Categorias
Notícias

Distribuidora responde por acidente se aparenta parceria na revenda

Uma empresa distribuidora de gás que se apresente ao público como parceira da revendedora na entrega do produto responde solidariamente por eventuais acidentes causados no ato dessa distribuição. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu responsabilidade solidária da Ultragaz por um atropelamento causado pelo caminhão que distribuía botijões de gás.

Distribuidora de botijão se apresenta como parceira da revendedora, segundo STJ 
Reprodução

O veículo pertencia à W Bianchi e estampava as cores e logomarca da Ultragaz. Isso faz com que a distribuidora associe sua imagem ao ato da revenda, ampliando sua presença de mercado. Aos olhos do público, portanto, a Ultragaz é parceira da W Bianchi neste serviço. Por isso, também deve responder pelo acidente causado.

Por maioria de votos, o colegiado seguiu o relator, ministro Luís Felipe Salomão, e aplicou a teoria da aparência. O caso foi retomado nesta terça-feira (12/5), com voto-vista da ministra Isabel Gallotti. No recurso, a Ultragaz alegava que existia entre as partes mera relação de compra e venda de gás liquefeito, não sendo responsável pela causa do acidente.

“Aos olhos do consumidor, o serviço é diretamente vinculado entre as empresas. A circulação dos caminhões com as cores e logotipo da distribuidora a coloca em evidência, servindo de propaganda e tornando-a parceira, aos olhos do público, também do serviço de entrega dos botijões, associando-a, ao meu sentir, aos riscos da revenda”, afirmou a ministra.

Ficou vencido o ministro Antonio Carlos Ferreira, que entendeu não ser o caso da aplicação da teoria da aparência. “Ela se relaciona à boa-fé e confiança, e visa à proteção de terceiros de boa-fé. Sua aplicação faria produzir consequências jurídicas e situações inexistentes ou que seriam, em princípio, inválidas”, explicou.

O ministro Marco Buzzi considerou o ponto levantado na divergência, mas avaliou que a questão do proveito econômico pela Ultragaz nessa relação não pode deixar de ser considerado — mais do que isso, é agudo. Por isso, entendeu também pela responsabilização solidará da empresa.

Entendimento jurídico

Em suma, a decisão da 4ª Turma mantém o resultado apontado nas instâncias ordinárias, mas por fundamento jurídico diverso. Segundo o voto-vista da ministra Isabel Gallotti, a responsabilização da empresa distribuidora de gás não pode se dar pelos motivos inicialmente apontados nas instâncias ordinárias.

Assim, o simples fato de uma empresa revender o produto distribuído por outra não faz com que a responsabilidade solidária seja presumida por atos ilícitos sem nexo de causalidade com atuação de cada uma delas. Essa conclusão também não pode ser alcançada pelo fato de haver contrato de exclusividade entre as empresas.

Também não se aplica o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, pois não houve vício de produto, uma vez que o acidente não foi causado pelo botijão de gás em si, mas por imperícia do condutor do veículo que os carregava. 

A ministra Isabel Gallotti citou o entendimento do relator ao afirmar que admitir que o mero fato de a distribuidora fornecer o botijão de gás a torna responsável pela falha no serviço da revenda implicaria em considerar responsável toda a cadeia de vendas. “Isso remeteria a uma linha imaginária que nos conduz desde a extração da matéria prima, pelas várias fases de produção até o consumidor final”, disse.

REsp 1.358.513

Categorias
Notícias

ConJur – Wanessa Magnusson: Ideologia e relações de consumo

Em tempos de pandemia, o crescimento do alinhamento ideológico nas relações de consumo ganha cores ainda mais fortes.

Há vinte ou trinta anos, pouco se discutia se determinado fornecedor de produtos ou serviços se alinhava ideologicamente com seu público alvo.

Os consumidores não procuravam saber se a filosofia de determinado fornecedor se alinhava com as suas ideias, com seu modo de ver o mundo e as relações sociais. A ideologia e a postura institucional da empresa não eram uma preocupação do empresário, pois o consumidor buscava apenas qualidade, preço e rapidez na entrega do que queria adquirir.

