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Opinião: Debate qualificado sobre custos da Justiça

Recorrentemente, o Poder Judiciário brasileiro é posicionado, em contraste ao de outros países, como excessivamente custoso à sociedade. Dentre os principais elementos utilizados para endossar essa posição estão tanto as despesas totais do Poder em relação ao PIB quanto o valor dos subsídios dos Magistrados brasileiros.

Com o intuito de aprofundar o debate envolvendo os custos com o Poder Judiciário brasileiro e discutir não apenas essas variáveis como também outras capazes de contribuir para melhor compreensão do tema, serão discutidos alguns aspectos envolvendo custos e demais peculiaridades desse Poder.

Espera-se trazer à tona novos elementos que contribuam para que a discussão não se limite aos números constantemente reavivados envolvendo despesa total em relação ao PIB e valor absoluto de subsídios da Magistratura — os quais são importantes, mas insuficientes para se compreender todas as questões que orbitam o Poder Judiciário brasileiro e explicam, em grande medida, o seu custo para a sociedade.

O custo do Poder Judiciário
II.1 Despesas do Poder Judiciário em relação ao PIB
Recentemente, a imprensa repercutiu a informação de que o Poder Judiciário brasileiro representaria um custo equivalente a 2% do PIB quando, em contraste, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) teriam esse valor na média de 0,5%[1]. Outros valores recorrentemente utilizados são os de um trabalho envolvendo dados de 2014[2], em que se atingiu o patamar de 1,3% do PIB para as despesas do Judiciário brasileiro.

Trata-se, entretanto, de uma reflexão que coliga elementos cuja associação é insuficiente para uma análise verdadeiramente qualificada do custo do Poder Judiciário brasileiro para a sociedade.

Essa insuficiência se dá na medida em que se estabelece, a partir da associação do custo do Poder Judiciário a uma variável de mensuração da atividade econômica, uma correlação que induz ao pensamento equivocado de que o Poder deve ser limitado a essa atividade. E que, portanto, seus custos deveriam resguardar alguma medida de proporcionalidade em relação à produção econômica – algo que é no mínimo bastante questionável.

A avaliação do custo do Poder Judiciário, mais do que ter em vista o elemento produtivo/econômico, precisa levar em consideração o elemento humano/cidadão. Este deve ser o parâmetro fundamental para avaliação quanto ao seu custo para a sociedade.

Uma alternativa viável, capaz de associar os custos do Judiciário a uma variável que melhor expresse o cidadão como detentor de direitos, é aquela que correlaciona esses custos ao quantitativo absoluto da população sobre a qual se exerce a jurisdição. Ou seja, uma relação de custo per capita do Poder Judiciário.

Afastam-se, dessa forma, distorções causadas pelo desenvolvimento econômico, que posiciona alguns países em vantagem aos demais na capacidade de agregar valor aos seus produtos e serviços. Diante dessa realidade, quanto maior a riqueza que essa sociedade produz, menor será a dimensão do custo dessa Justiça. E quanto menos riqueza produzir — caso dos países em desenvolvimento, como o Brasil — maiores serão as dimensões daquele custo.

Há ainda um agravante: a Justiça, como elemento a manter coeso o tecido social, é necessária quanto maiores os conflitos existentes nessa sociedade – caso corrente dos países em desenvolvimento. Mais ainda o caso brasileiro, em que se convive com a realidade de ser um dos países mais desiguais do mundo.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo[3] e tem a segunda maior concentração de renda do planeta[4]. Há, assim, um contexto de desigualdade e assimetrias na sociedade brasileira que se espraia na existência de conflitos de toda ordem, notadamente no âmbito trabalhista, previdenciário, econômico, criminal e consumerista. Conflitos os quais chegam diariamente para o escrutínio do Poder Judiciário, que não pode se esquivar de resolvê-los. Necessário, portanto, que se estabeleça um comparativo a envolver a despesa per capita com o Poder Judiciário, e não essa despesa como fração do PIB.

Entretanto, mesmo que se empunhe esse indicador que correlaciona as despesas do Judiciário como fração do PIB, é preciso não perder de vista que essa forma de avaliação vem demonstrando uma evolução positiva com o suceder dos anos para o caso brasileiro.

A partir dos dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quanto ao Produto Interno Bruto[5] e aqueles disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) envolvendo a despesa total do Poder Judiciário[6], verifica-se que, ano após ano, o custo do Poder em relação ao PIB vem caindo paulatinamente: de 1,93% do PIB em 2009 para 1,37% do PIB em 2018, em uma queda média de 0,06 pontos percentuais a cada ano.

