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Sete votos vencidos de Marco Aurélio que viraram teses vencedoras

Os 30 anos de trajetória do Ministro Marco Aurélio como integrante do Supremo Tribunal Federal, completados neste sábado (13/6), são marcados pelo semear de ideias e soluções, tanto no aspecto jurisprudencial quanto no processual. 

Exaltado pelos colegas na última sessão plenária da corte, o ministro viu o presidente do Supremo, Dias Toffoli, destacar que algumas das teses defendidas por ele, com o passar do tempo e a evolução da jurisprudência do tribunal, tornaram-se vencedoras.

Do alcance do mandado de injunção à prisão em segunda instância, veja algumas teses defendidas pelo Ministro Marco Aurélio que em sua época foram votos vencidos, mas hoje configuram jurisprudência tranquila do Supremo Tribunal Federal.

1) Proibição de progressão de pena em crime hediondo

O assunto era definido pelo parágrafo 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), segundo o qual quem cometesse a prática da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e do terrorismo deveria cumprir a pena integralmente em regime fechado. O ministro Marco Aurélio levantou a inconstitucionalidade no HC 69.657, julgado em 1992. A mudança jurisprudencial veio no HC 82.959, julgado em 2006.

No voto, o ministro apontou que a Lei dos Crimes Hediondos foi produzida não sob observância de uma coerente política criminal, mas sob o clima da emoção, “como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade”.

“Assentar-se a esta altura que a definição do regime e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena é passo demasiadamente largo implicando restringir garantia constitucional em detrimento de todo um sistema e, o que é pior, a transgressão a princípios tão caros em um Estado democrático como são os da igualdade de todos perante a lei o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltada ao bem comum”, destacou.

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2) Impossibilidade de prisão do depositário infiel

“Se, de um lado, é certo que a Carta da República dispõe sobre a prisão do depositário infiel — artigo 5o, inciso LXVII —, de outro, afigura-se inaplicável o preceito. As balizas da referida prisão estão na legislação comum e, então, embora a norma inserta no artigo 652 do Código Civil seja posterior aos fatos mencionados, o mesmo não ocorre com a disciplina instrumental prevista no Código de Processo Civil”, escreveu o ministro sobre o tema.

O primeiro precedente vencido foi registrado no HC 72.131, de 1995. A mudança ocorreu em 2008, no HC 87.585. Assim, a única prisão civil possível no país passou a ser do devedor de pensão alimentícia, decorrente da efetiva introdução das regras do Pacto de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil.

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3) Impossibilidade da exigência de depósito como requisito de apreciação de recursos administrativos no INSS

A exigibilidade do depósito da multa, em certos casos, em face do montante e da situação econômico-financeira do infrator, acaba por impedir o direito de defesa. Não pode o Estado dar com uma das mãos e retirar com a outra. Foi com esse entendimento que o Ministro Marco Aurélio defendeu a impossibilidade de exigir depósito como requisito para apreciação de recursos administrativos no INSS.

A exigência estava prevista no parágrafo 1º do artigo 636 da Consolidação das Leis do Trabalho. O ministro ficou vencido quanto ao tempo inicialmente na ADI-MC 1.049, em 1995. A mudança jurisprudencial veio pelo RE 389.383, em 2007.

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4) Impossibilidade da exigência de depósito para apreciação de recursos administrativos no âmbito do Ministério do Trabalho

Da mesma forma como praticada em relação a recursos administrativos do INSS, vigia na CLT que recursos contra multas aplicadas pelos inspetores do trabalho só poderiam ser apreciados após depósito da totalidade da multa por aquele que foi tido como infrator.

“O que isso representa, pelo menos sob a minha óptica? Representa um óbice, em alguns casos, até mesmo ao exercício do direito de defesa, inviabilizando-se, portanto, desde que aquele apontado como infrator não tenha meios suficientes para a feitura do depósito, a interposição do próprio recurso”, destacou o ministro.

A regra estava prevista no parágrafo 6º do artigo 636 e foi primeiro contestada em voto vencido do ministro no RE 210.246, em 1997, com a mudança da jurisprudência na ADPF 156, em 2011.

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5) Impossibilidade da exigência de depósito como requisito de apreciação de recursos administrativos no âmbito do Carf

Nesse caso, o ministro estendeu o entendimento relacionado ao parágrafo 1º do artigo 636 da CLT à exigência de depósito para apreciação de recurso administrativo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), conforme ditava o parágrafo 2º do artigo 33 do Decreto no 70.235/1972, com a redação dada pelo artigo 32 da Lei 10.522/2002.

