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Costa e Rezende: O enfrentamento da crise da Covid-19

Diversos países e economias globais nas Américas, na Europa, na Ásia, na África e na Oceania vêm, desde março, editando com êxito e de forma rápida legislações emergenciais, todas destinadas à prevenção e à superação da crise econômico-financeira de agentes econômicos.

No Brasil, em linha com o movimento global de edição de legislações emergenciais de insolvência para a prevenção e superação da crise do Covid-19, a Câmara dos Deputados aprovou em regime de urgência o Projeto de Lei nº 1.397/2020, que institui medidas de caráter emergencial destinadas à prevenção da crise econômico-financeira de agentes econômicos e de alteração transitória em nossa legislação de insolvência (Lei nº 11.101/2005). Atualmente, o projeto de lei aguarda aprovação no Senado Federal.

A rápida aprovação de uma legislação emergencial de enfrentamento da crise é um pressuposto para a sua eficácia e efetividade. A título de exemplo, o Cares Act americano (“Coronavirus Aid, Relief and Economic Security Act – H.R. 748”), a legislação emergencial dos Estados Unidos de auxílio, alívio e segurança econômica aos efeitos do coronavírus, visando a solucionar as consequências econômicas da pandemia, foi aprovada no Senado em 25 de março e em entrou em vigor dois dias depois.

Os efeitos gerados pela crise pandêmica já são notórios e devastadores na economia de nosso país. Segundo estudo do Sebrae, publicado ainda no final de março, o porcentual de 89% das micro e pequenas empresas já apresentavam redução de faturamento [1]. A pesquisa mais recente publicada pelo Sebrae demonstra que a situação permanece grave, com 89% das MEs e EPPs registrando queda de faturamento em maio [2]. A produção nacional da indústria de veículos automotores observou queda de 99,3% no mês de abril, em comparação com o mesmo período de 2019 [3]. De acordo com pesquisa da Fiesp publicada pela CNN em maio [4], 92% das industrias paulistas esperavam uma queda de faturamento média de 55% para os meses de abril, maio e junho.

As estratégias de enfrentamento da crise pelas legislações estrangeiras são bastante semelhantes àquelas apresentadas pelo PL 1397/2020. Dessa forma, ressaltando a relevância para a economia do país da rápida aprovação do referido projeto de lei, passaremos a demonstrar sua consonância com as propostas contidas em legislações emergenciais promulgadas por dezenas de nações e economias globais nos cinco continentes.

O Banco Mundial e a INSOL International publicaram, em 17 de abril, um estudo denominado “Global Guide”, contendo um mapa interativo e relatório das respostas legislativas adotadas para dar suporte aos negócios em dificuldades por força da Covid-19, em diversas jurisdições das mais relevantes economias mundiais (On 17 April 2020 INSOL International and the World Bank Group jointly published a Global Guide: measures adopted to support distressed businesses through the COVID-19 crisis[5]. Com base nesse estudo, fica bastante claro que a imensa maioria das jurisdições analisadas, nas Américas, na África, na Europa, na Ásia e na Oceania, já haviam adotado medidas legislativas emergenciais de flexibilização de sua legislação de insolvência e de enfrentamento da crise, tais como as regras previstas no PL 1.397/2020.

A fim de facilitar o entendimento e reforçar a posição de que o projeto está em sintonia com as legislações emergenciais adotadas por diversas outras relevantes economias globais, optamos por destacar quatro medidas de enfrentamento da crise pandêmica, a seguir elencadas:

1ª) Moratória ou alguma modalidade de suspensão, alívio ou respiro financeiro ao devedor: Alemanha, Bulgária, França, Itália, Espanha, Suíça, Malásia, Singapura, EUA, Argentina, Austrália, Uganda, Nigéria, Quênia, entre outros.

Em perfeita simetria com as jurisdições mencionadas acima, o PL 1.397/2020 prevê no artigo 3º a suspensão legal, que implica na suspensão por 30 dias das ações judiciais de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20 de março. Ficando vedados, nesse período, os atos de excussão judicial, decretação de falência, resilição unilateral de contratos bilaterais.

