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Benick Santana: Acordo coletivo e as verbas rescisórias

Diante de um cenário pandêmico e da consequente crise no setor econômico, é comum que as empresas estejam com dificuldades, precisando, muitas das vezes, de maiores prazos para adimplir com suas obrigações.

Mesmo com a tentativa governamental de manter os postos de trabalho mediante a edição de diversas medidas provisórias, inevitavelmente muitos empregados foram dispensados de suas atividades.

Como se sabe, o ato de dispensar um funcionário representa um amplo custo para os cofres empresariais, o que gera a necessidade de discutir uma readequação no tocante ao pagamento das verbas rescisórias.

As recentes medidas provisórias editadas pelo presidente da República nada dispuseram sobre a flexibilização do pagamento das verbas em comento, mesmo porque, em sentido diametralmente oposto, visam à manutenção do vínculo empregatício.

Nesse sentido, devem ser observados os entendimentos e as normas já existentes sobre a matéria.

As empresas, via de regra, precisam se atentar ao disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 477, §6º, o qual dispõe que os valores das verbas rescisórias devem ser quitados até dez dias após o término contratual. Em caso de descumprimento, há possibilidade de a empresa ser instada ao pagamento de multa em valor equivalente ao salário do seu empregado dispensado.

A despeito do exposto, vislumbra-se a possibilidade de parcelamento das verbas rescisórias, mas com alguns riscos que aqui serão abordados.

É salutar, inclusive, que os fatos passados sejam apreciados como exemplos para as ações futuras, visando a minimização de possíveis erros, precipuamente em momentos como o que estamos atravessando. É o que irá ser feito a partir de agora.

Há alguns anos o setor sucroalcooleiro sofre forte crise financeira, tendo muitas usinas diminuído consideravelmente sua produção, outras tantas fecharam as portas e diversas entraram em recuperação judicial. Com a notória dificuldade financeira que as empresas desse setor passam até hoje, é imprescindível analisar como as relações de trabalho foram moldadas a esse contexto, e especialmente quanto ao presente trabalho, observar de que forma se deram os pagamentos das verbas rescisórias dos obreiros dispensados.

Como já ressaltado, a Consolidação das Leis do Trabalho contém dispositivo legal no sentido de que as verbas aqui debatidas devem ser quitadas em até dez dias após o término do contrato laboral.

Sabe-se, ainda, que os instrumentos coletivos de negociação possuem pujança na seara trabalhista, de modo que com a participação e anuência dos entes sindicais, muitos direitos trabalhistas podem efetivamente ser compatibilizados com os diversos cenários que assolam a sociedade.

Dessa forma, em relação às usinas e ao contexto econômico que as envolveu, foram pactuadas normas coletivas, as quais compreenderam a realidade das empresas do setor e permitiram o pagamento parcelado das verbas de origem rescisória.

O diálogo entre as partes sempre foi profícuo, sobretudo em momentos de dificuldade. Empresas, trabalhadores, sindicatos, todos precisam dialogar no afã de encontrar uma solução que seja favorável à conjuntura.

Apesar de não existir dispositivo legal que possibilite expressamente o parcelamento da paga, a negociação coletiva, nesse compasso, mostra-se como o elemento que possibilita a realização do parcelamento das verbas rescisórias. A seguinte decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região ilustra bem o aqui desenvolvido e representa inúmeras outras decisões no mesmo toar:

“RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL. VERBAS RESCISÓRIAS. QUITAÇÃO. PARCELAMENTO. ACORDO COLETIVO. VALIDADE. O parcelamento do valor da rescisão se deu em razão de acordo firmado pela reclamada e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados e Assalariadas Rurais de São Miguel dos Campos/AL, denominado ‘cordo Coletivo sobre as Rescisões dos Contratos de Trabalho dos Rurícolas. Da Grave Crise Financeira. Por isso, descabem as multas dos arts. 467 e 477 da CLT, vez que, em relação à primeira, houve o pagamento das verbas rescisórias, e quanto à segunda, foi observado o prazo de pagamento previsto no acordo. Recurso parcialmente provido” (TRT 19 – 0000323-15.2018.5.19.0262 – Relator: João Leite de Arruda Alencar – Publicada em: 18/3/2019).

