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Cautelar de exibição de documento interrompe prescrição, diz TST

O ajuizamento da cautelar preparatória pode constituir um instrumento necessário para o ajuizamento da ação principal, sem o qual estaria prejudicada em virtude do não conhecimento do conteúdo de documentos necessários à fundamentação do pedido. Assim, incide a hipótese de interrupção da prescrição prevista no artigo 202, inciso V, do Código Civil.

Ministro José Roberto Freire Pimenta aplicou o artigo 202 do Código Civil 
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Com esse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento a recurso de revista afastar a prescrição decretada e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para o julgamento da causa.

O caso trata de pedido referente ao reenquadramento do empregado, após sua readmissão, decorrente da Anistia (Lei 8.878/94). A prescrição havia sido decretada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região com base na Súmula 268 do TST, segundo a qual “a ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição somente em relação aos pedidos idênticos”.

O TRT-1 considerou que, por ser caso de reenquadramento, aplica-se a prescrição quinquenal total, segundo a Súmula 275 do TST, contada a partir da readmissão. Como o autor foi readmitido em 1º de fevereiro 2010 e a ação ajuizada tão somente em 11 de fevereiro de 2015, decretou a prescrição.

Relator, o ministro José Roberto Freire Pimenta, aplicou o artigo 202 do Código Civil ao caso, que em seu inciso V elenca como causa interruptiva da prescrição qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor.

“Nesse contexto, o ajuizamento da referida cautelar preparatória pode se constituir um instrumento necessário para o ajuizamento da ação principal, sem o qual esta estaria prejudicada em virtude do não conhecimento do conteúdo de documentos necessários à fundamentação do pedido da parte, amoldando-se à hipótese de interrupção da prescrição”, afirmou.

Se o TRT-1 consigou expressamente que a ação preparatória tinha como objetivo o acesso a documentos para instruir o pedido da ação principal, o seu ajuizamento resultou na interrupção do prazo prescricional.

O autor da ação foi defendido pelo advogado Ruy Smith, do escritório Ruy Smith Advocacia, que destacou que, com a Reforma Trabalhista, houve alteração na CLT sobre as hipóteses de interrupção de prescrição, em sentido contrário ao posicionamento do TST.

“Apesar da similaridade entre os institutos (ação cautelar de exibição de documentos e produção antecipada de provas com a mesma finalidade) a Reforma Trabalhista introduziu dispositivo restritivo da interrupção da prescrição (parágrafo 3º do art. 11 da CLT) e que dispõe que a interrupção da prescrição “somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista — tema que precisará ser melhor debatido pelos tribunais”, afirmou 

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ARR-10193-54.2015.5.01.0080

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TJ-SP condena financeiras por cobrarem juros de 1.000%

Não respeitar a função social do contrato, conferindo vantagem exagerada ao credor, viola a boa-fé objetiva, ofendendo interesses sociais e a dignidade da pessoa humana. 

Crefisa e Agibank cobraram juros de aproximadamente 1.000%
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Com base nesse entendimento, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a empresa de crédito pessoal Crefisa e o Banco Agibank por cobrarem juros abusivos. A decisão foi proferida nesta quarta-feira (3/6). 

Segundo os autos, a Crefisa cobrou juros remuneratórios na monta de 22% ao mês e 987,22% ao ano de uma idosa. Para pagar o valor, a autora teve que recorrer ao Agibank, que, por sua vez, chegou a cobrar juros de 1.075,93% ao ano em um dos contratos celebrados. À época, a taxa básica de juros fixada pelo Banco Central era muito inferior, de no máximo 129% ao ano. Os juros cobrados nesse caso, portanto, excederam em mais de oito vezes a Selic.

Os contratos com a Crefisa foram assinados pela mutuária com sua assinatura, mas também com sua impressão digital — o que sugere que ela é analfabeta, ao menos funcionalmente.

“Os contratos devem ser observados como forma de assistência mútua, pois quem contrata é o ‘ser’ e não o ‘ter’, razão pela qual os contratos não possuem apenas como elemento teleológico a circulação de riquezas, estando atrelados a uma forma de cooperação entre os contraentes, decorrente de sua função social, da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana”, afirma o desembargador Roberto Mac Cracken, relator do caso. 