Importante esclarecer que a suspensão legal não se trata de moratória, mas apenas prevê uma suspensão de atos executivos, com o objetivo de se manter as empresas viáveis em funcionamento e concedendo algum tipo de alívio financeiro para se equilibrar o relógio econômico com o relógio financeiro destas empresas, como referido por Lawrence Summers [6]. Ao mesmo tempo, a suspensão legal visa a possibilitar um ambiente favorável de negociação entre credor e devedor, suspendendo-se a possibilidade da excussão de ativos essenciais do devedor durante o período de tentativa de negociação ou de obtenção de financiamentos. Trata-se de medida muito parecida com a “bandeira amarela” defendida pelo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Pennsylvania, David Skeel. Conforme entrevista concedida pelo ilustre professor à Bloomberg [7], “o que é necessário (…) é uma bandeira amarela, tipo aquela das corridas da Nascar quando ocorre um acidente. A bandeira não para os carros na pista, mas proíbe que um carro ultrapasse o outro – nesse caso, seriam todos os devedores e credores de modo que ninguém tire vantagens outro durante essa pausa”

2ª) Suspensão do direito de pedir falência ou medidas que excepcionam e flexibilizam os procedimentos de insolvência: Alemanha, Itália, Espanha, Suíça, Turquia, Índia, Singapura, Austrália, entre outros.

Igualmente, o PL 1.397/2020 estabeleceu em seu artigo 13, II, que durante o período de sua vigência, o limite mínimo para a decretação da falência, para efeito do inciso I da Lei nº 11.101/2005, foi elevado para R$ 100 mil, verificado na data do pedido de falência.

Em acréscimo, o inciso III do mesmo artigo 13 do PL 1.397/2020 também previu a suspensão da convolação de recuperações judiciais em falência, por descumprimento de obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, na forma do inciso IV, do artigo 73, da Lei nº 11.101/2005.

3ª) Medidas de Incentivo a Procedimentos de pré-insolvência, negociação ou workouts: Austrália, China, Hong Kong, Índia, Malásia e Singapura, entre outros.

Inúmeras jurisdições e economias globais têm buscado incentivar a adoção de procedimentos de pré-insolvência e de negociação (a exemplo dos workouts), encorajando os credores a celebrar acordos com os devedores afetados pela crise da Covid-19, especialmente quando se envolver mero diferimento no pagamento das dívidas.

No mesmo sentido, o PL 1.397/2020 retratou no texto legal o seu ímpeto de incentivo aos procedimentos de pré insolvência por meio da criação da negociação preventiva, um procedimento de jurisdição voluntária e de intervenção mínima, destinado à superação consensual de controvérsias que envolvam agentes econômicos atingidos pelos efeitos da crise da Covid-19. Trata-se de procedimento inspirado na Diretiva da União Europeia 1023/19 e nos procedimentos de pré-insolvência franceses da negociation e do mandat ad hoc previstos no Código do Comércio Francês (ARt. L611-3 e 6111-6). Após o ajuizamento da negociação coletiva, ocorrerá a imediata suspensão de execuções judiciais e atos de constrição, por 90 dias, na forma do artigo 3º do mesmo projeto, bastando que o agente econômico demonstre, objetivamente, que sofreu redução de 30% ou mais de faturamento, comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior, subscrito por profissional de contabilidade. Durante o período de stay, o devedor terá acesso ao financiamento do tipo DIP como forma de ter sucesso nas negociações e se manter em funcionamento durante a pandemia. Ao final do prazo de 90 dias, e mediante a apresentação de um relatório das negociações pela devedora, o procedimento será arquivado sem maiores formalidades.

É importante ressaltar que durante os 90 dias do período de stay concedido no ato da distribuição da negociação preventiva, o devedor e seus credores terão ampla liberdade para firmarem acordos individuais ou coletivos, com paridade de armas, isto é, sem que o devedor sofra a ameaça ou o risco efetivo de ter um ativo essencial constrito ou excutido por ordem prolatada em execução judicial.

