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Ainda os honorários sucumbenciais em improbidade administrativa

Já é bastante conhecido o entendimento jurisprudencial segundo o qual o artigo 18 da Lei n. 7.347/1985 seria aplicável às ações de improbidade administrativa para afastar honorários sucumbenciais em ações de improbidade, salvo comprovada má-fé (REsp. 577.804/RS, DJ de 14.02.2006).

De pronto, temos reservas quanto àquele posicionamento, rechaçando a mescla entre os ritos da ação civil pública e da ação de improbidade: as ações são diversas, com escopos diversos e procedimentos diversos. Ainda além, a norma, originalmente dirigida a associações — que não possuem fins lucrativos —, acabaria ampliada para inexplicavelmente alcançar também o Ministério Público.

Sem prejuízo, concedemos que essa fusão procedimental já se encontra banalizada e chancelada jurisprudencialmente, o que fez com que a “importação” do referido artigo 18 para a seara da improbidade exigisse como ajustes (i) a ampliação da isenção de honorários, não apenas para associações, como também para quem quer que viesse a funcionar como autor da ação e, (ii) por um critério de simetria, a imunização também em favor do réu, mantida, contudo, em ambos os casos, a ressalva quanto à má-fé como possibilidade de afastamento da imunidade.

Inobstante, como dito, admitamos a consolidação do entendimento atual, alguns fatores práticos, colecionados a partir do desenvolvimento do instituto da improbidade, nos inspiraram a insistir na revisita à questão dos honorários sucumbenciais.

O primeiro desses fatores é a cobrança de valores estratosféricos muitas vezes lançados por mera estimativa e por uma espécie de presunção cuja desconstituição exigiria prova verdadeiramente diabólica. Temos para nós que, incidissem como verba que possui feição em certa medida sancionatória, os honorários poderiam estimular uma calibragem mais racional e esmerada de pretensões que não raro são deduzidas a esmo sem qualquer constrangimento.

Em linha com essa nossa visão, ilustramos o potencial dissuasivo de recente acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em ação em que se reconheceu o direito de agente, absolvido em ação de improbidade, de reaver os vultosos valores arcados a título de custas processuais (calculadas sobre valor da causa bastante considerável):

(…) Incide o princípio da causalidade. A ideia da ação civil pública foi não onerar o Estado (na pessoa do Ministério Público) ou as associações legitimadas, com custas que podem ser milionárias (…). A ideia da lei foi isentar os autores de despesas que poderiam inviabilizar a defesa de valores caros, essenciais, preciosos. Por outro lado, como dizer que é justo deixar o autor no sereno? Ele foi processado, perdeu em primeiro grau, recorreu, pagou o preparo e sagrou-se vencedor no e. Tribunal. Apesar do texto da lei, viola o senso do justo que ele não receba, ao menos, os valores que pagou pelo preparo e porte. O Ministério Público, se vencido em primeiro grau, nada pagaria para recorrer. O autor, no caso, usa uma expressão feliz: ‘Por óbvio que seria um nonsense, de envergadura máxima, contrário ao princípio da causalidade, adotar entendimento de que o Réu, mesmo vitorioso, seja condenado a suportar o ônus da sucumbência.’”[1]

Naturalmente que o Ministério Público e seus membros não podem ser destinatários de honorários sucumbenciais (artigo 44, I, da Lei n. 8.625/1993). Daí que eventual condenação haveria de reverter, como na hipótese acima, em desfavor da respectiva Fazenda, apenas admitindo-se regresso contra o membro se demonstrado dolo ou fraude (artigo 181 do Código de Processo Civil).

Um segundo fator prático merecedor de nossa atenção diz respeito à possibilidade, atualmente, de transação em sede de improbidade. Decididamente, em havendo a viabilidade de acordo entre as partes, ganha muito mais força a causalidade gerada por aquele que, deliberadamente não explorando a via negocial, insiste na disputa judicial, atraindo para si os honorários como contrapartida pela irresignação; lado outro, os honorários acabam tendo o efeito colateral positivo de funcionar como estímulo adicional à transação.

Por fim, igualmente digno de nota o uso nem sempre republicano do instituto da improbidade administrativa. Há casos, efetivamente, em que seria possível divisar um desvio de finalidade no aviamento de ações, seja para propósitos pessoais, seja com fins políticos.

De fato, o entendimento atual admitirá que a proteção contra os honorários sucumbenciais ceda quando comprovada a má-fé — a má-fé é exigida como condição para condenação da Fazenda respectiva, exigindo-se, como visto, dolo ou fraude para o direito de regresso contra o membro do Ministério Público —, mas essa demonstração é extremamente difícil, militando a complexidade em favor de investidas duvidosas.

A partir especificamente desse último aspecto pontuado, compreendemos que o tema dos honorários sucumbenciais em sede improbidade mereceria um novo olhar, sob uma perspectiva capaz de desfavorecer ações — ou resistências — indevidas. Sem embargo, a proposta contida no artigo 23-B do Projeto de Lei n. 10.887/2018 parece ter ido em sentido oposto ao explicitar, sem ressalvas, o descabimento de honorários.

É dizer que, tal como está, a redação da proposta legislativa renega a possibilidade de verba sucumbencial ainda quando houver má-fé, indo para além da regra contida no artigo 18 da Lei n. 7.347/1985.

De nossa parte, entendemos que os honorários em improbidade deveriam na verdade ser ampliados, e não limitados. Sem prejuízo, ainda que mantida a restrição, ao menos a ressalva quanto à má-fé deveria ser mantida, evitando-se que a imunidade seja desvirtuada em patrocínio de um abuso do direito de ação.

