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STF Educa abre inscrições para dois novos cursos gratuitos

Ensino a distância

STF Educa abre inscrições para dois novos cursos gratuitos

O projeto STF Educa, parceria entre o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, abriram inscrições para o terceiro ciclo de cursos a distância a partir desta segunda-feira (1º/6). Os dois novos cursos incluídos na plataforma são: “O emprego da vírgula em 4 lições” e “A Lei Anticorrupção e o Processo Administrativo de Responsabilização: teoria e prática”. O prazo para conclusão dos cursos é em 3 de julho.

Reprodução

Disponíveis na plataforma EaD do CNJ, os cursos são gratuitos e abertos a toda a sociedade. O aprendizado é autônomo, sem tutoria. O estudante pode seguir o ritmo que desejar, sem periodicidade definida, apenas observando o prazo para encerramento do curso. Para receber o certificado, é necessário cumprir os requisitos para aprovação: acesso a todas as aulas, aproveitamento mínimo de 70% nas atividades e preenchimento da avaliação de reação.

Todos os cursos oferecidos nos ciclos anteriores continuam disponíveis: Introdução ao Direito Constitucional e ao Controle de Constitucionalidade; Atualização Gramatical; Quando nasce um pai: orientações básicas sobre paternidade responsável; Reflexões sobre a Lei de Improbidade Administrativa; e Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF.

Veja detalhes dos novos cursos:

O emprego da vírgula em 4 lições

Com carga horaria de 20 horas/aula, o curso busca capacitar os alunos a empregar a vírgula de forma adequada por meio de uma abordagem acessível, sem terminologias gramaticais complexas. Além disso, objetiva desenvolver o estudo em 4 lições, a fim de abordar cada dificuldade de forma pontual e segmentada.

A Lei Anticorrupção e o Processo Administrativo de Responsabilização: teoria e prática

Em 19 horas/aula, pretende-se desenvolver no participante a capacidade de contextualizar a legislação anticorrupção com a realidade político-jurídico-institucional do mundo e do país, identificar hipóteses de incidência da norma e dar o devido processamento a eventuais casos concretos. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

Clique aqui para fazer a inscrição

STF Educa — Terceiro ciclo

Inscrições: de 1º a 30/6

Conclusão das aulas: até 31/7

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Revista Consultor Jurídico, 1 de junho de 2020, 21h41

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Covid-19 traz lições históricas a tomar

Já se escreveu (Antonio Manuel Hespanha) que a história é um guarda-roupa no qual cabe qualquer fantasia. Tudo se exemplifica, se justifica, se explica. Para tudo há uma lembrança pronta. Eu sempre resisti à armadilha posta por aqueles que acham que a história traz lições e que se repete. É o pensamento de Cícero, o tribuno romano que acreditava que a história era a mestra da vida. Será? Pensava que não. Acho que chegou a hora de mudar de ideia. Penso agora que sim, que a história também ensina e ilustra. Em tempos de Covid-19 há lições históricas a tomar. Quais?

Além de ação (muita ação) o enfrentamento da Covid-19 sugere alguma (muita) reflexão. Há problemas historiográficos, comparativos, dramatúrgicos, políticos (principalmente), epistemológicos (de paradigmas científicos). A Covid-19 sugere também algumas leituras, isto é, para privilegiados que podemos substituir o deslocamento e o trânsito e a espera pela paz dos livros.

Há títulos disputadíssimos. De algum modo são livros que tratam de pestes e de mortes incontáveis. Nessa lista, “A Peste”, de Albert Camus, “O Decameron”, de Giovanni Boccaccio, “Morte em Veneza”, de Thomas Mann. Cristiano Paixão, competentíssimo professor de História do Direito, inclui ainda “O ensaio sobre a cegueira”, do José Saramago. Nesse último livro há dois personagens que sobressaem: a mulher do médico e o cão das lágrimas. Simbolizam a solidariedade, a compreensão para com o outro e a disponibilidade permanente para ajudar. Precisamos imitar a mulher do médico e o cão das lágrimas. Necessitamos de solidariedade e de compreensão.

