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Escolas particulares contestam lei que reduz mensalidades

ADI no Supremo

Escolas particulares contestam lei do CE que reduz mensalidades na epidemia

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade, contra lei do Estado do Ceará que reduz as mensalidades na rede privada de ensino durante a epidemia do coronavírus.

123RFEscolas particulares contestam lei do CE que reduz mensalidades na epidemia

Segundo a entidade, a norma, que determina a redução dos valores em até 30%, usurpa a competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil. Ainda de acordo com a Confenen, a norma também viola o princípio da live iniciativa.

A entidade sustenta que a única intervenção possível dos estados, no âmbito da educação privada, seria para o estabelecimento das diretrizes educacionais e da fiscalização das escolas, sendo vedada a edição de lei visando ao controle de preços. Ainda de acordo com a confederação, a lei não trata de educação, mas apenas regula a aplicação de um desconto sobre a prestação de um serviço que “por acaso, está relacionado à educação”.

No pedido de medida cautelar, a Confenen argumenta que a maioria dos estabelecimentos não tem capital de giro suficiente para suportar a redução na receita e que a suspensão dos efeitos da lei é necessária para evitar o colapso das entidades de ensino fundamental e superior no Ceará.

Segundo a entidade, há diversos projetos de lei no mesmo sentido em tramitação no Amazonas, em Mato Grosso, na Paraíba, no Pará e no Distrito Federal, e o pedido inclui também a sua suspensão até o julgamento da ADI 6.423. O relator é o ministro Edson Fachin. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADI 6.423

Revista Consultor Jurídico, 18 de maio de 2020, 20h53

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Gestores de escolas estaduais de SP trabalharão presencialmente

As determinações judiciais não podem funcionar de modo a substituir critérios próprios da administração, uma vez que o Judiciário não conhece profundamente o panorama de funcionamento das estruturas públicas, o que inviabiliza a tomada de decisão equilibrada. 

Segundo presidente do TJ-SP, escolas estaduais devem manter atividades de suporte
Divulgação/Prefeitura de Campinas

Com base nesse entendimento o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, suspendeu liminar que desobrigava gestores de escolas estaduais (diretor, vice-diretor e professor coordenador) a trabalharem presencialmente. A decisão foi proferida nesta quarta-feira (13/5)

Para o magistrado, o Judiciário invadiu a competência administrativa, comprometendo o plano estratégico de combate ao novo coronavírus traçado pelo estado e trazendo risco à ordem pública. 

“[É] inviável o fechamento dos estabelecimentos escolares públicos que ocorrerá caso os integrantes da equipe de gestão deixem de comparecer diariamente à unidade. Ainda que lá não ocorram atividades pedagógicas diárias e nos períodos habituais, o fechamento completo faria com que os alunos ficassem desprovidos de ponto central de informação, recebimento de material e de orientação para acesso remoto às aulas”, afirma a decisão. 

Ainda segundo o desembargador, enquanto os professores estão afastados do estabelecimento escolar, ministrando aulas à distância, a escola deve seguir aberta para atividades coadjuvantes e de suporte. 

“Ninguém melhor que os integrantes da equipe gestora de cada escola para, em sistema de revezamento, comparecer, um deles a cada dia, para coordenar as atividades de suporte e incentivo, no sentido de manter a escola viva.”

Para o presidente do TJ-SP, o fechamento completo compromete a organização e entrega de material pedagógico a alunos e docentes; apoio e orientação aos alunos e familiares; informação aos estudantes de baixa renda sobre o programa de merenda escolar; acesso à internet de professores que enfrentam problemas de conexão em suas casas; entre outras. 

O magistrado ressalta, por fim, que o Estado de São Paulo deve observar todos os cuidados necessários atinentes à saúde dos servidores e da população, em especial, por meio do fornecimento de material de proteção individual adequado durante a permanência da equipe gestora na unidade escolar.