Figura 1 – Despesas totais do Poder Judiciário brasileiro em relação ao Produto Interno Bruto, em % (dados do IBGE e do CNJ)

Mesmo com os problemas apontados para essa variável, sua análise para a série histórica atesta que o Judiciário brasileiro vem apresentando custos cada vez menores quando vistos como fração do PIB nacional.

II.2 Despesas Per Capita do Sistema de Justiça
A visualização do custo do Poder Judiciário per capita é uma forma mais qualificadas de analisar o custo desse Poder. Trata-se, aliás, de uma mensuração usada pela Comissão Europeia para Eficiência da Justiça (CEPEJ)[7] quando a intenção é estabelecer um comparativo entre os países. Os dados da CEPEJ encampam todo o Sistema de Justiça, envolvendo assim Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.

O comparativo do Brasil com outros países, sobretudo da União Europeia, feito a partir de dados da CEPEJ[8] e do CNJ[9] para o ano de 2016 (ano em que há disponibilidade dos dados), indica que o valor do Brasil[10] (150,1 euros/habitante) está muito próximo aos valores da Alemanha (121,9 euros/habitante), Países Baixos (119,2 euros/habitante) e Suécia (118,6 euros/habitante). E mesmo inferior a países como Suíça (214,8 euros/habitante) e Luxemburgo (157,3 euros/habitante).

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[11] também traz informações quanto à evolução do custo per capita (contudo, especificamente do Poder Judiciário): desde 2012, os valores têm estado estáveis na faixa entre R$ 400,00 e R$ 455,00 (Figura 2).

Figura 2 – Gastos per capita com o Poder Judiciário brasileiro abrangendo despesas totais, despesas totais excetuando inativos e pensionistas e despesas apenas com inativos e pensionistas (CNJ)

Verifica-se, assim, que o Sistema de Justiça brasileiro apresenta uma relação próxima a de países como Alemanha, Países Baixos e Suécia. E que, especificamente para o Poder Judiciário, os valores de gasto per capita estão há pelo menos quatro anos estabilizados – havendo tendência de queda.

III. Elementos para um discussão qualificada
III.1 Volume de processos: a sobrecarga dos tribunais brasileiros
Um primeiro aspecto a ser refletido quando se deseja avaliar os custos do Poder Judiciário brasileiro envolve a análise de casos novos que são propostos todos os anos para seu escrutínio. Isso porque esse volume, evidentemente, é o que determinará a necessidade de nomeação de mais Magistrados e servidores para a prestação jurisdicional – sem perder de vista que os dispêndios em termos de recursos humanos correspondem a 90,8% das despesas totais do Poder[12].

Para melhor compreensão dessa sobrecarga, um comparativo com a situação de outros Sistemas de Justiça é interessante. Para tanto, com o fito de tornar a comparação mais acertada (comparação esta já difícil em razão dos países terem grandes diferenças quanto à forma de concatenação de sua ordem legal), opta-se pela análise de casos novos em termos de ações decorrentes das relações de trabalho — dado disponível de maneira mais homogênea entre os países analisados e, portanto, com uma maior adequação a serem comparados entre si.

Lembrando que as demandas trabalhistas corresponderam a cerca de 21% do número total de casos novos que ingressaram no Poder Judiciário brasileiro em 2019[13]. Representam, assim, a matéria com maior acervo de processos nesse Poder.

A avaliação envolveu três países europeus com legislação trabalhista considerada protetiva e com uma atuação sindical avaliada como bastante intensa: França[14], Alemanha[15] e Espanha[16]. São países também populosos, com economias bem diversificadas, à semelhança da situação brasileira. A razão encontrada entre número de casos novos e a população de cada país atesta a sobrecarga brasileira: os magistrados do Brasil têm aproximadamente de duas a dez vezes mais casos novos por ano do que seus pares (Tabela 1) .

Tabela 1 – Casos novos em matéria trabalhista em países selecionados e sua relação por cem mil habitantes

Trata-se de um nível de demanda que inevitavelmente exige a ampliação de todo o aparato institucional (mais gastos com infraestrutura, Magistrados, servidores e recursos materiais), o qual acarretará custos maiores para toda a sociedade.

Outra dimensão importante nesse debate envolvendo o excesso de judicialização diz respeito ao modelo vigente no Brasil de pagamento de custas e emolumentos e a forma como esse tipo de disposição pode induzir a um maior uso do Poder Judiciário — em detrimento de métodos autocompositivos.

Para além disso, o volume arrecadado com o pagamento de custas judiciais e emolumentos, necessários para a consecução da prestação jurisdicional e dos serviços que lhe são inerentes e conexos, representa arrecadação capaz de reduzir o dispêndio do contribuinte com o Poder, direcionando-o um pouco mais para o usuário — aquele que realmente faz uso da máquina jurisdicional.