Em recente artigo publicado no blog da Faculdade de Direito da Universidade de Oxford, Kartieya Sharma defende, à luz da legislação britânica, a estratégia de utilização de procedimentos de pré-insolvência com intervenção mínima (Light Touch Administration) a fim de se evitar o uso desnecessário de procedimentos de insolvência, como forma de preservar a funcionalidade do Poder Judiciário. É possível, ainda, se extrair a mens legis da negociação preventiva prevista no PL, cujo excerto é transcrito literis, com tradução livre em nota de rodapé:

“Different countries have adopted various strategies to prevent or delay initiation of insolvency proceedings and protect businesses in the wake of the Covid-19 Crisis. This has previously been discussed here on this blog. To summarize briefly, efforts are being made to provide direct financial aid (by way of loans and grants) and/or steps are being taken by way of emergency legislation to prevent ‘unnecessary’ insolvency proceedings. The overall aim of these strategies is to provide businesses with protection, albeit temporary, from creditor action” [8].

4ª) Suspensão de ordens de despejo ou algum tipo de alívio aos locatários: Etiópia, África do Sul, Austrália; Singapura, Tailândia, Polônia, Alemanha, entre outros

Embora na versão originária do texto do PL 1.397/2020 tenha restado prevista a vedação do despejo por falta de pagamento, a norma em questão acabou sendo disciplinada no Projeto de Lei nº 1.179/2020, também demonstrando o alinhamento da legislação brasileira de enfrentamento da crise pandêmica com outras jurisdições.

O professor Aurelio Guerrea Martínez, da Singapore Management University (SMU), publicou recente artigo  “Insolvency Law in Times of Covid-19″  no qual há uma abrangente abordagem propositiva das principais reformas emergenciais nas legislações de insolvência globais, tais como medidas de alívio ou respiro financeiro ao devedor, suspensão ou flexibilização do pedido de falência, reforço ao empréstimo DIP, simplificação do regime de reestruturação de micro e pequenas empresas e, especialmente, o incentivo a procedimentos de pré-insolvência e negociação. Segundo o entendimento do autor:

“Due to the costs associated with insolvency proceedings, and the collapse of the judicial system potentially generated by a wave of corporate insolvencies, countries should implement a variety of pre-insolvency tools outside of bankruptcy. These tools should include at least a moratorium against legal actions and a prohibition to terminate contracts against debtors affected by Covid-19. These pre-insolvency tools would perform several functions. Firstly, they can provide debtors with some of the protections generally existing in insolvency law without forcing them to bear the costs associated with filing for bankruptcy. Secondly, the existence of these pre-insolvency mechanisms will reduce the number of companies using the formal insolvency framework. Therefore, the adoption of these tools can avoid the collapse of the judicial system. Finally, since creditors will be unable to terminate contracts or initiate enforcement actions against the debtors, they may have more incentives to negotiate.

(…)

While the insolvency and insolvency-related reforms suggested in this article provide companies with a breathing space, they do not solve the fundamental economic problems faced by companies affected by the Covid-19 crisis: the existence of losses (due to fixed costs and lack of revenues) and the lack of cash-flows. For this reason, they need to be accompanied by a more comprehensive package of legal, financial, tax and economic reforms to support businesses and employees. Moreover, as these measures will probably be insufficient to contain the wave of bankruptcy cases probably generated by the Covid-19 crisis, countries should also make sure that their judicial system is well-equipped to deal with a significant increase of insolvency cases” [9].

Com efeito, a análise do relatório Global Guide de Banco Mundial e INSOL International, e demais fundamentos delineados neste artigo, demonstram à exaustão que o PL 1.379/2020 está em simetria com as legislações de insolvência para enfrentamento da crise das principais economias globais, fator que reforça ainda mais a necessidade de uma célere tramitação e aprovação do texto legal.

Portanto, concluímos que o advento de uma legislação emergencial de enfrentamento da crise, tal como o PL 1.397/2020, é uma medida imperiosa para o reforço das ações governamentais de superação da situação de absoluta excepcionalidade gerada pela pandemia da Covid-19 e está em compasso com a legislação de inúmeras jurisdições e economias globais.

 


[7] “what’s needed (…) is a yellow flag like the one waved at a Nascar race when there’s an accident. The flag doesn’t stop movement, but it locks all the cars—in this case,” all the debtors and creditors—in the same order so no one gets an advantage during the pause” (Vide nota 6).

