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STF mantém prisão de suspeito de integrar quadrilha de assalto a banco

Prisão foi mantida para resguardar a ordem pública, segundo ministro Gilmar Mendes, relator do Habeas Corpus
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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, julgou inviável Habeas Corpus em que a defesa de um acusado de integrar uma organização criminosa destinada a roubos de bancos no interior do Ceará pedia a revogação da sua prisão preventiva. Em um dos crimes, três policiais militares foram assassinados, cinco tiveram ferimentos e dois foram feitos reféns no momento da fuga.

O relator não verificou desacerto na decisão do Superior Tribunal de Justiça, que havia negado pedido semelhante. Segundo ele, as circunstâncias em que os crimes foram praticados demonstram a periculosidade do acusado, o que justifica a custódia cautelar visando à garantia da ordem pública e à aplicação da lei penal.

De acordo com o ministro Gilmar Mendes, o STF considera idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública, considerada a gravidade concreta do crime. Ele destacou ainda que, segundo a jurisprudência do Supremo, os aspectos de primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita citados pela defesa, por si sós, não afastam a possibilidade da custódia preventiva.

Epidemia do coronavírus

Em relação à questão relacionada à epidemia, também citada pela defesa, o relator lembrou que o Plenário do STF, no julgamento da ADPF 347, decidiu que a análise sobre esse tema deverá ser feita caso a caso, segundo a Recomendação 62/2020, do CNJ, que traz orientações sobre a adoção de medidas preventivas contra a propagação da doença nos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

O ministro ressaltou ainda que as medidas cautelares alternativas diversas da prisão não se mostram suficientes para tranquilizar a sociedade no caso em questão. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

HC 186.726

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Green new deal, mudanças climáticas e a Covid-19

Mais de 40 mil pessoas perderam a vida em decorrência da Covid-19 no Brasil, de acordo com um consórcio de empresas jornalísticas, até a última quinta-feira, com uma preocupante taxa de 19 mortos a cada 100 mil habitantes, diga-se, em franca aceleração. No mesmo dia (11/06), em apenas 24 horas, 1.272 pessoas perderam à vida. Outrossim, o Brasil ocupa a terceira posição no ranking de óbitos pela Covid-19 no mundo, ficando apenas atrás dos Estados Unidos e do Reino Unido, onde a pandemia, é bom que se recorde, iniciou bem antes.[1]Em poucas horas, o Brasil vai ultrapassar o Reino Unido e, em poucas semanas, muito provavelmente, os Estados Unidos, neste mórbido ranking da incúria governamental e do descaso social.

De outro lado, dados do programa Global ForestWatch demonstram que a perda total mundial de florestas tropicais primárias no ano passado — 3,8 milhões de hectares, uma área quase do tamanho da Suíça — foi cerca de 3% maior que 2018 e a terceira maior desde 2002. O Brasil, segundo o levantamento, é o responsável por mais de um terço do desmatamento global e o líder absoluto no ranking mundial dos países desmatadores, seguido pela República Democrática do Congo, Indonésia e a nossa vizinha Bolívia.[2]

O governo brasileiro, outrossim, não pode ignorar o relatório sobre o clima da ONU, Global Warmingof 1,5 ºC, que demonstra que o mundo já superou a barreira de 1 grau Celsius de aquecimento em relação aos níveis pré-industriais, e que seres humanos e não humanos estão sofrendo os efeitos negativos das mudanças climáticas.[3]

Não existem evidências diretas de que a mudança climática esteja influenciando a disseminação da Covid-19, mas esta, no mínimo,altera a forma de relacionamento do homem com os animais não-humanos e isso é relevante para o aumento do risco de infecções.

Com o aquecimento global os animais terrestres e marinhos buscam os pólos para fugir das altas temperaturas. Este fenômeno faz com que os animais invadam outros ecossistemas como espécies invasoras, entrem em contato direto com a população de animais nativos e assim espalhem patógenos para outros hospedeiros. 

