Opinião: Os contratos empresariais na Covid-19

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A Covid-19, para além do caos na saúde, está afetando a economia nacional em todos os setores. Com a decretação das medidas de quarentena e distanciamento social, o adimplemento de toda forma de obrigações, a exemplo das trabalhistas, civis e empresariais, se tornou uma das pautas mais discutidas no cenário jurídico. É quase unânime o entendimento de que a pandemia interferirá, de algum modo, no exato cumprimento dos contratos. Deste modo, a provável saída para crise jurídica está na aplicação da teoria da imprevisão, considerando-a como caso fortuito ou força maior, ou até mesmo a aplicação de alguma legislação específica para transitoriedade do atual momento (PL n° 1.179/20).

De início, importa destacar que o cumprimento dos contratos é a regra. Quem contrata, tem que cumprir o avençado, isso porque o contrato faz lei entre as partes (pacta sun servanda). Inclusive, a legislação civil, que regula contratos civis e empresariais, estabelece as consequências para o inadimplemento contratual, considerado o teor do artigo 389 do Código Civil, no sentido de que o devedor que não solver sua obrigação arcará com perdas e danos, juros, atualização monetária e eventualmente honorários advocatícios.

Contudo, é fato que nem todo descumprimento contratual trará penalidades para o devedor, notadamente em situações específicas elencadas pela legislação. Com efeito, o artigo 393 do Código Civil estipula a hipótese de caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidades nas obrigações em geral, conceitos vinculados às características da imprevisibilidade, inoponibilidade e impossibilidade de conhecimento das consequências dos eventos que afetem a regular execução do contrato. Dispõe o referido dispositivo normativo que o devedor não responderá pelos prejuízos decorrentes do acontecimento caracterizado como caso fortuito ou da força maior.

No mesmo sentido é o princípio da onerosidade excessiva, atrelado à teoria da imprevisão e disposto no artigo 478 do Código Civil, segundo o qual se a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra parte, o prejudicado poderá requerer a resolução do contrato. Existem outras disposições legais semelhantes para obrigações de entregar algo (obrigações de dar) e obrigações de fazer algo, as quais excluem a responsabilidade do devedor se a coisa perecer ou este ficar impossibilitado de cumprir a prestação de fazer, em ambas as hipóteses por situação alheia à sua vontade.

Pois bem, visto brevemente que os contratos fazem lei entre as partes, mas que, de outro lado, os contratantes se comprometem a cumprir suas obrigações se estas se mantiverem da forma em que originalmente contratadas (rebus sic stantibus), importa, neste momento, verificar a possibilidade de alocação da Covid-19 como caso fortuito ou força maior e, em caso positivo, a forma e o grau de aplicação.

De fato, é consenso que a Covid-19 configura hipótese de força maior ou caso fortuito, de modo que é excluída a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento contratual. Dessa forma, a parte inadimplente não responde por perdas e danos, juros, atualização monetária, nos termos dos artigos 389 e 393, parágrafo único, do Código Civil.

Entretanto, não nos parece que a mera alegação de caso fortuito ou força maior possa se constituir como argumento universal para justificar a inexecução de toda e qualquer obrigação contratual. Em verdade, sustentamos que o inadimplemento contratual deva ter relação direta e imediata com a Covid-19 e que exista a concreta demonstração de que o devedor não tenha condições financeiras de arcar com a obrigação contratual. Além disso, não se mostra razoável que contratos já em curso, mas cujo inadimplemento ocorreu antes da Covid-19, por fato imputado ao devedor, possam ser resolvidos com base na crise sanitária atual.

Ante a gravidade da pandemia, possivelmente, todas as partes contratantes foram ou serão afetadas pelos seus efeitos econômicos e sociais. Assim, a questão reside em como resolver os conflitos jurídicos nesse cenário, sem atribuir todo ônus da relação contratual exclusivamente para uma das partes.

Por exemplo, imagine-se contrato de locação de ponto comercial em shopping center, considerando que o fechamento do estabelecimento decorre diretamente da quarentena decretada pelo Governo. Não há dúvidas de que tanto o locador quanto o locatário foram afetados pelos efeitos da pandemia da Covid-19. Igualmente como exemplo, podemos citar a cadeia de produção em geral (empresarial e consumerista), na qual os sujeitos sofrem os efeitos da pandemia ao se tornarem devedores e credores de obrigações recíprocas, o que levará a descumprimentos contratuais sucessivos.

