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Atividade não exclusiva de advogados deve ser tributada?

À primeira vista o caso pode parecer pequeno e isolado, pois se refere apenas à atividade de arbitragem, mas tem tudo para se tornar explosivo no âmbito da advocacia como um todo. O ponto central é saber se atividades não privativas de advogados podem ser tributadas através da sociedade de advogados ou se devem ser tributadas diretamente na pessoa física do advogado prestador de serviços.

O leading case no âmbito federal foi julgado em 3 de março de 2020, Acórdão nº 2402-008.171, pelo Carf, por voto de qualidade. Foi decidido que os serviços de árbitro seriam prestados de forma personalíssima por uma pessoa física, de forma que a tributação não poderia se dar no âmbito da pessoa jurídica.

O caso em tela envolvia uma sociedade simples pura constituída por advogados e inscrita perante a Ordem dos Advogados do Brasil. A sociedade recebeu honorários decorrentes da prestação de serviços jurídicos no processo arbitral, o que se deu por meio da atuação como árbitro por um de seus sócios.

O relatório de fiscalização que acompanhou o auto de infração partiu do pressuposto de que as atividades de natureza civil ou comercial praticadas com o fim especulativo de lucro deveriam ser tributadas por contribuintes pessoas jurídicas, ao passo que os rendimentos do trabalho pessoal, como salários, honorários do livre exercício de profissões, proventos de ocupações ou prestação de serviços não comerciais e royalties, deveriam ser tributados como rendimentos de pessoas físicas.

No voto vencedor e nas declarações de voto dos conselheiros que acompanharam o voto vencedor, preponderou o entendimento de que seria impossível a tributação dos honorários obtidos pelo exercício da arbitragem seja feita na pessoa jurídica.

De fato, a lei de arbitragem estabelece que o árbitro pode ser qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes [1]. Tal dispositivo normativo é utilizado como fundamento para a inferência de que o serviço de arbitragem é exclusivo de pessoa física, não sendo passível de exercício e tributação por uma pessoa jurídica.

Como se observa, trata-se de argumento falacioso, pois, levado tal argumento ao extremo, não poderia haver incidência tributária pelas sociedades de advogados, uma vez que apenas advogados podem advogar. Sabe-se que, ainda que as atividades dos advogados sejam exercidas individualmente, os honorários serão revertidos para a sociedade nos termos do artigo 37 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB [2].

Nessa linha, o Código de Ética e Disciplina da OAB menciona que a prestação de serviços profissionais por advogado, individualmente ou integrado em sociedades, será contratada, preferentemente, por escrito, sendo que tal prestação individual ou pela sociedade pode se dar igualmente na mediação, conciliação ou arbitragem [3].

Ademais, a regra de sigilo profissional presente no Código de Ética e Disciplina da OAB menciona expressamente que o advogado pode exercer a função de mediador, conciliador e árbitro, devendo sempre se submeter a tal regra [4].

A partir da leitura do voto vencedor e das declarações de voto no mesmo sentido, é possível observar o argumento de que, como a atividade de arbitragem não é exclusiva de advogados, havendo inclusive item diverso da advocacia na lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03, ela deveria ser prestada e tributada na esfera da pessoa física que a efetua. Ora, isso não faz com que tais rendimentos devam ser necessariamente auferidos pela pessoa física.

Ainda que tal argumento tivesse alguma importância, nota-se que a Resolução CNJ nº 75/09 determina que o exercício de atividade de arbitragem é considerado atividade jurídica [5].

Em igual sentido, conforme a Ementa nº 24/13 do Conselho Federal da OAB, a arbitragem faz parte da natureza da advocacia, sendo que as receitas de tal atividade podem ser tratadas como receitas da sociedade de advogados [6].

Diferentemente do exposto no acórdão do Carf, não há que se falar que a OAB está determinando a sujeição passiva ou a forma de tributação dos serviços de árbitro ao prescrever que tais receitas podem ser tratadas como da sociedade de advogados. Muito pelo contrário, o tratamento contábil e tributário de tais receitas no campo da pessoa jurídica tem fundamento na lei tributária.