Quanto ao tema da história há semelhanças e paralelos com fatos passados que chamam a atenção, e que dão ao registro histórico uma autoridade inegável. Refiro-me ao problema da varíola e a revolta da vacina (1904), à gripe espanhola (1918) e ao surto de meningite (meados da década de 1970). Pode-se compreender nosso tempo e nossos horrores no contexto dessas experiências? Claro que sim. Tenho a impressão de que sempre houve negacionistas, ignorantes, brutamontes, aproveitadores da desgraça. Mas também há bem-intencionados. Identifiquemos e dialoguemos com essas figuras. Apoiemos essas últimas, repudiemos aquelas primeiras.

Em 1904 o então presidente Rodrigues Alves (que morreu de gripe espanhola 15 anos depois) contou com uma trinca imbatível: Pereira Passos (o prefeito do Rio, que havia estudado a reforma do Barão Haussmann em Paris), Lauro Müller (que coordenou a reforma do porto do Rio de Janeiro) e Oswaldo Cruz (diretor da saúde pública, o tirano da vacina, como seus críticos o definiam). No combate à varíola a vacinação tornou-se obrigatória.

Contra a ciência e a vacina estavam os positivistas, os florianistas, Lauro Sodré e o próprio Rui Barbosa. Quem diria, Rui, a (suposta) mente mais iluminada da época, condenava a vacina, não admitindo se envenenar, com a introdução, em seu corpo “de um vírus cuja influência existem [iam] os mais bem fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte”. Estava de olho nas eleições, que sempre perdeu. Já havia a necropolítica, bem antes da criação desse neologismo macabro. A má política já tinha a mania de negar a ciência.

O combate à febre amarela foi conspurcado com uma obstinada perseguição de pobres que habitavam o centro do Rio de Janeiro, o que justificou a revolta popular. Bondes incendiados, barricadas e muitas prisões. A necropolítica aproveitou o momento para negligenciar o pobre. Nenhuma novidade.

Sigo com a “influenza”. A censura em tempos de epidemia explica, inclusive, o batismo da gripe de 18-19 como “espanhola”. Era o tempo da primeira guerra mundial. Os países envolvidos no conflito não noticiavam as mortes pela gripe; era propaganda negativa. A Espanha, porque fora da guerra, não se submetia a essa regra. Os jornais espanhóis tratavam do assunto, o que resultou na identificação da gripe com o país. A gripe espanhola é, assim, mais um exemplo do odioso controle de informações, em desfavor da população. A gripe era um segredo de guerra. Matou mais do que os campos de batalha. A necropolítica política desinforma. Ilude.

Nas primeiras páginas do recentemente lançado “Metrópole à beira-mar” o escritor Ruy Castro narra com precisão de pormenores a tragédia da gripe no Rio de Janeiro. Um contemporâneo da tragédia, Lima Barreto, não tratou da gripe espanhola em suas crônicas, talvez porque internado pelo alcoolismo. No entanto, em seu Diário, registrou a violência policial na revolta da vacina. Lê-se em outro contemporâneo, João do Rio, na “Alma encantadora das ruas”, uma crônica, “Sono calmo”, que descreve o ambiente dos cortiços, cujos proprietários alugavam esteiras para dormir. Os locatários foram sistematicamente dizimados pelas autoridades. Pedro Nava, o grande memorialista, conta que viu uma criança tentando mamar no seio da mãe, morta pela gripe, caída no chão. Gilberto Amado, intelectual e político sergipano que vivia no Rio, conta-nos que via defuntos jogados em caminhões.

A Biblioteca Nacional disponibiliza em sua hemeroteca digital os jornais da época. Sugiro a leitura dos classificados do Jornal do Brasil. Vendiam todos os tipos de remédios milagrosos. Pregava-se o uso do sal de quinino, que na verdade matava por intoxicação. Difundia-se o uso da aspirina, que em doses cavalares era letal. Tragédias se equivalem.