No Brasil, a arrecadação com custas judiciais e emolumentos em relação à despesa total da Justiça, nos últimos dez anos, oscilou entre 10 e 13% de acordo com o CNJ[17], sem uma tendência definida (Figura 3).

Figura 3 -Arrecadação com custas judiciais e emolumentos em relação à despesa total do Poder Judiciário, em % (CNJ)

Os dados do Cepej[18] disponíveis para outros países, relativos ao ano de 2016 (Figura 4), ajudam a compreender melhor a situação brasileira – e mesmo refletir se existiria espaço para mudanças. Esses dados, de quando o Brasil apresentava uma arrecadação com custas e emolumentos em relação à despesa total da Justiça no patamar de 11% (dados de 2016), situam o Brasil em posição inferior à média (19%) e mediana (14%) europeias.

Figura 4 – Custas em relação à despesa total do Poder Judiciário, em 2016 (CEPEJ e CNJ)

A comparação da arrecadação brasileira com aquela de países selecionados, em matéria de custas judiciais e emolumentos, atesta sua similitude ao valor amealhado por países como Rússia (12%) e Itália (11%), mas ainda distante dos valores arrecadados pela Alemanha (43%), Portugal (25%) e Inglaterra (19%).

Dados levantados pelo CNJ em 2019[19] a partir de simulação para obtenção do valor de custas judiciais a serem pagas para causas com valores distintos nos diversos Tribunais do país atestaram duas circunstâncias: a grande variabilidade no valor de custas, seja dentro de um mesmo Tribunal, seja entre Tribunais distintos; e o valor irrisório cobrado em diversos Tribunais do país.

Quanto a essa percepção de grande variabilidade, percebe-se que, para um valor de causa de R$ 20.000,00, as custas entre os Tribunais oscilam mais de 1.900%, de R$ 100,00 (Justiça Federal) a R$ 2.001,52 (TJ do Piauí). Para um valor de causa de R$ 1.000.000,00, as custas entre os tribunais oscilam mais de 8.100%, de R$ 372,22 (STJ) a R$ R$ 30.718,00 (TJ do Rio Grande do Sul). Dentro de um mesmo Tribunal, há casos em que não há qualquer oscilação (STF e STJ), ou mesmo em que essa oscilação é irrisória (TJDFT, de 25%) ou profunda (7.100% no TJ do Tocantins e 3.170% no TJ do Rio Grande do Sul).

O caso da Justiça Federal é emblemático: 12,85% dos casos novos no país em 2019 foram peticionados perante essa Justiça. Nela, a cobrança das custas processuais tanto iniciais quanto recursais é feita com base no valor da causa, definida em patamares máximos e mínimos. Excetuada a Justiça do Trabalho, em que o valor mínimo é igual a zero, os valores das custas recursais mínimas na Justiça Federal (R$ 5,32), incluindo depósitos, são os menores do país[20].

Há, assim, grande discrepância em relação ao valor de custas judiciais quando comparados os diversos tribunais do país. Esse potencial de incremento arrecadatório pode ser ilustrado no caso emblemático envolvendo o setor bancário.

Estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2012[21] trouxe, para o ano de 2011, a lista dos maiores litigantes nas Justiças Estadual, Federal e do Trabalho. Os bancos ocupavam a primeira posição na Justiça Estadual, a segunda posição na Justiça Federal e a terceira posição na Justiça do Trabalho. Contabilizando-se esses três ramos do Poder Judiciário, os bancos ocupavam a posição de segundo maior litigante nacional, perdendo tão somente para o Setor Público Federal.

Constituindo-se o setor bancário como segundo maior litigante nacional, e demarcando-se a lucratividade do setor, que em 2019 alcançou R$ 81,51 bilhões apenas com os quatro maiores bancos do país (com uma média anual, de 2010 a 2018, situada em 50,37 bilhões)[22], seria plausível cogitar um incremento em termos de custas judiciais para setores específicos da sociedade que demandam mais a jurisdição.

Um formato de transferir aos usuários do Poder Judiciário uma parte maior dos custos com o Poder, hoje em sua quase integralidade posto ao encargo do contribuinte. A reflexão acerca da reformulação do pagamento de custas judiciais e emolumentos, atraindo-o para uma sistemática capaz de proporcionar aos Tribunais do país maiores fonte de receitas, perfilha-se assim tanto interessante quanto necessária.

Ainda mais em razão dos efeitos que essa medida pode proporcionar em termos de redução dos níveis de judicialização: na medida em que o acesso à Justiça se torna mais caro àqueles que podem, de fato, pagar, incentiva-se a busca pelos métodos autocompositivos (como mediação e conciliação). Algo que repercutirá em uma redução de novos casos – e, assim, na redução de custos do próprio Poder Judiciário brasileiro.