“O pleito administrativo está inserido no gênero ‘direito de petição’ e este, consoante dispõe o inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal, é assegurado independentemente do pagamento de taxas. Trata-se aqui de algo que pode inviabilizar até mesmo o direito de defesa”, destacou, na ocasião.

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6) Efetividade do mandado de injunção no combate às omissões legislativas

O mandado de injunção é um instrumento jurídico que pode ser utilizado por qualquer cidadão que venha a se sentir prejudicado por eventuais omissões na legislação. Ainda em 1989, quando recém-promulgada a Constituição Federal, o Ministro Marco Aurélio defendeu em questão de ordem na MI 107 um alcance maior ao instrumento do que o praticado pelo STF.

“Impetra-se o mandado de injunção não para lograr-se simples certidão de omissão do poder incumbido de regulamentar o direito”, destacou. “Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada”, disse. A mudança veio com o MI 670, cujo julgamento terminou em 2007. 

O caso tratou de processos referentes ao direito de greve dos servidores públicos, previsto no artigo 37, inciso VII da Constituição, mas que ainda não foi regulamentado por lei específica. Pela via do mandado de injunção, a corte definiu que, enquanto não for elaborada tal regulamentação, valem as regras previstas para o setor privado (Lei nº 7.783/89).

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7) Prisão após o trânsito em julgado

É o caso mais recente, definido nas ADCs 43, 44 e 54, em 2019. Nelas, o Supremo Tribunal Federal mudou a orientação jurisprudencial para afirmar que a prisão só é possível após o trânsito em julgado da ação, prevalecendo a presunção de inocência consagrada pela Constituição Federal.

O Ministro Marco Aurélio ficou vencido em 2016, quando a prisão após condenação em segundo grau foi admitida pelo plenário do Supremo, no HC 126.292. Reiteradamente, defendeu que não se poderia potencializar o que fora decidido pelo pleno na ocasião. “Precipitar a execução da sanção importa antecipação de culpa, por serem indissociáveis”, destacou.

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Alexandre manda governo divulgar dados acumulados sobre Covid-19

Sem maquiagem

Alexandre de Moraes manda governo divulgar dados acumulados sobre Covid-19

Considerando o risco grave de interromper de forma abrupta a coleta e divulgação de dados epidemiológicos imprescindíveis para analisar a evolução da Covid-19 no Brasil, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mandou o Ministério da Saúde retomar a divulgação dos dados acumulados sobre a doença.

Na decisão desta segunda-feira (8/6), o ministro afirmou que é importante garanti a manutenção da divulgação integral de todos os dados que o próprio ministério já vinha fazendo, “sob pena de dano irreparável decorrente do descumprimento dos princípios constitucionais da publicidade e transparência”.

A decisão foi dada em caráter liminar, atendendo parcialmente a pedidos dos partidos Rede Sustentabilidade, PCdoB e Psol.

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ADPF 690

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Revista Consultor Jurídico, 9 de junho de 2020, 8h25

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STJ estuda retorno das sessões presenciais no início de agosto

Saúde em primeiro lugar

STJ estuda retorno das sessões presenciais no início de agosto

O Superior Tribunal de Justiça estuda a possibilidade de voltar com as sessões de julgamento presenciais no início dos trabalhos forenses do segundo semestre, em agosto. Segundo o presidente da corte, ministro João Otávio de Noronha, tudo vai depender da evolução da epidemia do coronavírus.

STJSTJ monitora epidemia e estuda retorno das sessões presenciais no início de agosto

“Precisamos pensar prioritariamente na saúde das pessoas — ministros, servidores, operadores do direito e todos aqueles que trabalham no STJ. Vamos agir com responsabilidade e cautela. O restabelecimento das sessões presenciais é importante, mas deve ocorrer com o maior grau de segurança possível. Estamos atentos à evolução do quadro da pandemia e às orientações técnicas das autoridades sanitárias”, afirmou o ministro.

Trabalho remoto

O STJ suspendeu as sessões presenciais de julgamento em março, mas manteve a prestação jurisdicional e o atendimento ao público por meio do trabalho remoto.

Os julgamentos por videoconferência vêm acontecendo desde o início de maio. Esse novo formato, para substituir temporariamente as sessões presenciais, foi autorizado pelo Pleno em abril e regulamentado pela Resolução 9/2020. O prazo para as sessões por videoconferência foi prorrogado até 1º de julho pela Instrução Normativa 9.

Permanece em vigor a Resolução 8/2020, que prorrogou por tempo indeterminado as Resoluções 4/2020 e 5/2020. Os normativos estabelecem, entre outras providências, a adoção preferencial do trabalho remoto no tribunal. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2020, 13h35

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OAB adia novamente data da segunda fase do Exame de Ordem

A segunda fase do Exame Unificado de Ordem foi adiada novamente pela OAB. Agora, a prova que estava marcada inicialmente para ocorrer em 5 de abril deve ser aplicada em 30 de agosto, devido à epidemia de Covid-19.