Tendo em vista que o caso envolve a prestação de serviços profissionais de profissão regulamentada por sociedades civis, isto é, a advocacia, o artigo 55 da Lei nº 9.430/96 prevê que essas sociedades são tributadas pelo Imposto de Renda de acordo com as normas aplicáveis às demais pessoas jurídicas [7].

Logo, há fundamento legal para a tributação na pessoa jurídica da prestação de serviços profissionais de profissão regulamentada e, considerando que a atividade de arbitragem é modalidade de atividade jurídica, não há óbice para que tal tributação se dê na pessoa jurídica.

Ainda que descartássemos o referido dispositivo legal, vale lembrar que o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 estabelece que a prestação de serviços intelectuais, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, sujeita-se tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas para fins fiscais e previdenciários [8].

No voto vencedor, entendeu-se que o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 apenas seria aplicável quando há um vínculo entre o tomador dos serviços e a empresa prestadora de serviços, sendo que na arbitragem o árbitro não possui vínculos com as partes contratantes.

Tal interpretação nos parece forçosa, visto que inexiste tal restrição no texto do referido dispositivo normativo. O afastamento do artigo somente seria possível caso houvesse comprovação de que não se tratava de serviço intelectual, o que não acontece no caso em tela.

Em uma das declarações de voto de conselheiro que acompanhou o voto vencedor, consta que o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 exige que o serviço deva ser realizado pela sociedade prestadora de serviços, o que não ocorre no caso de atividade de árbitro, que é feita por pessoa natural.

Mais uma vez, resta notória uma confusão no que tange ao próprio conceito de pessoa jurídica. No caso de qualquer prestação de serviço por pessoa jurídica, há uma atividade laboral realizada por uma pessoa natural, visto que a pessoa jurídica é uma abstração.

A título de ilustração, quando um mecânico constitui uma pessoa jurídica para exercer as suas atividades de reparos automotivos, ele possivelmente fará os reparos (com auxílio ou não de empregados) em nome da pessoa jurídica por ele detida.

Não é diferente do caso em que há a contratação de uma pessoa jurídica constituída por um intérprete de música brasileira para a realização de um sarau com duração de uma hora. Por mais incrível que pareça, quem irá efetivamente cantar será aquele intérprete musical, e não a pessoa jurídica.

Projetemos isso para outros casos em que a atividade prestada por advogados não é exclusiva da profissão, tal como nos casos de Habeas Corpus, defesas perante tribunais administrativos fiscais, pareceres, entre vários outros. Constatar-se-á a explosividade do tema em debate.

A decisão do Carf acertou nos árbitros, mas muitas outras atividades não privativas da advocacia estão na mira. É necessário ter cautela muita cautela. A OAB deveria se atentar a isso e acompanhar de perto a necessária judicialização do tema.

 é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; é professor da Universidade de São Paulo e doutor em Direito pela mesma Universidade.

 é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), coordenador do MBA IFRS da Fipecafi e professor do mestrado profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi.

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Sebastião Reis Júnior: Um juiz incomum

“Conheci” o Ministro Marco Aurélio Mello muito antes de nos encontrarmos pessoalmente. No meu dia a dia, era comum ouvir da minha mãe, à época estudante de Direito na Universidade de Brasília (UnB), elogios àquele jovem professor de Direito do Trabalho. Preparado e dinâmico… Esses eram alguns dos adjetivos corriqueiros usados para se referir ao então Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Mais tarde, estudante de direito na mesma UnB, tive eu o prazer de ser seu aluno e verificar de perto que os elogios eram mais do que justos. Suas aulas eram atrativas, nas quais o Professor Marco Aurélio demonstrava um raro e especial domínio da matéria lecionada. Ali, já era possível perceber traços de um juiz extraordinário, de vanguarda, que, desde então, já despontava na liderança da evolução da doutrina jurídica brasileira. Notava-se em suas aulas ousadia, coragem, destemor, raciocínio rápido, o gosto pelo debate e o amor à Justiça.

