários de seus artigos, em especial o artigo 385, § 3º, (depoimento pessoal) e 453, § 1º (oitiva de testemunhas).

A Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 105/2010 obrigava que os tribunais disponibilizassem em todos os fóruns salas de videoconferência, o que nunca foi plenamente cumprido, nem mesmo nas grandes cidades. Se houvesse tal sala (e quase não há), certamente seria em número insuficiente para servir a todos os magistrados. Assim, na prática, simplesmente não se usava o sistema de videoconferência, sendo que o deslocamento de réus presos e a oitiva de testemunhas de modo tradicional, pelos juízos deprecados, eram a realidade na imensa maioria dos casos.

A jurisprudência, por outro lado, também não ajudava. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 88.914/SP, um pouco antes da Lei nº 11.900/2009, havia decidido que o interrogatório por videoconferência feria a ampla defesa [5]. Em julgado recente, pouco anterior à pandemia da Covid-19, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela ilegalidade de audiência de custódia realizada de maneira virtual [6].

Mas a necessidade fez o gato pular.

Poucos meses depois, com o recrudescimento da pandemia da Covid-19, o CNJ recomendou a suspensão das audiências de custódia, que atualmente não vêm sendo realizadas sequer de maneira virtual [7].

É verdade que o TJ-SP, em comunicado pouco anterior à pandemia, já facultava aos seus juízes a realização de audiências virtuais [8]. No entanto, na prática, o procedimento ainda não se aplicava com regularidade.

Após a pandemia, a utilização da audiência virtual foi reiterada no Provimento CG/TJSP 284/2020. Na oportunidade, o critério de marcar a audiência era do juiz, mas a adesão das partes à audiência virtual também foi facultativa [9].

Tal facultatividade às partes não está expressa na Resolução CNJ nº 314/2020, editada posteriormente. A Resolução do CNJ apenas estabeleceu que o juiz deve levar em conta a dificuldade das partes ao acesso aos meios tecnológicos e intimações [10], mas não exigiu previamente a concordância das partes para se marcar a audiência virtual.

Ainda nessa lógica, o legislador federal, dessa vez, andou ainda mais rápido do que os tribunais e o CNJ. Com a edição da Lei Federal 13.944/2020, pelo menos nos juizados especiais, passou a ser obrigatória a presença das partes nas audiências de conciliação virtuais, sob pena de extinção (e condenação em custas) ou revelia [11]. Assim, sem qualquer ressalva, as audiências virtuais poderão ser realizadas no âmbito dos juizados. Por se tratar de uma regra permanente, será aplicada após o fim da pandemia.

Na minha opinião, obviamente, cada juiz deve ter em conta a realidade de sua comarca. A audiência deve ficar a critério do juiz, o sujeito imparcial. Não se pretende, com isso, prejudicar alguém que não tenha acesso a tecnologia. Aliás, um juiz que tenha intenção de prejudicar alguém sequer deveria ser juiz. Todavia, convenhamos, também não pode ficar a critério da parte interessada a realização ou não da audiência virtual. Não se mostra razoável, por exemplo, ficar prejudicada uma audiência virtual em que as partes são empresas, representadas por advogados, apenas por decisão injustificada de alguém.

Com todo o respeito, uma audiência virtual, uma vez marcada pelo cartório, não tem maiores dificuldades do que uma videochamada por WhatsApp, por exemplo. O Brasil é um país gigantesco e desigual, mas, pelo menos nas grandes cidades de São Paulo, deve-se presumir que a maioria das pessoas que ingressam com ações no Judiciário tem acesso a celular e internet. Por outro lado, os advogados já estão acostumados ao processo digital, muito mais complexo do que uma simples videochamada.

Desde o início da pandemia, intensificou-se a realização das audiências virtuais. No Estado de São Paulo, foram marcadas 195 audiências virtuais em estabelecimentos prisionais [12]. Houve experiências bem sucedidas em Tatuí [13], Dracena, São Sebastião [14] e Catanduva [15], cidades bem distintas umas das outras.

As crises são também oportunidades. A crise da pandemia da Covid-19 ainda não tem consequências plenamente conhecidas. A esperança é que, passada a crise, fique consolidada a realização de audiências virtuais. Afinal, o gato já aprendeu a pular.

 


[6] STJ, CC 168522/PR, Terceira Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 17/12/2019

 é juiz de Direito do estado de São Paulo, diretor da Apamagis, professor da Escola Paulista da Magistratura (EPM), doutor e mestre em Direito do Estado (Direito Constitucional) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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