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Raphaela da Silva: Renegociação dos contratos de locação

Como forma de frear a disseminação do novo coronavírus e evitar um colapso na economia brasileira, o governo brasileiro vem, quase que diariamente, editando leis, emitido decretos, portarias e Medidas Provisórias para impor medidas preventivas e restritivas, resultando, entre outras coisas, na redução de circulação de pessoas nas ruas, o fechamento de cinemas e teatros, bares, lojas, shopping centers, de pontos turísticos, de escolas, fronteiras e estabelecimentos públicos, na redução do movimento de clientes nos restaurantes, priorizando o serviço de delivery, com entrega sem o contato físico, além do isolamento social. Estão apenas permitidas aquelas atividades essenciais previstas no Decreto nº 10.282, de 20 de março. Medidas essas que repercutem negativamente na economia brasileira.

A realidade atual de restrições de circulação de pessoas impostas pelo governo, não apenas o brasileiro, mas de todos os países, fez com que a população se adaptasse ao home office. Diante disso, os espaços físicos de trabalho (sejam alugados, sejam próprios) não estão sendo utilizados temporariamente, mas o aluguel continua devido, assim como os demais encargos de um imóvel. Diante do desequilíbrio econômico-financeiro contratual em função do impacto causado pelo desaquecimento da economia, é impossível não pensar na redução de receita e custos.  

Nesse cenário, é nítido notar que a relação locatícia é diretamente afetada, tornando-se necessária a renegociação dos aluguéis, para assim evitar a rescisão do contrato de locação ou o despejo por falta de pagamento de aluguel e demais encargos, nos termos do inciso III do artigo 9, do inciso I do artigo 23 e do inciso IX do parágrafo primeiro do artigo 59, todos da Lei no. 8.245/91 (Lei de Locações).

Os contratos de locação em geral preveem índices de reajustes anuais do aluguel. Por outro lado, os artigos 17 e 18 da Lei de Locações estabelecem que a convenção do aluguel é livre entre as partes envolvidas e traz a possibilidade do locador e locatário, de comum acordo, negociar de boa-fé um novo valor de aluguel e modificar a cláusula de reajuste anual. Portanto, a liberdade e a autonomia das partes de estipular livremente as condições do contrato de acordo com seus interesses só reforça a necessidade de locadores e locatários de tentar a renegociação amigável, de acordo com a função social do contrato prevista no artigo 421 do Código Civil [1].

De acordo com a definição ampla e genérica do artigo 393 da Lei 10.406/02 (Código Civil), as hipóteses de caso fortuito ou força maior geram efeitos que são possíveis de evitar ou de impedir e, sendo configurada, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado. A pandemia da Covid-19, que fez com que governos emitissem determinações de fechamento de shoppings centers, parece-nos se caracterizar como caso fortuito ou força maior, sendo a pandemia um fato imprevisto e superveniente à locação.

Outro fator importante é com relação às medidas que vêm sendo tomadas no âmbito dos condomínios edilícios quanto à prevenção da contaminação pelo coronavirus. Pode-se entender que o condomínio edilício é a união entre a propriedade exclusiva (apartamento, sala, loja) com a propriedade condominial (áreas comuns dos condôminos, como piscina, salão de jogos, banheiro) [2]. A área de uso comum é também de propriedade do condômino da unidade imobiliária e possui o direito de usar e fruir livremente das suas unidades, conforme artigo 1.335 do Código Civil.

Com o isolamento social e a solicitação de evitar aglomerações, muitos condomínios têm adotado a proibição ou restrição do uso das áreas comuns [3] e surgem os questionamentos sobre o pagamento de aluguel e do condomínio. Apesar da pandemia, há um rateio das suas despesas ordinárias (tais como faturas de energia elétrica, água, gás, o pagamento dos funcionários) e a necessidade de arrecadar o percentual correspondente a cada morador. Caso não consiga negociar amigavelmente com o locador ou com administração do condomínio, é possível recorrer ao Judiciário para pedir a redução do aluguel e da taxa condominial? Quais são as consequências se não conseguir pagar integralmente?

De acordo com a Teoria da Imprevisão dos Contratos (Rebus sic stantibus), no ordenamento jurídico brasileiro é possível que um contrato seja alterado, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra. Portanto, não basta que a pandemia da Covid-19 seja imprevisível e inevitável, a comprovação do nexo causal entre a pandemia e o não cumprimento do contrato é fundamental para aplicação da teoria.

Para reforçar a questão da relação da força maior com o não cumprimento da obrigação, no dia 3 de abril os senadores votaram e aprovaram o texto do Projeto de Lei N° 1179/2020 [4], com os devidos ajustes, que seguirá para votação da Câmara dos Deputados.

