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RN tem 15 dias para fornecer hidroxicloroquina a pessoas com lúpus

O Estado do RN deve fornecer, no prazo de 15 dias, o medicamento hidroxicloroquina 400mg (Reuquinol) ou outro medicamento de composição coincidente, mediante apresentação de prescrição médica atualizada, em benefício dos filiados à Associação das Pessoas Acometidas de Lúpus Eritematoso Sistêmico do Estado do Rio Grande do Norte.

A decisão, que atende a pedido de tutela provisória de urgência de natureza antecipada, é do juiz de Direito Bruno Montenegro Ribeiro Dantas, da 3ª vara da Fazenda Pública de Natal/RN, com notificação, através de mandado, ao secretário estadual de Saúde para que, no prazo assinalado, cumpra o que foi determinado, sob pena de bloqueio de bens e eventual fixação de multa. A Procuradoria Geral do Estado tem 30 dias para responder ao pedido inicial a partir da citação.

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O caso

A Associação das Pessoas Acometidas de Lúpus Eritematoso Sistêmico do Estado do Rio Grande do Norte promoveu a ação ordinária contra o Estado afirmando que seus associados são pessoas portadoras de doença grave, razão pela qual necessitam fazer uso constante do fármaco hidroxicloroquina, para tratamento da doença.

A Associação alegou, entretanto, que o ente público estadual vem revelando omissão na disponibilização do medicamento na rede pública de saúde, para a correspondente distribuição entre os pacientes. Ao final, requereu concessão de tutela de urgência para que o Estado forneça a medicação a todos os seus associados, mediante apresentação de prescrição médica atualizada.

Decisão

De início, o magistrado refutou as teses de violação ao postulado da separação dos Poderes, ou interferência do Poder Judiciário na escolha de prioridade na definição das políticas públicas, também a ainda tese da reserva do possível. Advertiu que a realização dos direitos e garantias fundamentais não se encontra no âmbito de discricionariedade governamental.

O juiz considera legítima intervenção do Judiciário diante da “omissão arbitrária governamental em formular e implementar políticas públicas previstas na CF, especificamente após a constatação de um panorama nebuloso, capaz de revelar, ao ser ver, a inércia abusiva dos Poderes Legislativo e Executivo”.

“A intervenção judicial, neste particular, não se afigura como afronta à separação dos poderes. Ora, quando a Constituição da República estiver sendo desrespeitada, o Judiciário pode e deve agir”.

No caso, verificou que foram anexados aos autos laudos médicos diversos e variados, atestando a necessidade de uso do medicamento hidroxicloroquina para pacientes com a doença “Lúpus Eritematoso Sistêmico”, o que traduz, pelo menos neste momento processual, prova suficiente acerca da necessidade do seu uso para tratamento terapêutico dos pacientes representados pela associação autora.

“Registro, ainda, a primazia que reveste a avaliação dos profissionais responsáveis pelo acompanhamento e pelo tratamento da doença, no que se refere ao medicamento prescrito, conforme acima vincado”, avaliou, anotando que o medicamento pretendido encontra-se previsto nas listas do SUS para disponibilização à população, estando em falta no órgão público para disponibilização aos pacientes, conforme a declaração fornecida pela Unicat – Unidade Central de Agentes Terapêuticos constante dos autos.

Leia a decisão.

Informações: TJ/RN.

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Responsabilização jurídica por uso de cloroquina não é consenso

O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de ações diretas de inconstitucionalidade — que questionaram a Medida Provisória 966, que restringiu a responsabilização dos agentes públicos durante a epidemia de Covid-19 — sedimentou o entendimento de que ignorar diretrizes científicas constitui erro grosseiro, o que abre a possibilidade para questionamento judicial e posterior condenação.

Uso da cloroquina no tratamento da Covid-19 é controverso no aspecto jurídico
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Apesar da clareza do enunciado jurídico, as dificuldades próprias da produção do saber científico podem ser um entrave à sua aplicação, especialmente no que diz respeito ao coronavírus.

O principal exemplo é o uso da cloroquina. O medicamento, originalmente usado no combate de doenças como malária e lúpus, foi amplamente defendido por políticos, como o presidente Jair Bolsonaro e o mandatário norte-americano Donald Trump, como eficaz no tratamento da Covid-19. 

Apesar do entusiasmo de agentes políticos, o periódico científico The Lancet publicou divulgou estudo que acompanhou 100 mil pacientes em todo o mundo e que apontou não apenas a ineficácia da cloroquina para combater a Covid-19, mas também o risco de ataque cardíaco nos pacientes, com aumento da mortalidade.

Em 25 de maio, a Organização Mundial de Saúde decidiu suspender os testes com o remédio até que sua segurança seja verificada em detalhes. Apesar das informações recentes, o SUS manteve o próprio protocolo, que recomenda a utilização do remédio para pacientes com Covid.