III.2 Qualidade das leis: o “cipoal” normativo em matéria tributária
A qualidade e a precisão da legislação produzida pelo Congresso Nacional interfere profundamente na quantidade de ações judiciais existentes no país – e, portanto, na posterior necessidade de alocação de recursos materiais, financeiros e humanos para que o Poder Judiciário consiga absorver esse volume de demandas e fazer a devida prestação jurisdicional.

Ao tempo que ao Poder Legislativo é franqueado não legislar, ao Poder Judiciário é vedado não decidir. Ou seja, enquanto o Poder Legislativo não tem obrigação quanto à produção normativa ou mesmo quanto à sua qualidade, o Poder Judiciário tem o dever de prestar a jurisdição e fazê-la da melhor maneira possível – isso a partir do arcabouço legal de que dispõe.

Exemplo emblemático de uma matéria cuja produção normativa revela esse desafio posto sob responsabilidade do Sistema de Justiça – e que confronta qualquer critério de razoabilidade, conflagrando contribuintes e Estado a um grande volume em termos de litigância – é o direito tributário.

No bojo dos debates envolvendo a prometida reforma tributária, o Presidente da Câmara dos Deputados, explicitando sua posição favorável a uma simplificação da legislação tributária, chegou a publicar em suas redes sociais[23]:

Brasil editou 363 mil normas tributárias desde 1988! Sim, você não leu errado. Nessa barafunda tributária, entre siglas e centenas de milhares de normas, todos perdem.

Ao comentar os problemas que a complexidade da legislação tributária proporciona em termos de judicialização, o Ministro do STJ, João Otávio de Noronha[24], destaca que essa característica de nosso arcabouço normativo em matéria tributária — agravado pelo fato de que a própria Secretaria de Receita Federal tem autonomia para edição de normas que interpretam a legislação tributária — eleva o nível de litigiosidade e provoca uma judicialização excessiva no país.

Ao se analisar o número de casos novos em matéria tributária na Justiça Estadual, na Justiça Federal e no Superior Tribunal de Justiça[25], percebe-se a dimensão das ações tratando de matéria tributária e a carga que isso representa para o desempenho dos Tribunais. Entre 2014 e 2019, casos novos tratando de matéria tributária abrangeram entre 10,42% e 12,72% do volume total de casos novos nesses Tribunais (Figura 6).

Figura 6 – Fração de casos novos em matéria tributária sobre total de casos novos, nas Justiças Estadual, Federal e no STJ (CNJ)

Há, portanto, a necessidade de que as leis tenham qualidade — qualidade essa que se espraia nessas três dimensões: simplicidade, clareza e, acima de tudo, transparência. Elementos a partir dos quais será possível o estabelecimento de um arcabouço legal confiável, que inspire segurança jurídica e, assim, menos suscetível a questionamentos – e, caso inevitável o litígio, a opção pelas vias de autocomposição e arbitragem poderá ser avaliada como um caminho mais promissor, uma vez o arcabouço legal simplificado.

 é juiz federal e ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

 é sócio-fundador do escritório Malta Advogados, professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) e secretário-geral da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB.

Lazarini de Almeida é sócio do escritório Malta Advogados.

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Opinião: Nomeação de Ramagem no STF: o acerto jurídico da liminar

Texto em coautoria com outros advogados[1]

Não é de hoje que manifestamos nosso inconformismo contra o ativismo judicial que tem marcado a atuação de parte do Poder Judiciário. Direitos e garantias constitucionais têm sido constantemente violados, sob pretextos retóricos e messiânicos, abalando o nosso Estado Democrático de Direito.

Temos consciência plena do quanto fazem mal para a nossa jovem Democracia os processos acentuados de politização do Judiciário e de judicialização da política. Contra eles, inclusive, temos nos pronunciado frequentemente.

Não defendemos, com isso, o amesquinhamento do Poder Judiciário ou que ele abdique do seu dever de aplicar as leis ou de fiscalizar e fazer aplicar a nossa Carta Constitucional de 1988.

Por isso, no momento em que se discute a correção jurídica da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, que concedeu liminar impedindo a posse de Alexandre Ramagem como Diretor-Geral da Polícia Federal, convém firmarmos nossa posição.

É um debate polêmico, que divide e incendeia a comunidade jurídica.

Entendemos que a decisão foi correta e adequada aos princípios constitucionais e às regras legais em vigor.

De acordo com a nossa Constituição, o Poder Judiciário pode e deve controlar a validade de atos administrativos, a partir de seus requisitos eminentemente jurídicos, mesmo reconhecida a liberdade de opção discricionária do administrador ao praticá-los.

No Estado de Direito, embora juízes estejam impedidos de adentrar ao campo valorativo decisório de mérito das competências administrativas, desde que sejam provocados legitimamente, poderão invalidar atos que ultrapassem esses limites de liberdade.