Em comunicado, o presidente da comissão do exame ressaltou que o objetivo essencial do adiamento é “garantir a segurança plena de todos os examinandos, em uma situação em que a curva de contaminação continua ascendente no país. A Coordenação Nacional do Exame de Ordem Unificado seguirá acompanhando de perto a evolução da situação e as orientações das autoridades sanitárias para deliberar sobre toda e qualquer necessidade de nova alteração, que será comunicada com antecedência aos interessados”.

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Opinião: O uso das videoconferências na Justiça do Trabalho

O acesso à Justiça é um dos direitos humanos fundamentais. A preocupação com o pleno acesso à Justiça por intermédio da prestação jurisdicional célere e efetiva como uma das principais formas de tutelar os direitos fundamentais nas relações de trabalho ainda é grande no Brasil.

A permanente evolução e modificação das relações de trabalho e dos meios de produção no mundo é uma realidade. A cada dia nos deparamos com novas tecnologias, muitas delas impulsionadoras de novos negócios e formas de trabalho. Assim como a tecnologia impacta as relações de trabalho e os modos de produção, também produz reflexos no processo judicial e no Poder Judiciário.

Manuel Castells destaca que “a era da internet foi aclamada como o fim da geografia” [1]. Como a internet é uma tecnologia da comunicação e como a comunicação é a essência da atividade humana, todos os domínios da vida social estão sendo modificados pelos usos disseminados da Internet” [2].

Não é diferente no Poder Judiciário brasileiro. A tecnologia proveniente dos novos meios informáticos (processo judicial em meio eletrônico, audiência por teleconferência, uso do aplicativo WhatsApp para negociar conciliações, realizar notificações, teletrabalho, etc.) desempenha papel fundamental não apenas na ampliação do acesso à justiça mas também na implementação de medidas que possibilitem o funcionamento do Poder Judiciário e a manutenção da prestação jurisdicional mesmo em tempo de pandemia da Covid-19, já que esta impõe a vedação de expediente presencial no Poder Judiciário como forma de evitar a disseminação do contágio.

Esse é o cenário em que nos encontramos na atualidade e é evidente que a continuidade dos serviços somente é possível porque o processo judicial tramita em meio eletrônico, o que permite que a demanda seja ajuizada perante a Justiça do Trabalho de qualquer lugar do Brasil. Para juízes, servidores e advogados, o processo judicial em meio eletrônico significa quebra do paradigma de necessidade de presença física em determinado local, que os processos sempre estão acessíveis pelo computador e que seu campo de atuação não precisa ficar restrito ao âmbito de uma Vara do Trabalho ou cidade.

Embora a previsão de realização de audiências por videoconferência não seja uma novidade, foi a necessidade de manutenção do isolamento social para evitar a contaminação pelo coronavírus que tornou urgente a utilização dessa tecnologia específica para viabilizar a continuação de uma parcela importante dos processos que tramitam na Justiça do Trabalho.

Antes da pandemia de coronavírus já havia prática de atos processuais à distância, com uso de imagem e voz, a exemplo da oitiva de depoimentos de partes ou testemunhas que estavam em lugar distinto daquele onde havia sido ajuizada a demanda judicial. Há notícias de realização de oitivas pelos aplicativos Whatsapp, Skype, entre outros.

Foi a necessidade de manter os serviços da área fim da Justiça do Trabalho em pleno funcionamento que levou a publicação de normas regulamentando a utilização das audiências telepresenciais ou por videoconferência.

Não faria sentido ter um processo judicial que se desligasse da forma física (autos de papel) e embarcasse na modernidade (um processo imaterial, acessível por meio da rede mundial de computadores e que se alinhasse com as avançadas tecnologias disponíveis no mundo) como é o processo judicial em meio eletrônico e não utilizar as ferramentas existentes e já previstas em lei para permitir a realização das audiências por videoconferência.

A realização de audiências por videoconferência é a melhor solução existente no momento para possibilitar uma continuidade mais ampla da prestação jurisdicional e a manutenção do isolamento social exigido em razão do perigo de contaminação pelo coronavírus.

Para demonstrar que a utilização de meios tecnológicos no processo judicial não é uma novidade ou extravagância, faremos um breve relato histórico em torno de algumas normas jurídicas que tratam do assunto.

Otávio Pinto e Silva [3] aponta que a Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984, que dispôs sobre a instituição dos então chamados juizados especiais de pequenas causas, previu utilização de tecnologia no §3º do artigo 14, que assim dispôs: Os atos realizados em audiência de instrução e julgamento deverão ser gravados em fita magnética ou equivalente (…)”. Em ambos os casos, não se trata de utilização de meio eletrônico, mas sim do uso de algum tipo de tecnologia no processo e para prática de ato processual.