Udemo

O trabalho remoto para gestores foi determinado pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara de Fazenda Pública, respondendo a ação ajuizada pelo Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo (Udemo).

“Como vem sendo propagado pelo Governo Estadual, ficar em casa é a medida mais adequada e possível para evitar a contaminação”, afirmou a magistrada em decisão proferida no último dia 7.

A juíza entendeu ser necessário trabalho remoto, considerando que São Paulo é o epicentro do novo coronavírus no Brasil.

Clique aqui para ler a decisão

2093293-92.2020.8.26.0000

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Distribuidora responde por acidente se aparenta parceria na revenda

Uma empresa distribuidora de gás que se apresente ao público como parceira da revendedora na entrega do produto responde solidariamente por eventuais acidentes causados no ato dessa distribuição. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu responsabilidade solidária da Ultragaz por um atropelamento causado pelo caminhão que distribuía botijões de gás.

Distribuidora de botijão se apresenta como parceira da revendedora, segundo STJ 
Reprodução

O veículo pertencia à W Bianchi e estampava as cores e logomarca da Ultragaz. Isso faz com que a distribuidora associe sua imagem ao ato da revenda, ampliando sua presença de mercado. Aos olhos do público, portanto, a Ultragaz é parceira da W Bianchi neste serviço. Por isso, também deve responder pelo acidente causado.

Por maioria de votos, o colegiado seguiu o relator, ministro Luís Felipe Salomão, e aplicou a teoria da aparência. O caso foi retomado nesta terça-feira (12/5), com voto-vista da ministra Isabel Gallotti. No recurso, a Ultragaz alegava que existia entre as partes mera relação de compra e venda de gás liquefeito, não sendo responsável pela causa do acidente.

“Aos olhos do consumidor, o serviço é diretamente vinculado entre as empresas. A circulação dos caminhões com as cores e logotipo da distribuidora a coloca em evidência, servindo de propaganda e tornando-a parceira, aos olhos do público, também do serviço de entrega dos botijões, associando-a, ao meu sentir, aos riscos da revenda”, afirmou a ministra.

Ficou vencido o ministro Antonio Carlos Ferreira, que entendeu não ser o caso da aplicação da teoria da aparência. “Ela se relaciona à boa-fé e confiança, e visa à proteção de terceiros de boa-fé. Sua aplicação faria produzir consequências jurídicas e situações inexistentes ou que seriam, em princípio, inválidas”, explicou.

O ministro Marco Buzzi considerou o ponto levantado na divergência, mas avaliou que a questão do proveito econômico pela Ultragaz nessa relação não pode deixar de ser considerado — mais do que isso, é agudo. Por isso, entendeu também pela responsabilização solidará da empresa.

Entendimento jurídico

Em suma, a decisão da 4ª Turma mantém o resultado apontado nas instâncias ordinárias, mas por fundamento jurídico diverso. Segundo o voto-vista da ministra Isabel Gallotti, a responsabilização da empresa distribuidora de gás não pode se dar pelos motivos inicialmente apontados nas instâncias ordinárias.

Assim, o simples fato de uma empresa revender o produto distribuído por outra não faz com que a responsabilidade solidária seja presumida por atos ilícitos sem nexo de causalidade com atuação de cada uma delas. Essa conclusão também não pode ser alcançada pelo fato de haver contrato de exclusividade entre as empresas.

Também não se aplica o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, pois não houve vício de produto, uma vez que o acidente não foi causado pelo botijão de gás em si, mas por imperícia do condutor do veículo que os carregava. 

A ministra Isabel Gallotti citou o entendimento do relator ao afirmar que admitir que o mero fato de a distribuidora fornecer o botijão de gás a torna responsável pela falha no serviço da revenda implicaria em considerar responsável toda a cadeia de vendas. “Isso remeteria a uma linha imaginária que nos conduz desde a extração da matéria prima, pelas várias fases de produção até o consumidor final”, disse.

