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Cármen Lúcia nega ação que pedia suspensão de mudança no CTN

A inserção do parágrafo único do artigo 116 no Código Tributário Nacional não proibiu o contribuinte de buscar economia fiscal e fazer suas atividades de forma menos onerosa, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.

O entendimento é da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, que negou ação que buscava suspender a norma. A ministra é relatora da ação que discute o tema, cujo julgamento no Plenário Virtual encerra nesta sexta-feira (19/6).

A ação chegou em Supremo em 2001, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) para questionar a validade de dispositivo da Lei Complementar 104/2001, que alterou o Código Tributário Nacional.

O trecho inserido diz que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

Na ação, a entidade afirma que a mudança faz com que os contribuintes não tenham garantias das operações que fizeram “já que a qualquer momento o agente fiscal poderá desqualificar a operação e interpretar que o contribuinte pretendeu valer-se de uma brecha legal para pagar menos tributo”.

Ao analisar a ação, a ministra entendeu que a inserção não ofendeu aos princípios da legalidade e da legalidade tributária. De acordo com a ministra, o fato gerador ao qual se refere a norma é aquele previsto em lei.

Carmén Lúcia apontou que  continua sendo necessária a configuração de fato gerador “que, por óbvio, além de estar devidamente previsto em lei, já tenha efetivamente se materializado, fazendo surgir a obrigação tributária”.

“Assim, a desconsideração autorizada pelo dispositivo está limitada aos atos ou negócios jurídicos praticados com intenção de dissimulação ou ocultação desse fato gerador”, explicou.

A autoridade fiscal, disse, “estará autorizada apenas a aplicar base de cálculo e alíquota a uma hipótese de incidência estabelecida em lei e que tenha se realizado”.

Até o momento, apenas os ministros Marco Aurélio e Luiz Edson Fachin votaram. Eles acompanham a relatora.

Clique aqui para ler o voto da relatora

ADI 2.446

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Reforma tributária deveria evitar novas distorções

A forma federativa de Estado representa importante mecanismo de controle do poder, dentro da ideia de que a melhor forma de evitar abusos em seu exercício é dividindo-o. Trata-se de uma divisão vertical, com propósitos similares aos que inspiram, no plano horizontal, a separação de funções em Executivo, Legislativo e Judiciário. Acontecimentos recentes — no Brasil e nos EUA — talvez estejam mostrando a importância de tais instituições, e o valor da autonomia de governos estaduais diante de um ente central cujo chefe nem sempre subscreve as melhores práticas democráticas.

Mas para que exista federação, é, por definição, essencial a autonomia dos entes que a integram. E, para tanto, não bastam disposições constitucionais que atribuam competências legislativas ou mesmo materiais a tais entes, ou seja, que lhes atribuam faculdades decisórias. Se tais entes federativos não dispuserem dos recursos financeiros necessários à concretização de suas decisões, permanecendo assim dependentes de recursos a serem enviados (ou não) pelo ente central, essa autonomia desaparece. E, com ela, a própria forma federativa que dela depende. Em termos mais claros: de nada adianta formalmente permitir que o Estado tome decisões de modo autônomo em relação à União, se para dar concretude a essas decisões o Estado depender de recursos da União, a qual só repassará as quantias correspondentes se as decisões estaduais forem de seu agrado.

Tais noções devem ser lembradas quando se discute uma reforma constitucional nas competências para instituir tributos, e nas regras que cuidam da divisão dos recursos arrecadados com tais tributos. Diante delas, dependendo de como a reforma venha a ser levada a efeito, ela pode ser simplesmente inconstitucional, dado que a forma federativa é uma das cláusulas de imodificabilidade do texto constitucional vigente.

Muito já se discutiu, nessa ordem de ideias, a respeito da constitucionalidade, ou não, das propostas de emenda em trâmite no Congresso Nacional. Não é o propósito deste artigo simplesmente renovar tais questionamentos. Almeja-se tratar, ou pelo menos suscitar o enfrentamento, do mesmo tema central, mas por outro ângulo: o da diferença entre o mundo ideal presente na cabeça de quem elabora ou reforma um sistema constitucional, e a realidade institucional que se efetiva, à luz da legislação infraconstitucional e da jurisprudência do STF em torno de tais textos, nos anos seguintes, ao sabor das pressões políticas e dos inúmeros fatores sociais que passam a atuar.

