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Aldem Aráujo: Um exemplo de usurpação de competência

Sem alarde, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) expediu, no último dia 20, a Resolução nº 337/2020, que “dispõe sobre a aplicação de multa às instituições que não implementarem as medidas necessárias para a prevenção do contágio do coronavírus Covid-19 e dá outras providências”.

A grosso modo, a norma infralegal pretende impor às pessoas jurídicas registradas nos assentamentos do Cremesp, sob pena de aplicação de multa correspondente ao valor de uma a dez anuidades, o dever de disponibilizar: 1) infraestrutura para higienização das mãos, com sabão para lavagem das mãos e antisséptico de mãos à base de álcool gel 70% (setenta por cento), lenços e toalhas descartáveis para uso do público e dos profissionais da saúde; 2) máscara cirúrgica, avental, luvas descartáveis e protetor facial ou óculos aos médicos; 3) máscara N95 ou PFF2, aos médicos expostos a procedimentos ou exames que podem gerar aerossol, a exemplo de coleta de swab nasal, broncoscopia e aspiração de paciente entubado, e aos médicos que atuem em unidades de terapia intensiva; 4) material de limpeza, intensificando a higienização das suas instalações e 5) equipamentos de proteção aos médicos (EPI) recomendados pelos órgãos e autoridades competentes.

Em que pese a intenção sempre louvável de incrementar medidas necessárias para a prevenção do contágio do coronavírus, a Administração Pública deve mesmo diante da situação extraordinária provocada pela pandemia e do regime jurídico excepcional de emergência sanitária dela decorrente sempre cuidar de observar os limites constitucionais e legais sob pena de ter seus atos anulados por usurpação de competência e excesso de poder.

Infelizmente, nesse particular, a Resolução nº 337/2020 do Cremesp enquadra-se como um exemplo de usurpação de competência e excesso de poder.

Analisando a matriz constitucional e legal da atuação dos conselhos de fiscalização profissional, estabelecida pelo artigo 5º, XIII, da CF/88, pelo artigo 1º da Lei nº 6.839/1980 e pelo artigo 4º da Lei nº 12.214/2011, verifica-se muito claramente, até pelo tratamento lacônico conferido pelas normas, que a competência dos conselhos em sede de direito administrativo sancionador está adstrita às infrações ético-profissionais.

Registre-se, em reforço, que o STJ possui como tese consolidada a de que “os conselhos profissionais têm poder de polícia para fiscalizar as profissões regulamentadas, inclusive no que concerne à cobrança de anuidades e à aplicação de sanções”.

Especificamente quanto ao Conselho de Medicina, os artigos 2º, 15 e 21 da Lei no 3.268, de 30 de setembro de 1957, deixam bastante evidente que os Conselhos Regionais de Medicina têm competência para fiscalizar o exercício da profissão do médico e para apurar e aplicar as devidas penalidades em razão da prática de eventuais infrações ético-profissionais.

Ora, analisando as imposições que a Resolução nº 337/2020 faz às pessoas jurídicas registradas nos assentamentos do Cremesp, resta muito claro que elas têm conteúdo sanitário e não ético-profissional.

Analisando o artigo 200, inciso II, da CF/88 e, sobretudo, o §1º, I e II, do artigo 6º da Lei 8.080/1990, que caracteriza a vigilância sanitária como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, relacionem-se com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde, verifica-se com facilidade que as normas exigidas pela Resolução nº 337/2020 do Cremesp se inserem na seara do direito sanitário e, portanto, são normas de competência dos órgãos e entidades do SUS que exercem as ações de vigilância sanitária.

Da inteligência das discussões que antecederam a aprovação da Súmula 561 do STJ (que definiu as competências do Conselho de Farmácia e, por exclusão, da Vigilância Sanitária acerca da fiscalização da presença do farmacêutico durante todo o período de funcionamento do estabelecimento), extrai-se que aquela corte entendeu que os órgãos e entidades de vigilância sanitária possuem competência para conceder o licenciamento do estabelecimento e para fiscalizar as farmácias e drogarias nos aspectos relacionados com o cumprimento das exigências sanitárias, não incluindo a fiscalização da atuação ou não do farmacêutico, já que este é um aspecto ligado ao exercício da profissão, razão pela qual é tarefa do respectivo conselho profissional.

Sendo as exigências impostas pela Resolução nº 337/2020 do Cremesp às pessoas jurídicas dotadas de um conteúdo evidentemente sanitário, e não ligado ao exercício da profissão médica, a presença dos vícios nulificantes da usurpação de competência e do excesso de poder na aludida norma infralegal brotam de forma incontestável à luz do artigo 200, inciso II da CF/88, do §1º, I e II, do artigo 6º da Lei 8.080/1990, do artigo 1º da Lei nº 6.839/1980, do artigo 4º da Lei nº 12.214/2011, dos artigos 2º, 15 e 21 da Lei no 3.268/1957 e da Súmula 561/STJ.

Destarte, à luz do artigo 2º da Lei de Ação Popular o claríssimo vício de competência que macula a Resolução nº 337/2020 do Cremesp implica sua necessária anulação.

Ignorar os vícios de competência que tornam nula a Resolução nº 337/2020 do Cremesp em prol de promover o incremento das medidas de combate ao coronavírus é permitir o risco de um perigoso efeito multiplicador, vez que outros Conselhos Regionais de Medicina podem seguir o exemplo de São Paulo e também avançarem sobre competências dos órgãos e entidades que integram o SUS.

Num país com um tradicional pouco apreço à autocontenção, impedir a usurpação de competências e o excesso de poder é uma medida obrigatória para evitar situações que, quando passam a ocorrer de forma reiterada, são de demorada correção.

 é advogado no escritório Mello Pimentel Advocacia, membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB-PE e especialista em Direito Público.

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Conselho profissional pode cobrar anuidade enquanto houver vínculo

Formalidade necessária

Anuidade de conselho profissional só será interrompida após cancelamento formal

Colegiado da 7ª turma do TRF-1 confirmou sentença favorável a conselho profissional
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Cabe ao profissional formalizar o cancelamento de sua inscrição, perante o Conselho Profissional, quando deixar de exercer atividades relacionadas ao seu ramo profissional, sob pena de cobrança de anuidades.

Com esse entendimento, a 7ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª região confirmou sentença que considerou cabível a cobrança das anuidades de uma profissional da área de contabilidade por parte do CRC/BA Conselho Regional de Contabilidade do Estado da Bahia.

No recurso apresenta ao TRF-1, a parte autora alegou que não exerce mais e profissão e que, por isso, a cobrança de anuidades se mostra completamente indevida por parte do conselho profissional. A autora também alegou que o que gera a obrigação de pagamento é o efetivo exercício da profissão e não a inscrição no órgão de classe.

A apreciar o recurso, o relator, desembargador federal Hercules Fajoses, afirmou que “a obrigação de pagar a anuidade independe do exercício da profissão para a qual se inscreveu o embargante no Conselho de sua categoria. Ou seja, ainda que não exerça sua atividade profissional, lhe será cobrado o pagamento das anuidades enquanto permanecer formalmente vinculado ao órgão fiscalizador”.

O desembargador também pontuou que a autora não apresentou nenhum documento que comprove a existência de requerimento formal de cancelamento de registro. O voto do relator foi acompanhado e negou o recurso.

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1005252-69.2018.4.01.0000

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Revista Consultor Jurídico, 31 de maio de 2020, 7h31