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TST admite RE contra acórdão com INPC como índice de correção

Uma intrincada discussão do Direito do Trabalho terá novos capítulos. Trata-se de saber qual índice de correção deve ser usado em débitos trabalhistas. 

Justiça ainda não decidiu qual índice deve ser usado em débitos trabalhistasDollar Photo Club

A empresa recorrente interpôs recurso especial contra acórdão do TST que havia negado provimento a um agravo de instrumento. Nesse acórdão, o TST decidiu pela incidência do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para correção de débito trabalhista. A empresa acredita que a correção deveria ser feita pela Taxa Referencial (TR). O recurso foi admitido e agora seguirá ao Supremo Tribunal Federal.

Longa história

O TST decidiu em 2016 que o fator a ser usado em débitos trabalhistas é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Antes, o cálculo era feito pela TR.

A decisão do TST de quatro anos atrás baseou-se em julgados do STF, que declarou a inconstitucionalidade da expressão “equivalentes à TRD”, contida no artigo 39 da Lei da Desindexação da Economia (Lei 8.177/91). Embora os julgados do STF se referissem a casos de precatórios, a corte trabalhista, na ocasião, declarou a inconstitucionalidade “por arrastamento” da incidência de TR sobre débitos trabalhistas.

A reforma trabalhista, de 2017, acrescentou novo capítulo à história, pois passou a determinar o uso da TR. No ano passado, mais reviravolta: a MP 905 restabeleceu o IPCA-E. Mas ela foi revogada por outra MP (a 955), de 20/4/20.

Em março deste ano, uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou que o TST deve julgar novamente a questão, pois a corte trabalhista interpretou erroneamente precedentes do Supremo.

O Supremo também apreciará duas ADCs (58 e 59), que versam sobre a constitucionalidade da TR como índice de correção das dívidas trabalhistas. Ambas estão conclusas à relatoria desde o fim do mês passado.

Caso concreto

No caso do recurso extraordinário admitido, o acórdão recorrido faz menção à incidência do IPCA-E a partir de 26/3/15. Mas ao fim e ao cabo decidiu pelo INPC, “sob pena de reforma da decisão em prejuízo daquele que recorre”, entendeu a corte que deveria ser mantida a atualização dos cálculos pelo INPC.

Para José Alberto Couto Maciel, sócio da Advocacia Maciel e um dos patronos da causa, “a aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária dos créditos trabalhistas configura afronta aos princípios da segurança jurídica e do direito adquirido, uma vez que o artigo 39 da Lei nº 8.177/1991 define a TR como índice de correção dos débitos trabalhistas”.

TST-Ag-AIRR-137700-82.2006.5.04.0030

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Reunião de Bolsonaro: choque entre sigilo e publicidade

Decidir que trechos de uma reunião entre presidente da República e ministros podem ou não ser divulgados é escolha nada trivial — e algo talvez inédito na história democrática brasileira, como é o caso do encontro entre Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e vários ministros de Estado, ocorrido em 22 de abril.

Caberá ao decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, relator do inquérito 4.831, a intrincada solução jurídica para esse caso concreto.

Inquérito no STF investiga declarações de Sergio Moro sobre pedido de Jair Bolsonaro para interferir na Polícia Federal 
Antonio Cruz/ Agência Brasil

O inquérito 4.831 investiga as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao pedir demissão da pasta. Segundo ele, nesse meeting de 22 de abril — aniversário de 520 anos do Brasil — Bolsonaro, movido por intenções pouco republicanas, o pressionou para indevidamente trocar o comando da Polícia Federal.

Nesse dilema sobre o que deve prevalecer quando os investigados são membros do alto escalão do governo federal estão, de um lado, a lei da interceptação telefônica (Lei 9.296/96), que limita o conteúdo a ser divulgado; de outro, princípios que norteiam a administração pública, que tem o dever de tornar públicos seus atos (artigo 37 da CF). É nesse diapasão que deve decidir Celso de Mello. 

Cada ator institucional defende um lado. A Advocacia-Geral da União sugere que apenas as falas de Bolsonaro devem ter o sigilo levantado. A Procuradoria-Geral da República pediu que não seja divulgada a íntegra do conteúdo da reunião, mas só as falas do presidente relacionadas ao objeto da investigação — notadamente as relacionadas à atuação da Polícia Federal.

Já a defesa de Sergio Moro quer a divulgação ampla para amparar as acusações do ex-juiz federal conhecido por seus vazamentos seletivos e descumprimento à lei das escutas telefônicas. O decano da corte definiu inicialmente que o inquérito tramitaria com ampla publicidade, mas depois impôs sigilo temporário no caso específico da reunião. A gravação da reunião foi enviada à corte e transcrita. 

Do ponto de vista político, uma grande curiosidade circunda a todos sobre o conteúdo das discussões na reunião. Segundo advogados, porém, é preciso ponderar o alcance e a repercussão que eventual levantamento de sigilo pode ter.

O constitucionalista Eduardo Mendonça explica que a regra geral é dar publicidade aos atos estatais, mas pondera que ela não abrange todas as reuniões. Ele detalha que a ampla divulgação não encontra precedentes em outros países, além de ser impossível pela natureza estratégica e sigilosa das discussões e dos dados.

“O que for pertinente ao objeto do inquérito deve ser tratado como prova e mantido no processo. Sendo prova do processo, a regra é a publicidade. Só poderia deixar de ser divulgado fundamentadamente, se houver falas entremeadas sobre temas que devam ser mantidos em sigilo por segurança nacional”, afirma.

Excepcionalidades

O que está posto é a justificativa do sigilo em relação a temas não relacionados ao inquérito. E uma das principais motivações para essa excepcionalidade é o conteúdo da reunião, que poderia revelar algum segredo de Estado, causar incidentes diplomáticos ou ainda colocar em risco a segurança nacional. 

Mas não é o caso, segundo um dos interessados na divulgação integral do conteúdo, Sergio Moro. Segundo o ex-ministro, o fato de alguns ministros terem feito declarações potencialmente ofensivas não justifica a manutenção do sigilo.

Mesmo diante da possibilidade de ter informações sensíveis, chamou a atenção do criminalista Welington Arruda que o Planalto defenda a divulgação de parte do diálogo entre o presidente e Moro. “Quem garante que durante a reunião, como um todo, não houve manifestação do chefe do Executivo no sentido de interferir na PF, tal qual acusou o ex-ministro, em outros diálogos, que não com Moro?”, questiona.

Segundo o advogado, a reunião faz parte de uma investigação e a lei define que ela precisa ser pública, com exceção de “motivos que garantam o sigilo das informações e de documentos, ou vedar sua publicidade, a fim de evitar dissabores políticos que virão do Planalto”.

Direitos balanceados

A constitucionalista Vera Chemim analisa que o cenário das gravações sobre as tratativas entre agentes públicos remetem inevitavelmente aos princípios constitucionais.

Ela ressalva que os direitos fundamentais individuais não são absolutos e aponta que as informações gravadas dizem respeito à função pública exercida por pessoas físicas. Neste contexto, diz, o artigo 21 do Código Civil prevê o direito à privacidade a pessoa natural e não a função pública de um agente público.

“Portanto, a ‘pessoa natural’ tem direito à vida privada mas, os atos dos agentes públicos, ou seja, as funções públicas exercidas por eles são de ‘interesse público’ e devem ser divulgadas, prevalecendo incondicionalmente sobre o seu direito à privacidade enquanto ‘pessoa natural’, ainda mais num contexto permeado de indícios que permitem deduzir que se está diante de ‘desvios de finalidade’ na condução da Administração Pública”, explica.