O advento das redes sociais proporcionou à sociedade terreno fértil para a propagação e defesa de ideias, conceitos, valores e filosofias. O indivíduo que, offline não via estímulo para expor suas ideias e valores, encontrou, online palanque e audiência para defender seus valores e propagar sua filosofia e sua ideologia.

De vida saudável a responsabilidade ambiental, passando por comunicação não violenta, diversidade, espiritualidade e igualdade de gênero, valores e ideias tomaram o centro de discussões nas redes sociais, que se tornaram grandes salas de debate sobre os temas mais variados.

Ao discutir ideologias, filosofias e valores, o consumidor passou a refletir mais, a ponto de fazer desses conceitos critérios na hora de ir às compras.

Esse fenômeno da transformação do ato de consumir em verdadeiro ato político, de defesa ideológica, vem se mostrando de forma ainda mais ostensiva em tempos de pandemia.

Uma grande rede de lanchonetes, por exemplo, vem experimentando boicotes nas redes sociais porque um de seus sócios fez pronunciamento público a favor do fim do isolamento social e da retomada das atividades de trabalho.

Apesar de todas as advertências da Organização Mundial de Saúde e dos exemplos dos países europeus severamente vitimados pela pandemia, o empresário afirmou que o país não poderia parar “por 5 ou 7 mil mortes”.

Na madrugada posterior ao pronunciamento, o nome da rede de lanchonetes ficou entre os assuntos mais falados (trend topics) no Twitter, dada a quantidade de críticas à fala. Os boicotes à rede de lanchonetes se multiplicaram nas redes sociais e no whatsapp e, apesar de não se ter notícias do impacto financeiro desses boicotes, já se pode dizer com segurança que a imagem da rede foi arranhada.

A perda de popularidade (e consequentemente de clientela) da rede por ato de seu sócio, que se concretizou em minutos nas redes sociais, ilustra com clareza o fenômeno crescente no mercado da busca, pelos consumidores, por alinhamento ideológico com seus fornecedores.

Essa busca por alinhamento ideológico pode ser verificada em diversos exemplos. Hoje o consumidor prefere comprar daquela empresa de cosméticos que não faz testes em animais, daquela marca de roupas que acolhe a diversidade sexual e que não explora trabalho infantil.

Em tempos de pandemia, a ordem é dar preferência aos pequenos fornecedores e às pequenas empresas, que são mais vulneráveis e têm mais dificuldades de sobreviver ao período de isolamento social do que as grandes corporações. O movimento, assim, é pela escolha de pequenos mercados de bairro, de pequenos restaurantes e prestadores de serviços, que hoje vêm sendo mais procurados pelos consumidores, em detrimento das grandes empresas.

Se antes o consumidor buscava apenas preço, prazo e qualidade, hoje ele se informa previamente sobre o perfil, os valores e a filosofia institucional dos fornecedores existentes no mercado e até mesmo de seus sócios e acionistas. Não raro,  o consumidor opta por consumir daquele fornecedor que se alinha ideologicamente com ele, ainda que seu produto não seja o mais barato ou que seu prazo de entrega não seja o melhor.

Não se pode dizer, naturalmente, que se está diante de um ambiente de autorregulação. O mercado — não só o brasileiro — ainda demanda regras cogentes que garantam o cumprimento, pelas empresas, das legislações aplicáveis às suas atividades e a observância do que se denomina senso comum ou bom senso. E é possível que essa demanda por regras nunca deixe de existir.

De todo modo, o recado vem sendo dado e de forma especialmente eloquente em tempos de pandemia: Estabelecer-se no mercado consumidor hoje é tarefa muito mais complexa do que era vinte ou trinta anos atrás. Não basta mais garantir a qualidade do produto e do serviço, o prazo de entrega e o preço competitivo.

Mais do que se atentar para esses aspectos objetivos (qualidade, prazo e preço), as empresas devem cuidar para que suas filosofias e ideologias institucionais se alinhem à filosofia e ideologia de seu consumidor alvo. Devem, ainda, garantir que estas filosofias e ideologias saiam dos sites institucionais e sejam efetivamente observadas no exercício de suas atividades, sob pena de perderem terreno, competitividade e receita.

Wanessa Magnusson de Sousa é advogada especialista em relações de consumo do Nascimento e Mourão Advogados.