Nesse caso, um acordo coletivo foi firmado entre a Usina Caeté S/A e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados e Assalariadas Rurais de São Miguel dos Campos (AL). No momento, levando-se em consideração todo o cenário, foi acordado o pagamento em quatro parcelas das verbas devidas aos funcionários dispensados.

Dessarte, as empresas podem se utilizar das alternativas usadas em crises e dificuldades preexistentes, como a do setor sucroalcooleiro, pactuando novos acordos coletivos ou até mesmo aditando os já existentes com cláusulas de fracionamento das verbas aqui comentadas. Essa é a alternativa mais segura para se chegar no parcelamento desejado.

É interessante notar, entretanto, que não obstante a decisão anterior entender como válido o acordo coletivo pactuado entre as partes (não arbitrando multa para a empresa), outras decisões não compactuam desse mesmo entendimento. É o caso da seguinte decisão:

“MULTA DO artigo 477 DA CLT. ACORDO COLETIVO. PARCELAMENTO DO ACERTO RESCISÓRIO. Acordo firmado com o sindicato, tendo por objeto o pagamento parcelado das verbas rescisórias não se enquadra no rol permissivo do artigo 611-A, da CLT, tratando-se de matéria infensa à negociação coletiva. Assim, o parcelamento das verbas rescisórias, pactuado em instrumento normativo, não afasta a multa prevista no artigo 477, § 8º, da CLT” (TRT 18 – 0010444-57.2019.5.18.0016 – Relator: Celso Moredo Garcia – 1ª turma – Publicado em: 16/8/2019).

O Tribunal Superior do Trabalho, assim como os tribunais regionais, divide-se quanto ao entendimento a ser adotado na questão.

É pertinente notar que a mesma cláusula normativa pode ser considerada como válida ou inválida, a depender do tribunal que for designado para o exame da matéria.

Apresentados entendimentos divergentes dos tribunais acerca da mesma matéria, é preciso fazer algumas ponderações.

Entendo que nas hipóteses devem prevalecer o princípio da autonomia coletiva dos sindicatos, bem como o da adequação setorial negociada, cooperação e solidariedade, validando, por conseguinte, as normas coletivas pactuadas nesse sentido, sendo benéfico para todas as partes. Afinal, ninguém melhor que as próprias partes para encontrarem soluções para seus dilemas.

Outro ponto que pode ser levado em consideração é o de que o estado de calamidade pública pelo qual passamos, muito mais impactante que a crise financeira instaurada no setor sucroalcooleiro, pode expandir a interpretação dos tribunais no sentido da possibilidade do parcelamento das verbas.

Qual seria a solução a ser adotada pelas empresas, portanto?

Não há uma solução melhor, no caso de dispensa dos seus colaboradores, as empresas precisam levar em consideração as alternativas que melhor se adaptam ao seu modelo de negócio, passando pela análise dos riscos de cada opção possível, ponderando os impactos tanto de ordem financeira quanto reputacional na intenção de salvaguardar o ambiente empresarial.

O que deve ser levado à reflexão é que a norma coletiva é mais uma opção, entre as já existentes, possível de ser adotada, resgatada de outro momento de crise, já sendo considerada por vários tribunais como o liame que pode permitir um maior prazo para o pagamento da totalidade do montante rescisório.

Sendo essa a opção, para fins de conseguir uma maior segurança, é fundamental analisar qual o entendimento que o Tribunal Regional do Trabalho, da região em que o estabelecimento está localizado, vem adotando anteriormente.

 é estagiário jurídico e estudante de Direito na Universidade de Pernambuco.