Uma das razões pelas quais juízes podem anular atos administrativos se dá quando estes são praticados em desacordo com a sua finalidade legal. Quer dizer: um ato administrativo deverá ser anulado sempre que o poder do administrador de praticá-lo tiver sido desviado da finalidade para a qual a lei admitia a sua prática. É o vício denominado de “desvio de poder”.

E foi o que inegavelmente ocorreu na nomeação em discussão. Um claro e inequívoco “desvio de poder”.

Ao ser contrastado pelas denúncias do ex-Ministro Sérgio Moro de que a nomeação de Ramagem visava a que a Polícia Federal atuasse de acordo com os interesses pessoais do Chefe do Executivo, em uma coletiva de imprensa e em outras manifestações, o próprio presidente confirmou esse fato, afirmando, inclusive, que já solicitara desse órgão a realização de uma diligência destinada a obter um depoimento em favor de um de seus filhos.

Essa intenção presidencial de retirar a atuação da PF dos trilhos legais foi confirmada por mensagens escritas divulgadas pelo próprio ex-ministro Sérgio Moro, ainda não contestadas, e, também, pela notória relação de amizade que o nomeado mantém com o núcleo da família Bolsonaro.

Não queremos dizer, com isso, que qualquer nomeação de um amigo para um cargo de confiança seja ilícita. Cargos de confiança existem para serem ocupados por pessoas que mantém uma relação de confiança com quem escolhe seus ocupantes. E é bom que seja assim.

O que se afirma é que é ilegal nomear-se alguém para cumprir uma missão ilícita, qual seja, a de fazer com que a Polícia Federal deixe de investigar parentes ou aliados do presidente da República , ou ainda, que esse órgão rompa com o dever legal de sigilo, prestando informações sobre investigações que, por lei, não podem ser prestadas.

Justamente por tal razão, não se afigura pertinente a pecha de incoerência da decisão liminar, por ter vedado a nomeação de Alexandre Ramagem para a Direção Geral da Polícia Federal, ao tempo em que o manteve no cargo de Diretor-Geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). À Polícia Federal, que detém atribuições de polícia judiciária, cabe resguardar o segredo quanto ao andamento de investigações em curso, mesmo ao presidente da República, e sobretudo quando se tratar de apurações que envolvam seus familiares. Isso diferencia a natureza do órgão em comparação com a Abin, cuja competência, aí sim, destina-se a suprir a cúpula governamental com elementos informativos necessários à tomada de decisões de gestão.

Nesse contexto, o rompimento do preceito constitucional da impessoalidade, admitido pelo próprio presidente, traduz fato incontroverso que enseja a avaliação da ocorrência do desvio de poder, facultando a impetração de mandado de segurança preventivo para conter o iminente ato abusivo.

Por isso, temos como acertada a decisão do Ministro Alexandre de Moraes.

Uma liminar não é uma decisão definitiva e deve ser concedida sempre que a aparência do direito é boa e a demora de uma decisão definitiva seja prejudicial.

Foi o que ocorreu, no caso, em face das próprias palavras do presidente e da urgência de se evitar a posse daquele que, declaradamente, receberia do presidente da República a missão de desviar a PF do seu dever de atuar de acordo com o princípio republicano.

Nos parece, assim, que a vedação da posse de Alexandre Ramagem na Direção-Geral da Polícia Federal distingue-se essencialmente da liminar que impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil no governo da presidenta Dilma Rousseff. Naquele caso, tudo derivou de um áudio ilicitamente divulgado pelo então juiz federal Sergio Moro que, apesar de imprestável como prova, induziu o STF a considerar haver uma tentativa de obstrução de justiça, num clima midiático que inibiu  o necessário choque de versões entre o que alguns pretendiam extrair do diálogo mantido e a própria explicação dada pela então chefe do Executivo. Isso eliminava, à época, ao nosso ver, a aparência da ilegalidade e a possibilidade daquela matéria ser discutida pela via do mandado de segurança.

Ou seja: embora no plano do direito possam parecer situações análogas, a nomeação feita por Dilma envolvia prova ilícita, contestada veementemente e, na soma, implicava , também,  versões fáticas discrepantes e ocultação intencional de fatos relevantes, manipulados com um objetivo conhecido e inconfessável.  A nomeação feita por Bolsonaro, por sua vez, diz respeito à prova lícita e à narrativa do próprio Presidente, confirmando o desvio de finalidade em que incorreu.

Entendemos, pois, que rejeitar nefastos ativismos ou abusos judiciais não significa defender que o Poder Judiciário deva deixar de cumprir, dentro da lei e da Constituição, a sua importante função de controlar atos administrativos abusivos praticados por um Chefe de Estado arbitrário e que ignora a lei, as instituições e os interesses públicos.

