Categorias
Notícias

Hala: Desafios do paralegal/advogado de apoio no isolamento

A era digital do Judiciário demanda consideráveis adaptações aos profissionais paralegais/advogados de apoio. E-SAJ, PJE, Regularize, E-CAC e uma infinidade de outros sistemas já requeriam desses profissionais atenção a cada peculiaridade de procedimento. Diante do isolamento social agora vivido, novos desafios têm colocado esses profissionais à prova. Os exemplos a seguir foram presenciados pelo autor do presente artigo, não sendo surpresa que os leitores, também advogados, tenham presenciado as mesmas situações e partilhem os mesmos sentimentos.

No início de abril, conseguimos uma decisão favorável urgente para o cliente. Sucesso! Mas o cumprimento somente seria pleno se a Procuradoria formalizasse a ciência no PJE. Acontece que, sem atendimento presencial, a Procuradoria somente formaliza a ciência com mais de uma semana após a decisão. Muitas vezes tal lapso faz com que a urgência se perca e fica o questionamento: de que serve uma decisão se não consigo cumpri-la com agilidade?

Outro momento dramático em tempos de isolamento: levantamento de valores relacionados a processos físicos perante os bancos. Missão impossível! A falta de atendimento presencial, sem prazo para retorno, traz mais uma situação angustiante ao profissional que atua na área. Muitas vezes o cliente depende do levantamento daqueles valores para a sobrevivência.

E entrega de memoriais, então? Um caso à parte! Uma turma recebe memoriais via e-mail, a outra só por protocolo… Com quanto tempo de antecedência do dia do julgamento? 24, 48, 72 horas?

Praticamente todas as comunicações com os servidores e as repartições públicas se dão hoje por e-mail ou telefone. Demonstrar a urgência do seu cliente por esses meios não é a mesma coisa. A falta de contato e daquela conversa “olho no olho” deve ser suprida das formas mais inusitadas. Ser cuidadoso, ter paciência, lidar com informações contraditórias são posturas necessárias. Sim, é desafiador!

O que poderia ajudar no âmbito judicial? É certo que houve uma necessidade urgente de adaptações sem um estudo prévio de impacto, sem um planejamento. Cada juiz, vara, subsecretaria, câmara, desembargador, ministro acabou atuando da forma que achou mais apropriada. Passado esse estopim de adaptações, a busca agora deve ser pela unificação dos procedimentos, zelando pelo princípio da cooperação, insculpido no artigo 6º do Código de Processo Civil. Claro que a situação atual é nova, mas o Judiciário, os órgãos da Administração Pública e os representantes dos advogados deveriam trocar experiências e planejar como tudo isso poderia ser resolvido.

Enquanto isso não ocorre, cabe ao paralegal/advogado de apoio, profissional atuante na linha de frente, reinventar-se. Buscar os contatos que já foram feitos, tentar fazer novos. Usar o telefone, enviar e-mails, entre outras alternativas. Buscar informações, legislações, notícias, chats etc. As novidades são diárias e dinâmicas. A evolução também tem que ser. É nos momentos difíceis que surgem as oportunidades de mostrar a dedicação e o profissionalismo.  

 é coordenador do setor de Advocacia de Apoio do escritório WFaria Advogados.

Categorias
Notícias

Aldem Aráujo: Um exemplo de usurpação de competência

Sem alarde, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) expediu, no último dia 20, a Resolução nº 337/2020, que “dispõe sobre a aplicação de multa às instituições que não implementarem as medidas necessárias para a prevenção do contágio do coronavírus Covid-19 e dá outras providências”.

A grosso modo, a norma infralegal pretende impor às pessoas jurídicas registradas nos assentamentos do Cremesp, sob pena de aplicação de multa correspondente ao valor de uma a dez anuidades, o dever de disponibilizar: 1) infraestrutura para higienização das mãos, com sabão para lavagem das mãos e antisséptico de mãos à base de álcool gel 70% (setenta por cento), lenços e toalhas descartáveis para uso do público e dos profissionais da saúde; 2) máscara cirúrgica, avental, luvas descartáveis e protetor facial ou óculos aos médicos; 3) máscara N95 ou PFF2, aos médicos expostos a procedimentos ou exames que podem gerar aerossol, a exemplo de coleta de swab nasal, broncoscopia e aspiração de paciente entubado, e aos médicos que atuem em unidades de terapia intensiva; 4) material de limpeza, intensificando a higienização das suas instalações e 5) equipamentos de proteção aos médicos (EPI) recomendados pelos órgãos e autoridades competentes.