Neste dia 13 de junho, o Ministro Marco Aurélio completa 30 anos de Supremo Tribunal Federal sem ter se afastado de seu espírito de contemporaneidade, que lhe era próprio ainda em 1978, quando iniciou sua carreira como juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.

Nascido em 12 de julho de 1946, o Ministro Marco Aurélio é formado pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Antes de juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, foi advogado e membro do Ministério Público do Rio de Janeiro. E, depois, foi Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, onde permaneceu por nove anos até passar a integrar a nossa Suprema Corte.

Foi, por três vezes, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, onde, em continuidade ao processo de informatização das eleições iniciado pelo Ministro Carlos Velloso, presidiu a primeira eleição pelo sistema eletrônico de votação.

Trata-se de um juiz incomum. Não tem compromisso com seus erros. Reconhece sua humanidade e volta atrás quando percebe que outra solução é mais adequada e mais justa que a anterior. Também não tem medo de expor suas convicções mesmo que fique solitário. A semente etá plantada e não raro o futuro fez ou fará justiça ao caminho escolhido.

Não são poucas as teses que hoje prevalecem e que tiveram como nascedouro seus votos vencidos: a declaração de inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos; a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel; a inconstitucionalidade da cláusula de barreira; o reconhecimento do instituto da infidelidade partidária; e a constitucionalidade da prisão apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Seu modo de agir como juiz mostra a razão de ser do colegiado. A corte se impõe não pelas decisões unânimes, mas pelos seus debates, pela força das divergências bem construídas, pelas ideias conflitantes típicas do Estado democrático de Direito. Como ele mesmo diz, o juiz que integra um colegiado não está ali para dizer amém como se fosse “vaquinha de presépio” quanto ao relator.

No entanto, é preciso dizer que sempre que diverge o faz com profundo embasamento jurídico (e também com elegância e respeito e, em certas ocasiões, com algumas pitadas de humor e ironia).

Ao vê-lo no colegiado, fico imaginando a dificuldade de enfrentá-lo em um debate, tendo em vista o seu raciocínio rápido, o seu conhecimento jurídico amplo e rara coragem. Ele não se intimida nem pela complexidade da causa nem pela situação de defender de forma isolada determinado entendimento e, muito menos, por contrariar pressão pública ou publicada. Sua convicção e sua confiança em suas ideias o impulsionam sempre a ir em frente.

Um juiz de visão. Teve a ousadia de implantar a TV Justiça, instrumento que tornou mais transparente o Poder Judiciário, mesmo quando boa parte da magistratura era contrária. Superou incompreensões dentro da própria casa e hoje não se imagina a sua extinção.

Tem um defeito, já que ninguém é perfeito: é torcedor fanático do Flamengo. Essa é uma maioria a que ele se alia com prazer.

E não há como falar do Ministro Marco Aurélio sem falar de Sandra, sua esposa, de Letícia, Renata, Cristiana e Eduardo, seus filhos, e de João Pedro, Rafaela, Luisa e Laura, seus netos. Tenho prazer de conhecê-los todos e posso arriscar dizer que, certamente por trás do grande juiz que é, o Ministro Marco Aurélio tem uma grande família.

Sei que sou suspeito para falar. Fui seu aluno, advoguei tendo ele como juiz e hoje somos colegas de magistratura, mas não há como não reconhecer que o Ministro Marco Aurélio é um magistrado que se entrega de corpo e alma ao que faz, empenhado na entrega da efetiva prestação jurisdicional. Para ele, como não se cansa de dizer, o processo não tem capa, tem conteúdo. Ele é um amante incondicional do Direito, da magistratura e, principalmente, da Justiça, sendo um exemplo para todos nós, juízes.

Sorte de um tribunal que pode tê-lo como membro e mais sorte ainda do povo brasileiro que tem um juiz como o Ministro Marco Aurélio.

Sebastião Reis Júnior é ministro do Superior Tribunal de Justiça.