 As causas das mudanças climáticas, sim, aumentam o risco de pandemias. É o caso do desmatamento, que ocorre principalmente para fins agropecuários. Esta é a a maior causa de perda do habitat natural na atualidade, o que igualmente gera migrações dos animais e propicia o contato efetivo e potencial com outros animais não-humanos e humanos causando,também, o compartilhamento de germes.[4]

Neste cenário, existem vários aspectos positivos de uma boa governança climática relacionados à melhora da saúde humana, e a redução do risco de surgimento de doenças infecciosas certamente é um deles. Rachel Nethery, Xiauo Wu, Francesca Dominici e outros pesquisadores da Universidade de Harvard, descobriram que pessoas que moram em locais com má qualidade do ar têm maior probabilidade de morrer da Covid-19, o que pode ser agravado por outros fatores como condições médicas pré-existentes, status socioeconômico e a falta de acesso aos cuidados básicos de saúde. Essa descoberta confirma pesquisas, já nem tão novas, que demonstram que pessoas expostas a maior poluição do ar são mais suscetíveis ao agravamento de infecções respiratórias do que aquelas que respiram o ar mais limpo.[5]

Em locais onde a poluição do ar é um problema de rotina, os que mais sofrem são os sem-teto e aqueles cuja saúde já está comprometida. Dentre os sem-teto, no caso brasileiro, há um número desproporcionalmente maior de pardos e negros infectados e mortos pela Covid-19.[6] Esses indivíduos precisam de maior apoio governamental, para além das cotas,em especial em tempos de pandemia, pois possuem menor renda per capita em média do que os brancos.

Não se sabe, embora existam muitas especulações, em especial nas redes sociais, se o clima mais quente pode retardar a propagação do coronavírus. O que importa, em razão disto,é desacelerar a propagação da doença, e isso significa seguir rigorosamente as orientações, precautórias e preventivas, da Organização Mundial de Saúde, em especial, as recomendações de distanciamento social, da higienização das mãos, do correto uso de máscaras, entre outras ações, enquanto não for descoberta uma vacina ou um antirretroviral de amplo espectro eficiente contra esta doença.[7]

O aquecimento global, igualmente, criou condições mais favoráveis à propagação de algumas doenças infecciosas, incluindo a doença de Lyme, doenças transmitidas pela água, como a Vibrioparahaemolyticus, que causa vômitos e diarreia, e doenças transmitidas por mosquitos, como a malária e a dengue. Os riscos futuros não são fáceis de prever, mas as mudanças climáticas geram o aparecimento de patógenos, com o aumento das temperaturas e das precipitações.[8] Para ajudar a limitar o risco de doenças infecciosas, mister reduzir as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aquecimento global a 1,5 graus, tendo como marco inicial a Era pré-industrial, não apenas no ano de 2100, mas já nos próximos anos.[9]

Neste sentido o Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), sobre a meta de 1,5 graus, concluiu que a meta de dois graus existente — prevista no Acordo de Paris — teria consequências catastróficas e irreversíveis, ainda se atingida até 2100. Necessária é maior ambição em termos de governança climática. As catástrofes ambientais (e biológicas) devem aumentar até 2050 — inclusive com o surgimento de novas pandemias e o retorno de outras já conhecidas — se a estabilização das temperaturas não ocorrer nos próximos 11 anos. De acordo com o relatório, limitar o aquecimento global em 1,5 graus requer uma mudança radical nas ações dos entes privados e nas políticas públicas governamentais. O último relatório da Agência Internacional de Energia afirma que as emissões mundiais de CO2, estão subindo e não começaram a diminuir. Como resultado, inclusive o alcance da meta de dois graus no ano de 2100, está começando a sair do alcance da comunidade internacional. Com o aquecimento global já ultrapassando 1º C, desde a era pré-industrial, estamos caminhando, a passos largos, para o aquecimento de três ou até quatro graus no ano de 2100 o que causará um grande colapso ambiental, social, econômico e político.

No século 20, as atividades humanas avançaram com espetacular velocidade causando imensos impactos ambientais e um fenômeno de extinção de espécies em ritmo acelerado, comparável apenas com o ocorrido há 65 milhões de anos, quando os dinossauros, e metade da vida na Terra, foram extintos.

A diminuição da vida no Planeta, deve-se à perda de habitat, fazendo com que os animais não humanos invadam cidades em busca de alimento e de espaço. E a urbe, por seu turno, invade florestas, mangues e vegetações protegidas em nome do crescimento econômico promovendo um desenvolvimento urbano insustentável com o potencial de exterminar espécies de fauna e flora com uma voracidade impiedosa e nunca antes vista.A mudança climática causa a perda das espécies e afeta o habitat destas tendo como resultado a eclosão de novas doenças. As ações antrópicas causam um efeito rebote, pois ao mesmo tempo que afetam a flora e a fauna, degradam e colocam em risco a qualidade da própria vida humana.