O projeto atualiza uma série de normas jurídicas para adequá-las, temporariamente, à crise do coronavírus e apenas suspende os efeitos de determinados artigos, pois são medidas temporárias e transitórias diante da emergência da saúde pública, isto é, nenhum artigo será revogado (artigos 1º e 2º do Projeto de Lei). Ainda, é importante também chamar a atenção para o texto do artigo 6º do Projeto de Lei, pois destaca-se que os efeitos jurídicos não retroagirão ao momento anterior à pandemia, ou seja, a força maior não retroage em hipótese alguma para que não haja vantagem indevida para uma das partes.

Na Alemanha, por exemplo, foi elaborada e publicada em 27 de março uma lei denominada Lei para Amenização dos Efeitos da Pandemia do Covid-19 no Direito Civil, Falimentar e Processual Penal, a qual estabelece, entre outras medidas, que durante a pandemia: I) o aluguel é devido, mas o locador não pode exigir o pagamento e nem denunciar o contrato por esse motivo; II) o locador só não pode despejar o inquilino em mora por falta do pagamento dos alugueis vencidos no período de abril a junho de 2020 (período de crise); e III) o locatário deverá demonstrar o nexo de causalidade entre a pandemia da Covid-19 e a ausência da prestação.

No Brasil, no caso de não acontecer uma renegociação amigável, é possível que o locatário recorra ao Judiciário para reduzir ou suspender os pagamentos durante o período de pandemia. No entanto, há uma divergência nas decisões da Justiça quanto ao deferimento desses pedidos. Enquanto o entendimento, por exemplo, do relator e desembargador senhor Arantes Theodoro do Tribunal de Justiça de São Paulo (36ª Câmara de Direito Privado) é de que “nos casos de força maior ou caso fortuito, o direito positivo autoriza a parte a resolver o contrato ou postular a readequação do valor real da prestação, mas não a simplesmente suspender o cumprimento da obrigação” [5], a 8ª e a 28ª Varas Cíveis, também de São Paulo ,atenderam aos pedidos de suspender os aluguéis [6].

Neste atual momento de incerteza econômica e nas divergências de decisões do Judiciário brasileiro, a melhor solução é a renegociação dos contratos, de boa-fé, entre locadores e locatários, de forma a beneficiar as partes envolvidas para reequilibrar a relação contratual e evitar um efeito dominó de perdas na economia brasileira.

 


[1] “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Raphaela Esperança Moreira da Silva é advogada do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.

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Intimação de presos em SP poderá ser feita pela internet

Para reduzir a necessidade de deslocamento e evitar exposição dos oficiais de Justiça durante a pandemia do coronavírus, a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo permitiu que os mandados de citações, intimações, notificações e demais comunicações de presos poderão ser cumpridos por uma plataforma digital na unidade prisional que apresentar estrutura.

Oficiais de Justiça poderão cumprir mandados por plataforma digital

Um comunicado foi emitido pelo corregedor-geral da Justiça, desembargador Ricardo Anafe, regulando a medida. Segundo o texto, os oficiais receberão um e-mail com a relação dos presídios paulistas que possuem a plataforma digital Teams, além dos contatos dos diretores das unidades.

O oficial de Justiça deverá agendar previamente o dia e o horário da entrega dos mandados com a administração da penitenciária, não podendo ocorrer atraso por parte do oficial, por questões de segurança (deslocamento de presos dentro da unidade).

Os documentos que acompanham os mandados (denúncia, sentença, termo de recurso/renúncia, etc.), deverão ser encaminhados para os e-mails dos diretores das unidades prisionais onde será cumprido o ato. Esses documentos deverão ser preenchidos pelas Varas em que tramitam os processos.

Conforme a Corregedoria, os documentos assinados pelo acusado na unidade prisional quando do cumprimento do ato serão digitalizados e encaminhados para o e-mail do oficial de Justiça responsável pela diligência e os originais serão enviados para as respectivas Varas após o término do período de trabalho remoto. 

Para as intimações em unidades que não têm o sistema digital, a Corregedoria recomenda o contato telefônico prévio para informações sobre as condições do local antes do deslocamento.

Dificuldade de adquirir EPIs

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, reconheceu a dificuldade de adquirir equipamentos de proteção individual para os oficiais de Justiça, tais como máscaras e álcool em gel. “O mercado está desabastecido diante da procura intensa por tais equipamentos, o que tornou, até o momento, impossível a aquisição”, disse.

Assim, a presidência autorizou a aquisição desses equipamentos pelas administrações prediais. “A aquisição dos equipamentos em quantidades menores e em lugares diferentes é, muitas vezes, mais fácil e viável do que a aquisição em grande escala”, completou.

Caberá a cada administração realizar cálculo aproximado relativo à quantidade de materiais necessários para distribuir aos oficiais que efetivamente atuarão em seu Foro ou Comarca durante a pandemia.