Observe-se que o artigo 1º da Lei 9.800, de 26 de maio de 1999, abriu a possibilidade de prática de atos processuais por meio de “(…) sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar (…)”. Portanto, a lei não limitou a transmissão de dados e imagens à transmissão por fax, mas anteviu a possibilidade do surgimento de outras tecnologias que pudessem cumprir a mesma tarefa de maneira mais eficaz.

A Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, previu que as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais poderão reunir-se pela via eletrônica na hipótese dos juízes componentes da respectiva turma serem domiciliados em cidades diversas (§3º do artigo 14 da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001).

Trata-se de dispositivo moderno até hoje, pois embora já haja exemplos de sessões de tribunais em que os advogados das partes manifestam-se oralmente por meio de videoconferência, a lei dos Juizados Especiais Federais prevê expressamente a reunião dos julgadores por meio eletrônico, o que privilegia o princípio constitucional da razoável duração do processo, entre outros.

A Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, tratou especificamente da informatização do processo judicial.

Como anotam José Carlos de Araújo Almeida Filho [4] e Cláudio Mascarenhas Brandão [5], a polêmica sobre a utilização de videoconferência para realização de interrogatório de réu preso e outros atos processuais no âmbito do processo penal cessou com a publicação da Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009.

Por meio dela, os artigos 185 e 222 do Código de Processo Penal foram alterados. O §2º do artigo 185 do Código de Processo Penal passou a permitir, como excepcionalidade, que de ofício ou por requerimento das partes, sempre por decisão fundamentada do juiz, o réu preso possa ser interrogado por videoconferência ou “outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real”  o que demonstra que a legislação abriu caminho para novas tecnologias que possam se desenvolver além da videoconferência.

A medida é excepcional porque a lei determina quais são as situações em que a videoconferência pode e deve ser utilizada nos quatro incisos do §2º do artigo 185 do Código de Processo Penal [6].

Embora não mencionados por esses autores, são dignos de nota outras alterações promovidas também as disposições da Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009. Ao réu foi garantido o direito de acompanhar também por videoconferência os atos da audiência de instrução e julgamento previstos nos artigos 400, 411 e 531 do Código de Processo Penal (§4º do artigo 185 do Código de Processo Penal). Se o interrogatório ocorrer por videoconferência, é assegurado ao réu comunicar-se com o advogado que esteja no ato da videoconferência por via telefônica. Além disso, o defensor que está no presídio e o advogado que está na sala de videoconferência podem se comunicar por telefone (§5º do artigo 185 do Código de Processo Penal).

A previsão do §3º do artigo 222 do Código de Processo Penal é de que se a testemunha tiver domicílio fora da jurisdição em que deva ser ouvida, sua inquirição poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico em tempo real. Essa disposição é importante por diversas razões. Dentre elas, pode-se dizer que é importante porque: prestigia o princípio constitucional da duração razoável do processo; se preocupa com a economia processual; revela a tendência de extinção da remessa de cartas precatórias inquiritórias; e demonstra o uso eficaz de meios tecnológicos para encurtar distâncias e fazer valer o princípio da eficiência.

Consideramos a Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009, uma legislação avançada, pois antecipou a utilização de registros de sons e imagens em tempo real (no caso, a videoconferência) para prática de ato processual (audiência) em razão das peculiaridades do direito e processo penal. Ainda hoje aproximadamente dez anos após a publicação da Lei 11.900 estão em desenvolvimento sistemas para gravação de sons e imagens em tempo real para utilização no sistema previsto pela Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Por isso o pioneirismo da Lei 11.900.

O Código de Processo Civil brasileiro (Lei 13105, de 16 de março de 2015) criou várias disposições sobre a utilização da videoconferência em processos judiciais a exemplo dos artigos 236, §3º; 385, §3º; 453, §§1º e §2º; 461, §2º; e 937, §4º.

A videoconferência é uma ferramenta cada vez mais popular para evitar deslocamentos, cortar custos, facilitar e ampliar o acesso à justiça. Têm se tornado comuns as notícias sobre uso da videoconferência não só no âmbito criminal para salvaguardar a segurança de partes, juízes, servidores e advogados como também no âmbito cível e trabalhista para garantir o efetivo acesso à Justiça quando qualquer das partes encontra-se distante do local de realização da audiência, dentro ou fora do Brasil.