Há também uma dramaturgia que acompanha essas levas de mortes maciças. Parece-me a dramaturgia de toda tragédia. Nega-se o fato, resiste-se a um novo cotidiano, o que fundamental para a retomada da situação perdida. Essa negação se fazia por intermédio da divulgação de informações falsas, a exemplo de um reclame do sindicato dos trabalhadores do comércio no Rio, que afirmava que a gripe era benigna e que apenas atacava os mais fracos. Recomendavam um purgante como remédio certeiro.

No caso da meningite, e nesse caso meu registro é biográfico, e não bibliográfico, recordo-me que se confundia meningite com insolação, retomando-se um determinismo sanitário paliativo. Não se explicou o que houve. E também não se perguntava. Por quê?

Uma reflexão em torno dessas três epidemias (varíola, gripe espanhola e meningite) pode permitir o alcance de denominadores comuns de orientação para qualquer forma de ação no momento presente: informação e precaução. A boa informação (o que de imediato exclui a mensagem do zap do tio mala que todos temos ou somos) exige que nos preocupemos com as fontes. Quem disse? Quem escreveu? O que de fato foi dito? O que de fato foi escrito? Há provas ou outras referências? O uso malicioso de informações, nesse campo sanitário, é imperdoável. E se dúvidas há, a precaução é guia seguro para a ação segura.

No limite, a precaução justifica o medo. Filho de Ares e de Afrodite, o Medo era também uma figura mitológica que acompanhava o deus da guerra (Ares) nas batalhas. Apavorava os inimigos, que em desespero fugiam. O medo tem uma função estabilizadora de nossas defesas. Não se confunde com a covardia. A lição histórica que se tira dos fatos aqui narrados, parece-me, consiste em pensarmos que viver cautelosamente, e de par com a informação qualificada, pode ser, em momento crítico, um meio adequado para vivermos mais, e melhor, bem como para acudirmos quem precisa de ajuda nessa hora difícil. E também no limite, como a mulher do médico e como o cão das lágrimas, precisamos ser solidários.

 é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.

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Um legado à professora Fabiana D’Andrea Ramos

Este é o texto que não se planeja escrever. O sentimento que antecede o toque a cada letra do teclado se materializa na saudade já presente diante da recente e prematura passagem da Professora Fabiana D’Andrea Ramos. Está na lição de vida que fortemente sustentou o motivo pulsante para escrever algo que a fará viva no registro acadêmico, que sempre estará conosco, além, é claro, do sorriso largo, do temperamento agridoce e do carinho dado aos que tiveram a alegria de um convívio mais próximo.

A jovem Fabiana, com os sonhos que nos são próprios da idade, iniciou sua vida profissional como egressa do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 1997; ingressou, no ano seguinte, em uma das escolas jurídicas mais renomadas do mundo, ao cursar Mestrado em Direito, na Universidade de Heidelberg, na Alemanha; e concluído o doutorado, em 2005, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A carreira docente teve início na Universidade Federal Fluminense, em Niterói-RS, sendo que atualmente era professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuava ainda como Secretária Executiva da Rede Brasileira de Pesquisadores em Direito Internacional, era Diretora de Assuntos Internacionais do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), tendo sido vice-presidente do instituto.

Fabiana desenvolveu uma carreira acadêmica louvável, foi bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/Brasil) com a pesquisa que resultou na tese A Eficácia Vinculativa das Cartas de Intenções. Na Alemanha foi orientanda do Prof. Dr. Dr. h.c. Erik Jayme, e bolsista da Fundação Konrad Adenauer. Recentemente dedicava estudos à mediação e instrumentos de composição de conflitos, realizou o curso Mediação de Conflitos: Novo Paradigma à Construção da Paz, da Clínica de Psicoterapia e Instituto de Mediação, CLIP, Brasil. Foi pesquisadora do Centro de Estudos Europeus e Alemães, CDEA/Brasil e membro do Grupo de Pesquisa Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em importante contribuição ao direito, a professora Fabiana, é autora do artigo Métodos Autocompositivos e respeito à vulnerabilidade do consumidor, publicado na Revista de Direito do Consumidor (v. 109, p. 333-348, 2017); também no livro Diálogos entre o Direito do Consumidor e o Novo CPC, da Editora Revista dos Tribunais; escreveu sobre o transporte aéreo, em texto intitulado Transporte aéreo e cancelamento de voos: comentários ao REsp 1.469.087/AC, publicado na Revista de Direito do Consumidor (v. 110, p. 566-594, 2017); tratou dos contratos bancários no artigo Contratos bancários, hipervulnerabilidade por deficiência física e obrigação de informar: comentários ao REsp 1.315.822/RJ, com publicação na Revista de Direito do Consumidor (v. 99, p. 463-496, 2015); ainda sobre a proteção dos consumidores é autora do artigo Aspectos da Aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos Contratos de Licença de Uso de Software, na Revista de Direito do Consumidor (v. 46, p. 165-192, 2003); junto à professora Fabiana Barletta, publicou na obra Mediação e Relação de Consumo, o artigo Relações de Consumo e Métodos autocompositivos: reflexões sobre a questão da vulnerabilidade.

