Constituição, imposto sobre grandes fortunas e reforma tributária

Após o Dia das Mães, reflexões sobre o terrorismo tributário

A carga tributária brasileira não é injusta apenas porque se paga muito imposto, mas principalmente porque a maior parte da arrecadação tem origem nos impostos indiretos, incidentes sobre o consumo.

(livro Justiça Tributária, S.Paulo, 2.014, pág. 85).

Dentre as faixas exibidas ontem na manifestação em Brasília contra o atual governo, uma trazia mensagem a favor do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto no inciso VII do artigo 153 da Constituição em vigor desde 1988 e até hoje não implementado. Vejamos:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I – importação de produtos estrangeiros;

II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III – renda e proventos de qualquer natureza;

IV – produtos industrializados;

V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI – propriedade territorial rural;

VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

Proposta da CUT (Central Única dos Trabalhadores) apresentada tempos atrás ao Congresso pretendia alcançar com esse tributo quem possuísse mais de R$ 2 milhões de reais e outras 11 propostas na mesma direção surgiram. A CUT pretendia que a arrecadação ficasse vinculada ao financiamento da saúde. Havia uma falha nisso, pois a lei orçamentária impediria tal vinculação.

Outra alegação em sentido contrário foi a possibilidade de que grandes fortunas fossem desviadas para outros países.

Em países capitalistas essa tributação é utilizada como instrumento de justiça tributária. Nos Estados Unidos, por exemplo, chegou-se a tributar quem possuísse mais de 1 milhão de dólares.

Nas pesquisas que realizamos à época em que o livro acima foi escrito, encontramos manifestações de um grande empresário que julgou irresponsável a criação desse imposto, alegando que a competitividade seria desestimulada. Outro invocou a possível redução dos investimentos.

Qualquer que seja o argumento, ninguém duvida de que a nossa carga tributária é uma das mais elevadas do mundo (perto de 40%). Apesar disso, os serviços e benefícios que nos retornam são desproporcionais. Não é necessário nos alongarmos muito. Já a “máquina pública” sustentada pelos impostos é um insaciável monstro devorador de tudo.

A reforma tributária deve sair este ano mas, como já dissemos anteriormente, está cheia de defeitos e mantém as injustiças em vigor. Uma delas é a não atualização dos valores de retenção do imposto de renda na fonte no caso dos assalariados.

Veja-se a respeito nossa coluna de 11/11/2019, com o título “Propostas da reforma tributária esqueceram 7 problemas importantes onde invocamos o artigo 1º da lei 4.862 que regulou a tributação do IRPF na fonte pelos termos do decreto-lei 62/66. Nesse diploma legal as alíquotas variavam progressivamente sobre a renda líquida, iniciando em 3% (três por cento) e subindo até 50% (cinqüenta por cento), abatendo-se em cada degrau o anteriormente pago. O imposto progressivo é mais justo, pois quem ganha mais paga mais.

A tabela hoje vigente atinge o trabalhador cuja renda não lhe permite o atendimento adequado dos seus direitos básicos de cidadão, previstos no caput do artigo 6º da Constituição:

Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Ao cobrar imposto sobre quem receber R$ 3 mil de salários fica reduzido, por exemplo, o direito à moradia, pois qualquer residência em cidade média sujeita-se a aluguel expressivo. Se paga o aluguel, reduz a alimentação, o transporte, enfim, a conta não fecha. Portanto, a inadequada progressividade do IRPF é flagrante injustiça contra o contribuinte.

O primeiro princípio a ser observado em qualquer cobrança de imposto é o da capacidade contributiva, explícito no artigo 145, § 1º da Constituição:

§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Não raras vezes a administração tributária comete equívocos ao tentar identificar os rendimentos do contribuinte. Este deve impugnar o lançamento, apresentando a defesa administrativa junto à autoridade competente. Caso presente o equívoco e mantida a exigência, esta pode ser objeto de recurso administrativo à segunda instância (Carf).

Os julgamentos administrativos de segunda instância estão passando por uma nova fase, ao que nos parece mais adequada à realidade e mais próxima da Justiça. Um exemplo disso foi a notícia publicada em 18 de maio último pela nossa repórter Tábata Viapiana, com a manchete Incide prescrição em procedimento administrativo paralisado por mais de três anos.”

A enorme burocracia e as inúmeras interpretações equivocadas na aplicação da legislação tributária trazem fatos que fazem aumentar o sacrifício dos contribuintes. Vejam-se, por exemplo, os custos relacionados com defesas e recursos contra cobranças indevidas.

Outrossim, os contribuintes também sofrem autuações com multas confiscatórias e totalmente abusivas. Em alguns casos, o Judiciário repara o erro, como ocorreu na sentença da qual transcrevemos o seguinte trecho:

… se em qualquer ramo do direito não se pode acolher, passivamente, que o Estado legisle ferindo preceitos básicos do sistema de equilíbrio entre o seu poder e os direitos e garantias individuais , com maior razão , no contexto do direito administrativo o mesmo não pode se dar. A multa cobrada é nitidamente desproporcional à infração cometida e fere a capacidade de pagamento do autor…Por isso, vemos sentido em cancelar a aplicação da multa, considerando inconstitucional a lei que fixa seu valor, por desrespeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (Guilherme de Souza Nucci, Juiz da 9ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, Proc.596.053.01.009936-3, sentença de 21/11/2002 (DJE 4/2/2003).

O que mais nos espanta, todavia, é o desrespeito aos direitos dos contribuintes, colocados abaixo dos que protegem animais irracionais e até vegetais! Existem leis e códigos de proteção a cães e gatos, assim como para proteger as florestas, enquanto o Código de Defesa do Contribuinte (Lei 12.325/10) até hoje é ignorado, servindo, quando invocado, apenas para justificar erros do fisco.

Vejamos o texto integral desse tal “código”, composto de apenas dois artigos que dizem algo, um que foi vetado e o último que trata da vigência. Ou seja: lei feita para nada, por pessoas que “faziam tudo” que não prestava! E o Congresso em 2010 ficou calado!

Art. 1º Fica instituído o Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte, data de conscientização cívica a ser celebrada, anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte.

Art. 2º Os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e pela arrecadação de tributos e contribuições promoverão, em todas as cidades onde possuírem sede, campanhas de conscientização e esclarecimento sobre os direitos e os deveres dos contribuintes.

Parágrafo único. Os servidores dos órgãos referidos no caput participarão ativamente das atividades de celebração do Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte.

Como vimos acima, a legislação tributária do período ditatorial fixava normas mais próximas da Justiça Tributária do que as que hoje vigoram neste regime democrático em que vivemos. Não é razoável ignorar os efeitos da inflação sobre o tributo a que nos sujeitamos.

A reforma tributária de que necessitamos tem que atingir três objetivos fundamentais: redução da carga tributária, redução da burocracia fiscal e segurança jurídica. Sem tudo isso não alcançaremos Justiça Tributária.

 é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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