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Jazida petrolífera com nome de Lula é promoção pessoal, diz TRF-4

O ato administrativo que rebatizou de “Campo de Lula” a jazida petrolífera antes denominada de “Tupi”, no litoral do Rio de Janeiro, objetivava a promoção pessoal de pessoa viva. Assim, o ato é nulo, por desvio de finalidade, como prevê o artigo 2º, letra “e”, da Lei 4.717/1965.

Com este fundamento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve sentença que determinou a anulação do ato administrativo que promoveu, em 2010, a alteração do nome de uma jazida de petróleo na Bacia de Santos, em Angra dos Reis (RJ). A escolha do nome partiu, originalmente, da Petrobras e foi chancelada pela Resolução de Diretoria 568/2011, da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A relatora das apelações na Corte, desembargadora Marga Inge Barth Tessler, considerou “irretocáveis” os fundamentos da sentença. Ela também manteve o comando sentencial que negou o ressarcimento de despesas de publicidade da estatal, já que a inicial não trouxe provas dos danos ao patrimônio público — e não se pode falar em lesão presumida.

“Ademais, incabível o deferimento do pedido de ‘contrapropaganda’, visto possuir previsão restrita à ação civil pública, em decorrência de previsão expressa no artigo 56, XII, do CDC, não sendo aplicável às hipóteses de ação popular, a qual visa a anulação de ato lesivo, nos termos do artigo 5º, LXXIII, da Constituição de 1988”, anotou no acórdão, lavrado em sessão virtual de julgamento realizada na última terça-feira (2/6).

Ação popular

A advogada Karina Pichsenmeister Palma, sócia da banca Gama Advogados, de Porto Alegre, ajuizou ação popular para pedir a troca do nome da jazida petrolífera e a devolução, aos cofres da Petrobras, de todos os valores gastos com publicidade para a divulgação do novo nome. Além da ANP e da Petrobras, a advogada tentou responsabilizar o ex-presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — o homenageado com o ato.

A autora sustentou que, apesar de ser comum o uso de nomes de animais marinhos para batizar reservatórios de óleo em alto-mar, a escolha foi utilizada como um artifício para homenagear o político do Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo ela, “o ato eterniza de forma equivocada o crédito e o mérito pela descoberta do Pré-Sal”. Enfim, cabia à ANP, como agência reguladora, realizar um filtro de legalidade ou constitucionalidade do ato administrativo.

Em contestação, a Petrobras alegou não ter havido qualquer lesão ao patrimônio público ou relação entre a denominação utilizada e a figura do ex-presidente, afirmação que foi repetida pela defesa de Lula. Já Gabrielli informou não teve responsabilidade pela escolha dos nomes dos campos de petróleo.

Sentença parcialmente procedente

Em julgamento realizado em 13 de novembro de 2017, a 5ª Vara Federal de Porto Alegre julgou parcialmente procedente a ação popular, determinando, tão somente, a anulação do ato administrativo que renomeou o campo petrolífero. Negou o ressarcimento dos gastos em publicidade.

Para o juiz federal substituto Vinícius Sávio Violi, a estatal violou o princípio da impessoalidade ao utilizar a denominação, promovendo de forma indevida o nome do então presidente da República, que estava concluindo o seu segundo mandato.

“A razão de decidir dessa sentença (tese) é: o ato de promoção pessoal, violador da impessoalidade na Administração Pública e vedado pelo §1º do art. 37 da CRFB/88, não precisa ser praticado deliberadamente com essa intenção, bastando ser apto a gerar publicidade à pessoa viva beneficiária, às custas do patrimônio público. Com isso em mente, basta chegar à conclusão de que o ex-Presidente obteve publicidade com isso para que se determine a anulação do ato. E concluo que houve esse benefício com publicidade”, escreveu na sentença.