Ao lado das professoras Claudia Lima Marques e Gail Person foi organizadora da obra Consumer Protection: Current Challenges and Perspectives, publicada em 2017; junto aos professores Thierry Bourgoignie e Patrícia Galindo da Fonseca organizou o livro A Proteção do Consumidor no Brasil e no Quebec: Diálogos de Direito Comparado, em 2013; com os mesmos colegas foi organizadora, no ano de 2010, do livro Legislação Comparada sobre Direito do Consumidor.

A minha alegria na amizade com a Fabi, também fez, da professora Fabiana, uma das minhas melhores parceiras acadêmicas, dividimos a coautoria nos textos: Common Law and International Consumer Protection in the Global Orbit of Consumption, publicado em livro de organização das professoras Claudia Lima Marques e Wei Dan, intitulado Consumer Law and Socioeconomic Development: National and International Dimensions, publicado em Berlin, pela editora Springer, no ano de 2017; Consumer Protection and ADR: Comments about Vulnerability, no livro Consumer Protection: Current Challenges and Perspectives, publicado em Porto Alegre-RS; Common Law and International Consumer Protection in the Global Orbit of Consumption, na obra Consumer Law and Socioeconomic Development: National and International Dimensions; For a Common Consumer Right: The Global Consumption Orbit and the International Protection, publicado em The Future of International Protection of Consumers; e no jubileu de prata do Código de Defesa do Consumidor publicamos o artigo Por um Direito Comum ao Consumidor: a órbita global de consumo e a proteção internacional, editado para o livro 25 anos do Código de Defesa do Consumidor: trajetória e perspectiva, da Revista dos Tribunais, em 2016, que também foi publicado na obra Sociedade de Consumo: pesquisas em direito do consumidor III.

Como articulista na coluna Garantias de Consumo, no site Consultor Jurídico, tem quatro brilhantes participações, com os textos Superendividamento maior é problema do mercado de crédito, não do consumidor; Meios autocompositivos podem reduzir vulnerabilidade do consumidor; Por uma adequada resolução dos conflitos de consumo; e A desjudicialização favorece a proteção do consumidor?

Membro da Associação de Juristas Luso-Alemães, com sede em Heidelberg/Alemanha. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, com sede em Brasilia/DF. Pesquisadora internacional associada ao Groupe de Recherche en Droit International et Comparé de la Consommation (GREDICC), com sede em Montreal/Canadá. Eis a professora, que os estudos deixados irão eternizá-la.

Quero, contudo, nesta, já alegre – assim ela levava a vida e assim será justo lembrar – homenagem póstuma, em que o toque triste no teclado, ao início do texto, abre espaço contagiante para falar um pouco da minha amiga Fabi. Tudo que for dito, não poderá trazer a essência do lindo ser humano que ela é. Aos que até aqui acompanham, deixo-os em A sala de espera da vida, por Fabiana D’Andrea Ramos.

Na primeira vez que tive câncer, meu primeiro pensamento foi na morte. O segundo, foi na vida. E o terceiro e o quarto e o quinto e o sexto… Ok, no sétimo, pensei na morte de novo, mas nunca me permiti acreditar que ela viria com o câncer e sobretudo não tão cedo, não aos 41 anos. Porque há mais pelo que viver do que pelo que morrer. Mas ao receber a notícia, em nenhum momento pensei nos cabelos. Foram minhas médicas que logo me alertaram: os cabelos vão cair! E eu ali, com milhões de outras preocupações e pensamentos. Uma revolução dentro da minha cabeça e nem me ocorreu pensar nos cabelos.