[8] https://www.law.ox.ac.uk/business-law-blog/blog/2020/05/covid-19-and-insolvency-case-light-touch-administration
Tradução livre: “Diferentes países adotaram várias estratégias para impedir ou retardar o início de processos de insolvência e proteger as empresas após a crise de Covid-19. Isso já foi discutido previamente neste blog. Para resumir brevemente, estão sendo feitos esforços para fornecer ajuda financeira direta (por meio de empréstimos e concessões) e / ou estão sendo tomadas medidas por meio de legislações de emergência para evitar processos de insolvência “desnecessários”. O objetivo geral dessas estratégias é fornecer às empresas proteção, ainda que temporária, contra as ações do credor”.

Embora as insolvências e as reformas relacionadas à insolvência sugeridas neste artigo ofereçam um respiro às empresas, elas não resolvem os problemas econômicos fundamentais enfrentados pelas empresas afetadas pela crise do Covid-19: a existência de perdas (devido a custos fixos e falta de receitas) e a falta de fluxo de caixa. Por esse motivo, precisam ser acompanhados por um pacote mais abrangente de reformas legais, financeiras, tributárias e econômicas para apoiar empresas e funcionários. Além disso, como essas medidas provavelmente serão insuficientes para conter a onda de casos de insolvência provavelmente gerados pela crise da Covid-19, os países também devem garantir que seu sistema judicial esteja bem equipado para lidar com um aumento significativo de casos de insolvência”.

 é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, professor da PUC-SP e professor do Global Insolvency Practice Course da INSOL International.

Frederico A. O. de Rezende é advogado e administrador judicial, INSOL International Fellow e coordenador acadêmico Internacional do IBAJUD (Instituto Brasileiro da Insolvência).

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Raphaela da Silva: Renegociação dos contratos de locação

Como forma de frear a disseminação do novo coronavírus e evitar um colapso na economia brasileira, o governo brasileiro vem, quase que diariamente, editando leis, emitido decretos, portarias e Medidas Provisórias para impor medidas preventivas e restritivas, resultando, entre outras coisas, na redução de circulação de pessoas nas ruas, o fechamento de cinemas e teatros, bares, lojas, shopping centers, de pontos turísticos, de escolas, fronteiras e estabelecimentos públicos, na redução do movimento de clientes nos restaurantes, priorizando o serviço de delivery, com entrega sem o contato físico, além do isolamento social. Estão apenas permitidas aquelas atividades essenciais previstas no Decreto nº 10.282, de 20 de março. Medidas essas que repercutem negativamente na economia brasileira.

A realidade atual de restrições de circulação de pessoas impostas pelo governo, não apenas o brasileiro, mas de todos os países, fez com que a população se adaptasse ao home office. Diante disso, os espaços físicos de trabalho (sejam alugados, sejam próprios) não estão sendo utilizados temporariamente, mas o aluguel continua devido, assim como os demais encargos de um imóvel. Diante do desequilíbrio econômico-financeiro contratual em função do impacto causado pelo desaquecimento da economia, é impossível não pensar na redução de receita e custos.  

Nesse cenário, é nítido notar que a relação locatícia é diretamente afetada, tornando-se necessária a renegociação dos aluguéis, para assim evitar a rescisão do contrato de locação ou o despejo por falta de pagamento de aluguel e demais encargos, nos termos do inciso III do artigo 9, do inciso I do artigo 23 e do inciso IX do parágrafo primeiro do artigo 59, todos da Lei no. 8.245/91 (Lei de Locações).

Os contratos de locação em geral preveem índices de reajustes anuais do aluguel. Por outro lado, os artigos 17 e 18 da Lei de Locações estabelecem que a convenção do aluguel é livre entre as partes envolvidas e traz a possibilidade do locador e locatário, de comum acordo, negociar de boa-fé um novo valor de aluguel e modificar a cláusula de reajuste anual. Portanto, a liberdade e a autonomia das partes de estipular livremente as condições do contrato de acordo com seus interesses só reforça a necessidade de locadores e locatários de tentar a renegociação amigável, de acordo com a função social do contrato prevista no artigo 421 do Código Civil [1].

De acordo com a definição ampla e genérica do artigo 393 da Lei 10.406/02 (Código Civil), as hipóteses de caso fortuito ou força maior geram efeitos que são possíveis de evitar ou de impedir e, sendo configurada, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado. A pandemia da Covid-19, que fez com que governos emitissem determinações de fechamento de shoppings centers, parece-nos se caracterizar como caso fortuito ou força maior, sendo a pandemia um fato imprevisto e superveniente à locação.