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Opinião: Campanhas dão voz a quem não tem contra o trabalho infantil

A divulgação da proibição por Lei do trabalho infantil e de seus malefícios é matéria-prima para o seu combate. Com companhas na mídia, têm-se a conscientização e as denúncias. Quando divulgamos que o trabalho infantil é proibido por Lei e que suas consequências são, por vezes, irreversíveis na vida da criança e do adolescente — como no caso de acidente de trabalho, com mutilação e perda membros — aquele que promove o trabalho infantil sente-se observado, vigiado. Além disso, quem presencia o trabalho infantil está sujeito a conscientizar-se e sente-se mais apto e fortalecido para denunciar.

Por isso, o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Superior do Trabalho, do qual sou Gestora Regional, em Santa Catarina, tem, como uma de suas ações, a divulgação da proibição do trabalho infantil e de seus efeitos maléficos. Quanto mais ampla for a divulgação, a ponto de ser alcançado um número maior de pessoas, melhor e maior será o efeito da missão de combater o trabalho infantil.

Dia 12 de junho é o destacado para mundialmente ser recordado o combate ao trabalho infantil como forma de permanente lembrança dessa importante missão que a todos compete, sem prejuízo da luta diária que deve ser travada. O Brasil firmou o compromisso de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2020 e está alinhado com a meta de erradicação integral até 2025. Trata-se, sem dúvida, de um objetivo arrojado, ainda mais em tempos de pandemia.

São 1,8 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, segundo estudo oficial do IBGE, sem considerar o número de 700 mil que realizam trabalho na produção para o próprio consumo, no cuidados de pessoas, ou em afazeres domésticos, o que, também, configura trabalho infantil, sem dúvida.

Somados os números, temos 2,5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando. Na pandemia, as consequências para crianças e adolescentes vão muito além das questões de ordem econômica, gerando impactos que poderão comprometer, danificar de forma definitiva e duradoura o futuro delas e de todos nós. As experiências crises de saúde e sanitárias anteriores — não tão graves como a pandemia do coronavírus — demonstraram que as crianças e os adolescentes são as que correm o maior risco de exploração no âmbito do trabalho, inclusive sexual, e de abuso de forma geral, porque deixam de ir à escola, interrompendo o seu contato com professores, com serviços sociais e com a rede de proteção.

O distanciamento social decorrente da pandemia ocasiona a proximidade, com maior frequência, entre vítima e explorador, ou agressor. A presença contínua da criança e do adolescente em casa torna-os mais vulneráveis e suscetíveis à exploração e à agressão. A paralisação da atividade escolar, em conjunto com a maior aproximação com aquele que explora e agride, ocasiona maior vulnerabilidade às crianças e aos adolescentes. O trabalho infantil, em tempos de pandemia, torna-se, por vezes, uma necessidade para as famílias, em razão do desemprego e da grave crise econômica. A exploração sexual, uma das piores formas de trabalho infantil, em razão da falta de conscientização, da pobreza, aliadas à necessidade mais latente decorrente da crise do coronavírus, é meio de sobrevivência para muitos em todo este País.

De grande atrocidade é a situação de meninas que casam com homens com mais de 50 anos, sendo uma forma de exploração sexual disfarçada em um relacionamento. Segundo o Unicef, em 2019, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de casamentos infantis, assim considerados os ocorridos antes dos 18 anos. Não só as crianças e adolescentes das classes mais vulneráveis estão suscetíveis à exploração e ao abuso, mas também as que estão em casa, de classe média, no famoso e atual sistema de homeschoooling, com pais ocupados e muito preocupados com a manutenção de suas fontes renda, estão, com o uso da tecnologia digital, sujeitos ao abuso, à violência e à pornografia.

A situação é de extrema gravidade. Faz-se necessária, urgentemente, uma ação conjunta, sob pena de a pandemia — crise da saúde e sanitária — torna-se, historicamente, a negação completa e absoluta a direitos da criança e do adolescente. Precisamos do trabalho do governo e da sociedade civil, para mantermos a integridade física, moral e psíquica de crianças e de adolescentes. O trabalho em defesa das crianças e dos adolescentes envolve ações do governo, garantindo aos trabalhadores e às empresas meios dignos de ultrapassarem a crise, com a concessão de recursos, isenção e redução de impostos, garantias de salário e de emprego. Envolve, também, ações humanitárias da sociedade civil, o que, aliá, se vê muito presente nos dias de hoje.