A careca, no entanto, era um estigma. Um sinal ostensivo. Alguns veem como sinal da doença. Para mim, era sinal da cura! As pessoas se incomodam muito com a aparência. Eu até achei que ficou exótico. Enfim, não era um problema. Só um detalhe. Sinceramente, nesse processo todo havia coisas MUITO mais importantes, para as quais ninguém nem ligava muito.

Mais importante era lidar com os milhões de pensamentos e emoções zunindo de um lado para o outro na minha cabeça, colocando-me no meio de um turbilhão. Era difícil controlar essa avalanche para se concentrar no tratamento e permanecer tranquila para o seu sucesso. Quando terminei o tratamento, estava certa de ter sido bem-sucedida nessa parte, porque não me deixei dragar para dentro da tormenta. Não dei muito espaço para isso. Mas, claro, fiz minhas reflexões. Não me fiz a famosa pergunta do “porque eu”? Meu questionamento foi mais no sentido de “para que propósito”? Era claro para mim que o câncer tinha o propósito de demandar de mim mudanças importantes para continuar vivendo. E tive que dar uma vasculhada na vida para entender quais mudanças eram necessárias. O câncer era como um alerta: se você continuar nesse caminho, vai morrer. Sim, morrer vamos todos, mas no meu caso a morte teve a generosidade de dar um aviso prévio. Nem todos têm essa sorte. Considero uma benção! Era como um tapa na cara dizendo “chega! Te sacode e segue a vida”. À época eu sofria com o fim de uma relação. E tenho certeza que meu sofrimento virou um tumor. Eu criei essa teoria para minha doença e isso me ajudou. Deus foi bom para mim, condensando nessa bola dura de mais de três centímetros na minha mama direita tudo de ruim que havia em mim e me fazia sofrer. Exatos 3,3 centímetros de sofrimento. Parece pouco, mas fez um baita estrago. Minhas reflexões iniciais então eram: se eu não romper isso que me faz mal, a doença vai tomar conta. Ela até pode ir embora agora, mas voltaria. Se eu não mudar, ela vai voltar. Foram quatro sessões de quimioterapia com esse pensamento. Eu não tinha muita segurança a respeito do que exatamente em mim eu precisava mudar. Parecia-me que a única coisa concreta que eu poderia fazer era romper aquele relacionamento. Eu sabia que me fazia mal. E sabia que para ficar bem deveria cortar tudo que me fazia mal. A medicação não ia funcionar se eu não ajudasse. Então, tratei de começar a cortar os vínculos. Timidamente ainda, porque é difícil mudar. É difícil romper condicionamentos. Mas fui me convencendo.

Depois da quarta sessão de quimio, mais ou menos três meses depois do início do tratamento fiz um exame para verificar se o tumor havia reagido à medicação e, surpresa, ele não estava mais lá! Regressão total do nódulo, dizia o laudo. Alívio! Alívio e certeza de que tudo que ele representava tinha ido embora também. E ali dei adeus ao sofrimento e me voltei para uma vida repleta de possibilidades e expectativa. Mas era preciso esperar. De repente, eu queria fazer tudo, viver tudo, experimentar tudo. No entanto, o tratamento continuava. E assim também a fadiga, o mal-estar, as limitações. Então minha segunda reflexão foi: paciência. Tudo tem seu tempo. Era difícil esperar. E passei a viver na sala de espera. Vivia a espera de poder abraçar a vida. Olhava pela janela e aguardava o dia em que poderia sair livremente, dançando e sorrindo. Enquanto isso, valorizava outras pequenas coisas do dia a dia. Aprendendo a ver luz e graça em todas as coisas.