REsp 1.358.513

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Villa-Nova e Simon: O STF e as ramagens constitucionais

Os autores do presente artigo discutem entre si questões da democracia e da Constituição há duas décadas. Entre produções acadêmicas esparsas e conversas pessoais, decidiram, sem vínculos institucionais específicos, desenvolver um projeto de pesquisa conjunto, que já produziu alguns resultados. O curioso é que, inicialmente, acordos de conteúdo levavam a desacordos sobre modelos e métodos de avaliação constitucional e institucional. Essa situação passamos a denominar, amistosamente, “os dois lados da moeda”.

O debate que aqui propomos corresponde à primeira parte da reflexão e consiste em exemplo do resultado dessa dialética: concordâncias de conteúdo, com discordâncias de foco de análise, que levaram a posições conjuntas, divididas em exposições que expressam o ponto inicial de cada um, que confluiu para abordagens comuns em dois aspectos.

Ambos os textos nasceram de uma troca de mensagens (não sigilosa, nem insuspeita, frise-se!) de Whatsapp. O que, a partir deste ensaio, se lê é uma espécie de Carta aos cidadãos escrita a quatro mãos. Certamente, poucos, nos dias de hoje, ainda recebem ou escrevem cartas. A dinâmica dialógica da comunicação “epistolar”, contudo, segue viva. Em tempos de tantas polarizações, parece que perdemos a capacidade de enxergar as fronteiras do consenso e do dissenso.

O consenso é importante porque permite chegar ao ponto comum de encontro de qualquer discussão  em especial aquelas que envolvam temas polêmicos. O dissenso, de igual modo, é crucial para que percebamos que, num ambiente democrático, a pluralidade e a diferença de ideias e de pensamentos precisa ser respeitada – sob pena de que a tirania esfaqueie a democracia. Em tempos de acirramento político e esgarçamento do desafio de escuta e de interação, os dois artigos propõem uma abordagem complementar sobre o papel do Supremo Tribunal Federal.

O primeiro lado da moeda (enfrentado neste artigo) envolve a exposição constitucional (isto é, do jurídico ao político) de tema que assumiu grande notoriedade e polêmica nos últimos dias: pode o STF suspender, em caráter liminar (ou transitório), ato de nomeação de diretor da Polícia Federal (Alexandre Ramagem) praticado pelo Presidente da República (Jair Bolsonaro)?

O segundo lado (em outro artigo a ser publicado em breve) abarca a apresentação dos dilemas institucionais (isto é, do político, ao jurídico) do mesmo assunto, a partir de reflexão constitutivamente complementar: até quando o STF conseguirá manter sua pretensão de controle da política, unicamente com base em decisões monocráticas e sem definição clara e estável de posicionamento da Corte?

À primeira vista, as duas perguntas podem parecer encaminhar problemas e abordagens idênticos. Não o são fazem. Em comum, além da figura da autoridade que praticou o ato questionado (o Presidente da República), há alusão a diferentes “Alexandres” – um é o delegado que teria sido nomeado por Jair Bolsonaro; outro, o Ministro que decidiu, em caráter provisório, a questão.

Realizado o preâmbulo, uma menção que perpassa ambos os textos – e que, aqui, respeitosamente, endereçamos à leitora e ao leitor como alerta preliminar (disclaimer). Trata-se de frase atribuída a outro Alexandre, conhecido pelo epíteto de “o Grande”: “Lembre-se que da conduta de cada um depende o destino de todos”. Essa reflexão segue viva e com repercussão em plena ebulição diante da apresentação de pedido de reconsideração, pela Advocacia-Geral da União (AGU), na última sexta-feira. No mesmo dia 08 de maio, o pleito do Governo Federal foi, uma vez mais, monocraticamente afastado pelo Ministro Relator.