Este é o desafio.

 


[1]

Weida Zancaner, advogada, mestre em Direito e professora de Direito Administrativo. Membro do IDAP do IDID e do IBDA.

Fernando Hideo Lacerda, advogado criminalista, doutor e mestre em Direito.

 Marco Aurélio de Carvalho, sócio fundador do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Conselheiro do Sindicato dos Advogados de São Paulo. Sócio fundador do CM Advogados. Especialista em Direito Público

Carol Proner, advogada, professora de Direito Internacional da UFRJ, membro fundador da ABJD.

Fabiano Silva dos Santos, advogado, mestre e doutorando em direito pela PUC/SP.

Mauro de Azevedo Menezes, advogado, mestre em Direito Público pela UFPE, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

José Eduardo Cardozo é advogado. Foi ministro da Justiça e Advogado Geral da União. Professor da PUC-SP, mestre em Direito e doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha) e pela USP.

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Sarlet e Pedra: Democracia e “emendismo” em tempos de pandemia

Ainda que crise e instabilidade sejam fenômenos, em maior ou menor grau, recorrentes ao longo da história constitucional moderna, atraindo uma série de riscos e desafios ao Estado Constitucional na sua forma de Estado Democrático de Direito, o momento pelo qual passa a humanidade, especialmente tendo como referencial temporal a Segunda Grande Guerra, é singular sob várias perspectivas. Desde que a Organização Mundial de Saúde — OMS declarou um estado de pandemia, em 11/03/2020, a rápida expansão da crise fez com que, além dos fatores de natureza social, econômica, política e cultural (e também em virtude dessas) o Direito e, para o que aqui importa, o direito constitucional, tem sido constantemente posto à prova.

Que isso também se dá no caso brasileiro não carece aqui de maior demonstração, bastando referir o número de decisões já proferidas em caráter de urgência pelo STF, envolvendo questões tão diversas – embora conexas – como o pacto federativo, limites a direitos fundamentais diversos, como é o caso, entre outros, da liberdade religiosa, do direito à saúde, da liberdade de locomoção e do direito ao trabalho.

Mas, e voltando-nos desde logo ao foco da presente coluna, também questões vinculadas ao funcionamento das instituições, designadamente aquelas estruturantes do e indispensáveis ao regular funcionamento do Estado Democrático de Direito, assumem particular relevo e mesmo especial preocupação.

Esse é o caso do que se pode designar de uma ânsia, aliás, quase uma obsessão, brasileira no que diz com a proposição de projetos de emenda constitucional e a relativa facilidade com que emendas são promulgadas, mais de cem em pouco mais de trinta anos.

Outrossim, por mais que se possa (e deva) questionar as razões de tal frenesi reformista, em parte (mas não só) devido ao caráter prolixo e analítico do texto constitucional, os sinais de alerta se tornam mais visíveis, a exemplo – tomando aqui a liberdade quanto ao uso da imagem – da cláusula constitucional (não escrita) do “clear and present danger” estadunidense, quando se busca promover reformas constitucionais em tempos de crises particularmente significativas quanto à sua intensidade e capacidade de gerar instabilidades das mais diversas, ademais de instaurar um clima generalizado de insegurança e até mesmo de medo.

A situação ora vivenciada em escala global e pelo Brasil enquadra-se à perfeição em tal moldura, o que, além do manancial de edição de leis, decretos, portarias, resoluções e provimentos de todos os órgãos estatais em todos as esferas da federação, se pode ilustrar com a ideia de separar (fatiar) o orçamento, que deu azo à proposta de emenda constitucional denominada PEC do “orçamento de guerra” (PEC nº 10/2020), mediante a qual se almeja que a União adote um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender as necessidades decorrentes da pandemia, durante a vigência da calamidade, naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular.

Além disso — e tal medida tem sido discutida em diversos foros —, as medidas sanitárias restritivas de locomoção e reunião de pessoas podem levar inclusive, a depender da evolução do quadro de contágio no Brasil, ao adiamento das eleições municipais previstas no texto constitucional para outubro (artigo 29, II) de 2020, para o que também se faz necessária — em se seguindo o caminho constitucionalmente adequado — uma emenda constitucional.

É, contudo, não só possível como imperioso indagar se a mesma situação (no caso, a pandemia da COVID-19) que exige mudanças no ordenamento constitucional também as impede. Por exemplo, em Portugal foi decretado estado de emergência (Decreto presidencial nº 14-A, de 18/03/2020) e na Espanha estado de alarme (Decreto real nº 463, de 14/03/2020), mas tais circunstâncias limitam o poder de reforma constitucional na forma das respectivas Constituições (Portugal: art. 289; Espanha: arts. 116 e 169).