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Gomes: A suspensão da execução de liminar no STJ

Conforme amplamente divulgado por diversos meios de comunicação e informação, inclusive pela ConJur [1], no último dia 8 o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio Araújo de Noronha, suspendeu os efeitos da tutela provisória de urgência deferida pelo juízo da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, a qual determinara à União que exibisse “os laudos de todos os exames aos quais foi submetido o Exmo. Sr. Presidente da República para a detecção da Covid-19″. A suspensão foi proferida no bojo dos Autos de Suspensão de Liminar e de Sentença nº 2704, apresentada com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.437/92.

A ação de procedimento comum foi proposta pelo jornal S.A O Estado de São Paulo, que, alegando relevante interesse público e plena liberdade de informação jornalística, objetiva a condenação da União na respectiva obrigação de fazer consistente na exibição dos exames a que foi submetido presidente da República para a detecção do novo coronavírus.

De início, pontua-se que o presente ensaio não se presta a analisar, tampouco criticar, se os requisitos para a concessão da tutela provisória de urgência previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil (CPC) se revelaram presentes no caso concreto, ou mesmo verificar se os imperativos de manifesto interesse público, flagrante ilegitimidade, ou mesmo lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública restaram configurados por ocasião da análise do pedido de contracautela formulado perante a presidência do STJ. Não se presta, ainda, a antecipar eventual juízo de cognição exauriente quanto a procedência ou não do pedido formulado pelo autor.

O estudo possui, pois, como escopo, a análise processual quanto ao cabimento do pedido de suspensão de execução de liminar junto ao STJ, à luz do que dispõe os normativos de regência aplicáveis à espécie, notadamente o artigo 4º da Lei nº 8.437/92, o artigo 25 da Lei nº 8.038/90 e o artigo 271 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ).

Como é cediço, o instrumento processual de suspensão de liminar, verdadeiro incidente processual de excepcional legitimidade posto à disposição do Ministério Público e da pessoa jurídica de direito público interessada, em ações movidas contra o poder público ou seus agentes, é sucedâneo recursal de contracautela destinado a suspensão de decisões antecipatórias da tutela ou de natureza cautelar, de cognição sumária ou, em se tratando de decisões de cognição exauriente, cujos efeitos irradiem desde quando proferidas, independentemente de trânsito em julgado.

A competência pré-fixada pela Lei (artigo 4º, caput, da Lei nº 8.437/92 e artigo 25, caput, da Lei nº 8.038/90) é do presidente do tribunal “ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso” e seu deferimento está intimamente ligado à comprovação dos requisitos de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, sendo desnecessário demonstrar que a decisão atacada não preenche os requisitos ordinários da legislação processual civil para concessão da tutela provisória (artigo 297 e seguintes do CPC) ou mesmo seu desacerto meritório em eventual decisão de cognição exauriente. A medida possui, pois, evidente contorno político e visa a preservar situação consolidada preteritamente à propositura do processo, sob invocação genérica de “preservação do interesse público” [2].

Feita brevíssima introdução quanto ao incidente processual em exame, faz-se mister expor as razões pelas quais sua aplicação pela presidência do STJ no caso envolvendo a S.A O Estado de São Paulo e a União, no tocante à exibição dos exames realizados pelo presidente da República para a detecção da Covid-19, revela-se inadequada, inoportuna e em ofensa à legislação de regência.

Explica-se. Conforme dito alhures, o Estadão propôs ação de procedimento comum em desfavor da União cujo pedido, já exaustivamente exposto, consiste na exibição dos exames para detecção da Covid-19 pelo presidente da República. Referida ação, máxime, é regida pelo CPC (artigo 318 e seguintes). O juízo da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, entendendo presentes os requisitos do artigo 300 do CPC, concedeu a antecipação da tutela, com determinação exibitória no prazo de 48 horas [3].

Inconformada, a União valeu-se, concomitantemente, do recurso de agravo de instrumento (artigo 1.015 do CPC), livremente distribuído junto ao Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) na forma do regimento interno do tribunal, tendo distribuído, incontinenti, suspensão de liminar junto à presidência do TRF-3 (artigo 4º, caput, da Lei nº 8.437/92).