As ramagens constitucionais da nomeação de diretor da PF: do direito, à política
Virou tema de debate nacional a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no Mandado de Segurança (MS) n. 37.097/DF, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na ação, questiona-se o ato do Presidente da República (PR) de nomear Alexandre Ramagem Diretor-Geral da Polícia Federal (DGPF) por desvio de finalidade (o ato seria para benefício pessoal, não para a boa organização e ação da PF), tendo-se por base notícias na mídia, declarações do ex-Ministro Sérgio Moro (com divulgação – parcial ou editada — de mensagens de celular) e falas do próprio governante.

O furor deu-se porque a decisão do Ministro do STF impede ato discricionário do PR, alegando-se a interferência do Judiciário no Executivo. Alguns críticos compararam com decisões anteriores do STF sobre nomeação de ministros de estado, seja para defender a decisão, seja para criticá-la, o que trouxe à tona os casos das nomeações de Lula; de Cristiane Brasil; de Moreira Franco e, mais recentemente, no próprio governo Bolsonaro, de Ricardo Salles. Outros, que descobriram o problema da interferência do Judiciário em outros poderes só após 1º de janeiro de 2019, resolveram, circunstancialmente (para dizer o mínimo), defender a independência dos poderes.

Dentre os que defendem a decisão, os principais argumentos são a existência do desvio de finalidade e o precedente de Lula, exigindo-se coerência “jurisprudencial” por parte do STF. Mais refinados são os argumentos dos que a criticam. Os principais são: erros anteriores do STF não validam os presentes (e não há decisão colegiada sobre o assunto); a nomeação do DGPF é ato político discricionário do PR, assim como o é o de nomeação de ministros de estado; decisões judiciais precisam atentar para limites jurídicos, não sendo legítimas decisões baseadas em moralismos particulares ou convicções pessoais de magistrados; o mandado de segurança demanda prova pré-constituída que comprove direito líquido e certo, não meros indícios, falas particulares, prints de mensagens e notícias e opiniões da mídia; o cargo em comento depende da proximidade e confiança do PR, bastando que o nomeado cumpra os requisitos legais formais.

Do lado dos que defendem a decisão, os argumentos apresentados na opinião pública (e, também, na opinião publicada) são fáceis de afastar: é necessária a comprovação fática do desvio de finalidade, já que há presunção de legalidade e legitimidade dos atos do poder público; e dois erros não fazem um acerto. Já com relação às críticas ao impedimento para que Ramagem fosse nomeado DGPF, é necessário aprofundar um pouco a análise.

No que concerne à discricionariedade, o caso da nomeação de DGPF não é, do ponto de vista estritamente jurídico, o mesmo daquele de nomeação de ministro de estado. Há que se considerar a diferença entre ato de Chefe de Governo e ato de Chefe da Administração Pública Federal. A nomeação de ministro de estado é ato político livre do Presidente da República, porque diz respeito à sua escolha pessoal sobre quem vai direcionar as políticas voltadas para uma pauta de governo, cabendo ao ministro e ao Presidente a responsabilidade por atingir os resultados pretendidos, conforme linha político-ideológica vitoriosa em processo eleitoral. Como no presidencialismo o governo é independente do Legislativo, não cabe veto ou interferência na escolha. A razão de ser da liberdade está na independência da linha de governo para atingir resultados políticos para os quais o Presidente da República foi eleito e a previsão está no art. 84, I, da CF. Ressalte-se que, para os demais cargos com previsão constitucional expressa para indicação e nomeação pelo Presidente da República, há, ao menos em tese, o controle do Senado Federal, o que reforça o fato de a livre nomeação e exoneração de ministros de estado se justificar pela liberdade de escolha para realização de política e programa de governo.

Outra é a situação do DGPF. A PF é órgão de segurança pública cuja finalidade está prevista na CF (art. 144), mas organização e carreira são de reserva legal. Assim, é a Lei n.º 9.266/1996 (art. 2º-C), não a CF, que prevê a competência do PR. Ademais, polícia, com função investigativa e repressiva, é típica atividade administrativa, órgão de execução, nunca de elaboração e definição de políticas públicas ou de governo. No âmbito da segurança pública essa a competência do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), aliás, ministério ao qual a PF está subordinada (art. 2º-A da Lei n º. 9.266/1996). A indicação do DGPF pelo PR é, portanto, ato administrativo, decorrente da função de chefe da administração pública federal, não ato político. Afinal, compete ao PR “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal” (art. 84. II, da CF).