No caso brasileiro, os assim chamados limites circunstanciais à reforma constitucional regulam a matéria, dispondo o artigo 60 § 1º da CF que o texto da constituição não pode ser emendado (mesmo respeitados estritamente os demais limites formais e materiais) nos casos de estado de defesa, estado de sítio ou de intervenção federal (art. 60).

Ainda que — por ora — nenhuma dessas três circunstâncias tenha sido decretada — não há como deixar de levar em consideração que diversas medidas adotadas no Brasil para reduzir o risco de contágio, embora motivadas pela necessidade de fazer frente aos reclamos do combate à pandemia, por si só gerador de tensão e instabilidade, contribuem para a configuração de um quadro de crise institucional e, de certo modo, constitucional.

Para ilustrar tal assertiva, bastaria mencionar que a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, estabelece, para enfrentamento da emergência de saúde pública, a possibilidade da adoção, entre outras, de medidas de isolamento, quarentena, restrição de entrada e saída do país, de locomoção interestadual e intermunicipal, bem como requisição de bens e serviços.

Além disso, não há como deixar de enxergar que o próprio funcionamento da institucionalidade democrática está em medida não irrelevante fragilizado, bastando aqui chamar a atenção ao fato de que, em virtude da pandemia, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal passaram a deliberar pelo sistema de plenário virtual (v.g. Sistema de Deliberação Remota – SDR prevista na Resolução nº 14, de 17/03/2020, e Ato da Mesa nº 123, de 20/03/2020,   da Câmara dos Deputados), ademais de impedir que os cidadãos frequentem ambas as Casas do Congresso Nacional, inclusive para participação de audiências públicas.

Na mesma toada, a Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020, suspendeu prazos de respostas a pedidos de acesso à informação, o que foi objeto das ADI’s nº 6347 e 6351 por inobservância aos princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública. Nessa toada, através do Decreto Legislativo nº 6, de 20/03/2020, o Congresso Nacional ainda reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, para fins específicos.

Todas essas restrições adotadas no Brasil para reduzir o risco de contágio geram uma situação de anormalidade social e política. Uma situação sui generis, verdadeiramente excepcional, que não configura um estado constitucional de exceção no sentido próprio do termo, mas acaba (como já visto) ensejando medidas similares e, por vezes, ausentes limitações expressas como as que se aplicam ao estado de defesa, ao estado de sítio e à intervenção federal, até mesmo mais rigorosas.

Daí a importância de considerar que a ocorrência de uma pandemia – acompanhada da decretação de estado de calamidade e de importantes medidas restritivas de direitos, inclusive de algumas liberdades fundamentais, pode constituir uma limitação circunstancial implícita ao poder reformador, acionando os efeitos jurídicos respectivos.

As limitações circunstanciais impedem a emenda da Constituição enquanto durarem certas circunstâncias excepcionais que comprometem a legitimidade do processo de alteração no texto constitucional. Esses limites objetivam colocar a Constituição a salvo de modificações contaminadas por um ambiente de perturbação na liberdade e na independência dos órgãos responsáveis pela reforma constitucional, pois a produção constitucional exige serenidade, estabilidade e equilíbrio, que se ausentam em ocasiões dessa natureza.

Dito de outro modo, o que também o nosso constituinte (seguindo tradição inaugurada em 1934), procura impedir — e daí a questão da legitimidade acima apontadas —  é que o órgão competente para a reforma da constituição, no caso, o Poder Legislativo, na pendência de uma instabilidade político-institucional e/ou de uma crise importante, acabe por aprovar reformas (ainda mais quando de grande repercussão e interesse geral) que em situação de normalidade possivelmente não seriam aprovadas, ou então, caso fossem chanceladas, o seriam de modo diverso, mediante intenso e aberto debate na esfera pública.

É claro, convém repisar, que aqui não se pretende comparar o atual cenário em termos simétricos com um estado de defesa ou um estado de sítio, tampouco com situações como a que se verificou com a República de Weimar em que, no curso de um estado de exceção constitucional, forças reacionárias e autoritárias assumiram o poder e avocaram poderes extraordinários que resultaram na corrupção e superação da ordem democrática.