A aparente novidade que parece causar burburinho é a utilização ampla da videoconferência para realização das audiências na Justiça do Trabalho, sejam elas audiências de conciliação ou mesmo de instrução (o que implica tomar os depoimentos pessoais das partes e ouvir as testemunhas), como forma de manter o isolamento social exigido para evitar contaminação pelo coronavírus e dar prosseguimento aos processos judiciais que necessitem da realização de audiências como proposto pelo Ato Conjunto CSJT GP VP e CGJT n.006, de 4 de maio de 2020.

A realização de audiências por videoconferência possui vantagens e desvantagens. Como vantagens podemos apontar: manutenção do isolamento social necessário para evitar a propagação do coronavírus; possibilita o acesso à Justiça; possibilita que qualquer pessoa com acesso à internet participe da audiência por videoconferência, o que alarga o espectro do acesso à Justiça; prestigia, amplia e maximiza o princípio da oralidade, que é princípio específico do Direito Processual do Trabalho, já que a audiência por videoconferência pode ser reduzida a termo na ata de audiência ou mesmo gravada; torna ainda mais efetivo o princípio da desterritorialização criado pelo processo judicial eletrônico, pois não há necessidade de presença física em determinado local geográfico para qualquer pessoa (juízes, servidores, partes, advogados, testemunhas, peritos, etc.) participar da audiência; e amplia o princípio da imediatidade da prova pois qualquer magistrado de qualquer grau de jurisdição terá amplo contato com a prova oral coletada, já que a audiência por videoconferência é gravada.

No rol das desvantagens da realização das audiências por videoconferência podemos citar: necessidade de conexão com a internet; utilização de aparelho de telefone celular, tablet ou computador; problemas de conexão com a internet; e insegurança demonstrada por juízes e advogados quanto ao aspecto da realização da audiência de instrução e a garantia de que partes e testemunhas não ouvirão os depoimentos umas das outras.

De fato, os problemas de ordem técnica e material (problemas de conexão com a internet, acesso das partes e testemunhas a dispositivos que permitam acesso à videoconferência como telefone celular e computador, por exemplo) dependem de situações particulares incontroláveis pelo Poder Judiciário. Entretanto, como contra-argumento, vale lembrar que em notícia publicada no sítio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirma-se que no ano de 2013 metade dos brasileiros teve acesso à internet e 130,8 milhões de pessoas na faixa etária de dez anos ou mais de idade tinham telefone celular para uso pessoal. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 (PNAD) demonstrou que dos 32,2 milhões de domicílios do país que tinham microcomputador (49,5% do total de residências), 28 milhões tinham acesso à internet. Segundo a pesquisa, esse número representa 43,1% do total de domicílios em todo o país. [7]

Os dados obtidos pela pesquisa elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística confirmam uma realidade vivida pela sociedade brasileira, na qual as pessoas utilizam cada vez mais a internet para realizar as mais diversificadas atividades: desde consultar o horóscopo, ler as notícias no jornal, ouvir músicas, assistir a vídeos no YouTube, realizar transações bancárias, adquirir produtos, até realizar consultas ao andamento de processos judiciais seja por meio de sítios na internet seja por meio de aplicativos disponibilizados pelo Poder Judiciário.

Portanto, pode-se considerar desvinculada da realidade a afirmação de que as pessoas teriam menos acesso às audiências por videoconferência porque não têm acesso à internet.

Quanto à preocupação quanto à validade ou incolumidade da prova oral colhida por meio de audiência por videoconferência vale lembrar que da mesma forma que não adianta pensar o processo judicial em meio eletrônico como mera reprodução do processo de papel, não se deve pensar na audiência por videoconferência como mera repetição daquilo que se praticava nas audiências presenciais.

Novas soluções, novas práticas devem ser implementadas, com ou sem o uso da tecnologia, para viabilizar a prática do ato de colher provas orais na audiência por videoconferência com a necessária segurança. Para isso propomos a realização de compromisso diferenciado das partes e testemunhas visando a assegurar que estejam livres da interferência de terceiros, seja de forma presencial ou por meio de utilização de aparelhos de transmissão de sons e imagens, além da criação de salas de videoconferência separadas de forma que fique assegurado que uma parte ou testemunha não ouvirá o depoimento da outra.

Importante lembrar que as partes podem celebrar negócio processual (artigo 190 do CPC), o que significa que elas próprias poderiam solicitar a realização de audiência por videoconferência ou convencionar sobre seus ônus e poderes, o que pode dizer respeito a requisitos específicos do depoimento de partes e testemunhas.

Em conclusão, a realização das audiências por videoconferência tem previsão legal desde 2015 com o advento do Código de Processo Civil e atende às necessidades de acesso à Justiça e continuidade da prestação jurisdicional. A prudência, colaboração e a criatividade de juízes, advogados e demais atores processuais contribuirá para que atravessemos esse momento excepcional e que a utilização de meios tecnológicos no processo judicial continue a ser utilizada de forma ágil, segura e prática.