Quer isso dizer que, se ato político só poderia ser controlado no seu critério objetivo de realização (competência e requisitos constitucionais e legais para exercício de cargos de livre nomeação), o ato administrativo é controlável em sua motivação, não podendo desviar de sua finalidade legal e constitucional. Daí que a decisão do Min. Alexandre de Moraes é de controle de legalidade, com base nos princípios constitucionais da Administração Pública, não de típica escolha política de ministro de Estado pelo PR.

Definida a possibilidade de controle da nomeação do DGPF, cabe considerar o cabimento de MS para o ato em discussão. É perfeitamente legítimo discutir se o MS é ação constitucional apropriada e se o PDT defende direito líquido e certo seu, de seus integrantes ou de sua finalidade partidária (art. 21 da Lei n. 12.016/2009 – apesar de isso não ter sido considerado em situações anteriores similares), mas não cabe discutir a possibilidade de controle do desvio de finalidade de ato do chefe da Administração Pública.

Resta discutir se a decisão poderia ser concedida liminarmente e como fica a questão probatória. Nesse ponto, os que defendem a insuficiência de provas precipitam-se, porque afirmam não haver prova suficiente do desvio de finalidade sem nem mesmo terem analisado o processo (como sabem que a prova é insuficiente?). E esquecem que o requisito da concessão de liminar é plausibilidade do direito (é possível controlar desvio de finalidade de atos do chefe da Administração Pública e pode ser que ele tenha ocorrido no caso) e o risco na demora do provimento (suspeita-se que o PR quer usar a indicação do DGPF para impedir investigação contra si e seus familiares). Ora, como manter a eficácia de ato que pode ser voltado para bloquear investigação contra o próprio produtor do ato? Seria o mesmo que manter no cargo Senador acusado de usar a função para impedir investigação contra si, sob o argumento simplório de não interferir nas prerrogativas de integrante de outro poder. Algo, aliás, que, estranhamente, o Supremo chegou a assegurar em sua jurisprudência recente.

É importante lembrar, ainda, que a decisão do Min. Alexandre de Moraes não anulou a nomeação do DGPF, suspendeu sua eficácia diante de indícios de desvio de finalidade e dos riscos derivados da eventual demora no julgamento final da ação. Também não indicou como fundamento a suposta amizade ou proximidade do nomeante com o nomeado, mas o possível uso do poder de nomear para atingir finalidade espúria.

Pode-se discutir a legitimidade para o mandado de segurança, se há prova do desvio de finalidade, se haveria, ou não, urgência no julgamento do MS (caso o ato não fosse revogado), se seria necessário o contraditório prévio e a análise cuidadosa do corpo probatório juntado aos autos (discutindo-se a sua suficiência), ou ainda, a legitimidade da própria forma pela qual a decisão foi tomada (em caráter individual ou monocrática), tendo em vista tanto as decisões anteriores (Lula, Cristiane Brasil, Moreira Franco e Ricardo Salles), como também as competências já estabelecidas quanto a fatos similares ou conexos à nomeação de Ramagem. Todas essas questões serão abordadas na segunda parte dessa reflexão, no artigo que se seguirá à publicação deste, com avaliação de aspectos institucionais relacionados ao conjunto de atos decisórios praticados até aqui pelo STF e seus ministros. Do que foi dito até aqui, não se pode negar, contudo, que o ato está, em princípio, dentro da esfera do que se denomina controle externo de legalidade quanto aos atos da Administração, pelo Judiciário, e que a hipótese de suspensão liminar era, no mínimo, plausível, da perspectiva constitucional (jurídico-política).