Em que pese a intenção sempre louvável de incrementar medidas necessárias para a prevenção do contágio do coronavírus, a Administração Pública deve mesmo diante da situação extraordinária provocada pela pandemia e do regime jurídico excepcional de emergência sanitária dela decorrente sempre cuidar de observar os limites constitucionais e legais sob pena de ter seus atos anulados por usurpação de competência e excesso de poder.

Infelizmente, nesse particular, a Resolução nº 337/2020 do Cremesp enquadra-se como um exemplo de usurpação de competência e excesso de poder.

Analisando a matriz constitucional e legal da atuação dos conselhos de fiscalização profissional, estabelecida pelo artigo 5º, XIII, da CF/88, pelo artigo 1º da Lei nº 6.839/1980 e pelo artigo 4º da Lei nº 12.214/2011, verifica-se muito claramente, até pelo tratamento lacônico conferido pelas normas, que a competência dos conselhos em sede de direito administrativo sancionador está adstrita às infrações ético-profissionais.

Registre-se, em reforço, que o STJ possui como tese consolidada a de que “os conselhos profissionais têm poder de polícia para fiscalizar as profissões regulamentadas, inclusive no que concerne à cobrança de anuidades e à aplicação de sanções”.

Especificamente quanto ao Conselho de Medicina, os artigos 2º, 15 e 21 da Lei no 3.268, de 30 de setembro de 1957, deixam bastante evidente que os Conselhos Regionais de Medicina têm competência para fiscalizar o exercício da profissão do médico e para apurar e aplicar as devidas penalidades em razão da prática de eventuais infrações ético-profissionais.

Ora, analisando as imposições que a Resolução nº 337/2020 faz às pessoas jurídicas registradas nos assentamentos do Cremesp, resta muito claro que elas têm conteúdo sanitário e não ético-profissional.

Analisando o artigo 200, inciso II, da CF/88 e, sobretudo, o §1º, I e II, do artigo 6º da Lei 8.080/1990, que caracteriza a vigilância sanitária como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, relacionem-se com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde, verifica-se com facilidade que as normas exigidas pela Resolução nº 337/2020 do Cremesp se inserem na seara do direito sanitário e, portanto, são normas de competência dos órgãos e entidades do SUS que exercem as ações de vigilância sanitária.

Da inteligência das discussões que antecederam a aprovação da Súmula 561 do STJ (que definiu as competências do Conselho de Farmácia e, por exclusão, da Vigilância Sanitária acerca da fiscalização da presença do farmacêutico durante todo o período de funcionamento do estabelecimento), extrai-se que aquela corte entendeu que os órgãos e entidades de vigilância sanitária possuem competência para conceder o licenciamento do estabelecimento e para fiscalizar as farmácias e drogarias nos aspectos relacionados com o cumprimento das exigências sanitárias, não incluindo a fiscalização da atuação ou não do farmacêutico, já que este é um aspecto ligado ao exercício da profissão, razão pela qual é tarefa do respectivo conselho profissional.

Sendo as exigências impostas pela Resolução nº 337/2020 do Cremesp às pessoas jurídicas dotadas de um conteúdo evidentemente sanitário, e não ligado ao exercício da profissão médica, a presença dos vícios nulificantes da usurpação de competência e do excesso de poder na aludida norma infralegal brotam de forma incontestável à luz do artigo 200, inciso II da CF/88, do §1º, I e II, do artigo 6º da Lei 8.080/1990, do artigo 1º da Lei nº 6.839/1980, do artigo 4º da Lei nº 12.214/2011, dos artigos 2º, 15 e 21 da Lei no 3.268/1957 e da Súmula 561/STJ.

Destarte, à luz do artigo 2º da Lei de Ação Popular o claríssimo vício de competência que macula a Resolução nº 337/2020 do Cremesp implica sua necessária anulação.

Ignorar os vícios de competência que tornam nula a Resolução nº 337/2020 do Cremesp em prol de promover o incremento das medidas de combate ao coronavírus é permitir o risco de um perigoso efeito multiplicador, vez que outros Conselhos Regionais de Medicina podem seguir o exemplo de São Paulo e também avançarem sobre competências dos órgãos e entidades que integram o SUS.

Num país com um tradicional pouco apreço à autocontenção, impedir a usurpação de competências e o excesso de poder é uma medida obrigatória para evitar situações que, quando passam a ocorrer de forma reiterada, são de demorada correção.

 é advogado no escritório Mello Pimentel Advocacia, membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB-PE e especialista em Direito Público.