Assim, o médico que receitar cloroquina seguindo o protocolo do SUS estará respaldado juridicamente. O entendimento é do advogado e é presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), Raul Canal.

Em entrevista à ConJur, Canal explica que a recomendação da OMS não é vinculativa e que a principal autoridade médica no país é o Ministério da Saúde. “Desde que o médico siga o protocolo do Ministério da Saúde e o paciente tenha concordado com o uso da cloroquina, ele [o médico] pode até ser processado, mas está legalmente amparado.”

Segundo ele, a “imunidade” vale inclusive para os autores do protocolo do SUS que recomendou o uso da cloroquina, porque o documento foi baseado nas informações científicas disponíveis no momento.

Canal explica que ainda não existe consenso médico em relação ao tratamento da Covid-19 e que o debate não pode ser contaminado pela discussão política. “No voto da ministra Carmén Lúcia, ela disse que não se pode proteger os servidores 100% ao ponto de permitir que eles possam cometer aberrações, mas também não se pode engessá-los. Se o médico sabe que o paciente é cardiopata e tem problemas nos rins e mesmo assim receitou cloroquina, pode ser responsabilizado”, comenta.

O constitucionalista Eduardo Mendonça também entende que não se poderia responsabilizar o médico com base no entendimento do STF da MP 966 se ele, médico, seguir o protocolo do SUS e informar os riscos do tratamento ao paciente.

“Do ponto de vista jurídico, a premissa é a de que constitui culpa grave o que contrarie os protocolos médicos reconhecidos pelas entidades médicas reconhecidas. Se houver discordância entre essas opiniões técnicas, não acho possível responsabilizar o administrador que segue uma delas. Mas a opção por seguir apenas a própria intuição é temerária e pode gerar responsabilização”, argumenta.

Contraponto

O jurista e colunista da ConJur, Lenio Streck, por sua vez, tem um entendimento diferente. “Erro grosseiro na medicina ocorre de dois modos: por erro na condução do procedimento ou por ministrar tratamento (medicação) sobre a qual não há comprovação científica. Assim, quem ministrar cloroquina poderá cometer erro grosseiro, sim. Veja: não é que não haja consenso sobre a eficácia. É que as pesquisas mostram que é mais perigoso usar do que não usar. Logo, o médico assume o risco de ser processado se o paciente morrer e ficar comprovado que o foi por causa da cloroquina”, explica.

Entendimento parecido tem advogado constitucionalista Paulo Peixoto. “Como não há consenso entre os cientistas, tampouco há estudos que atestem uma alta probabilidade de cura ou atenuação dos efeitos do vírus, possível dizer que não há critérios técnicos e científicos que deem respaldo à aplicação do medicamento no combate à Covid-19. Assim, o Estado pode ser responsabilizado objetivamente pela morte ou pelas sequelas dos pacientes, cabendo contra o médico eventual ação regressiva”, argumenta.

A visão é endossada, ainda, por Luís Inácio Adams, ex-AGU, em artigo publicado na ConJur. “Aparentemente, o elemento catalisador da decisão foi o político e não o técnico. Tudo considerado, o caso do protocolo da cloroquina adotado pelo Ministério da Saúde pode ser o primeiro caso em que venha a ser aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal do que seja erro grosseiro”, afirma.

Ministério Público 

A atuação do Ministério Público até agora parece indicar que os procuradores vão defender o uso do remédio. Recentemente, procuradores de Minas Gerais e Goiás fizeram recomendações a determinados municípios para ampliar o uso do medicamento. No Piauí foi aberta ação civil pública com o mesmo objetivo.

Em 22 de maio, a Procuradoria Geral da República enviou ofício ao Ministério da Saúde pedindo informações sobre o novo protocolo adotado em relação ao medicamento. O texto, assinado pela subprocuradora-Geral da República, Célia Regina Souza Delgado, também pede que o Ministério da Saúde apresente um plano para evitar desabastecimento do fármaco, que é usado para tratamento de doenças como malária e lúpus.

Nesse caso, os procuradores podem ser responsabilizados pelas ações de incentivo ao uso do medicamento? Para Raul Canal, não: a falta de consenso científico também respalda esses profissionais.”Existem correntes que defendem o uso da cloroquina. A OMS pausou os estudos, mas também não proibiu. O uso da cloroquina é justificável no Brasil por conta do protocolo do SUS”, diz.

O julgamento no Supremo

O voto do ministro Luís Roberto Barroso prevaleceu na decisão colegiada do Supremo Tribunal Federal de manter a vigência da Medida Provisória 966, que restringiu a responsabilização dos agentes públicos a hipóteses de dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados ao combate da epidemia da Covid-19.

O entendimento de Barroso criou um limite claro ao determinar que agentes públicos que pratiquem atos administrativos que violem o direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente por descumprimento de normas e critérios científicos e técnicos cometem erro grosseiro e, portanto, estão sujeitos a sanções legais.

Clique aqui para ler o oficio da PGR ao Ministério da Saúde