Para Violi, o fato de o ex-presidente ter parte do nome de um animal marinho é coincidência. Mas isso não equivale a dizer que a promoção pessoal não existiu. A seu ver, não é necessário saber se o então presidente da República e os corréus ajustaram a prática do ato para, com o subterfúgio de ter um nome coincidente com animal marinho, colher benefícios desse ato.

“Aqui, pouco importa a intenção. Se de fato a escolha se deu exclusivamente por conta do molusco, a consequência é a mesma; afinal, houve um benefício publicitário ao ex-presidente da República. Aliás, boa-fé se presume, não cabendo aqui qualquer afirmação de que houve má-fé por parte dos envolvidos. O que importa é a consequência do fato: publicidade com nome em bem público”, repisou na sentença.

Sobre a negativa de ressarcimento dos valores investidos em publicidade, o juiz explicou que não existem razões para afirmar que os gastos se deram com a finalidade de promover o nome do ex-presidente.

“Houve uma promoção pessoal do ex-presidente, mas isso foi reflexo do próprio nome. Essa promoção [publicitária] não decorreu de um propósito específico da estatal em divulgar o campo apenas por ter o nome Lula. A propaganda é mais voltada ao campo em si — bastante produtivo — do que ao nome”, deduziu.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

Ação popular 5080287-28.2015.4.04.7100/RS

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

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Afonso e Santana: ‘Tributação 4.0’ e o pós-Covid-19

Para onde vão os impostos no futuro? Que bases de cálculo explorar? Como tributar os negócios que voam nas nuvens? Quais as adaptações necessárias à administração tributária?

Tentar responder a essas questões já era desafiador. Elas vinham sendo ignoradas ou postergadas, de tão complexas e difíceis, nos tempos em que há uma tendência a respostas simples (e a filosofia popular já ensinou que erradas). Agora, com a Covid-19, será inevitável e urgente equacionar tais desafios para construir novo sistema tributário. Economia e sociedade mudaram rápida e definitivamente, não só para enfrentar a pandemia, mas para criar um novo normal depois dela.

Na tentativa de colaborar para a reforma tributária, que já tinha entrado na agenda nacional brasileira ao final do ano passado, nós coordenamos a edição de uma obra coletiva, denominada “Tributação 4.0”, para inaugurar a série de livros IDP publicados pela Editora Almedina, a pedido do ministro Gilmar Mendes, coordenador técnico daquele instituto (e autor do prefácio).

Quando iriamos lançar o livro “Tributação 4.0”, presencial, em evento internacional o Fórum de Lisboa, em abril, tudo teve que ser suspenso por conta da Covid-19. Daí, optou-se por uma experiência inédita, coerente com o tema do livro, que trata do novo mundo: escolhemos por manter o lançamento do livro, mas transformá-lo em virtual. Primeiro evento do tipo no Brasil, e que permitiu, justamente por ser virtual, a participação de autoridades institucionais, de quase todos os autores, localizados em diversos lugares do mundo, e de quantidade de público que não seria possível de outro modo.

A divisão dos capítulos do livro foi feita por blocos de discussão, sempre com visões complementares, unindo a perspectiva acadêmica à visão profissional, como por exemplo a participação de autores de organismos internacionais, como Centro Interamericano de Administraciones Tributarias (Ciat), Instituto Tecnologico Autonomo de Mexico (Itam), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e profissionais com experiência em cargos de gestão no Executivo, no Legislativo e na advocacia contenciosa. Ao mesmo tempo se fez presente o olhar da academia, sendo parte dos autores professores e doutores em Direito ou Economia de instituições de ensino superior no Brasil USP, Unimar, IDP, FGV, PUC-RS, PUC-SP , em Portugal, na Espanha e no Canadá.