Inicialmente, a Desembargadora Federal plantonista Monica Autran Machado Nobre, ao analisar o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao decisum agravado (artigo 1.019, I, do CPC), entendeu por bem suspender pelo prazo de cinco dias os efeitos da decisão de primeiro grau “a fim de possibilitar a análise das razões de agravo pelo Relator prevento” [4]. Após cessado o plantão judiciário, o agravo de instrumento foi livremente distribuído ao desembargador federal André Nabarrete, o qual, em exame do pedido de efeito suspensivo, entendeu por bem indeferi-lo, de modo que a decisão concessiva da tutela de urgência em primeiro grau permaneceu irradiando seus efeitos para todos os fins legais.

De outra banda, o presidente do TRF-3, ao analisar o pedido de suspensão de liminar protocolado com vistas a suspender os efeitos da decisão singular proferida pela 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, denegou [5] a medida de contracautela por entender ausentes os imperativos necessários à sua concessão a que aludem o artigo 4º, caput, da Lei nº 8.437/92.

Pois bem. Por força do que dispõe o artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/92, a decisão da presidência do tribunal, in casu, negou a suspensão, desafia o recurso de agravo, a ser apresentado no prazo de cinco dias. O artigo 4º, §4º, da Lei nº 8.437/92 prevê que apenas após resultado da decisão colegiada proferida no agravo, caso mantida ou restabelecida a decisão que se pretende suspender, é que “caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário” [6].

Não obstante, antes mesmo de protocolado e analisado eventual recurso de agravo junto ao TRF-3, a União, valendo-se, aparentemente, da redação imposta pelo artigo 4º, §4º e §5º, da Lei nº 8.437/92 e o artigo 25, caput, da Lei nº 8.038/90, apresentou novo pedido de suspensão de liminar junto à presidência do STJ, tendo o ministro João Otávio de Noronha deferido a suspensão para a “sustar os efeitos da liminar deferida na Ação (…), que determinou à União a apresentação dos laudos dos exames a que fora submetido o Presidente da República para a detecção de Covid-19, ordem confirmada nos autos do Agravo de Instrumento n. (…), em trâmite no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

A aplicação per saltem do incidente processual junto ao STJ fere, contudo, a dicção dos próprios artigos invocados para sustentar seu cabimento. Isto porque, conforme demonstrado, eventual reiteração do pedido de suspensão de liminar junto ao “Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário” apenas seria cabível após esgotada a jurisdição do TRF-3, se mantida a decisão singular do presidente que rejeita a medida e mantém a decisão liminar de primeiro grau.

Não parece que razão assiste à União ao invocar o artigo 4º, §5º, do diploma em debate, o qual estabelece que “é cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo”. Isso porque a melhor hermenêutica processual civil impõe extrair que o §5º prevê hipótese de adoção do incidente processual quando negado, em definitivo, o recurso de agravo de instrumento interposto no tribunal de origem com vistas a reformar a decisão concessiva da liminar em primeiro grau.

Trata-se da análise mais coerente da disposição legal, uma vez que apenas a decisão definitiva do agravo de instrumento terá o condão de substituir a decisão de primeiro grau no que tiver sido objeto do recurso (artigo 1.008 do CPC), de modo que a mera denegação monocrática de efeito suspensivo pelo relator do agravo de instrumento não autoriza a adoção da suspensão de liminar a partir do artigo 4º, §5º, da Lei nº 8.437/92. O STJ já teve a oportunidade de analisar o tema, tendo decidido no sentido do não cabimento da medida enquanto pendente a análise definitiva do agravo de instrumento pela instância ad quem [7], salvo se a decisão monocrática tiver sido concessiva da liminar.

Conforme se extrai da decisão da presidência do STJ, a medida foi intentada com vistas a suspender a decisão proferida em primeiro grau. Contudo, por via transversa, seu cabimento foi fundamentado contra a decisão precária do desembargador relator do agravo de instrumento que apenas denegou efeito suspensivo ao recurso, em desobediência, portanto, as disposições legais expostas acima, bem como dos precedentes da própria corte superior.

