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DPU pede que STJ afaste Sergio Camargo da Fundação Palmares

Se em fevereiro deste ano a nomeação de Sergio Camargo para presidir a Fundação Palmares parecia trazer à sociedade um risco menor, hoje o dano já é concreto. É o que alega a Defensoria Pública da União em pedido de tutela de urgência encaminhado nesta quarta-feira (3/6) ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha.

Sérgio Nascimento de Camargo, presidente da Fundação Palmares Reprodução

Os defensores apontam que ao longo dos meses de março a maio a página Fundação Palmares publicou textos que “ofendem a lembrança, a ancestralidade e as tradições da população negra”.

Pedem para o que o presidente do STJ retifique e impeça “a instrumentalização dessa cosmovisão pelo executivo federal”. Sustentam que é exigida transparência e “integral adesão aos propósitos que a lei lhe atribui” àquele que conduz a Fundação Palmares.

Além disso, a DPU afirma que não é possível identificar a revogação da portaria que suspendeu os efeitos da nomeação, o que aponta para “dúvida razoável sobre a própria legitimidade do exercício da função de presidente da Fundação Cultural Palmares pelo Sr. Sérgio Nascimento de Camargo”.

Histórico problemático

Personagem controverso nas redes sociais, Camargo se classifica como “um negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”. Em seu perfil Facebook, afirmou que a escravidão foi terrível, “mas benéfica para os descendentes”, e que “cotas raciais para negros são mais que um absurdo”.

Ele foi nomeado em novembro de 2019 pelo ex-secretário de cultura Roberto Alvim, que deixou o governo após divulgar um vídeo cheio de referências a discursos do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels.

A nomeação foi tumultuada desde o início. Logo após ser indicado, decisão da 18ª Vara Federal do Ceará suspendeu liminarmente a nomeação, por entender que houve desvio de finalidade. A medida foi mantida pelo Tribunal Federal da 5ª Região.

No entanto, em fevereiro, o ministro João Otávio de Noronha acatou pedido da Advocacia Geral da União e liberou a nomeação. A DPU já havia recorrido da decisão, dizendo que a indicação “desafia a própria Constituição” e configura desvio de finalidade, uma vez que os posicionamentos de Camargo colidem frontalmente com os objetivos da instituição que ele pretende presidir. 

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SLS 2.650

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Ricardo Morais: As instituições funcionam normalmente

Há poucos dias assisti a uma entrevista do ministro Barroso na Globonews. Ele dizia que as instituições republicanas estariam funcionando normalmente quando observamos os fatos (e não a retórica política). Lembro-me de ouvir o mesmo de Ciro Gomes, logo após a vitória eleitoral do atual presidente, em uma entrevista de rádio. As instituições funcionando normalmente…

Nesse ar de consenso sobre a normalidade institucional do que chamamos de Sexta República (aos desavisados, digo que é a atual “República”), talvez nós devamos nos debruçar um pouco sobre o normal. Pensar o óbvio pode ser importante para nós, como bem disse o ministro Gilmar Mendes, não “normalizarmos o absurdo”.

Em meados de 2015, quando as manifestações de verde e amarelo tomaram corpo, parecia haver uma crença, no mínimo interessante, sobre a narrativa que circulava no sentido de serem tais atos “contrários à corrupção”. Não obstante, pessoas pediam intervenção militar, hostilizavam e agrediam aqueles que pensavam diferente, gritavam ódio e discriminação. Naquele momento, as instituições funcionavam normalmente.

Depois, em 2016, presenciamos uma série de decisões judiciais, ao final chanceladas pelo STF, barrando a posse de um potencial ministro da Casa Civil. Justificativas retóricas ou moralistas podem e foram levantadas. Nesse contexto, um juiz divulgou conversas sigilosas entre a autoridade máxima da República e esse ex-quase-ministro, fato que configura crime, segundo a lei de interceptação telefônica. Também naquele momento, as instituições funcionavam normalmente.

Após o impedimento de uma presidente, o ex-vice-presidente entendeu por bem nomear uma deputada para chefiar um ministério que não mais existe. Como ela tinha pendências trabalhistas, novamente o Poder Judiciário inviabilizou sua posse. Aqui, igualmente, as instituições estavam funcionando normalmente.

Operando mais um salto cronológico (confesso que, igualmente, arbitrário), acho interessante recordar uma série de decisões judiciais, no período eleitoral de 2018, determinando a invasão de universidade para a retirada de materiais políticos ou interdições de eventos, tudo de iniciativa estudantil. Pessoas foram ameaçadas de prisão e as instituições, como sempre, funcionando normalmente.

No período eleitoral (e mesmo antes), foi possível ver o candidato vencedor negar a realidade passada (dizendo que ditadura não existiu e que ele teve uma carreira honrosa no Exército) e a ciência (dizendo que não há problemas ambientais, que questões sociais se resolvem na bala e sim, segurança pública é algo científico).

Já no governo, um jornalista e advogado resolve divulgar conversas que mostram que um ex-juiz, o mesmo que divulgou ilegalmente aquelas conversas, combinou uma série de procedimentos, formas de agir e provas com a acusação (uma parte interessada no processo). Aqui, o jornalista foi ameaçado, as condenações realizadas por esse ex-juiz, mantidas e os acusadores continuaram em suas posições. Não obstante, esse ex-juiz, futuro ex-ministro da Justiça, resolveu por bem investigar o tal jornalista, negando que houvesse uma intimidação. Mais uma vez as instituições funcionando normalmente.

Chegando aos dias de hoje, a pandemia e a ciência negadas pelo presidente. Contamos com a participação presidencial em atos antidemocráticos verde e amarelo. Vemos manifestantes de verde e amarelo agredindo e hostilizando pessoas. Convivemos com juízes impedindo nomeações. O tal ex-juiz e ex-ministro, agora, vazando conversas (como um certo jornalista), reclamando de intimidações sofridas. Arbitrariedades do Estado. Instituições funcionando normalmente.

Em um devaneio, imagino como seria se essa regularidade institucional fosse sumulada pelo STF. Veríamos dizeres interessantes como:

Súmula W: O crime de divulgação ilegal de conversas sigilosas aplica-se a delegados (como Protógenes Queiroz), mas não a juízes com altos índices de popularidade.

Súmula X: A nomeação de ministros de Estado deve observar a pertinência da pessoa do nomeado com a pasta (lembrando aqui de Lênio Streck sobre a necessidade de o ministro da Saúde não ser fumante ou da impossibilidade de se nomear conhecidos da família para cargos de livre nomeação. Aliás, poderíamos pedir a anulação ex tunc da nomeação do ministro Marco Aurélio?).

Súmula Y: Configura crime contra a administração da Justiça o juiz favorecer a defesa, o mesmo não se aplicando no caso de favorecimento da acusação.

Súmula Z: Manifestações pedindo intervenção militar em 2016 não configuram ilegalidade, o mesmo não se aplicando àquelas ocorridas em 2020.

Concordo. As instituições estão funcionando normalmente. E esse é o problema.