Já se fez isso, aqui na ConJur, em relação a dois pontos que nos parecem muito sensíveis, relativamente ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a saber, a restituição do indébito e os equívocos da jurisprudência em torno do art. 166 do CTN, e as restrições que se criam para o aproveitamento de créditos, na sistemática da não cumulatividade, os quais passam a ser vistos pelo Fisco como um favor, um benefício, concedido com muita má vontade aos contribuintes (clique aqui). Desta vez, neste artigo, pretende-se fazer o mesmo, mas relativamente à questão federativa.

Discute-se se a supressão da competência dos estados-membros e do Distrito Federal, relativamente ao ICMS, e dos municípios, relativamente ao ISS, seria contrária ou não à forma federativa de Estado. Em um extremo, há quem imagine que qualquer alteração no desenho das competências seria inconstitucional. E, no outro, quem defenda que quaisquer alterações são possíveis, desde que se respeite um equilíbrio na divisão das rendas tributárias. Nesse último caso, os tributos poderiam até ser todos federais, desde que o produto da arrecadação fosse equitativamente partilhado, sem a possibilidade de interferências do ente central sobre essa partilha. Em posições intermediárias, há quem reconheça a importância, também, do uso do tributo como instrumento de política fiscal, sendo essencial portanto que os entes federativos periféricos — estados, Distrito Federal e municípios — tenham também competência para legislar sobre o tributo, não bastando garantir-lhes parcela da respectiva arrecadação. Essa é a razão pela qual a PEC 45 introduz uma complicada sistemática de alíquotas estaduais e municipais para o IBS, paralelamente à alíquota federal.

Sem entrar tanto no mérito das divisões propostas, o que se pretende destacar, neste artigo, é a necessidade de se pensar não apenas em uma divisão equilibrada no presente, ou no momento da aprovação da emenda. Como se espera do texto constitucional alguma longevidade, é importante fechar as portas — e as janelas — que poderiam levar a uma deformação dessa partilha. Não basta dividir o bolo de forma equânime, é preciso garantir que, se ele crescer, a divisão dos excedentes se dê também de maneira equitativa. Do contrário, com o tempo, o que parecia equilibrado pode começar a não ser mais.

Nossa história recente nos dá exemplo eloquente disso. Em 1988, a preocupação com a limitação do poder levou a um incremento do federalismo brasileiro. Municípios ganharam mais autonomia, e as rendas tributárias foram fortemente descentralizadas. A União perdeu impostos importantes sobre combustíveis, energia, comunicação, minerais e transportes, cujas bases passaram a ser alcançadas pelo antigo ICM, cuja sigla para tanto ganhou um “S”. Passou, ainda, a partilhar com estados e municípios parcela expressiva da arrecadação de seus dois principais impostos, suas principais fontes de custeio à época, o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados. Em adição a isso, os estados ganharam um novo imposto, o adicional estadual do imposto de renda (AEIR). E, os municípios, um imposto sobre vendas a varejo de combustíveis (IVVC).

O bolo, conquanto bem dividido, poderia crescer, por certo. Mas isso só poderia ocorrer por meio de impostos residuais, que, se criados pela União, deveriam ter o produto de sua arrecadação partilhado com estados. O equilíbrio na divisão seria mantido.

Esse era o cenário ideal, visualizado pelos que projetaram o sistema constitucional tributário originalmente promulgado em 1988. Mas o que houve, na sequência? Pequenas e paulatinas modificações, que isoladas não pareciam ter grande relevo ou impacto, mas que alteraram completamente a divisão inicial. E, com ela, a efetividade dada ao princípio federativo. É com isso que os reformadores do presente devem estar preocupados, e não apenas com a forma como a divisão ocorrerá no momento inicial de vigência do novo texto.

A Emenda Constitucional 3, de 1993, suprimiu a competência para estados criarem o AEIR, e para os municípios criarem o IVVC. E, em adição, a carga tributária passou a ser majorada, substancialmente, com o uso de “contribuições”, não partilhadas com estados e municípios. Não se criaram impostos residuais, mas contribuições, das mais variadas (sub)espécies: de seguridade, sociais “gerais”, de intervenção no domínio econômico. Figuras que deveriam ser excepcionais tornaram-se a regra, notadamente em virtude da complacência do Supremo Tribunal Federal para com tudo o que ostentasse esse rótulo.