Henrique Smidt Simon é advogado, doutor em Direito, Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da UnB; professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos, Cidadania e Violência do UniEURO; e professor da graduação em Direito da Escola de Direito de Brasília do Instituto de Direito Público (EDB/IDP); professor da graduação em Direito do UniCEUB.

Daniel Augusto Vila-Nova é advogado, doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (ICHF/UFF); mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB; e professor da pós-graduação em Direito da EDB/IDP.

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Evanilda Godoi: Saúde pública e política de isenções tributárias

Na sexta-feira do dia 1º de maio, foi publicada a Lei nº 23.637/2020, do Estado de Minas Gerais, instituindo a isenção do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos — ITCD, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19.

A lei isenta do imposto as doações de bens a serem utilizados na prevenção e no enfrentamento da pandemia de Covid-19, bem como as doações de dinheiro, desde que o montante seja, comprovadamente, aplicado na aquisição de bens a serem também utilizados na prevenção e enfrentamento da pandemia.

Trata-se de isenção temporária, com término previsto para 31 de dezembro de 2020 ou até o fim do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de Covid-19, o que ocorrer primeiro.

À primeira vista, quando se tem notícia da Lei, ela surge como uma iniciativa louvável do legislativo mineiro. Afinal, uma das grandes queixas da sociedade, de um modo geral, é a alta carga tributária dificultando a retomada da economia. Some-se a isso a necessidade de prevenção e de enfrentamento da pandemia de Covid-19. O legislativo, então, estaria atuando rapidamente em consonância com as reivindicações da sociedade.

No entanto, quando se passa a analisar o curto texto da lei, em seus três artigos, defronta-se com uma situação incômoda. A lei, votada em regime de urgência, direciona a isenção do tributo aos hospitais e entidades privadas. E, do ponto de vista técnico, isto é correto, vejamos por quê:

O ITCD é um imposto de competência dos Estados, que tem como hipótese de incidência a transmissão, causa mortis ou doação, da propriedade de quaisquer bens ou direitos (art. 155, I, da CF), sendo regulamentado em Minas pela Lei nº 14.941, de 2003. Como é sabido, quando se trata de doações, o contribuinte do tributo é o donatário (no caso em análise, os hospitais privados e as instituições privadas mantenedoras), tendo a lei mineira trazido essa previsão em seu art. 12, II.  Por sua vez, o art. 2º estabelece as situações em que o imposto sobre doação não incide, sendo aquelas em que figurem como donatários, dentre outros, a União, o Estado ou o Município; as instituições de assistência social sem fins lucrativos e atendidos os requisitos da lei; as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo poder público. Os hospitais e entidades públicas de saúde se encontram, portanto, abarcados pela não-incidência do art. 2º da Lei nº 14.941/2003, em perfeita consonância com a imunidade tributária estabelecida pela Constituição Federal, em seu art. 150, VI. Dito de outro modo, as doações para hospitais públicos já se encontram contempladas com a imunidade tributária, sendo a Lei nº 23.637/2020 exclusivamente voltada para os hospitais privados.

Feitos esses esclarecimentos e tendo clara a iminência do colapso do sistema público de saúde, uma Lei que direciona seus esforços para beneficiar a rede privada de saúde merece severas críticas.  Qual a finalidade de uma lei que beneficia a rede privada de saúde em detrimento da rede pública? Em detrimento, sim, pois a medida representa renúncia de receita de um lado e a probabilidade de despesa por outro, na medida em que, na hipótese de requisição de leitos hospitalares privados, o Estado terá que arcar com a “justa indenização”. Retira-se a fonte de receita e arca-se com o custeio, de modo que a rede privada ‘ganha’ dos dois lados.