 


[1] CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, edição digital setembro 2015, p. 172.

[3] SILVA, Otavio Pinto e. Processo eletrônico trabalhista. São Paulo, LTr, 2013, p. 52.

[4] ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização judicial no Brasil. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.68.

[5] BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Processo eletrônico na Justiça do Trabalho. In: CHAVES, Luciano Athayde (Org.). Curso de processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 754.

[6] “Artigo 185 § 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do artigo 217 deste Código; IV – responder à gravíssima questão de ordem pública”. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 3 out. 1941. Disponível em: <https://goo.gl/j44Cxv>. Acesso em: 3/4/2018.

 é juíza do Trabalho titular da 1ª Vara do Trabalho de Sobral (CE) e doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

 é juiz do Trabalho substituto no TRT da 17ª Região e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

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Sarlet e Pedra: Democracia e “emendismo” em tempos de pandemia

Ainda que crise e instabilidade sejam fenômenos, em maior ou menor grau, recorrentes ao longo da história constitucional moderna, atraindo uma série de riscos e desafios ao Estado Constitucional na sua forma de Estado Democrático de Direito, o momento pelo qual passa a humanidade, especialmente tendo como referencial temporal a Segunda Grande Guerra, é singular sob várias perspectivas. Desde que a Organização Mundial de Saúde — OMS declarou um estado de pandemia, em 11/03/2020, a rápida expansão da crise fez com que, além dos fatores de natureza social, econômica, política e cultural (e também em virtude dessas) o Direito e, para o que aqui importa, o direito constitucional, tem sido constantemente posto à prova.

Que isso também se dá no caso brasileiro não carece aqui de maior demonstração, bastando referir o número de decisões já proferidas em caráter de urgência pelo STF, envolvendo questões tão diversas – embora conexas – como o pacto federativo, limites a direitos fundamentais diversos, como é o caso, entre outros, da liberdade religiosa, do direito à saúde, da liberdade de locomoção e do direito ao trabalho.

Mas, e voltando-nos desde logo ao foco da presente coluna, também questões vinculadas ao funcionamento das instituições, designadamente aquelas estruturantes do e indispensáveis ao regular funcionamento do Estado Democrático de Direito, assumem particular relevo e mesmo especial preocupação.

Esse é o caso do que se pode designar de uma ânsia, aliás, quase uma obsessão, brasileira no que diz com a proposição de projetos de emenda constitucional e a relativa facilidade com que emendas são promulgadas, mais de cem em pouco mais de trinta anos.

Outrossim, por mais que se possa (e deva) questionar as razões de tal frenesi reformista, em parte (mas não só) devido ao caráter prolixo e analítico do texto constitucional, os sinais de alerta se tornam mais visíveis, a exemplo – tomando aqui a liberdade quanto ao uso da imagem – da cláusula constitucional (não escrita) do “clear and present danger” estadunidense, quando se busca promover reformas constitucionais em tempos de crises particularmente significativas quanto à sua intensidade e capacidade de gerar instabilidades das mais diversas, ademais de instaurar um clima generalizado de insegurança e até mesmo de medo.

A situação ora vivenciada em escala global e pelo Brasil enquadra-se à perfeição em tal moldura, o que, além do manancial de edição de leis, decretos, portarias, resoluções e provimentos de todos os órgãos estatais em todos as esferas da federação, se pode ilustrar com a ideia de separar (fatiar) o orçamento, que deu azo à proposta de emenda constitucional denominada PEC do “orçamento de guerra” (PEC nº 10/2020), mediante a qual se almeja que a União adote um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender as necessidades decorrentes da pandemia, durante a vigência da calamidade, naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular.

Além disso — e tal medida tem sido discutida em diversos foros —, as medidas sanitárias restritivas de locomoção e reunião de pessoas podem levar inclusive, a depender da evolução do quadro de contágio no Brasil, ao adiamento das eleições municipais previstas no texto constitucional para outubro (artigo 29, II) de 2020, para o que também se faz necessária — em se seguindo o caminho constitucionalmente adequado — uma emenda constitucional.

É, contudo, não só possível como imperioso indagar se a mesma situação (no caso, a pandemia da COVID-19) que exige mudanças no ordenamento constitucional também as impede. Por exemplo, em Portugal foi decretado estado de emergência (Decreto presidencial nº 14-A, de 18/03/2020) e na Espanha estado de alarme (Decreto real nº 463, de 14/03/2020), mas tais circunstâncias limitam o poder de reforma constitucional na forma das respectivas Constituições (Portugal: art. 289; Espanha: arts. 116 e 169).