De acordo com o magistrado, o caso concreto caracteriza prática abusiva, na forma do artigo 39, incisos IV e V, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que os bancos exigiram vantagens excessivamente exageradas e se aproveitaram da situação de vulnerabilidade da consumidora. 

“Como é cediço, a prática abusiva é em potencial, ou seja, figura ato ilícito por sua própria natureza, independentemente da existência de prejuízo ou de má-fé do fornecedor, os quais, na hipótese dos autos, encontram efetivamente materializadas, pois o apelante cobrou juros efetivamente abusivos, de pessoa que não teria conhecimento de sua ocorrência, valendo-se da situação da consumidora apelada”, prossegue a decisão.

Transparência

Ao ajuizar recurso, as empresas argumentaram que deixaram claro o valor que seria cobrado da cliente. No entanto, de acordo com o TJ-SP, isso não ficou devidamente comprovado.

Sendo assim, segundo a decisão, o princípio da transparência, previsto no artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor, estabelece a possibilidade de não cumprimento do contrato caso o seu conteúdo tenha sido redigido de modo a dificultar a compreensão.

“Não se mostra razoável a alegação de que a consumidora, pessoa idosa e pensionista, teria conhecimento efetivo do que estava contratando, dos valores contratados, da extensão da avença e dos seus respectivos efeitos, inclusive, de forma como as instituições financeiras cobram e manipulam os frutos civis nas operações bancárias, configurando, na verdade, conduta abusiva e ilegal dos réus, gerando, sem dúvidas, danos morais à apelada”, diz o relator em seu voto.

Em 1ª instância, Crefisa e Agibank foram condenadas a pagar cada uma R$ 2 mil por danos morais, totalizando R$ 4 mil. Para o TJ-SP o valor é baixo. Entretanto, a soma foi mantida, já que o cliente não apelou da decisão originária — o caso chegou ao segundo grau por meio de recurso das instituições financeiras.

Outros atores

A corte, entretanto, oficiou o Banco Central, o Procon e a Defensoria Pública de São Paulo, para que “tomem as providências que entenderem próprias no presente caso, no que for de sua atribuição”. 

Além dos R$ 4 mil, a Crefisa e a Agibank deverão restituir todos os valores debitados para pagamento dos empréstimos, acrescidos de correção monetária, de acordo com a tabela do TJ-SP. 

1.415%

Não é a primeira vez que a Crefisa é condenada por cobrar juros abusivos. Em outubro de 2019, por exemplo, a mesma Câmara do TJ-SP ordenou que a empresa pagasse R$ 10 mil de danos morais e devolvesse em dobro a quantia cobrada de um idoso de 86 anos em situação de hipossuficiência. Na ocasião, foram cobrados juros de até 1.415% ao ano. 

Segundo Mac Cracken, que também relatou o caso, “os juros cobrados são de proporções inimagináveis, desafiando padrões mínimos de razoabilidade e proporcionalidade, e de difícil adimplemento em qualquer circunstâncias”. 

Na ocasião, ele também oficiou o Procon, a Defensoria Pública e o Banco Central para que providências fossem tomadas. “Clara, pois, a conduta imprópria da ora requerida, em ocasionar a possível insolvência de pessoa idosa e, ao que tudo indica, de modestos rendimentos”, disse.

Em 2018, a 22ª Câmara também decidiu anular um empréstimo consignado vendido a um idoso analfabeto. À época, a RV Soluções Financeiras, ligada ao Itaú BMG, foi até a casa do autor, oferecendo empréstimo de R$ 15 mil, para pagamento de 72 parcelas de R$ 430, o que totaliza R$ 30 mil.

Mac Cracken apontou que o Código de Defesa do Consumidor prevê que, se for verificada a hipossuficiência do consumidor, caberá ao fornecedor ter todas as informações e documentos referentes à prestação de serviço. Esse dever não pode ser repassado ao consumidor, sob pena de configurar prática abusiva.

“O próprio banco Itaú, quando lhe foi oportunizada a especificação de prova, inclusive para possível colhimento do depoimento pessoal do autor e das referidas testemunhas instrumentárias, manifestou-se no sentido de que não tinha provas a produzir”, afirmou.