 é sócio-fundador do Mudrovitsch Advogados, professor de Direito Público, doutor em Direito Constitucional pela USP e mestre em Direito Constitucional pela UnB. Membro do grupo de trabalho instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça destinado à elaboração de estudos e indicação de políticas sobre eficiência judicial e melhoria da segurança pública.

 é sócio do Mudrovitsch Advogados, especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, professor de Processo Civil do IDP e vice-presidente da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

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Jazida petrolífera com nome de Lula é promoção pessoal, diz TRF-4

O ato administrativo que rebatizou de “Campo de Lula” a jazida petrolífera antes denominada de “Tupi”, no litoral do Rio de Janeiro, objetivava a promoção pessoal de pessoa viva. Assim, o ato é nulo, por desvio de finalidade, como prevê o artigo 2º, letra “e”, da Lei 4.717/1965.

Com este fundamento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve sentença que determinou a anulação do ato administrativo que promoveu, em 2010, a alteração do nome de uma jazida de petróleo na Bacia de Santos, em Angra dos Reis (RJ). A escolha do nome partiu, originalmente, da Petrobras e foi chancelada pela Resolução de Diretoria 568/2011, da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A relatora das apelações na Corte, desembargadora Marga Inge Barth Tessler, considerou “irretocáveis” os fundamentos da sentença. Ela também manteve o comando sentencial que negou o ressarcimento de despesas de publicidade da estatal, já que a inicial não trouxe provas dos danos ao patrimônio público — e não se pode falar em lesão presumida.

“Ademais, incabível o deferimento do pedido de ‘contrapropaganda’, visto possuir previsão restrita à ação civil pública, em decorrência de previsão expressa no artigo 56, XII, do CDC, não sendo aplicável às hipóteses de ação popular, a qual visa a anulação de ato lesivo, nos termos do artigo 5º, LXXIII, da Constituição de 1988”, anotou no acórdão, lavrado em sessão virtual de julgamento realizada na última terça-feira (2/6).

Ação popular

A advogada Karina Pichsenmeister Palma, sócia da banca Gama Advogados, de Porto Alegre, ajuizou ação popular para pedir a troca do nome da jazida petrolífera e a devolução, aos cofres da Petrobras, de todos os valores gastos com publicidade para a divulgação do novo nome. Além da ANP e da Petrobras, a advogada tentou responsabilizar o ex-presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — o homenageado com o ato.

A autora sustentou que, apesar de ser comum o uso de nomes de animais marinhos para batizar reservatórios de óleo em alto-mar, a escolha foi utilizada como um artifício para homenagear o político do Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo ela, “o ato eterniza de forma equivocada o crédito e o mérito pela descoberta do Pré-Sal”. Enfim, cabia à ANP, como agência reguladora, realizar um filtro de legalidade ou constitucionalidade do ato administrativo.

Em contestação, a Petrobras alegou não ter havido qualquer lesão ao patrimônio público ou relação entre a denominação utilizada e a figura do ex-presidente, afirmação que foi repetida pela defesa de Lula. Já Gabrielli informou não teve responsabilidade pela escolha dos nomes dos campos de petróleo.

Sentença parcialmente procedente

Em julgamento realizado em 13 de novembro de 2017, a 5ª Vara Federal de Porto Alegre julgou parcialmente procedente a ação popular, determinando, tão somente, a anulação do ato administrativo que renomeou o campo petrolífero. Negou o ressarcimento dos gastos em publicidade.

Para o juiz federal substituto Vinícius Sávio Violi, a estatal violou o princípio da impessoalidade ao utilizar a denominação, promovendo de forma indevida o nome do então presidente da República, que estava concluindo o seu segundo mandato.

“A razão de decidir dessa sentença (tese) é: o ato de promoção pessoal, violador da impessoalidade na Administração Pública e vedado pelo §1º do art. 37 da CRFB/88, não precisa ser praticado deliberadamente com essa intenção, bastando ser apto a gerar publicidade à pessoa viva beneficiária, às custas do patrimônio público. Com isso em mente, basta chegar à conclusão de que o ex-Presidente obteve publicidade com isso para que se determine a anulação do ato. E concluo que houve esse benefício com publicidade”, escreveu na sentença.

Para Violi, o fato de o ex-presidente ter parte do nome de um animal marinho é coincidência. Mas isso não equivale a dizer que a promoção pessoal não existiu. A seu ver, não é necessário saber se o então presidente da República e os corréus ajustaram a prática do ato para, com o subterfúgio de ter um nome coincidente com animal marinho, colher benefícios desse ato.

“Aqui, pouco importa a intenção. Se de fato a escolha se deu exclusivamente por conta do molusco, a consequência é a mesma; afinal, houve um benefício publicitário ao ex-presidente da República. Aliás, boa-fé se presume, não cabendo aqui qualquer afirmação de que houve má-fé por parte dos envolvidos. O que importa é a consequência do fato: publicidade com nome em bem público”, repisou na sentença.

Sobre a negativa de ressarcimento dos valores investidos em publicidade, o juiz explicou que não existem razões para afirmar que os gastos se deram com a finalidade de promover o nome do ex-presidente.

“Houve uma promoção pessoal do ex-presidente, mas isso foi reflexo do próprio nome. Essa promoção [publicitária] não decorreu de um propósito específico da estatal em divulgar o campo apenas por ter o nome Lula. A propaganda é mais voltada ao campo em si — bastante produtivo — do que ao nome”, deduziu.

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Ação popular 5080287-28.2015.4.04.7100/RS

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.