Uma reflexão sobre a democracia

Diário de Classe O presidencialismo de coalizão: um problema de Direito

Ano de 1947, Inglaterra, Câmara dos Comuns. Winston Churchill teria dito uma frase assim: a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais formas que têm sido experimentadas ao longo da história.

Deixando de lado, por um instante, o caráter frasista de Churchill, “como aferir a democracia?” é a pergunta que não quer calar. A experiência grega, que nos legou a palavra “democracia”, gerou efeitos no debate. Resta, então, tentar refleti-la estatisticamente, assunto levado para o campo da quantificação, uma espécie de linha que separa países “democráticos” de “não-democráticos”.

O cientista político Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasília (UnB), tratou logo de nos esclarecer a respeito do assunto. É que “um índice é um construto” (aqui). E, no caso da democracia, trata-se deuma instituição dificílima de demarcar. Por quê? Porque a produção de um índice, nessa seara,“visa apreender uma realidade complexa”, o que “exige uma série de decisões”, sendo a primeira delas, a preocupação de transformar a liberdade de expressão em números. Daí as consideráveis dificuldades: o direito de voto e liberdade de expressão têm o mesmo impacto na produção de uma democracia? Qual vale o dobro?

Feita essa rápida introdução, a fim de verificar que avaliar a democracia não é como colocar um termômetro e medir a temperatura, convém perquirir um índice de democracia que circulou amplamente pelos principais jornais ao longo do corrente ano. É que democracias do mundo, nos últimos dez anos, vivenciaram considerável queda de qualidade, sendo que a parcela de insatisfeitos atingiu o pico em 2020, divisa extrema da “recessão democrática”.

O relatório de satisfação global com a democracia 2020, elaborado pelo Instituto Bennett de Políticas Públicas da Universidade de Cambridge (aqui), apontou quais foram os países que mais caíram no índice de democracia.

O levantamento revelou que 92 países atualmente têm regimes autoritários, contra 87 democráticos, sendo que os cinco mais autoritários foram Eritreia, Coreia do Norte, Arábia Saudita, Iêmen e Síria. Os que apareceram como mais democráticos foram Dinamarca, Estônia, Suécia, Suíça e Noruega. E o Brasil? Bem, o Brasil foi o quinto país que mais caiu no ranking na última década. (Fonte: Democracy Report 2020 e Folha S.Paulo)

Mas quais os critérios desse relatório de satisfação com a democracia? De maneira geral, os eixos levantados foram a liberdade de expressão e de imprensa, que representam uma das faces do tema. Alguém poderá perguntar: mas a eleição, não é parte essencial da democracia? Sim, mas na interpretação da cientista política alemã Anna Lührmann, em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo (aqui), acabar com as eleições instantaneamente é um movimento que gera resistência, então “os governos primeiro atacam a mídia”, de modo a enfraquecer a resistência. Essa é a “rota mais comum que os governos têm tomado em direção ao autoritarismo”, diz a pesquisadora.

E, coincidentemente ou não, quatro meses após a conclusão da mencionada pesquisa da Universidade de Cambridge, um relatório da ONG “Repórteres sem Fronteiras” (aqui), apontou que o Brasil teve a segunda queda seguida em ranking de liberdade de imprensa, ocupando a posição 107 da lista de 180 Estados.

É evidente que há grande esforço para demarcar o assunto, tanto da equipe ligada à Universidade de Cambridge, quanto da equipe ligada à ONG “Repórteres sem Fronteiras”. As informações dos grupos de trabalho são muito interessantes e mais ajudam no debate do que o contrário.

Diante de tais angulações, alguns comentários adicionais: é evidente que não é nada simples comentar sobre as singularidades da democracia em curto espaço. Até porque, o assunto requer a compreensão de alguns contextos, sendo impossível dar um salto do ideal de liberdade da Grécia antiga, com o “povo” tomando decisões, passando por parâmetros de realidade sócio-política exibidos no clássico A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville.[1]

Assim, dentro do que é possível sintetizar, vê-se que a democracia é um regime de instituições. E isto nega um regime de pessoas isoladas.Ora, apostar num discurso de salvação da pátria, com lastro na figura pessoal de um presidente da República, como muitos imaginam, trata-se de reduzir consideravelmente a riqueza do debate.

Isso já evidencia que outros tantos componentes de um índice podem ser apresentados para reflexão dentro desse campo temático, que separa países “democráticos” de “não-democráticos”, a exemplo de que nas democracias a maioria tem que se preocupar com as minorias ou que, apesar do voto carregar uma mensagem, a democracia não se esgota apenas na operação da eleição.

Para além disso é necessário ainda refletir a democracia pelo cumprimento de direitos fundamentais, o que passa pela defesa das garantias processuais e pelas “liberdades cívicas” (liberdade de expressão, de consciência, de reunião, entre outros).É que, como diz Lenio Streck, se há um ataque aos direitos e garantias fundamentais, “o Direito é a primeira vítima, a segunda é a democracia” (aqui).

Mais: a democracia requer responsabilidade, o que pressupõe que um presidente da República, mesmo que eleito pelo voto do povo, não pode tudo (aqui). E daí caberia mais desdobramentos, a exemplo de que a cidadania é o sustentáculo da democracia, porque se trata de um sistema exercível por todos.

Vê-se que não é tarefa fácil falar sobre democracia. Trata-se de um tema que requer cuidado redobrado, especialmente quando há argumentos do tipo “as instituições estão funcionando”, porque o maior perigo de uma democracia é achar que não há perigo. Tal significa dizer que é preciso ligar um alerta com as chamadas “armadilhas da confiança”, como nos lembra o professor David Runciman, da Universidade de Cambridge (aqui).

Há, de fato, um ponto de autenticidade na frase do político britânico Churchill, de que a democracia é o único regime aceitável ou o melhor dos piores regimes de governo. Ele faz, como resta claro, o elogio da democracia.O que nos preocupa é saber se as atuais democracias podem ser chamadas de democracias.

André Del Negri é pós-doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), doutor em Direito Processual pela PUC Minas e mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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