Clique aqui para ler a decisão

1002355-83.2018.8.26.0244

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Entrevista: Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST

A força vinculante dos precedentes não é importante apenas para promover segurança jurídica e previsibilidade nas decisões. Ela serve, especialmente, para evitar o ativismo judicial, garantindo o que o professor de Harvard, Cass Sunstein, chama de minimalismo judicial, do qual a presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministra Maria Cristina Peduzzi, é adepta.

Isso significa, de acordo com a ministra, que antes de decidir, o juiz tem que conhecer suas capacidades institucionais, sabendo por exemplo a quantidade de processos em seu acervo, além de quantos assessores dispõe e quais as competências que precisa exercer.

Em entrevista exclusiva à ConJur, a ministra afirma que “a lei é protecionista naquilo que deve ser”, como na proteção às mulheres grávidas e lactantes. “A lei deve, quando é necessário, proteger. Mas não o juiz. O juiz tem que ser isento. O juiz não é protetor de A ou B. Porque advogado pode ter paixão, e até deve, na defesa do seu cliente e da causa, mas o juiz tem que ter celeridade, neutralidade, equilíbrio e equidistância das partes. E tem que aplicar a lei.”

Em relação às novas modalidades de trabalho em plataformas como a Uber, Rappi e Ifood — não abarcadas pela Reforma Trabalhista — a ministra defende a necessidade de se “estabelecer um patamar mínimo civilizatório, independente do vínculo de emprego”. Seu entendimento é de que o prestador de serviço precisa de segurança em termos de saúde e de garantias previdenciárias.

Pedduzi é natural do Uruguai, mas chegou ao Brasil ainda criança para morar em Bagé (RS). Optou pela nacionalidade brasileira. Tendo passado mais de 25 anos na advocacia, pode-se dizer que hoje a ministra, com 67 anos, alcançou o ápice da carreira: carregará em seu currículo a histórica nomeação como primeira mulher a presidir a Corte Superior do Trabalho. 

À frente do TST, diz que uma de suas prioridades é a de mostrar à sociedade e às outras instituições a importância da Justiça do Trabalho. Acerca das ideias sempre ventiladas sobre o fim da Justiça do Trabalho como forma de economia do Judiciário, a ministra rebate: “o Poder Judiciário não foi feito para dar lucro ou produzir economia”.

A conversa gravada no gabinete da ministra também está sendo disponibilizada no canal da TV ConJur no YouTube.

Leia a entrevista abaixo:

ConJur — Com a automação, é prevista a substituição generalizada do trabalhador. Como a senhora imagina um mundo sem trabalho?

Maria Cristina Peduzzi —
Primeiro se dizia que o homem estava sendo substituído pela máquina. Hoje se diz: o homem está sendo substituído pela tecnologia. E diz o professor de história em Jerusalém, Yuval Harari, que essa hipótese até hoje não se concretizou e não vai se concretizar, porque o que precisa é atualizar-se, investir em formação e capacitação. As pessoas têm que se ajustar às novas demandas do mercado e habilitar-se para o exercício de profissões que estão demandando pessoas. Mas nós sempre necessitaremos do trabalho humano. Este nunca será extinto. 

ConJur — O Poder Executivo extinguiu o Ministério do Trabalho. Que falta ele fez?

Maria Cristina Peduzzi —
A extinção do Ministério do Trabalho ocorreu em um contexto de extinção de outros ministérios também, para enxugar o número de ministérios. No entanto, as funções do Ministério do Trabalho estão preservadas e o grande exemplo é a fiscalização do trabalho. Temos os fiscais exercendo o seu trabalho sem nenhuma alteração. As demais funções, que antes eram exercidas pelo Ministério, hoje são pela Secretaria do Trabalho. 

ConJur — Existem pressões localizadas até mesmo pelo fim da Justiça do Trabalho. Como a senhora vê isso?

Maria Cristina Peduzzi —
Em primeiro lugar, não vejo qualquer argumento que diga que isso vai provocar alguma economia, pelo contrário. O Poder Judiciário não foi feito para dar lucro ou produzir economia. Mas a estrutura da Justiça do Trabalho é maior, inclusive, do que a estrutura da Justiça Federal. As demandas são em número maior. Qual é a minha preocupação? Primeiro, é revelar a importância da Justiça do Trabalho no exercício da sua função institucional de não só conciliar, mas, quando não for possível, resolver o conflito social e pacificar as relações. 