No caso brasileiro, os assim chamados limites circunstanciais à reforma constitucional regulam a matéria, dispondo o artigo 60 § 1º da CF que o texto da constituição não pode ser emendado (mesmo respeitados estritamente os demais limites formais e materiais) nos casos de estado de defesa, estado de sítio ou de intervenção federal (art. 60).

Ainda que — por ora — nenhuma dessas três circunstâncias tenha sido decretada — não há como deixar de levar em consideração que diversas medidas adotadas no Brasil para reduzir o risco de contágio, embora motivadas pela necessidade de fazer frente aos reclamos do combate à pandemia, por si só gerador de tensão e instabilidade, contribuem para a configuração de um quadro de crise institucional e, de certo modo, constitucional.

Para ilustrar tal assertiva, bastaria mencionar que a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, estabelece, para enfrentamento da emergência de saúde pública, a possibilidade da adoção, entre outras, de medidas de isolamento, quarentena, restrição de entrada e saída do país, de locomoção interestadual e intermunicipal, bem como requisição de bens e serviços.

Além disso, não há como deixar de enxergar que o próprio funcionamento da institucionalidade democrática está em medida não irrelevante fragilizado, bastando aqui chamar a atenção ao fato de que, em virtude da pandemia, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal passaram a deliberar pelo sistema de plenário virtual (v.g. Sistema de Deliberação Remota – SDR prevista na Resolução nº 14, de 17/03/2020, e Ato da Mesa nº 123, de 20/03/2020,   da Câmara dos Deputados), ademais de impedir que os cidadãos frequentem ambas as Casas do Congresso Nacional, inclusive para participação de audiências públicas.

Na mesma toada, a Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020, suspendeu prazos de respostas a pedidos de acesso à informação, o que foi objeto das ADI’s nº 6347 e 6351 por inobservância aos princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública. Nessa toada, através do Decreto Legislativo nº 6, de 20/03/2020, o Congresso Nacional ainda reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, para fins específicos.

Todas essas restrições adotadas no Brasil para reduzir o risco de contágio geram uma situação de anormalidade social e política. Uma situação sui generis, verdadeiramente excepcional, que não configura um estado constitucional de exceção no sentido próprio do termo, mas acaba (como já visto) ensejando medidas similares e, por vezes, ausentes limitações expressas como as que se aplicam ao estado de defesa, ao estado de sítio e à intervenção federal, até mesmo mais rigorosas.

Daí a importância de considerar que a ocorrência de uma pandemia – acompanhada da decretação de estado de calamidade e de importantes medidas restritivas de direitos, inclusive de algumas liberdades fundamentais, pode constituir uma limitação circunstancial implícita ao poder reformador, acionando os efeitos jurídicos respectivos.

As limitações circunstanciais impedem a emenda da Constituição enquanto durarem certas circunstâncias excepcionais que comprometem a legitimidade do processo de alteração no texto constitucional. Esses limites objetivam colocar a Constituição a salvo de modificações contaminadas por um ambiente de perturbação na liberdade e na independência dos órgãos responsáveis pela reforma constitucional, pois a produção constitucional exige serenidade, estabilidade e equilíbrio, que se ausentam em ocasiões dessa natureza.

Dito de outro modo, o que também o nosso constituinte (seguindo tradição inaugurada em 1934), procura impedir — e daí a questão da legitimidade acima apontadas —  é que o órgão competente para a reforma da constituição, no caso, o Poder Legislativo, na pendência de uma instabilidade político-institucional e/ou de uma crise importante, acabe por aprovar reformas (ainda mais quando de grande repercussão e interesse geral) que em situação de normalidade possivelmente não seriam aprovadas, ou então, caso fossem chanceladas, o seriam de modo diverso, mediante intenso e aberto debate na esfera pública.

É claro, convém repisar, que aqui não se pretende comparar o atual cenário em termos simétricos com um estado de defesa ou um estado de sítio, tampouco com situações como a que se verificou com a República de Weimar em que, no curso de um estado de exceção constitucional, forças reacionárias e autoritárias assumiram o poder e avocaram poderes extraordinários que resultaram na corrupção e superação da ordem democrática.