Note-se, ainda, que além do Brasil, diversos outros países possuem limitações circunstanciais expressas em seus textos constitucionais. As circunstâncias geralmente previstas como limitadoras da reforma constitucional são: estado de sítio (Angola: art. 237; Cabo Verde: art. 287; Espanha: arts. 116 e 169; Guiné Bissau: art. 131; Moçambique: art. 294; Portugal: art. 289; Romênia: art. 152; São Tomé e Príncipe: art. 155; Timor Leste: art. 157); estado de emergência (Angola: art. 237; Cabo Verde: art. 287; Georgia: art. 77; Guiné Bissau: art. 131; Lituânia: art. 147; Moçambique: art. 294; Moldávia: art. 142; Montenegro: art. 156; Portugal: art. 289; Romênia: art. 152; São Tomé e Príncipe: art. 155; Sérvia: art. 204; Timor Leste: art. 157; Ucrânia: art. 157); estado de alarme (Espanha: arts. 116 e 169); estado de exceção (Espanha: arts. 116 e 169); guerra (Angola: art. 237; Bélgica: art. 196; Cabo Verde: art. 287; Espanha: art. 169; Moldávia: art. 142; Montenegro: art. 156; Romênia: art. 152; Sérvia: art. 204); regência (Bélgica: art. 196; Luxemburgo: art. 115); lei marcial (Georgia: art. 77; Lituânia: art. 147; Moldávia: art. 142; Ucrânia: art. 157); perigo à integridade do território (França: art. 89); e outras medidas extraordinárias (Albânia: art. 177).

Outrossim, de destacar que embora alguns dos nomes se repitam, não há necessariamente coincidência de natureza, requisitos e efeitos dessas circunstâncias nos diversos países. De outro lado, os limites explícitos geralmente são estabelecidos a partir de especificidades e experiências constitucionais já vividas em cada país, ainda que em grande medida existam elementos comuns, o que se dá, com maior frequência, no caso do estado de sítio, ainda que batizado de modo diverso, v.g., o estado de guerra.

A pergunta que se coloca e que merece, no sentir dos autores, que, aliás, já se pronunciaram a respeito (autor SARLET, Reformas constitucionais, limites circunstanciais ou self restraint legislativo?, Coluna CONJUR de 19 de maio de 2017; autor PEDRA, A Constituição Viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas na democracia participativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 53) resposta afirmativa, é que, ainda que em caráter excepcionalíssimo, é possível sustentar a existência de limites circunstanciais implícitos, como é o caso, a depender das circunstâncias concretas, do estado de calamidade pública.

Nessa perspectiva, a situação excepcional vivenciada durante o período de pandemia no Brasil permite concluir que se trata de uma circunstância apta a limitar a atuação do poder reformador, porquanto a restrição à liberdade de reunião imposta pelas medidas sanitárias, a dificuldade da livre circulação de pessoas e de ideias para atingir o consenso, e até mesmo as restrições ao funcionamento das Casas de representantes[1], tornam o ambiente inadequado — para dizer o mínimo — para a discussão e aprovação de emendas à Constituição, ainda mais quando possível resolver o problema mediante edição de lei ordinária.

Sublinhe-se, outrossim, que diferentemente de outros países, onde os limites circunstanciais impedem reformas em relação a alguns temas, como é o caso, entre outros, da Constituição de Luxemburgo (artigo 115), que impede mudanças no texto constitucional em períodos de regência no que concerne às prerrogativas constitucionais do Grão-Duque assim como à ordem de sucessão, bem como da Constituição da Bélgica (artigo 197) que, de forma similar, impede mudanças no texto concernentes aos poderes constitucionais do Rei também durante o período de regência, no Brasil tal exegese se afigura impossível, pelo menos, em se levando a sério as regras constitucionais sobre o ponto.

De outra parte, se na pendência dos estados de exceção constitucional expressamente estabelecidos é inviável, entre nós, promover qualquer reforma constitucional, na hipótese de se admitir limites circunstanciais implícitos, faz sentido (inclusive em homenagem ao primado da soberania popular) que, a depender do caso, pudessem ser permitidas emendas pontuais absolutamente indispensáveis para resolver problemas de largo impacto, em especial para a proteção de direitos e garantias fundamentais, mas sempre em caráter temporário, destinadas a perder a eficácia uma vez superado o período de exceção que as motivou, eventualmente passíveis de chancela posterior observados os rigores (limites) formal e materiais legitimadores de uma emenda constitucional.

Ainda assim, a regra a ser observada deverá sempre ser a de interditar emendas constitucionais oportunistas e que coloquem em risco a ordem constitucional democrática, o que exige ainda maior atenção em estados de instabilidade e anormalidade político-institucional-econômico-social, durante os quais o risco de aprovação de uma reforma da CF que não seria aprovada em condições de normalidade, é real e mesmo elevado.

Isso, contudo, exige um necessário self restraint da parte do Congresso Nacional e, por sua vez, a vigilância firme da sociedade e, se for o caso, da Jurisdição Constitucional.

 


[1] Vale mencionar que a Constituição da Bélgica veda a reforma constitucional quando as Câmaras se acharem impedidas de se reunirem livremente no território federal (artigo 196).

 é professor, desembargador aposentado do TJ-RS e advogado.