Com efeito, o STF afastou a tese da “parafiscalidade obrigatória”, permitindo que as contribuições de seguridade, previstas no art. 195 da CF, apesar do disposto no art. 194, e no 165, III, da CF, fossem arrecadadas pela Receita Federal, e destinadas à conta única do Tesouro Nacional. Eventual tredestinação dos recursos, em momento posterior, seria ilegalidade que não invalidaria a cobrança da exação. Essa foi a senha para a União usar e abusar, na sequência, dessa figura tributária não partilhada, sob o pretexto de que estaria com elas a atender uma finalidade constitucionalmente determinada.

Como quase toda atuação estatal pode ser enquadrada em alguma ação social, ou de intervenção na economia, praticamente tudo poderia ser instituído sob tal rótulo. Daí o agigantamento da arrecadação federal, e o encolhimento do orçamento dos entes periféricos. Como pá de cal, passou-se a desvincular as receitas da União obtidas com tais exações (DRU), de modo que nem mais os fins (sociais ou interventivos) estavam a tentar justificar os meios (Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Contribuições e federalismo. São Paulo: Dialética, 2004, passim). Tudo foi feito aos poucos, e cada mudança, sozinha, não parecia maltratar tanto a federação, embora todas juntas tenham levado a um efeito desastroso, que jamais seria aceito se efetivado integralmente e em uma mesma oportunidade.

E o que isso tem a ver com as propostas atuais de reforma? A pergunta é retórica pois a leitora naturalmente já percebeu, e sabe que quem não respeita a História está fadado a repetir erros do passado. Não há como aplicar o processo de tentativa e erro para aperfeiçoar as instituições humanas se as tentativas — e os erros — anteriores forem esquecidos.

Em primeiro lugar, vale recordar que só se admitiu a invasão das bases imponíveis de estados e municípios (venda de mercadorias e prestação de serviços) por meio de tributos federais, porque se estava diante de “contribuições”, figuras supostamente representativas de um novo perfil de Estado, destinadas a finalidades constitucionalmente definidas. Nessa ordem de ideias, se PIS e Cofins vão ser liquidificadas com impostos estaduais e municipais, para se transformarem em um IBS, elas devem entrar na equação não como algo que o orçamento fiscal federal está “colocando na negociação”, simplesmente porque essas exações, originalmente, não eram fontes de custeio do orçamento fiscal da União. Elas cresceram e invadiram as materialidades dos entes periféricos com o uso de uma justificativa que desaparece quando assumem a real identidade de imposto e passam a atender pelo nome de IBS.

E mesmo que a divisão do produto da arrecadação, no âmbito do IBS, seja feita de forma equânime, já no texto constitucional, é importante fechar as portas para que a carga não aumente, no futuro, apenas em benefício de um dos entes federativos, notadamente da União. Por mais equilibrado que seja o rateio do produto da arrecadação do IBS, se a União puder, na sequência, por exemplo, continuar instituindo contribuições, sejam elas “sociais gerais”, ou de “intervenção no domínio econômico”, ou “de seguridade”, e a contar com a complacência da Corte Suprema quanto ao uso de tais figuras, esse equilíbrio logo será (novamente) perdido. O uso das contribuições nas décadas de 1990 e 2000 dá o testemunho de um erro que não precisamos repetir, principalmente se quisermos preservar algo que, nos dias atuais, se está mostrando tão importante, que é a autonomia dos entes subnacionais.


O tema foi objeto de rica discussão em evento realizado no dia 2/6/2020 (Youtube Live), pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sob a coordenação de Eurico de Santi e Isaias Coelho, com exposição de Aristoteles Camara e Lina Santin, e debates suscitados por Luiz Bandeira e Raquel Machado.

 é doutor e mestre em Direito, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e do Centro Universitário Christus (Unichristus). Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet) e da World Complexity Science Academy (WCSA). Visiting scholar da Wirtschaftsuniversität (Viena, Áustria).