O relatório Justiça em Números identificou que o ramo do Poder Judiciário mais célere e que mais conciliou foi a Justiça do Trabalho. A função de conciliar, prevista desta a edição da CLT, está cada dia mais aprimorada. A Justiça do Trabalho vem sendo realmente campeã, com CEJUSCs interiorizados e tem conseguido êxitos enormes no sentido de prevenir, desta forma, o ajuizamento do conflito. Temos a mediação dos dissídios coletivos em que se previne greves ou, desde logo, promove acordos que põem fim a greves que afetam a sociedade. Além da conciliação temos a mediação judicial e a resolução do conflito. É um ramo do Poder Judiciário que vem desempenhando com muita eficiência a jurisdição. Dos ramos do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho é a mais informatizada.  

ConJur — Há alguns anos dizia-se que a Justiça do Trabalho não dava conta de julgar todos os processos que tem. Depois da reforma os números caíram nos tribunais superiores? 

Maria Cristina Peduzzi —
No primeiro ano foi instituído o princípio da sucumbência. Isto causou inicialmente uma redução de 34% no número de reclamações trabalhistas ajuizadas no primeiro grau. Mas em 2019, identificamos que 4% de acréscimo já foi produzido. Então, na verdade, houve uma redução de 30%. E a situação já está assimilada. Nos tribunais, especialmente no TST, nós ainda não tivemos esta percepção. Não há ainda, numericamente, constatada qualquer redução, porque os recursos interpostos já estavam em tramitação. 

ConJur — Há espaço para uma nova Reforma Trabalhista?

Maria Cristina Peduzzi —
Não sei se uma nova Reforma Trabalhista. A reforma que foi feita alcançou diversos institutos e procurou atualizar a CLT, disciplinando o trabalho intermitente, o trabalho em tempo parcial, o teletrabalho, que já vinha sendo praticado em uma modalidade muito eficiente. Inclusive incorporou à CLT a disciplina do trabalho autônomo. Ocorre que hoje a velocidade da tecnologia é muito grande, então há outros fenômenos, outras formas de produção e de prestar o trabalho que não foram disciplinadas, que é o trabalho por meio das plataformas digitais, a inteligência artificial, a robótica, cibernética etc. São modalidades que estão já chegando aos tribunais, com os conflitos delas derivados, como é o caso do trabalho por meio do Uber.

É um leque de opções na economia on demand. Hoje não há uma coleção de automóveis esperando que o comprador chegue para adquirir um. Passou-se a produzir de acordo com a demanda e é assim em todos os ramos de atividades. Realmente, mudou a forma de prestação de trabalho, a forma de produção, e isto, sem dúvida, enseja uma legislação que regulamente essas novas formas de trabalho e de produção. Isto promoverá segurança jurídica, porque teremos uma regra jurídica disciplinando, o que hoje não temos nem no tocante à definição da responsabilidade civil nas relações que existem por meio de plataformas digitais. 

ConJur — Enquanto não vem esse arcabouço jurídico para a nova realidade, que tipo de resposta pode dar a Justiça? 

Maria Cristina Peduzzi —
A Justiça tem que dar resposta, ela não pode deixar de julgar. Se julga com a lei pretérita e se aplicam princípios constitucionais. Se constroem decisões com fundamento, quando não há uma regra específica, com base nos princípios constitucionais e legais, e com base nos precedentes. Temos os precedentes vinculantes, no Supremo Tribunal Federal há repercussão geral, e na Justiça do Trabalho, para o TST, temos o chamado incidente de recursos repetitivos. Temos também um outro incidente que é chamado de assunção de competência, quando não há uma repetição de casos. Significa que, se um caso se revela muito importante, vamos decidir por meio de uma decisão do pleno do TST, em caráter geral, e firmar uma tese que será aplicada pelos demais tribunais.

ConJur — O protecionismo da Justiça do Trabalho um dia já foi colocado como uma acusação, uma provocação, até que passou a fazer parte do senso comum. A senhora diria que esse paternalismo é que explica a redução paulatina da competência material da Justiça trabalhista pelo STF? 

