Categorias
Notícias

Nairane Leitão: Proteção de dados na Bélgica e no Brasil

É notícia de maio de 2020 que a autoridade de proteção de dados belga multou uma operadora de telefonia em 50 mil euros por concentrar nas funções de DPO (Data Protection Officer) equivalente ao encarregado de proteção de dados da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) as responsabilidades pelo compliance da companhia.

A notoriedade da sanção não reside no valor em si, mas no fato de ser a maior multa já aplicada por aquela autoridade, o que parece ter sido feito para chamar a atenção para a importância da função do DPO e da necessidade de assegurar que o seu desempenho se dê sem quaisquer embaraços.

Com isso, a autoridade de proteção de dados belga passou a mensagem de que não iria admitir o acúmulo de funções pelo DPO capaz de comprometer o seu agir independente ou de suscitar conflitos de interesse com outros setores da mesma companhia.

Pelo regulamento europeu de proteção de dados (GDPR), o DPO precisa desempenhar suas funções com independência, possuir um nível de conhecimento adequado, orientar a conformidade no seu ambiente de trabalho e reportar-se ao mais elevado nível gerencial da organização.

Desse modo, o DPO é fundamental para o sucesso da conformidade da empresa com o GDPR e tem uma colocação de alta governança dentro da organização, devendo servir como consultor da diretoria, embora seja dela independente. A sua autonomia dentro da empresa é importante para que não seja impedido de realizar a contento o seu papel.

O GDPR não veda completamente que o DPO exerça outra função, embora o conflito de interesse seja uma questão complexa. O mais importante nessa discussão é que ele não seja responsável pela supervisão das atividades do cargo que eventualmente acumulou, isto é, que não lhe caiba analisar criticamente se tais atividades estão sendo desempenhadas de modo a garantir a proteção dos dados objeto de tratamento pela companhia.

Por exemplo, o DPO necessita realizar uma análise isenta das orientações pensadas e das medidas implementadas pelo setor de TI, responsável por adquirir as ferramentas de tecnologia, bem assim como aquelas adotadas pelo setor da segurança da informação, no qual se realiza o controle do tratamento dos dados, de tal modo que será difícil exercer com imparcialidade essas funções se as acumular.

No exemplo citado acima, o ideal é que, enquanto um implementa ou controla a tecnologia (in casu, o setor de TI ou de segurança da informação, respectivamente) o outro audita e fiscaliza (neste caso, o DPO) como uma balança em equilíbrio.

Outras áreas espelham de forma ainda mais evidente o conflito de interesses com a função de DPO, é o caso das diretorias que não sejam exclusivas para a proteção de dados, recursos humanos, marketing, inovação, comercial/vendas etc.

Pois bem, para a autoridade belga, como as rotinas de compliance naquela companhia de telefonia em específico tratam um volume relevante e constante de dados pessoais, o DPO estaria inviabilizado de supervisionar de forma independente tais atividades.

Contudo, muitos profissionais da proteção de dados viram como excessiva a decisão. Na Europa, não é raro que o DPO, mesmo que não subordinado (em razão de sua independência), reporte-se à mesma diretoria responsável pelo compliance.

Se a decisão colocou em xeque algumas políticas de governança europeias, trouxe ainda mais dúvidas para as atribuições do cargo de encarregado aqui no Brasil.

Não obstante o GDPR ser referência para a LGPD, esta não previu as mesmas características do DPO para o encarregado. Na verdade, pouco falou a seu respeito, limitando-se a dispor no artigo 41, § 2º, que lhe cabe aceitar reclamações e orientar os titulares, receber comunicações da autoridade nacional, orientar os funcionários de onde desempenha sua função e executar as demais atribuições conferidas pelo controlador ou normas complementares.

Deixou para a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) o ônus quanto à definição e as atribuições do encarregado, assim como também a incumbiu de estabelecer as hipóteses de dispensa da necessidade de sua indicação, conforme a natureza e o porte da entidade ou o volume de operações de tratamento de dados.

Até um efetivo pronunciamento da ANPD (que sequer está definitivamente instituída), todas as empresas terão que nomear um encarregado de proteção de dados e, considerando que mais de 90% delas são micro ou pequenas empresas, sem organização e orçamento suficientes para prover o cargo, as maiores restrições ao acúmulo de função para o encarregado pode tornar impossível a sua própria existência.

Se por um lado se espera que a ANPD utilize muito das bases já definidas para o DPO na Europa, por outro, sabe-se também que parte da discussão sobre conflito de interesse será sanada apenas na análise casuística.

Nesse cenário, mais uma importante situação está à espera da criação da ANPD: compatibilizar os requisitos para o lugar do encarregado inclusive no que concerne à sua independência com outras funções com a realidade do setor econômico brasileiro, composto, em grande parte, por micro e pequenas empresas.

 é sócia do escritório Serur Advogados, responsável pela área de privacidade e proteção de dados.

Categorias
Notícias

Empresa deve cumprir contrato e entregar respiradores a São Paulo

Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Com esse entendimento, o juiz Walter Godoy dos Santos Junior, da 11ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, concedeu liminar pedida pelo Estado de São Paulo para determinar que uma empresa entregue, no prazo de cinco dias, 20 respiradores para a rede pública de saúde.

Prefeitura de Porto AlegreEmpresa deve cumprir contrato e entregar respiradores ao Estado de São Paulo

Em 26 de março, foi firmado um contrato entre a empresa ré e uma organização sem fins lucrativos, que se comprometeu a comprar 200 respiradores, ao custo de R$ 12 milhões, e depois doá-los à Secretaria Estadual da Saúde. Porém, consta dos autos que a empresa teria criado embaraços ao cumprimento do contrato, argumentando que o Ministério da Saúde teria requisitado os respiradores.

Segundo o Estado, o Ministério revogou parcialmente o ato requisitório, excluindo do seu objeto os aparelhos destinados a estados e municípios, o que não impediria a empresa de fazer as entregas a São Paulo. Na decisão, o magistrado afirmou que a empresa, embora tenha firmado contrato com um ente privado, sabia que os respiradores seriam destinados ao Estado e, portanto, não havia motivo para não cumprir com sua obrigação.

“Consigne-se, ante o cenário fático delineado, que parece ter havido, em uma conclusão resultante de um juízo cognitivo sumário, violação da boa-fé objetiva ao longo das tratativas e do pacto firmado entre as partes”, afirmou o juiz. “Tal princípio deve ser observado em todas as fases do negócio jurídico, antes da celebração, durante e após. É o que se verifica dos artigos 113 e 422 do Código Civil”, completou.

O juiz afirmou ainda que restaram comprovadas a existência de obrigações assumidas pela empresa ré de entrega de bens destinados ao Estado de São Paulo. Assim, de rigor, afirmou Junior, que seja dado cumprimento ao trato firmado entre as partes.

“Vislumbro a presença da fumaça do bom direito, uma vez que se pode constatar, objetivamente, a ocorrência de mora injustificada ao cumprimento das obrigações assumidas pela ré perante as autoras. Por fim, o perigo da demora é intuitivo, na medida em que a frustração do cronograma de entrega estabelecido pelas partes pode custar milhares de vidas ao Estado de São Paulo, que é o epicentro da epidemia no Brasil”, concluiu.

Ainda segundo a decisão, a empresa deve entregar semanalmente 20 unidades do aparelho, conforme estipulado no contrato, até que se atinja os 200 respiradores. Foi fixada multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão.

Clique aqui para ler a decisão

1021623-46.2020.8.26.0053