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Isenção de IPTU para áreas esportivas descobertas em clubes de SP

O IPTU no Município de São Paulo subdivide-se em (i) Imposto Predial Urbano, que grava os imóveis construídos, e (ii) Imposto Territorial Urbano, que onera (ii.1) os terrenos sem nenhuma edificação e (ii.2) as parcelas de terreno consideradas não incorporadas à edificação (“excesso de área”), que ocorrem quando as edificações ocupam uma pequena porção do terreno em que se situam. Essa última situação – prevista no artigo 24, inciso III, da Lei paulistana 6.989/66, que institui o sistema tributário do Município (doravante referida como Lei do STM) — é a única hipótese em que ambos os impostos (o predial e o territorial) incidem em conjunto.

Essa lei isenta do imposto predial “os imóveis construídos pertencentes ao patrimônio das agremiações desportivas, efetiva e habitualmente utilizados no exercício de suas atividades, desde que não efetuem venda de ‘poules’ ou talões de apostas” (artigo 18, inciso II, alínea “h”, na redação da Lei municipal 14.865/2008). Trata-se de saber se certas áreas descobertas de clubes, destinadas à prática de esportes como o futebol, o golfe e o hipismo, atendem ao conceito de “imóveis construídos” da regra isentiva. O Fisco paulistano entende que não, para tanto recorrendo ao artigo 3º, inciso X, do Código Municipal de Obras e Edificações (Lei paulistana 16.642/2017), segundo o qual, “para fins de aplicação das disposições deste Código”, define-se como edificação a “obra coberta destinada a abrigar atividade humana ou qualquer instalação, equipamento e material”.

Considerando-as porções não construídas, aloca-as no numerador da fração conducente à apuração do eventual excesso de área (área total dividida pela área construída), o que — a depender da sua extensão e da zona da cidade em que localizado o clube (ver nota 2 supra) — pode levar à incidência ou ao aumento do imposto territorial.

Pois bem: como visto, o Fisco lança mão do Código de Obras e Edificações para definir “edificação” como “obra coberta” e negar a isenção. Contudo, o recurso à analogia — uso de conceito da lei edilícia para definir termo empregado em lei tributária — só teria lugar em caso de lacuna desta última, como decorre do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, especificamente em matéria fiscal, do art. 108 do CTN. Ocorre que a Lei do STM não é omissa nesse ponto, como se verifica de seu artigo 4º, que nada diz sobre a necessidade de cobertura: “para os efeitos deste imposto, considera-se construído todo imóvel no qual exista edificação que possa servir para habitação ou para o exercício de quaisquer atividades”.

Totalmente dispensável, assim, a remissão ao Código de Obras, sobretudo quando se considera que (i) a definição restritiva de “edificação” que este veicula vale somente “para fins de aplicação das disposições deste Código” (artigo 3º, caput) e que (ii) a sua extensão ao campo tributário levaria à exigência de tributo não previsto em lei, esbarrando na vedação do artigo 108, parágrafo 1º, do CTN.

Cabe aprofundar este segundo ponto. O conceito de “prédio” (na expressão Imposto Predial e Territorial Urbano), utilizado como sinônimo de “edificação” ou “construção” é técnico, pertencendo ao campo da Engenharia Civil, e também jurídico, vinculando-se ao Direito Civil. No primeiro âmbito, confira-se a NBR 13.531 da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que trata da Elaboração de Projetos de Edificações — Atividades Técnicas: “2.1.2. Edificação: Produto constituído por conjunto de elementos definidos e articulados em conformidade com os princípios e as técnicas da arquitetura e da engenharia para, ao integrar a urbanização, desempenhar determinadas funções ambientais em níveis adequados. Exemplos: casas, hospitais, teatros, estações rodoviárias, ferroviárias, aeroportuárias, armazéns, estádios, ruas, avenidas, parques e monumentos”.

Os quatro últimos exemplos evidenciam a desnecessidade de cobertura — e os três últimos dispensam mesmo a verticalidade. Ora bem, as pistas de hipismo descobertas e os campos de futebol e de golfe têm finalidade própria e resultam da cuidadosa articulação de inúmeros elementos construtivos, todos sujeitos a rigorosos padrões de engenharia e de segurança definidos pelos órgãos técnicos e pelas federações estadual, brasileira e internacional dos citados esportes. A sua simplicidade é, portanto, aparente, escondendo estruturas complexas e altamente dispendiosas em sua estruturação e em sua constante manutenção.