Optando por iniciar a obra abordando primeiramente os “Desafios da tributação 4.0”, os autores, José Roberto Afonso, Celso de Barros Correia Neto, Luciano Felício Felício Fuck, Márcio F. Verdi, Santiago Díaz de Sarralde Miguez, Vasco Branco Guimarães, Laís Khaled Porto, Luiz Guilherme de Medeiros Ferreira e Marcos Nóbrega exploraram o con­tratempo normativo vivido pelo contexto tributário atual frente às rá­pidas mudanças tecnológicas. Quais lições a literatura internacional traz sobre como os sistemas tributários do mundo lidam com as inovações tecnológicas? Como a tributação pode impactar ou ser impactada em razão das novas relações de trabalho? Seria necessário abandonar a rigidez constitucional determinada pela legalidade estrita e a definição de competências por materialidades para um sistema com foco no valor agregado?

Nesse primeiro eixo do livro, “Desafios”, a ênfase foi de que os tributos existentes talvez já não sirvam à nova economia e, então, faz-se necessário olhar a experiência internacional. Destarte as novas formas de relação econômica e social deslocam a arrecadação e seguem rumo a possível extinção de bases tributárias, que ainda respondem por parcela relevante da arrecadação de determinados entes da federação, como é o caso do ICMS imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Contribuindo com o debate, permite-se inferir que os principais desafios da tributação 4.0 estão diretamente ligados à necessidade de conformação normativa, de adaptação da norma à nova realidade, contexto que foi discutido no segundo eixo da obra  “Reforma Tributária”, no qual os autores Fernando Rezende, Heleno Taveira Torres, Daniel Corrêa Szelbracikowski, José Roberto Afonso, Laís Khaled Porto, Luciano Felício Fuck, Thaís Ardeo e Bernardo Motta questionam os cenários normativos das propostas de reforma tributária frente à nova economia. Será mesmo necessária uma reforma tributária constitucional? A alteração normativa por lei não seria suficiente? Existe espaço para a tributação utilizando o IVA no Brasil? Como estão ocorrendo os debates relativos às bases imponíveis da economia digital no plano internacional? Quais são as medidas alternativas para solução de controvérsias? A necessidade da reforma tributária impele não apenas a escolha de um caminho a seguir, mas de como se deve iniciar essa caminhada. Quais seriam os aprimoramentos para a competência dos tributos sobre consumo considerando o impacto nos entes federados?

São indicados caminhos no processo de reforma tributária a partir do financiamento das responsabilidades do Estado moderno e alinha-se o repensar do contencioso administrativo tributário, utilizando, inclusive, medidas alternativas para solução de controvérsias, explorando contextos que estão se iniciando no seio da administração tributária brasileira.

O livro, com o escopo de trazer reflexões que induzem ao debate, opta por colocar perguntas na mesa, ao invés de respostas, e, nessa tônica, o debate acerca da gestão da administração tributária permitiu aos autores, Alberto Barreix, Raul Zambrano, Luiz Gustavo A. S. Bichara, Rafaela Monteiro Montenegro, Melina Rocha Lukic e Ana Clarissa Masuko questionarem os aspectos vinculados à gestão dos im­postos e de sua arrecadação. A discussão feita neste capítulo da obra teve como objetivo olhar para a administração tributária, compreendendo os limites da fiscalização e os conceitos hodiernos que não encaixam na matriz tributária que se agiganta em ra­zão das novas tecnologias. Como definir competências considerando a fluidez dos conceitos e a permeabilidade dos sujeitos de cada fato gerador? Quais as experiências da fatura eletrônica fiscal na América Latina? Existe alguma ferramenta global para o combate à evasão fiscal? Quais os impactos da utilização de algoritmos pelo Fisco? Quais os desafios das administrações tributárias em um país federativo com repartição de competência e quais os modelos internacionais?