Como solução a este problema, investimentos públicos e privados podem evitar outro surto pandêmico ao promover o combate as emissões de gases de efeito estufa, ao desmatamento e, especialmente, a proteção da biodiversidade global, que pode perder um milhão de espécies já nos próximos anos.[10] O Estado e a iniciativa privada devem apoiar a ciência, investir mais em pesquisas e, em especial, na construção de respostas efetivas e imediatas para o combate as pandemias. Visões pré-iluministas, negacionistas e outras utilitárias, não são a melhor resposta, e não trarão bons resultados no médio e no longo prazo.

As abordagens precautórias e preventivas são de longe as melhores para proteger o meio ambiente, à saúde pública e a própria economia dentro de uma perspectiva intergeracional. Quando a pandemia da Covid-19 chegar ao fim, haverá uma oportunidade única para reconstruir a economia nacional, abandonando-se o ultrapassado conceito de austeridade, cunhado pelos Chicago Boys, que naufragou na Era Reagan e Thatcher. Uma alternativa seria a adoção de um Green New Deal, semelhante ao proposto em forma de Resolução no Congresso Norte-Americano[11]e é abordado em sede de pesquisas científicas, inclusive dentro do direito.[12]Fugindo do nefasto onesizefitsall[13], cego para fatores locais, poderia ser elaborado, com amplo apoio governamental, no âmbito das grandes universidades públicas e privadas brasileiras, um Green New Deal dos Trópicos,que sirva ao país. Este deveria prever obrigatoriamente: a taxação sobre o carbono; a criação de um robusto mercado do cap-and-trade; o incentivo fiscal para as energias renováveis (eólica, solar, marítima, biomassa e, talvez, nuclear); a adoção obrigatória dos veículos elétricos; a obrigatoriedade do controle de sustentabilidade em obras públicas e privadas e na produção e comercialização de eletrodomésticos e dispositivos movidos por energia elétrica;o desenvolvimento da geoengenharia para mitigar os efeitos do aquecimento global; o estímulo à criação de empregos verdes (inclusive com programas de primeiro emprego); o combate mais rigoroso as queimadas e ao desmatamento; a adoção de escolas públicas de turno integral gratuitas, e privadas subsidiadas com a adoção de vauchers, desde a pré-escola até a Universidade; a ampliação e o fortalecimento do SUS; o aumento das garantias para a elevação da confiança no sistema de previdência, com uma maior regulação pública e social da previdência pública e, em especial, das empresas de previdência privada; o aumento do controle púbico e social sobre o sistema bancário e securitário; a elevação dos subsídios públicos para a pesquisa científica focada em novas tecnologias; a ampliação dos subsídios para universidades públicas e privadas e, em especial, a tributação das grandes fortunas.

Em suma, o nosso Estado Socioambiental de Direito, terá a oportunidade de implementar um Green New Deal à brasileira, e poderá lidar melhor,não apenas com crises climáticas e pandêmicas mas, especialmente, sociais e econômicas. O Brasil, de dimensões continentais e riquíssimo, em termos de diversidade e de bens naturais, possui uma Constituição e um arcabouço infraconstitucional progressistas e aptos a fornecer a moldura jurídica para este novo cenário que exige a concretização do princípio constitucional do desenvolvimento sustentável.

 é juiz federal, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e na Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe), pós-doutor em Direito e visiting scholar na Columbia Law School no Sabin Center for Climate Change Law e professor visitante na Universität Heidelberg- Instituts für deutsches und europäisches Verwaltungsrecht. Foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (2010-2012) e da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (2008-2010) e representante da magistratura federal no Conselho da Justiça Federal (2010-2012) e no Conselho do Prêmio Innovare (2010-2012). Autor de diversos artigos jurídicos no Brasil e no exterior e de livros, entre os quais, “Desenvolvimento Sustentável na Era das Mudanças
Climáticas: um direito fundamental”.

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Yuri de Morais: STF contribui para o desequilíbrio fiscal

O Brasil vive em um estado de exceção fiscal permanente, caracterizado pelo constante desequilíbrio fiscal. Desde a vigência da Constituição de 1988, há desequilíbrios fiscais constantes nas contas públicas. Dados atualizados demonstram que a dívida pública do governo geral irá aumentar para 100% do PIB já em 2030 [1], demonstrando a total falta de capacidade de pagamento do Estado.