Maria Cristina Peduzzi —
A lei é protecionista naquilo que deve ser. Protege a mulher naquilo que exige esforço físico além das suas capacidades, protege a gestante e lactante contra o exercício do trabalho insalubre. Mas há o que muitos chamam de falsas proteções, porque excluem a mulher. Há, inclusive, dispositivos que tipificam como um ilícito trabalhista e criminal a discriminação em qualquer das suas espécies. Isso é importante. A lei deve, quando é necessário, proteger. Mas não o juiz. O juiz tem que ser isento. O juiz não é protetor de A ou B. Porque advogado pode ter paixão, e até deve, na defesa do seu cliente e da causa, mas o juiz tem que ter celeridade, neutralidade, equilíbrio e equidistância das partes. E tem que aplicar a lei.

Acerca da competência, temos algumas decisões do Supremo Tribunal Federal que afirmaram a competência da Justiça comum quando nós aqui julgávamos casos. Em um exemplo, o STF alterou o entendimento do TST para afirmar que a competência para julgar os litígios que decorrem de complementação de aposentadoria privada é da Justiça comum. Mas não me parece que a causa seja essa assinalada, que seja política, não. É questão de uma visão jurídica da questão.  

ConJur — A questão do ativismo judicial se coloca hoje perante o Supremo Tribunal Federal, perante o STJ, principalmente na matéria criminal. Quais são os limites do chamado ativismo judicial? 

Maria Cristina Peduzzi —
Tenho estudado bem essa matéria e digo que o ativismo judicial não é um fenômeno brasileiro, menos ainda exercido por voluntarismo do juiz. É um fenômeno constatado há décadas, em mais de 80 países. O professor Ran Hirschl estuda e identifica muito bem o que ele chama de juristocracia, que significa que hoje o juiz diz não só sobre o direito, mas também sobre a política. E isto se observa de forma generalizada. 

Os Poderes Executivo ou Legislativo muitas vezes transferem para o Judiciário esse encargo de dizer sobre questões que são controvertidas. Hoje temos o Poder Judiciário dizendo sobre o aborto, sobre a filiação partidária, sobre a antecipação terapêutica da gravidez do feto anencéfalo, sobre pesquisas com células-tronco inabilitadas para a reprodução… E nas esferas especializadas também isto está ocorrendo. É um fenômeno ocasionado, diz o professor Hirschl, pela transferência destas competências dos poderes para o Judiciário, que seria, digamos, o poder mais apolítico: não é eleito, é um cargo vitalício. E isto também está sendo exercitado em situações no Poder Judiciário trabalhista, em que não há uma regra jurídica expressa, que nós vimos que a velocidade das mudanças é muito grande ou porque um caso é muito difícil. 

ConJur — E qual seria a melhor solução? 

Maria Cristina Peduzzi —
O professor de Harvard, Cass Sunstein, examinando as consequências do ativismo judicial, propõe o chamado minimalismo judicial. Ele diz que o juiz tem que, antes de decidir, saber das suas capacidades institucionais. Quantos processos ele tem para julgar, quantos assessores tem para ajudar, quais as competências que precisa exercer e os efeitos dinâmicos da decisão. Nesse contexto, precisa dar racionalidade à sua atividade, buscar imprimir celeridade e julgar o caso concreto sem que o seu subjetivismo componha a decisão ou interfira na decisão. Nessa perspectiva vejo a importância dos precedentes com força vinculante, porque é a forma de dar e promover segurança jurídica, previsibilidade às decisões, por meio da fixação destes temas.

ConJur — Quais parâmetros a senhora entende adequados para a negociação coletiva entre sindicatos e empresas? De modo a se substituir as normas legais vigentes.

Maria Cristina Peduzzi —
A lei disciplina o processo prévio que conduz a negociação. Se frustrada, temos um dissídio coletivo que será julgado pela Justiça do Trabalho. Mas acho que o principal para que a negociação coletiva seja eficiente e que reproduza, edite e convencione normas que atendam os interesses da categoria é esse: ela tem que sempre presidir a fixação das cláusulas, o interesse das categorias ali representadas. 

ConJur — Sem a contribuição sindical obrigatória, é viável sindicato no Brasil? A Reforma Trabalhista deveria ser precedida por uma Reforma Sindical?