Nesse caso, pode-se cogitar, ainda na esfera extrajudicial, a negociação entre as partes para a novação da dívida (criação de outra obrigação a ser adimplida posteriormente); adiar no pagamento dos aluguéis ou mesmo diminuir os aluguéis temporariamente. Observe-se que as soluções para crise jurídica devem buscar o reequilíbrio das obrigações entres partes, com sacrifícios mútuos. Inclusive, a ideia de concessões recíprocas, característica marcante da pandemia refletida nos contratos, pode sinalizar um caminho ao Poder Judiciário para interpretar e solucionar os conflitos decorrentes da pandemia.

Como exemplo concreto, veja-se o decidido no processo nº 2061905-74.2020.8.26.0000, no bojo do qual a devedora requereu o adiamento no pagamento de parcelas decorrentes de contrato de trato sucessivo (duração continuada), demonstrando: I) que o inadimplemento decorreu da Covid-19; e (II) que não possui mínimas condições de arcar com as parcelas, temporariamente. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ainda que em medida liminar, entendeu caracterizada a imprevisibilidade decorrente da Covid-19, concedendo o parcelamento do quanto devido, de modo a possibilitar a solvência da dívida. Dessa forma, a credora receberá a prestação e a devedora arcará com seu ônus, isto é, ambas as partes cederam mutuamente, ainda que por imposição judicial.

Nessa perspectiva, destaca-se o Projeto de Lei 1.179/2020, que dispõe sobre o “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado RJET” e tem como principal objetivo a criação de regras transitórias para regular os contratos privados durante o período de pandemia, sem alterar leis vigentes.

Entre as diversas disposições do projeto, vale ressaltar o artigo 6º, o qual estabelece que os efeitos contratuais da pandemia não serão retroativos, bem como o artigo 9º, que proíbe a concessão de liminar judicial para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo até 31 de dezembro de 2020.

Também cabe mencionar a Medida Provisória nº 948, editada em 8 de abril, que dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março.

A MP 948 atribui expressamente a qualidade de caso fortuito e força maior à Covid-19, nos termos do artigo 5º, excluindo danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades. Quanto ao reequilíbrio contratual, a MP determina que o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados; a disponibilização de crédito para uso ou para abatimento na compra de outro serviço pelo consumidor; ou mesmo a formalização de outro acordo com o consumidor.

Ressalte-se que as soluções para os casos concretos, considerando a complexidade da matéria, são variadas. Em regra geral, os efeitos da Covid-19 devem ser entendidos como caso fortuito ou força maior apto à aplicação da teoria da imprevisão, desde que demonstrado concretamente o nexo de causalidade entre a pandemia e o inadimplemento. Todavia, o reequilíbrio e manutenção da relação contratual devem ser o objetivo buscado.

Com efeito, a solução extrajudicial para eventuais conflitos possibilita que as partes equilibrem a relação jurídica consensualmente, através da mitigação do prejuízo. Nessa perspectiva, em recentíssimo debate promovido por esta ConJur, o ministro presidente do Superior Tribunal de Justiça, dr. João Otávio de Noronha, concluiu que a melhor forma de intermediar as crises entre as partes não é mediante imposição judicial, mas sim por meio da mediação [1].

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou o “Projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19” (Provimento CG 11/2020), por meio do qual o interessado pode enviar e-mail para o tribunal indicando qual o conflito e a qualificação das partes, a partir do que o juiz designado agendará audiência de conciliação a ser realizada online, por sistema eletrônico do tribunal. Se infrutífera a conciliação, será designada audiência mediação.  

Numa perspectiva futura, os efeitos da pandemia da Covid-19 afetarão a forma e interpretação dos negócios jurídicos. Desse modo, os novos instrumentos contratuais deverão considerar a existência do vírus e suas imprevisíveis consequências, de modo a antecipar riscos, alocar responsabilidades e estabelecer alternativas pré-processuais para solução de conflitos.

Janiclaiton Ferreira de Souza da Silva é advogado associado integrante do escritório Lemos Jorge Consultoria Jurídica.

Vinícius Guerbali é advogado associado integrante do escritório Lemos Jorge Consultoria Jurídica.

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