Ficarmos inertes representará o fim da dignidade de crianças e de adolescentes e de seu futuro. E, para você que está, aí, sentado, confortável na sua casa, lendo esse texto, pensando que ele não te atinge, porque seu filho de 12 anos está seguro e você tem meios financeiros de garantir-lhe sucesso, pense, dentro do seu egoísmo e da sua parca visão de mundo, que o futuro de seu filho e de outros filhos de outras mães e outros pais poderá, infelizmente, não chegar, pois existem inúmeros fatores que certamente advirão da falta de dignidade que atingirá crianças e adolescentes e que poderão interromper esse caminhar natural.

Então, juntos, ajamos para que os impactos ocultos da pandemia em nossas crianças e em nossos adolescentes não comprometam de forma definitiva o nosso planeta. E como agir? Conscientizando todos que estão a nosso volta e denunciando. Sejamos a voz daqueles que, ainda, não a tem, para que, um dia, possam tê-la de forma plena.

Patrícia Pereira de Sant’Anna é juíza do TRT da 12ª Região (SC), gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, conselheira da Anamatra e diretora de Comunicação da Amatra 12.

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Juíza obriga colégio mineiro a apresentar planilha de custos

Números abertos

Juíza obriga colégio de Belo Horizonte a apresentar planilha de custos

A juíza Lilian Bastos de Paula, da 23ª Vara Cível de Belo Horizonte, concedeu liminar a um grupo de pais de alunos do colégio Bernoulli, da capital mineira, que obriga a instituição de ensino a apresentar em 15 dias uma planilha de custos dos últimos cinco meses.

O colégio Bernoulli, da capital mineira, terá de apresentar uma planilha de custos
Divulgação

Por causa da pandemia da Covid-19, o colégio suspendeu as aulas presenciais e concedeu desconto de 50% na mensalidade apenas para os pais de alunos que comprovaram terem sofrido perdas financeiras em decorrência da pandemia.

Os autores da ação desejam também ser agraciados com o desconto enquanto as aulas presenciais não forem retomadas e esperam conseguir esse objetivo quando o Bernoulli apresentar a planilha.

Embora a juíza tenha indeferido o pedido imediato de desconto, a advogada que representa o grupo de pais, Líllian Salgado, diz acreditar que a decisão foi boa para seus clientes.

“A magistrada solicitou as planilhas de custo da escola sob pena do artigo 400 do Código do Processo Civil. Se o colégio não as apresentar, nossas argumentações serão consideradas verdadeiras”, afirmou ela.

A disputa entre o grupo de pais e o colégio terá seu próximo capítulo em data ainda não marcada pela juíza Lilian de Paula.

“Diante das especificidades da causa e de modo a adequar o rito processual às necessidades do conflito, deixo para momento oportuno a análise da conveniência da audiência de conciliação, o que faço nos termos do artigo 139, VI, do CPC. e do Enunciado nº 35 da Enfam”, disse a magistrada.

Clique aqui para ler a decisão

5074995-86.2020.8.13.0024

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Revista Consultor Jurídico, 12 de junho de 2020, 14h23

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Scaff: As bodas de pérola do ministro Marco Aurélio com o STF

Reza a sabedoria popular que aos 30 anos de matrimônio são comemoradas bodas de pérola, o que ocorre neste junho de 2020 entre o ministro Marco Aurélio e o STF, cuja atuação marca, de forma indelével, a interpretação da Carta de 1988.

No âmbito do Direito Financeiro sua atuação sempre foi destacada, podendo ser listado um grupo enorme de decisões relevantes nessa área. Porém, entre todos, destacarei um caso importantíssimo, que diz respeito à vinculação da receita, conceito que corresponde a um liame normativo (constitucional ou legal), unindo a receita a certa despesa, órgão ou fundo. Trata-se de um conceito relacional. No Brasil pós-Constituição de 1988 é vedada a vinculação da receita da espécie tributária imposto, sendo admitida a vinculação das demais espécies de receita. A norma constitucional atual, do artigo 167, IV, veicula o que se convencionou chamar de Princípio da Não Afetação.