Maria Cristina Peduzzi —
Tão logo vigente a reforma trabalhista, o Supremo afirmou a constitucionalidade da extinção da contribuição sindical compulsória. Os sindicatos sobrevivem. Sem dúvida há outros mecanismos, não só a contribuição voluntária do filiado ao sindicato, como também a negocial mediante prévia e expressa anuência do trabalhador. Na medida em que o sindicato está atuante na defesa da sua categoria, o próprio trabalhador terá interesse nessa filiação e em contribuir, porque a união faz a força. A organização sindical tem importância não só para o sindicato, mas sobretudo para o trabalhador. 

A reforma sindical é importante. A grande temática é se adotará o pluralismo ou mantém a unicidade. No Brasil prevalece, por força inclusive de norma constitucional, a tradição da unicidade, que é da época do Estado Novo. Existe a convenção 87 da OIT, que o Brasil nunca pode ratificar exatamente porque está constitucionalizado no artigo 8º, inciso II, o princípio da unicidade. Confesso que não sei o que é melhor, porque ambos têm argumentos favoráveis para a sua adoção. É uma questão que caberá ao Congresso Nacional, após um amplo debate, definir e encontrar a melhor solução política. Não é o Poder Judiciário. O Poder Judiciário tem que aplicar a lei. Quem edita a lei é o Poder Legislativo.

ConJur — Os direitos trabalhistas são cláusula pétrea? 

Maria Cristina Peduzzi —
A Constituição de 1988, no artigo 7º, positivou no seu texto os direitos sociais. Há quem sustente que os direitos sociais constituem cláusula pétrea. Eu entendo que não, porque o artigo 60, dispõe como cláusula pétrea: a Federação, o voto secreto universal, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. Qual é a consequência de considerar ou não cláusula pétrea? Considerar os direitos sociais positivados na Constituição. Se é cláusula pétrea, não pode ser alterada por emenda constitucional. E, em se tratando de uma norma constitucional que não é cláusula pétrea, poderá ser alterada e até suprimida por norma, por uma emenda constitucional. O que não significa retirar da Constituição um direito, até porque os direitos constitucionalizados internam declarações internacionais. Significa apenas admitir que por emenda constitucional pode haver alteração. O que também não significa que uma lei ordinária não possa discipliná-lo com a eficácia devida. 

ConJur — A democracia tem essa característica da abertura para o contraditório e para a divergência. Assistimos hoje, em especial, uma polarização no país, inclusive nos tribunais. Como é que está a vitalidade política interna do TST hoje? 

Maria Cristina Peduzzi —
O TST tem uma convivência harmônica. Nas decisões, as individualidades são respeitadas. Alguns ministros têm uma posição que pode ser diferente da de outro a respeito da mesma tese jurídica, então respeitamos as convicções individuais de cada um, sempre no ambiente de celeridade. A decisão pode ser tomada no órgão colegiado, mas ela é pessoal. O importante é que a convivência no Tribunal é muito boa, de muito respeito. Todos trabalham muito. Felizmente, esta preocupação civilizatória que temos aqui, e harmoniosa, é muito importante para o bom convívio de todos. Posso dizer que convivemos muito bem e tenho muito orgulho, exatamente, de poder hoje presidir um Tribunal onde identifico a preocupação de todos em trabalhar, trabalhar bem, trabalhar muito, e aqui desempenharmos a nossa atividade fim com muito zelo.

ConJur — Durante a discussão da reforma, um grupo de ministros chegou a se manifestar publicamente contra alguns pontos dela. Aprovada a lei, como que o Tribunal e a Justiça de Trabalho se portaram diante das modificações feitas? 

Maria Cristina Peduzzi —
A avaliação política da edição de uma norma é do Poder Legislativo. O Poder Judiciário, antes da lei editada, não deve manifestar-se, penso eu. Ele é um outro Poder, então tem que respeitar o Poder Legislativo. Agora, editada a lei pelo poder competente, cabe ao Poder Judiciário aplicá-la. Goste ou não goste, porque é lei devemos aplicá-la, é a nossa função.

ConJur — Como a senhora percebe o avanço da mulher no mercado? Como é a composição dos magistrados do trabalho em relação ao gênero?