Note-se, ainda, que além do Brasil, diversos outros países possuem limitações circunstanciais expressas em seus textos constitucionais. As circunstâncias geralmente previstas como limitadoras da reforma constitucional são: estado de sítio (Angola: art. 237; Cabo Verde: art. 287; Espanha: arts. 116 e 169; Guiné Bissau: art. 131; Moçambique: art. 294; Portugal: art. 289; Romênia: art. 152; São Tomé e Príncipe: art. 155; Timor Leste: art. 157); estado de emergência (Angola: art. 237; Cabo Verde: art. 287; Georgia: art. 77; Guiné Bissau: art. 131; Lituânia: art. 147; Moçambique: art. 294; Moldávia: art. 142; Montenegro: art. 156; Portugal: art. 289; Romênia: art. 152; São Tomé e Príncipe: art. 155; Sérvia: art. 204; Timor Leste: art. 157; Ucrânia: art. 157); estado de alarme (Espanha: arts. 116 e 169); estado de exceção (Espanha: arts. 116 e 169); guerra (Angola: art. 237; Bélgica: art. 196; Cabo Verde: art. 287; Espanha: art. 169; Moldávia: art. 142; Montenegro: art. 156; Romênia: art. 152; Sérvia: art. 204); regência (Bélgica: art. 196; Luxemburgo: art. 115); lei marcial (Georgia: art. 77; Lituânia: art. 147; Moldávia: art. 142; Ucrânia: art. 157); perigo à integridade do território (França: art. 89); e outras medidas extraordinárias (Albânia: art. 177).

Outrossim, de destacar que embora alguns dos nomes se repitam, não há necessariamente coincidência de natureza, requisitos e efeitos dessas circunstâncias nos diversos países. De outro lado, os limites explícitos geralmente são estabelecidos a partir de especificidades e experiências constitucionais já vividas em cada país, ainda que em grande medida existam elementos comuns, o que se dá, com maior frequência, no caso do estado de sítio, ainda que batizado de modo diverso, v.g., o estado de guerra.

A pergunta que se coloca e que merece, no sentir dos autores, que, aliás, já se pronunciaram a respeito (autor SARLET, Reformas constitucionais, limites circunstanciais ou self restraint legislativo?, Coluna CONJUR de 19 de maio de 2017; autor PEDRA, A Constituição Viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas na democracia participativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 53) resposta afirmativa, é que, ainda que em caráter excepcionalíssimo, é possível sustentar a existência de limites circunstanciais implícitos, como é o caso, a depender das circunstâncias concretas, do estado de calamidade pública.

Nessa perspectiva, a situação excepcional vivenciada durante o período de pandemia no Brasil permite concluir que se trata de uma circunstância apta a limitar a atuação do poder reformador, porquanto a restrição à liberdade de reunião imposta pelas medidas sanitárias, a dificuldade da livre circulação de pessoas e de ideias para atingir o consenso, e até mesmo as restrições ao funcionamento das Casas de representantes[1], tornam o ambiente inadequado — para dizer o mínimo — para a discussão e aprovação de emendas à Constituição, ainda mais quando possível resolver o problema mediante edição de lei ordinária.

Sublinhe-se, outrossim, que diferentemente de outros países, onde os limites circunstanciais impedem reformas em relação a alguns temas, como é o caso, entre outros, da Constituição de Luxemburgo (artigo 115), que impede mudanças no texto constitucional em períodos de regência no que concerne às prerrogativas constitucionais do Grão-Duque assim como à ordem de sucessão, bem como da Constituição da Bélgica (artigo 197) que, de forma similar, impede mudanças no texto concernentes aos poderes constitucionais do Rei também durante o período de regência, no Brasil tal exegese se afigura impossível, pelo menos, em se levando a sério as regras constitucionais sobre o ponto.

De outra parte, se na pendência dos estados de exceção constitucional expressamente estabelecidos é inviável, entre nós, promover qualquer reforma constitucional, na hipótese de se admitir limites circunstanciais implícitos, faz sentido (inclusive em homenagem ao primado da soberania popular) que, a depender do caso, pudessem ser permitidas emendas pontuais absolutamente indispensáveis para resolver problemas de largo impacto, em especial para a proteção de direitos e garantias fundamentais, mas sempre em caráter temporário, destinadas a perder a eficácia uma vez superado o período de exceção que as motivou, eventualmente passíveis de chancela posterior observados os rigores (limites) formal e materiais legitimadores de uma emenda constitucional.

Ainda assim, a regra a ser observada deverá sempre ser a de interditar emendas constitucionais oportunistas e que coloquem em risco a ordem constitucional democrática, o que exige ainda maior atenção em estados de instabilidade e anormalidade político-institucional-econômico-social, durante os quais o risco de aprovação de uma reforma da CF que não seria aprovada em condições de normalidade, é real e mesmo elevado.

Isso, contudo, exige um necessário self restraint da parte do Congresso Nacional e, por sua vez, a vigilância firme da sociedade e, se for o caso, da Jurisdição Constitucional.

 


[1] Vale mencionar que a Constituição da Bélgica veda a reforma constitucional quando as Câmaras se acharem impedidas de se reunirem livremente no território federal (artigo 196).

 é professor, desembargador aposentado do TJ-RS e advogado.