O quarto eixo do livro tem como autores Hadassah Laís de Sousa Santana, Liziane Angelotti Meira, Fillipe Soares Dall’ora, Enrique Seira, Emilio Pineda, Alejandro Rasteletti, José Evande Carvalho Araújo, José Roberto Afonso, Jonathan Barros Vita, Jaqueline de Paula Leite Zanetoni e Paulo Caliendo V. Silveira. O debate ali se perfaz acerca do alcance tributário dos fatos que trazem, entre suas nuan­ces, a capacidade econômica, mas que não encontram guarida na con­ceituação atual da regra matriz tributária em seus diversos contextos. Como deve ser caracterizada a natureza jurídica da criptomoeda? Quais as experiências internacionais? Como o conceito de estabelecimento tributário é mitigado a partir da economia 4.0? Como tratar da tributação das rendas derivadas na economia digital? Quais as alternativas para tributação dos lucros das gigantes de tecnologia? Quais as inconsistências do uso da inteligência artificial no campo da tributação?

O livro não traz respostas, mas questionamentos que induzem a reflexões e incitam o debate. A obra nasceu do projeto “Governance 4.0” (http://governance40.com/sobre/), que une diversas instituições IDP, FDUL, FGV e USP para repensar instrumentos, públicos e governamentais, de modo a se adaptarem e a responderem às transformações disparadas pela chamada revolução digital.

A obra “Tributação 4.0”, com quase 30 autores, ocupa, em verdade, espaço de fomento, como exposto pelas autoridades que estavam presentes no lançamento, ocorrido no último dia 13, conduzido pelo dr. Gustavo Brigagão e tendo a ABDF como anfitriã.

O lançamento, cumprindo a proposta do livro de unir a academia e atores institucionais governamentais, teve uma mesa de discussão com a presença do ministro Gilmar Mendes, do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, do relator da reforma tributária na comissão mista, deputado Aguinaldo Ribeiro, do deputado Hugo Leal, também membro da comissão mista de reforma tributária, da professora Rita de la Feria, Chair in Tax Law at Leads University, do professor Fernando Rezende, ex-presidente do IPEA, e dos ex-secretários da Receita Federal dr. Marcos Cintra e dr. Everardo Maciel. O debate, alinhado com o escopo do livro, deu-se em torno do alerta para a reforma tributária, ainda mais necessária e urgente, após a crise e o olhar para tributação das novas tecnologias junto ao desafio da administração tributária.

Enfim, o significado da mesa de lançamento se perfaz na contribuição da academia para a discussão dos desafios que se prenunciam. O lançamento da obra “Tributação 4.0” constitui sobretudo um estímulo para novas pesquisas e espaço aberto de soluções referentes à tributação do futuro, que já chegou! O que seria somente o lançamento de um livro tornou-se um convite para a continuidade e expansão do projeto, e mais, surge ali o desafio de nova edição, que já deixamos aqui como compromisso, virá em breve, revista e ampliada!

Confira na íntegra as mesas de pré-lançamento e o lançamento da obra Tributação 4.0:

Mesa de lançamento, dia 13 de maio de 2020: https://www.youtube.com/watch?v=MUSFgg5rf88 

— Mesa do dia 15 de abril, eixo temático Desafios: https://www.youtube.com/watch?v=r3UVvXiNGBU 

— Mesa do dia 22de abril, eixo temático Reforma: https://www.youtube.com/watch?v=jRgZuJlDs5Y&t=3659s 

— Mesa do dia 29 de abril, eixo temático Gestão: https://www.youtube.com/watch?v=wBjD0z5A9bw 

— Mesa do dia 06 de maio, eixo temático Questões: https://www.youtube.com/watch?v=1H312Va5OS4

O livro está à venda nas principais livrarias do país e no site: https://www.almedina.com.br/9788584936199

Hadassah Laís Santana é doutora em Educação pela Universidade Católica de Brasília, mestra em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília e especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas pela Escola de Administração Fazendária (Esaf).

 é economista e contabilista, professor do doutorado do IDP, pós-doutorando em Administração Pública no ISCSP da Universidade de Lisboa, em Portugal, e doutor em Economia pela Unicamp.