Por outro lado, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, ao longo dos anos, tem favorecido uma política fiscal cada vez mais expansionista, seja por incitar o aumento do gasto público, seja por relaxar as regras de responsabilidade fiscal.

O Supremo Tribunal Federal incentiva a expansão do gasto público quando elabora um controle material sobre o orçamento, superando as competências constitucionalmente postas e determinando em quais rubricas deve o administrador público alocar o capital.

A título de exemplo, no RE 436.996 o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o pleito do Ministério Público de São Paulo, afirmou que “o direito à educação qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda geração, cujo adimplemento impõe, ao poder público, a satisfação de um dever de prestação positiva para a concretização desse direito”. Ponto positivo do julgado, o STF reconheceu que os direitos representam um custo para o Estado, dando relevo à teoria da reserva do possível, pois “impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas” [2].

A nota negativa, no entanto, revela que o Supremo Tribunal Federal passou a se sobrepor ao administrador público no exercício da competência de controle do orçamento, indicando onde e como os valores devem ser alocados, na esteira do que considera mais relevante a título de concretização de direitos sociais.

Em nome da mesma concretização dos direitos sociais, o Supremo Tribunal Federal esvaziou a responsabilidade fiscal dos agentes governamentais, afirmando que a inserção de dados de unidade federativa no Cauc levará à falta de repasse dos recursos necessários à concretização de políticas públicas essenciais ao Estado e à população [3].

A ocorrência de risco que possa comprometer, de modo irreversível, a continuidade da execução de políticas públicas ou de serviços essenciais à coletividade também é citada como causa para suspender a inscrição dos dados da unidade federativa nos órgãos restritivos.

Já no contexto da crise causada pela Covid-19 (uma autêntica exceção), nos autos da ACO 3363, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a crise causada pela pandemia exige “a efetivação concreta da proteção à saúde pública”. Daí, sustentou ser plausível a alegação de impossibilidade de um ente estatal não estar em condições de cumprir obrigação de pagamento com a União. Em sua visão, há “imperatividade de destinação de recursos públicos para atenuar os graves riscos a saúde em geral”, suspendendo o pagamento de parcela da dívida com a União por 180 dias [4].

Esses dados introdutórios demonstram que o Supremo Tribunal Federal sustenta o quadro de exceção fiscal permanente. O que se nos afigura peculiar é que a tese da relevante função das pessoas jurídicas de direito público não encontra respaldo fático, dado que os serviços essenciais à preservação da vida, da saúde e da educação não são, de forma usual, prestados a contento [5].

A crise relacionada à Covid-19, entretanto, mostrou que a necessidade pode levar a soluções criativas para abordar um problema sistêmico. Vide, por exemplo, o respirador de baixo custo [6], que demonstrou que há formas mais eficientes (e baratas) para encarar os problemas relacionados à efetivação dos direitos sociais.

Assim, não serão a garantia de recursos financeiros e o relaxamento das regras de responsabilidade fiscal que irão garantir o bom serviço público e a consequente concretização dos direitos sociais. Há uma premissa equivocada, formada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é necessário haver constante fluxo de recursos públicos da União para os estados, em nome do interesse público.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deve, então, tomar como nova orientação a concretização da responsabilidade fiscal do agente público, forçando o administrador a fazer mais com menos. Em outras palavras, os direitos de segunda geração devem ser concretizados a partir de um aumento da eficiência do serviço público e, assim, permanecer dentro da reserva do possível, de modo a não onerar as futuras gerações.

A pragmática aplicada à hermenêutica constitucional deve partir de uma macrovisão sistêmica, tendo como ponto de partida a diminuição das desigualdades apoiada na preservação do orçamento. Desse modo, o desequilíbrio fiscal permanente somente pode ser combatido através de uma análise material das escolhas eficientes do administrador público.

Se é verdade que o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos, também é verdade que ao Poder Judiciário cabe reforçar as regras que defendem o direito à saúde do cidadão em face das más escolhas do administrador público. Assim, ao analisar a implementação de políticas públicas nas questões relativas aos direitos sociais, o Poder Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal, deverá analisar se houve primeiramente a aplicação das melhores técnicas disponíveis e o melhor custo-benefício na concretização daquele direito.

 sócio do escritório Carlos Yuri de Morais Advocacia e Consultoria e membro da Comissão Nacional de Direito Tributários do CFOAB.