Maria Cristina Peduzzi —
A Justiça do Trabalho é também a mais igualitária em relação a gênero. No primeiro grau há um pouco mais de 50% de mulheres juízas. Nos tribunais regionais, quase 40%. É um ramo do Poder Judiciário que puxa para cima a estatística de participação feminina. No Tribunal Superior hoje somos cinco, que dá o percentual de 18,5%. A  tendência é de que o crescimento seja logo corrigido, porque na medida em que temos na base já uma preponderância de mulheres e nos tribunais regionais ainda não está equalizado, mas também não há disparidade, naturalmente vamos corrigir.

Para que a disparidade seja reduzida, tem muita relevância o trabalho de esclarecimento de como as mulheres contribuírem com o seu trabalho bem feito e com a sua capacidade de trabalho, com a sua garra. Falamos aqui de concurso público, onde está garantido só a meritocracia. No plano dos servidores, temos maioria de mulheres na Justiça do Trabalho. Aliás, em todo o Poder Judiciário há mais servidoras do que servidores. Na Justiça Estadual e Federal é um pouco maior o número de mulheres do que o de homens. Nas promoções, em cargos de chefia, no plano de servidores as mulheres são a maioria. Aqui no TST temos maioria de mulheres em cargos de chefia. Mas na iniciativa privada isso não ocorre. 

ConJur — Com o número alto de mulheres servidoras, a que se deve então o número reduzido de ministras nos tribunais superiores? 

Maria Cristina Peduzzi —
O percentual das mulheres nos tribunais superiores será corrigido, é questão de pouco tempo. No TST, quando se publica um edital para que todos os desembargadores interessados em disputar a vaga se habilitem, inscrevam-se, tem havido, preponderantemente, inscrição de homens e poucas mulheres. Então precisamos realmente estimular as mulheres.

ConJur — As medidas protetivas da mulher na legislação do trabalho dificultam ou ajudam na participação da mulher no mercado?

Maria Cristina Peduzzi —
Há quem diga que são falsas proteções. Algumas realmente são necessárias, mas que na verdade são falsas proteções no sentido em que são excludentes. Digo que só no dia em que nós adotarmos aqui licença parental, como na Alemanha, é que teremos equalização. É uma questão mais cultural e que já está em mudança. Hoje a licença paternidade aqui é entre cinco a 20 dias. A maternidade é de quatro a seis meses. Se nós equalizarmos os períodos, cada empregador responderá pelo afastamento do seu empregado, homem e mulher. Sem dúvida, equalizando a lei nós equalizaremos o acesso da mulher ao mercado de trabalho.

ConJur — A Justiça do Trabalho poderia ser estadualizada, já que não há um interesse direto de bens da União em jogo?

Maria Cristina Peduzzi —
Não, a Justiça do Trabalho é a Justiça Federal. Aplica-se uma lei federal. Está fora de cogitação falar que ela poderia ser estadualizada.

ConJur — O país tem vivido transformações acentuadas em todos os segmentos. Qual prognóstico faz para esse período vindouro, em especial, para a Justiça do Trabalho?

Maria Cristina Peduzzi —
Temos como desafio permanente o julgamento de um número elevado de processos, com rapidez e eficiência. Daí o estímulo aos mecanismos de composição que nós aqui exercitamos. O juiz deve ter conhecimento para julgar, especialmente antes de termos normas específicas que disciplinem essas modalidades, como o Uber, um conflito que já chegou ao TST buscando a 5ª Turma e teve uma precedente decisão da 8ª, da qual eu participei como integrante.

O que é necessário é estabelecer um patamar mínimo civilizatório, independente do vínculo de emprego para as pessoas que estão trabalhando. Não é porque é um trabalho digital que ele pode ser exercido durante 16 horas por dia ou sem qualquer controle, sem qualquer garantia. O consumidor avalia o prestador de serviço, mas o prestador de serviço também tem que avaliar o consumidor. Algumas regras têm que ser estabelecidas. Como essas relações vão ser operadas, protegendo-se a saúde de quem trabalha, protegendo-se por forma de garantias previdenciárias… Não só se adoecer ou se não adoecer, mas a previdência social, quando não tiver mais condições de trabalhar. É importante se fixar um patamar normativo que alcance estas relações que se estabelecem por um prestador e que atingem todo tipo de serviço.