Não se discute que a saúde seja um direito fundamental de todo cidadão, mas a norma aprovada pela Assembleia Legislativa, ao contrário do que se acredita, não viabiliza ações de enfrentamento da pandemia, na medida em que não alcançará os mais carentes, que mais precisam de fomento do Estado. A fundamentação para a instituição desta isenção é falaciosa. Para se ter uma noção, no ano passado, um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que cinco hospitais privados receberam, desde 2009, cerca de 4 bilhões de reais em programas de isenções fiscais. O total de impostos que deixou de ser arrecadado deixou de ser repassado para o SUS.

Ações de enfrentamento à pandemia são necessárias e urgentes, mas não podem ser utilizadas visando finalidade diversa do atendimento à população carente. Há dúvidas sobre se a isenção do imposto sobre doação para os hospitais privados vai se reverter em benefícios para a população. Nesse cenário, duas demandas que tramitam perante o Supremo Tribunal Federal relacionadas à pandemia de Covid-19 e ao sistema de saúde público oferecem indícios de que a resposta é negativa.

Na ADPF 671, discute-se a utilização dos leitos de unidades de tratamento intensivo da rede privada durante a pandemia de Covid-19 pelo poder público (SUS). Alega o autor da ação, o Partido Socialismo e Sociedade (PSol), que cerca de 56% dos leitos de UTI disponíveis no Brasil estão destinados às pessoas que possuem plano de saúde ou condições financeiras para pagar pelo serviço de saúde (cerca de 25% da população). Os 44% restantes dos leitos de UTI são os leitos públicos do SUS e conveniados; ou seja, 75% da população depende de menos da metade dos leitos de UTI disponíveis.

A intenção do autor da demanda era a de que o SUS passasse a controlar e gerenciar todos os leitos disponíveis no país (a exemplo do ocorrido na Espanha), a fim de garantir o acesso igualitário aos serviços por meio de uma fila única. Lewandowski negou seguimento à ação justificando que “já existem diversas normas que viabilizam a requisição administrativa de bens e serviços”, referindo-se, dentre outras, à Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente de Covid-19. Especificamente, em seu art. 3º, VII, a Lei autoriza a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas para o enfrentamento da emergência de saúde pública, garantido o pagamento posterior de indenização justa. Essa norma, portanto, já permite a requisição dos leitos hospitalares.

A segunda demanda interposta perante o STF diz respeito justamente a esse dispositivo legal. A Confederação Nacional de Saúde questiona a constitucionalidade da permissão para os “gestores locais de saúde adotarem a requisição administrativa e bens e serviços no combate ao coronavírus sem o controle da União e sem o esgotamento de alternativas menos gravosas disponíveis”. Em apertada síntese, a Confederação objetiva ver conferida interpretação conforme a Constituição Federal ao inciso IV, bem como ao inciso III do § 7°, ambos do art. 3° da Lei Federal nº 13.979/2020. Alega que o Ministério da Saúde deveria ser o responsável por coordenar as medidas de requisição administrativas. Argumentam, ainda, que o abuso de requisições (ainda não constatado) gera insegurança jurídica, afeta o direito à saúde, a livre iniciativa e o direito de propriedade em prejuízo aos estabelecimentos privados de serviços de saúde.  Ainda, de acordo com a Confederação, “resolver o problema da escassez de equipamentos e leitos do setor público às custas do setor privado é enfraquecer de forma injustificada o já sobrecarregado setor de saúde”.

Percebe-se, sem muito esforço, que ainda prevalece na sociedade uma ideia equivocada acerca da natureza da propriedade, a de que ela seria um direito natural da pessoa, razão pela qual não poderia o Estado intervir nesse direito de propriedade, seja por meio da tributação, seja por meio de requisições. A propriedade privada precisa ser vista como uma convenção política; como um produto das instituições de governo, de uma decisão da própria comunidade, ou como um artefato cuja configuração concreta depende de um regime jurídico, que inclui não apenas uma regulamentação legal das formas de aquisição e transmissão da propriedade, mas também a forma de distribuição dos impostos. É assim que a Constituição a caracteriza.