Referida premissa é de suma importância para se verificar o desacerto da adoção do incidente processual também pelo artigo 4º, caput, da Lei nº 8.437/92. Isso porque ao passo que a decisão concessiva da liminar em primeiro grau desafia suspensão de liminar junto ao tribunal ad quem (TRF-3), sua eventual denegação em primeiro grau e posterior concessão via antecipação da tutela recursal por agravo de instrumento desafiaria suspensão de liminar diretamente nos tribunais superiores, conforme já reconhecido pelo STJ [8] e previsto no artigo 271 do regimento interno da corte. Não obstante, no caso em exame, a decisão do TRF-3 resumiu-se a rejeitar o efeito suspensivo, o que demonstra o desacerto da sua propositura per saltem junto ao STJ, quando manifesta a necessidade de preservação da competência originária da presidência do TRF-3.

Não se olvida que o STJ tem flexibilizado em muitos casos as hipóteses de cabimento ou mesmo dispensado o exaurimento da instância a quo, invocando genericamente o artigo 4º, caput, da Lei nº 8.437/92, o artigo 25, caput, da Lei nº 8.038/90 e, sobretudo, a disposição prevista no artigo 271 de seu regimento interno. Não obstante, da leitura do dispositivo regimental verifica-se com clareza meridiana a extrapolação da corte no que diz respeito à sua competência interna de cunho regulamentar, ampliando as hipóteses de cabimento da suspensão de liminar para além das hipóteses previstas nos diplomas legais em que prevista a excepcional medida de contracautela [9], em evidente ofensa ao princípio da legalidade (artigo 5º, II da Constituição da República (CR) e artigo 8º do CPC).

Ainda, não é demais recordar que eventual ampliação da hipótese de cabimento do incidente processual em favor de um dos sujeitos processuais em detrimento de outro fere de morte a paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, premissa que é tão cara à sistemática processual vigente (artigo 7º do CPC).

De remate, o desacerto da apresentação da medida junto ao STJ ainda merece pontual destaque em razão do fundamento da causa petendi formulada pelo autor. Isso porque, nos termos do artigo 25, caput, da Lei nº 8.038/90 a competência do STJ, preenchidos os demais requisitos legais, restará configurada “salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional”. A ação, por sua vez, possui esmagadora fundamentação de cunho constitucional, sustentando o pedido no exercício da atividade informativa (artigos 5º, IX e XIV, e 220 da CR), amparada no direito ao acesso à informação (artigo 5º, XIV e XXXIII, da CR) em contraponto ao direito à intimidade do presidente da República (artigo 5º, X, da CR), o que por força da parte in fine do artigo 4º, §4º, da Lei nº 8.437/92 e do artigo 25, caput, da Lei nº 8.038/90 desloca ao Supremo Tribunal Federal eventual apreciação da medida de contracautela.

Sem mais delongas, conquanto não se olvide a volatilidade do entendimento do STJ a respeito do cabimento do incidente processual de suspensão de liminar, em muito decorrente do caráter eminentemente político da medida, parece manifestamente equivocada a apresentação per saltem do incidente processual junto ao STJ na SLS nº 2704, merecendo revisão a decisão da presidência da corte por ocasião de eventual julgamento do recurso de agravo (artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/92) ou mesmo mediante reclamação junto ao STF para preservação de sua competência (artigo 102, I, “i”, da CR).

Por fim, pontua-se que mais importante do que mostrar o desacerto do STJ no julgamento de um caso de relevância nacional e longe de querer provocar debates político-partidários alheios ao campo jurídico , as explanações, premissas jurídicas e conclusões feitas no presente ensaio visam mais do que nunca aproveitar deste singular janela de oportunidade para conclamar a comunidade jurídica a debater criticamente o instituto da suspensão de liminar, de modo a apontar sugestões para aperfeiçoá-lo, atualizá-lo à atual sistemática processual civil ou mesmo extirpá-lo do mundo jurídico.

 é advogado, sócio da banca Bora, Recka & Gomes Advogados e especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar.