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Carf analisa IRRF sobre juros das remessas de pré-pagamento de exportação

Nesta semana, serão analisados os precedentes do Carf sobre a tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nas remessas de juros relativas a pré-pagamento de exportação.

Aliomar Baleeiro destaca que o tributo pode ser usado tanto para arrecadação de recursos para os entes estatais quanto para possibilitar a intervenção do Estado na vida dos indivíduos e das organizações, sendo que no último caso fala-se a finalidade assume aspecto extrafiscal regulatório ou de “poder de polícia” do Estado, sendo que a política financeira leva em conta os efeitos extrafiscais dos tributos e os utiliza conscientemente para determinados objetivos que reputa convenientes à sociedade [1].

A desoneração tributária das exportações é parte da política fiscal do governo, que abre mão de uma arrecadação que seria possível em nome do ingresso de divisas no Brasil, cujo resultado indireto pode ser o desenvolvimento econômico do país. Como parte da desoneração das exportações, surge a desoneração do IRRF relativo aos juros pagos em decorrência das exportações.

Nesse sentido, a desoneração do IRRF se inicia com a publicação do Decreto nº 815/69 [2], que estabeleceu a não tributação por tal tributo por exportadores com relação aos juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao pré-financiamento e financiamento de exportação devidamente autorizados pelo Banco Central do Brasil e cuja liquidação se processe com produto da exportação.

Destaque-se que inexistia qualquer condicionante no caso de juros de desconto de cambiais de exportação, ao passo que o único requisito para os juros e comissões obtidos no exterior e destinados ao pré-financiamento e financiamento de exportação é que ocorresse a liquidação do produto da exportação, isto é, ocorresse a efetiva exportação.

Embora o referido dispositivo tenha sofrido alterações legislativas, o conteúdo do comando legal da norma não foi alterado, quer seja pela Lei nº 7.450/85 [3] ou pela Lei nº 9.481/97 [4].

Desse modo, a legislação não traz qualquer determinação legal relativa à destinação dos recursos do financiamento, remetendo tal regulamentação ao Ministério da Fazenda.

Nessa linha, a Portaria MF 70/97 somente impõe como requisito para fruição da alíquota zero que os recursos sejam comprovadamente aplicados no financiamento das exportações mediante a comprovação das referidas exportações, o que é feito pelos bancos [5].

Cumpre salientar que tal comprovação é de competência dos bancos e não do exportador. Tal entendimento consta expressamente inclusive no artigo 12 da Instrução Normativa RFB nº 1.455/14 [6].

Como decorrência de todo o exposto, a única obrigação a ser cumprida pelo exportador para fruição da alíquota zero relativa ao IRRF sobre o pagamento de juros sobre o financiamento de exportações é efetivamente exportar as mercadorias.

No mesmo sentido é a legislação do Banco Central, conforme se depreende da Carta-Circular BACEN 2.624/96 [7], da Resolução BACEN 3.844/10 [8] e da Circular BACEN 2.751/97 [9].

Assim, as normas do Banco Central dispõem que o relevante é que os financiamentos de exportações sejam quitados por meio de exportações, bem como determinam que a comprovação da aplicação dos créditos obtidos no exterior no financiamento à exportação cabe aos bancos.

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 2201-002.583 (04/11/14), negou-se, por unanimidade, provimento ao recurso de ofício.

A fiscalização entendeu que os créditos tomados no exterior não foram usados para o financiamento de exportações, mas para cobrir fluxo de caixa das operações nacionais do contribuinte em virtude de dificuldade de caixa derivada da obrigação de realização de oferta pública para fechamento de capital.

Contudo, preponderou tanto na DRJ quanto no Carf o entendimento de que os recursos emprestados foram utilizados para financiamento da exportação, não restando comprovado que os recursos foram desviados para as atividades do contribuinte destinadas ao mercado interno.

No Acórdão 9202-003.487 (10/12/14), entendeu-se, por maioria de votos, que os créditos tomados no exterior não foram utilizados para financiamento da exportação, uma vez que parte dos recursos financiados foram usados para mútuos intercompany.

Por mais que a alegação do contribuinte de que os recursos repassados para outra pessoa jurídica do grupo foram utilizados para exportação de produtos por esta outra empresa tenha sido acatada no Acórdão 3401-00.086 (26/2/11), prolatado pela Turma Ordinária, tal entendimento não preponderou na Câmara Superior, em que a maioria da turma entendeu que não houve comprovação nos autos de que os recursos foram utilizados para financiamento da exportação, uma vez que havia descasamento entre o momento da internalização dos recursos e as datas de embarques.

Por fim, no Acórdão 2301-005.841 (13/02/19) entendeu-se, por maioria de votos, que estava comprovado que o crédito tomado no exterior se destinou ao pré-pagamento de exportação, de forma que se aplica a alíquota zero de IRRF sobre as remessas de juros relativas a tal crédito.

No caso em tela, a fiscalização manifestava o entendimento de que o financiamento à exportação somente alcançaria a captação de recursos para a aquisição de matérias-primas, não alcançando o financiamento da planta industrial da recorrente.

Todavia, a turma entendeu que tal requisito não tinha previsão em qualquer norma, assim como foi ponderado que a atividade da recorrente diz respeito à extração e ao processamento de minérios, de modo que não haveria uma matéria-prima em uma atividade puramente extrativa.

Assim, foi levado em consideração que grande parte dos gastos de uma indústria mineradora está relacionada à construção de sua planta industrial, onde o minério extraído será processado, sendo que uma das despesas mais significativas de uma indústria mineradora é a despesa com exaustão, que nada mais é do que o reconhecimento do minério que foi extraído daquela mina.

Diante de tal cenário, ainda que os recursos oriundos do financiamento sejam utilizados para construção da planta industrial, praticamente todo o produto dela se destina para a exportação, o que pode ser comprovado por uma série de obrigações acessórias que demonstram as exportações, como declarações de exportação, notas fiscais, declarações tributárias.

Em resumo, tendo em vista que não houve comprovação pelas autoridades fiscais de que que não houve exportação efetiva e que não houve descumprimento de nenhum dos requisitos previstos nas legislações tributária e cambial para fruição da isenção da alíquota de IRRF, a turma decidiu, por maioria, exonerar o crédito tributário.

Diante do exposto, nota-se que a comprovação de efetividade das exportações tem sido o principal fator para aplicação ou não da alíquota zero de IRRF sobre as remessas a títulos de juros pagos ao exterior em decorrência de pré-pagamento de exportação.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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Ivana Arantes: Na flexibilização da LRF, setor precisa de prudência

Diante da crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19 e da consequente decretação do estado de calamidade pública pelo governo federal (Decreto nº 6, de 20 de março de 2020), a Advocacia Geral da União (AGU) ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6357/DF requerendo, basicamente, a flexibilização da aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

É possível afirmar que, se analisados em conjunto, os principais objetivos da LRF e da LDO consistem em estabelecer normas gerais, planejamento, diretrizes e limites para os gastos públicos, objetivos esses a serem perseguidos e cumpridos pela Administração Pública com fundamento na Constituição Federal.

Com foco especial nos limites fixados na LRF, o cenário decorrente da pandemia da Covid-19 absolutamente inédita, imprevisível e recente afeta diretamente o cumprimento das metas fiscais pela Administração Pública. Faz-se necessário um plano contingencial de combate ao novo coronavírus e de proteção da população vulnerável à doença, fato que gera dispêndios de recursos públicos para além dos limites então fixados na LRF e nos gastos estimados na LDO.

Na referida ADI nº 6357/DF, a AGU requereu o afastamento da incidência dos artigos 14, 16, 17 e 24 da LRF, bem como do artigo 114 da LDO.

O artigo 14 da LRF traz exigências em relação a incentivos ou benefícios de natureza tributária da qual decorra renúncia de receitas. Com isso, toda renúncia de receita deve ser acompanhada de uma estimativa de impacto orçamentário.

O artigo 16 da LRF determina que a criação ou a expansão de gastos deve vir acompanhada de estimativa de impacto orçamentário no exercício em que entrar em vigor e nos dois subsequentes. Esse artigo tem sua composição centralizada na execução.

Já o artigo 17 da LRF determina que os atos que criarem ou aumentarem despesas devem demonstrar a origem dos recursos para seu custeio, ou seja, deverá haver um equilíbrio entre receitas e despesas. Com caráter formal, o artigo é condição prévia para a proposição de lei, Medida Provisória ou ato administrativo.

O artigo 24 da LRF, por sua vez, trata sobre a seguridade social, estabelecendo que, para criação ou majoração de qualquer benefício relativo ao tema, deve-se respeitar as condições do artigo 17 da LRF.

O artigo 114 da LDO, por fim, estabelece que qualquer propositura legislativa ou emenda que autorize a diminuição de receita ou o aumento de despesas deverá estar acompanhada de estimativas desses efeitos no exercício em que entrarem em vigor e nos dois exercícios subsequentes, de maneira que seja possível a adequação orçamentária.

O princípio do equilíbrio orçamentário, um dos basilares da LRF, busca dar uma realista relação entre receitas e despesas públicas. Com isso, é um meio eficaz de limitar os gastos governamentais e dar cumprimento às metas fiscais.

Ocorre que, em situações de calamidade pública, a lógica decorrente de tal princípio pode impedir a devida assistência à população. E foi esse o entendimento da AGU, que, buscando assegurar o mínimo existencial, ingressou com a ADI nº 6357/DF requerendo o afastamento das condicionantes contidas nos dispositivos legais acima mencionados para as despesas necessárias ao enfrentamento da calamidade pública causada pela propagação da Covid-19.

Nesse contexto, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão cautelar histórica, permitiu que fosse afastada “a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de Covid-19”.

Os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal foram os principais fundamentos utilizados pelo ministro como embasamento de sua decisão. Isso porque o afastamento excepcional das referidas normas não tem qualquer relação com oportunismo político, possuindo apenas a finalidade de garantir o mínimo existencial aos cidadãos brasileiros.

Com isso, verifica-se que o equilíbrio orçamentário constitui princípio jurídico a ser perseguido pela Administração Pública. Contudo, o princípio deve conviver e integrar-se a outros tantos (lógica de ponderação), de modo que não seja impeditivo ao cumprimento do dever do Estado de oferecer aos cidadãos, sobretudo em cenários de crise de saúde pública, os serviços básicos que constituem a própria razão da existência da máquina estatal.

Dessa forma, a partir da referida decisão, a União e os demais entes federativos poderão, de forma excepcional e temporária, criar ou expandir gastos relacionados ao combate da Covid-19, sem a necessidade de demonstrar a origem dos recursos para custeio ou realizar qualquer estimativa de impacto orçamentário.

A decisão, ainda que proferida em sede cautelar, certamente já gera impacto positivo diante do volume de recursos necessários e urgentes para a adoção das medidas de combate à pandemia. No entanto, cria, em paralelo, um sinal de alerta ao setor privado que venha formalizar contratos com a Administração Pública.

Sob a ótima do controle da Administração Pública, em especial do controle de recursos e gastos públicos, os órgãos de controle com destaque aos Tribunais de Contas e ao Poder Judiciário não irão se eximir de, mais cedo ou mais tarde, analisar detalhadamente o montante de recursos gastos e o preço pago por produtos e/ou serviços, entre outras questões.

Assim, a prudência é necessária às empresas que figurarem como contratadas em contratos administrativos firmados no contexto da pandemia. Amanhã ou depois, caso irregularidades sejam constatadas nos contratos firmados, todos os envolvidos nas contratações poderão ser responsabilizados se verificadas irregularidades, sofrendo a penalização prevista na legislação aplicável.

Entre as possíveis penalizações, as ações de improbidade administrativa merecem destaque, uma vez que, apesar de não ser muito divulgado, esse é o meio utilizado para apurar e punir a prática de atos ilícitos na Administração Pública, além de buscar ressarcir o erário público. Cabe mencionar ainda que a procedência dessas ações produz efeitos no âmbito civil, penal e administrativo, o que causa impactos negativos de reputação, compliance e financeiro às empresas privadas.