Se a propriedade for vista dessa maneira — como uma criação do direito positivo, e não como um direito natural intocável e com um regime fixo, impossível de ser regulado pelo poder político —, então fica claro que a decisão sobre o conteúdo e a forma de aquisição da propriedade é uma questão de justiça política. Este é, afinal, o núcleo da função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF).

O senso comum tributário, no Brasil, foi construído sob a premissa libertária de que as intervenções do estado por meio da tributação são por presunção ilegítimas, e as despesas com saúde que a classe média realiza com recursos privados devem ser excluídas da base tributária do imposto de renda. Isenções sobre serviços de saúde privada promovem anualmente uma transferência de vultosos recursos da esfera pública para a privada, impedindo uma oferta igualitária de serviços de saúde, como ocorre nos países mais avançados do mundo. Esse senso comum parece atuar novamente no âmbito do Estado de Minas Gerais, por meio dessa isenção tributária. É tempo de tratar as questões de saúde pública, que concernem a todos, como questões de justiça social, que passam pela proteção dos interesses de todos e pela exigência de tratar a todos com igual respeito e consideração, mesmo quando o que está em jogo é a oferta de leitos para combater a Covid-19.

 é professora de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal de Viçosa. Doutora em Direito pela UFMG, mestre em Derechos Fundamentales Y Libertades Publicas pela Universidad de Castilla-La Mancha (ESP).

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Auxílio pode ser penhorado para quitar pensão alimentícia

Em SC

Auxílio emergencial da Covid-19 pode ser penhorado para quitar pensão alimentícia

Um juiz de Santa Catarina determinou a penhora de 30% de cada parcela do auxílio emergencial de um homem para o pagamento de pensão alimentícia.

Instituído pela Lei 13.982, de 2 de abril de 2020, e regulamentado pelo Decreto 10.316, de 7 de abril de 2020, o auxílio emergencial tem por objetivo fornecer proteção a dezenas de categorias no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

O recurso de R$ 600 tem natureza jurídica de benefício assistencial temporário. De acordo com o Código de Processo Civil, os vencimentos e remunerações são impenhoráveis. A exceção é a penhora para o pagamento de prestação alimentícia.

“Assim, tendo em vista que a obrigação alimentícia é indeclinável, pois de caráter emergencial e vital, e ante a exceção à impenhorabilidade prevista em lei, entende-se no caso em comento pela possibilidade da penhora do auxílio emergencial que eventualmente venha o executado a receber”, anotou o magistrado em sua decisão. O processo tramita em segredo de justiça. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SC.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 13h46

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Senacon prioriza privacidade do aluno e é contra desconto linear

Escola particular

Órgão federal prioriza privacidade do aluno, calendário e se posiciona contra descontos

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, divulgou nesta segunda-feira (11/5) uma segunda nota técnica sobre mensalidades das escolas particulares. Na avaliação do órgão federal, os descontos devem ser avaliados caso a caso.

123RF

Semana passada, alguns Procons, como o de São Paulo, publicaram diretrizes para que escolas ofereçam algum tipo de desconto nas mensalidades durante a epidemia de coronavírus. E ameaçaram de multa pelo não cumprimento das solicitações.

Mais preocupada com “a garantia de informação e da qualidade do ensino”, a nota da Senacon aponta como imprescindível a articulação dos Procons com as secretarias estaduais de educação para estabelecer critérios de avaliação do conteúdo e para verificar o cumprimento do calendário escolar.

Outra preocupação expressada na nota é com a privacidade dos estudantes. Há casos de aulas que estão sendo gravadas e divulgadas pelas redes sociais com a imagem dos alunos. “Entendemos que pode ser importante disponibilizar a aula para quem não conseguiu acompanhar online, mas para usar a imagem dos estudantes é preciso ter a autorização do próprio, no caso dos universitários, e dos responsáveis nos demais segmentos.”

Clique aqui para ler a íntegra da nota técnica

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 10h35