Passando agora para o campo jurídico, importa observar que o Código Civil também estende o conceito de construção a obras de engenharia não cobertas, como provam os seus artigos 1.292 e 1.293, que regulam o direito de “construir barragens, açudes” e “canais”. Dessa forma, a manipulação dos conceitos de “prédio”, “edificação” e “construção” pelo legislador ou pelo Fisco municipais, para ampliar o campo de incidência do imposto territorial (ou restringir isenção aplicável ao imposto predial), esbarraria também no artigo 110 do CTN, segundo o qual “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal (…) para definir ou limitar competências tributárias”.

A bem dizer, toda ofensa ao artigo 110 do CTN atinge diretamente o comando constitucional que emprega o conceito de Direito Privado em tela — in casu, o artigo 156, inciso I, da Constituição (Imposto Predial e Territorial Urbano). Bem por isso, o STJ recusa recursos especiais fundados naquele dispositivo, afetando a discussão ao Supremo Tribunal Federal (1ª Seção, REsp. 1.168.038/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 16.06.2010).

Esses argumentos têm sido acolhidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Relatando acórdão favorável ao Clube Hípico Santo Amaro, registrou o Desembargador Paulo Dimas Mascaretti que “a aparência de terreno ou gramado, na realidade, esconde uma verdadeira construção subterrânea, provavelmente com custo muito superior ao das edificações que são visíveis a olho nu, implicando obras de engenharia que envolvem terraplenagem, paisagismo, drenagem, pavimentação, entre outras, a fim de tornarem o terreno apto à prática do hipismo” (8ª Câmara de Direto Público, Apelação 9162641-69.2006.8.26.0000, j. 17.08.2011).

Isso também o que observou o Desembargador Arthur Del Guércio em favor do Golf Clube de São Paulo: “depreende-se da leitura dos laudos juntados aos autos que não há qualquer dúvida acerca de ser a área do campo de golfe efetivamente construída, embora sua aparência não dê essa ideia aos leigos. Segundo os laudos, a construção de um campo de golfe implica em verdadeira obra de engenharia que envolve aspectos de terraplanagem, obras hidráulicas e paisagísticas, com a finalidade de atender às exigências técnicas de um campo para a prática do esporte” (15ª Câmara de Direito Público, Apelação 994.06.052060-0, j. 29.07.2010; ver ainda: 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, 11ª Câmara de Férias de Janeiro de 2004, Apelação 1.206.087-6, Relator Juiz Vasconcellos Boselli, j, 19.02.2004)

A conclusão é referendada por Roque Carrazza e Elizabeth Carrazza, para quem “também são prédios os campos de futebol, as pistas de atletismo, as quadras de tênis, etc., justamente porque exigem construções, ainda que apenas no nível do solo e do subsolo (tubulações, sistemas de drenagem, fiações elétricas, etc.)” (Os 50 anos do Código Tributário Nacional e sua função explicitadora do IPTU. In Revista do Advogado nº 132. São Paulo: AASP, dezembro de 2016, p. 110).

Cobrir as áreas esportivas a céu aberto, em alguns casos, seria uma saída até barata, mas que degradaria fortemente o bem estar e mesmo a saúde dos respectivos usuários. E que prejudicaria a própria cidade, por reduzir a permeabilidade do solo às águas pluviais, contrariando inúmeros dispositivos da Lei municipal 16.050/2014, que aprova a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (artigos 6º, incisos X e XIII; 7º, inciso IX; 8º, inciso II; 265, parágrafo 2º; 268, inciso VII; etc.), como observa André Smith de Vasconcellos Suplicy em estudo inédito.

E tudo isso apenas para atender ao capricho do Fisco municipal, que se recusa a atribuir à expressão “imóvel construído” o sentido inequívoco que lhe dão a Engenharia e o Direito Civil.


https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/fazenda/servicos/iptu/index.php?p=2456

“Parte I, Título I, Capítulo II – Imposto Territorial Urbano

Art. 24. Para os efeitos deste imposto, consideram-se não construídos os terrenos:

(…)

III – cuja área exceder de 3 (três) vezes a ocupada pelas edificações, quando situado na 1ª subdivisão da zona urbana; 5 (cinco) vezes quando na 2ª, e 10 (dez) vezes quando além do perímetro desta última; (…)”

 é sócio-fundador do Mauler Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.