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Facebook não consegue afastar multa por descumprir ordem judicial em investigação criminal

Em julgamento por videoconferência nesta quarta-feira, 24, a 3ª seção do STJ entendeu, por maioria, que o Facebook deve pagar multa por descumprir ordem judicial para apresentação de dados no curso de investigação criminal. Os ministros ainda entenderam que as cobranças podem ser feitas por providências coercitivas patrimoniais.

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O caso tratava de omissão do Facebook em apresentar dados em caso de pedofilia e estupro de vulnerável. Os tribunais de origem aplicaram a multa diária de R$ 50 mil.

Em recurso especial, a empresa sustentou que o acórdão negou vigência ao art. 5º, LIV e LV da CF e ao art. 461, §2º, §4º e §6º do CPC quanto a impossibilidade de aplicação de multa a quem não é parte no processo e depois do cumprimento da ordem.

Em seu voto, o relator, ministro Schietti, deu parcial provimento ao recurso, determinando que a JF/PR se abstivesse de inscrever, em dívida ativa não tributária, o valor arbitrado a título da multa pelo não cumprimento da decisão judicial e, já tendo sido determinada tal inscrição, que se proceda ao seu imediato cancelamento.

“No caso o que houve foi a determinação de inscrição do valor apurado como dívida ativa não tributária. Não se justifica a multa sem o devido processo legal do terceiro interessado. Uma ou outra hipótese, sobretudo no bloqueio de ativos, a meu ver, viola o próprio sentido do processo legal.”

Divergência

Em voto-vista nesta quarta-feira, 24, o ministro Ribeiro Dantas destacou que a multa imposta não se revela desarrazoada, tampouco desproporcional, quando examinada sob a óptica da tramitação processual desde os seus primórdios, pois “houve um atraso de 6 meses que inclusive atrapalhou e suspendeu as investigações”.

Para o ministro, o valor fixado pelas origens está em consonância com o valor determinado pelo Superior Tribunal em situações semelhantes.

Ribeiro Dantas ainda citou estudo que mostra que a pronta afetação do patrimônio do réu através da execução do crédito da multa é o mais forte fator de influência psicológica e a perspectiva remota e distante da execução depois do trânsito em julgado nada ou muito pouco impressiona.

“[Tudo] conduz a admitir a necessidade de providências coercitivas patrimoniais imediatas além da simples cominação da multa para alcançar eficácia que se pretende com a cominação dela.”

Assim, por maioria, os ministros negaram provimento ao recurso especial, vencidos os ministros Sebastião Reis e Rogério Schietti.

Ações

Na mesma sessão, os ministros ainda julgaram mais cinco processos do mesmo tema, sob relatoria do ministro Nefi Cordeiro, no mesmo sentido. O REsp 1.853.580 e os RMS 54.335, 54.654 e 62.452.

O RMS 60.174, por maioria, foi dado parcial provimento ao recurso para minorar a multa para R$ 50 mil reais diários, limitando ao valor máximo de R$ 2,5 milhões nos termos do voto divergente do ministro Ribeiro Dantas, vencidos os ministros Nefi Cordeiro e Sebastião Reis, em maior extensão, e Rogério Schietti, em menor extensão.



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Costa, Heidrich e Morais: O protesto de títulos e a pandemia

Com a paralisação da economia provocada pela pandemia da Covid-19, muitas empresas têm encontrado enorme dificuldade financeira para fazer frente às suas obrigações de natureza mercantil, trabalhista e tributária, entre outras. Um dos caminhos utilizados pelas empresas para enfrentar tal problema tem sido a tentativa de recuperação dos seus créditos junto aos devedores.

Nesse sentido, na ausência de uma solução amigável, algumas empresas passam a buscar medidas coercitivas de recuperação de crédito, tanto de caráter judicial (ações de cobrança, execuções, etc.), quanto extrajudicial, neste caso com especial destaque para o protesto de títulos, definido como “o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida” [1].

Observa-se, no entanto, que a utilização do protesto de títulos tem encontrado algumas barreiras no atual momento de pandemia, notadamente aquelas impostas pelo Poder Judiciário, que, em recentes decisões, vem desidratando e enfraquecendo tal medida coercitiva extrajudicial de recuperação de crédito [2].  

Nesse sentido, a Justiça paranaense proferiu recente decisão para suspender por 30 dias o protesto tirado contra uma empresa, sob o argumento de que a medida, adotada durante o período da pandemia, poderia gerar dano à empresa, que ficaria impossibilitada de obtenção de crédito [3].

Na mesma linha, nos autos de Ação Civil Pública movida pelo Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Pouso Alegre (MG), a Justiça mineira proferiu recente decisão determinando a suspensão e/ou o registro de protestos e possíveis negativações de estabelecimentos representadas pelo mencionado sindicato, durante o período de pandemia, utilizando o fundamento de que são “incontestáveis os efeitos econômicos que advêm de referida medida e, consequentemente, necessitarão das linhas de crédito criadas pelo governo, de modo que a existência de negativações impossibilitará a utilização dos recursos” [4].

Semelhante ratio, aplicada para suspender o protesto de títulos envolvendo relações privadas, tem sido também empregue pelos tribunais para em ações de natureza tributária coibir o Fisco de promover a inscrição de empresas devedoras no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados (Cadin), por entender que tais medidas “podem de forma imediata sonegar do empresário a manutenção de sua atividade nesta situação de excepcionalidade” [5]. 

Importante ressalvar que as atuais restrições impostas às medidas extrajudiciais (protesto de títulos, inscrição no Cadin, entre outros), não têm sido aplicadas pelo Poder Judiciário em relação às medidas coercitivas judiciais, ou seja, ao credor permanece garantido o direito de exigir judicialmente a satisfação de seu crédito, ainda que no atual período de pandemia.

Em tempos de Covid-19, portanto, a despeito de permanecer íntegro o direito de crédito, alguns mecanismos para a sua satisfação (em especial o protesto de títulos) têm encontrado restrições impostas pelo Poder Judiciário, notadamente aqueles que podem inviabilizar a obtenção de crédito e, por consequência, a própria manutenção da atividade da empresa inadimplente.

Por fim, e como estímulo à reflexão, se a jurisprudência se consolidar no sentido de legitimar a suspensão do protesto das empresas inadimplentes durante o período emergencial decretado em razão da Covid-19, em última análise, considerando indevido o protesto, o Poder Judiciário possibilitará a tais empresas inadimplentes não apenas requererem a suspensão do protesto, mas também pleitearem eventual indenização pelos prejuízos que tal protesto vier a lhes causar.

 


[2] Como as decisões judiciais trazidas neste artigo não dizem nada a respeito especificamente do protesto de letra de câmbio, fica aberta a discussão: deveria se limitar o uso do protesto pelo credor (portador) apenas contra o devedor principal ou também contra o sacador, o endossadores e os avalistas da letra (protesto cambiário necessário), caso em que se retiraria do credor o direito de regresso contra estes últimos se o protesto não se realizar “em tempo útil” (artigo 32 do Decreto nº 2.044/08).

Julio Morais é advogado do escritório ALM Advogados.