Outro fator importante é com relação às medidas que vêm sendo tomadas no âmbito dos condomínios edilícios quanto à prevenção da contaminação pelo coronavirus. Pode-se entender que o condomínio edilício é a união entre a propriedade exclusiva (apartamento, sala, loja) com a propriedade condominial (áreas comuns dos condôminos, como piscina, salão de jogos, banheiro) [2]. A área de uso comum é também de propriedade do condômino da unidade imobiliária e possui o direito de usar e fruir livremente das suas unidades, conforme artigo 1.335 do Código Civil.

Com o isolamento social e a solicitação de evitar aglomerações, muitos condomínios têm adotado a proibição ou restrição do uso das áreas comuns [3] e surgem os questionamentos sobre o pagamento de aluguel e do condomínio. Apesar da pandemia, há um rateio das suas despesas ordinárias (tais como faturas de energia elétrica, água, gás, o pagamento dos funcionários) e a necessidade de arrecadar o percentual correspondente a cada morador. Caso não consiga negociar amigavelmente com o locador ou com administração do condomínio, é possível recorrer ao Judiciário para pedir a redução do aluguel e da taxa condominial? Quais são as consequências se não conseguir pagar integralmente?

De acordo com a Teoria da Imprevisão dos Contratos (Rebus sic stantibus), no ordenamento jurídico brasileiro é possível que um contrato seja alterado, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra. Portanto, não basta que a pandemia da Covid-19 seja imprevisível e inevitável, a comprovação do nexo causal entre a pandemia e o não cumprimento do contrato é fundamental para aplicação da teoria.

Para reforçar a questão da relação da força maior com o não cumprimento da obrigação, no dia 3 de abril os senadores votaram e aprovaram o texto do Projeto de Lei N° 1179/2020 [4], com os devidos ajustes, que seguirá para votação da Câmara dos Deputados.

O projeto atualiza uma série de normas jurídicas para adequá-las, temporariamente, à crise do coronavírus e apenas suspende os efeitos de determinados artigos, pois são medidas temporárias e transitórias diante da emergência da saúde pública, isto é, nenhum artigo será revogado (artigos 1º e 2º do Projeto de Lei). Ainda, é importante também chamar a atenção para o texto do artigo 6º do Projeto de Lei, pois destaca-se que os efeitos jurídicos não retroagirão ao momento anterior à pandemia, ou seja, a força maior não retroage em hipótese alguma para que não haja vantagem indevida para uma das partes.

Na Alemanha, por exemplo, foi elaborada e publicada em 27 de março uma lei denominada Lei para Amenização dos Efeitos da Pandemia do Covid-19 no Direito Civil, Falimentar e Processual Penal, a qual estabelece, entre outras medidas, que durante a pandemia: I) o aluguel é devido, mas o locador não pode exigir o pagamento e nem denunciar o contrato por esse motivo; II) o locador só não pode despejar o inquilino em mora por falta do pagamento dos alugueis vencidos no período de abril a junho de 2020 (período de crise); e III) o locatário deverá demonstrar o nexo de causalidade entre a pandemia da Covid-19 e a ausência da prestação.

No Brasil, no caso de não acontecer uma renegociação amigável, é possível que o locatário recorra ao Judiciário para reduzir ou suspender os pagamentos durante o período de pandemia. No entanto, há uma divergência nas decisões da Justiça quanto ao deferimento desses pedidos. Enquanto o entendimento, por exemplo, do relator e desembargador senhor Arantes Theodoro do Tribunal de Justiça de São Paulo (36ª Câmara de Direito Privado) é de que “nos casos de força maior ou caso fortuito, o direito positivo autoriza a parte a resolver o contrato ou postular a readequação do valor real da prestação, mas não a simplesmente suspender o cumprimento da obrigação” [5], a 8ª e a 28ª Varas Cíveis, também de São Paulo ,atenderam aos pedidos de suspender os aluguéis [6].

Neste atual momento de incerteza econômica e nas divergências de decisões do Judiciário brasileiro, a melhor solução é a renegociação dos contratos, de boa-fé, entre locadores e locatários, de forma a beneficiar as partes envolvidas para reequilibrar a relação contratual e evitar um efeito dominó de perdas na economia brasileira.

 


[1] “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Raphaela Esperança Moreira da Silva é advogada do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.