Mas na segunda vez que tive câncer… na segunda vez, meu mundo desabou. Fazia pouco mais de seis meses só que eu tinha saído da minha sala de espera imaginária. Minha ainda frágil autoconfiança se foi. Minha estrutura ruiu. Minha teoria tão minuciosamente construída se voltou contra mim como um tsunami. Era como se uma voz gritasse na minha mente: você não fez o suficiente! Você não fez o suficiente! Parecia que a minha viagem interior teria que ser mais profunda do que eu imaginava. O que eu andava fazendo de tão errado para o câncer voltar e voltar com mais força? Poucos meses antes, meus exames não acusavam nada e de repente aquele nódulo. E poucas semanas depois, outro nódulo. E depois, infiltração na pele. O que essas células doentes, que se reproduzem enlouquecidamente queriam me dizer? Que significado tinha aquilo tudo?

Não tive muito tempo para pensar nisso antes de me despedir definitivamente da mama. E logo depois os cabelos se foram de novo. Tudo tem sido mais difícil dessa vez. A careca agora incomoda mais. Não por causa dela mesma, continuo achando exótico. O que incomoda é o olhar dos outros para ela. Não tenho mais aquela força para explicar, comentar e ouvir chavões do tipo: “cabelo cresce de novo”! A recuperação da cirurgia foi mais dolorosa também e com mais sequelas. Mas tenho aprendido nesse caminho, que ainda não terminou. Eu ainda acredito que o câncer, nas pessoas adultas, vem com um propósito. Ainda acredito que ele vem como uma oportunidade de autorreflexão, de mudança, de melhoria, de renascimento.

Tenho tentado ser mais generosa comigo mesma, sobretudo, tenho tentado afastar minha teoria maluca de que tenho algum tipo de responsabilidade no desenvolvimento da doença. Claro que um comportamento positivo, uma visão otimista e uma atitude confiante ajudam no tratamento. Não tenho dúvida disso. Mas eu não sou responsável pelo câncer. Ele não vem e vai por causa das minhas atitudes, das minhas limitações, dos meus erros, das minhas carências. Ele vem porque tem que vir. E para cada pessoa é diferente. É uma doença, que, embora tenha seus padrões, se revela distintamente em cada pessoa que é afetada por ela. E isso vale tanto para os doentes, como para aqueles que sofrem junto com eles. Eu posso falar do meu câncer, mas cada um tem o seu, diferente do outro.

E do meu câncer eu posso dizer que, ao invés de lutar contra ele, estou aprendendo a abraça-lo como parte da minha vida. Ele não é morte, mas parte de uma vida exuberante! Ele me faz ser generosa e gentil comigo mesma, está me ensinando a perdoar a mim mesma e me faz sentir a força imensa da gratidão. Eu ainda estou aprendendo. Ele está me ensinando que não existe sala de espera na vida. Nunca! Eu vivo hoje a minha vida plenamente e a aceito com gratidão, exatamente como ela é. Com toda sua beleza, com toda sua dificuldade, com toda sua graça.

Não, eu não sou uma paciente. Ser paciente oncológica não me define. Eu sou Fabiana, filha teimosa, impaciente e carinhosa, mãe feliz e realizada de uma explosão de alegria chamada Julia, professora amante do conhecimento, amiga leal, mulher curiosa da vida, vibrante de amor e encantada com a beleza da existência. Um grupo de células teimosas diz pouco sobre mim, porque a parte não define o todo, e eu sou tudo e nada, sou muito e pouco, sou inteira e sou metade. Muito prazer, eu sou Fabiana, aprendendo a viver!

Ao retomar a escrita, “fica sempre, um pouco de perfume, nas mãos que oferecem rosas”. Querida Fabiana, fica vida em cada um de nós.

 é doutorando em Direito da UFRGS; mestre em integração latino-americana pela UFSM; docente do curso de Direito da Universidade Franciscana (UFN); professor convidado de cursos de pós-graduação, em especial da especialização em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais, da UFRGS, da especialização O novo Direito Internacional, da UFRGS; coordenador do Projeto de Prevenção e Tratamento do Superendividamento do Consumidor no Município de Santa Maria (RS); secretário-geral do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon); e conselheiro do Fundo Gestor de Direitos Difusos do Ministério da Justiça.