O caso paradigmático foi julgado em 1997 (RE 183.906/SP), tendo por relator o ministro Marco Aurélio, no qual foi apreciada a constitucionalidade da Lei paulista 6556/89, que havia majorado a alíquota do ICMS de 17% para 18%, ficando consignado que esse valor deveria ser afetado ao aumento de capital da Caixa Econômica do Estado de São Paulo S.A. e utilizado para o financiamento de programas de habitação popular. Nesse caso, a posição do STF foi de que: I) não só a vinculação era inconstitucional, por violação do artigo 167, IV, CF, mas também: II) a imposição tributária, o que acabou por determinar a devolução aos contribuintes do um ponto percentual de ICMS que houvera sido majorado.

A despeito do trânsito em julgado dessa ação, o assunto permaneceu em debate, pois o Estado de São Paulo manteve a exigência desse acréscimo tributário e sua vinculação através das Leis estaduais 7.003/90, 7.646/91 e 8.207/92, as quais foram declaradas inconstitucionais através dos RE 188.443 e 213.739 (julgados em 1998), ambos relatados pelo ministro Marco Aurélio.

Posteriormente ao julgamento inicial, o Estado de São Paulo editou a Lei 9.903/97, por meio da qual foi majorada a alíquota do ICMS de 17% para 18%, por um ano (artigo 1º), e, ao invés de afetar essa majoração ao aumento de capital da Caixa Econômica estadual, ou estabelecer que seria usado para programas de habitação popular, a lei dispôs no artigo 3º apenas que “o Poder Executivo publicará, mensalmente, no Diário Oficial do Estado, até o dia 10 (dez) do mês subsequente, a aplicação dos recursos provenientes da elevação da alíquota de que trata o artigo 1º”.

Ou seja, ao invés de afetar o aumento da alíquota à determinada finalidade, simplesmente estabeleceu que esse valor deveria ser objeto de publicação específica acerca da aplicação dos recursos decorrentes da majoração do tributo. Essa norma foi julgada em 2010 pelo STF por meio do RE 585.535/SP, relatado pela ministra Elle Gracie, não tendo sido declara a inconstitucionalidade da norma estadual. Entendeu o Tribunal que, dessa feita, não estaria havendo infringência ao artigo 167, IV, CF, pois não haveria afetação do tributo a uma prévia e específica despesa, mas sim dentro do plano geral de governo do Estado, tendo sido confirmada a majoração do tributo.

O ministro Marco Aurélio restou vencido nesse julgamento, tendo consignado:

“O que se tem no caso? Tem-se regência que, infelizmente devo consignar visou ao drible, visou a afastar o primado do Judiciário quanto à glosa ocorrida anteriormente. (…)

Mediante um sutil jogo de palavras, afastando-se a destinação específica, manteve-se a destinação individualizada de parte do tributo, que é o ICMS, mediante disciplina a ocorrer por ato da Secretaria do próprio Estado”.

A alíquota interna padrão do ICMS paulista permanece em 18% até os dias atuais, tendo sido perenizado o aumento provisório criado em 1989 e sucessivamente prorrogado.

Em apertada síntese: o Estado acabou perenizando a majoração do ICMS, sob o argumento de que não haveria vinculação, e nem por isso usou o dinheiro para a alegada finalidade. Isso acabou sendo apenas e tão somente uma majoração de tributo nada além. Se tivesse prevalecido no julgamento posterior o entendimento do ministro Marco Aurélio, declarando inconstitucional tanto a vinculação quanto a incidência, e descartando o drible normativo efetuado pelo Estado, possivelmente o ICMS paulista seria um ponto percentual mais baixo do que é hoje.

Com isso, presto minha homenagem às bodas de pérola por ele comemoradas neste mês. Saúde.

 é Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.