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Barretto de Andrade: Sobre competência do TCU

O Plenário do Supremo Tribunal Federal enfrentará, na próxima semana, um tema relevantíssimo e inédito no colegiado: se o Tribunal de Contas da União pode desconsiderar a personalidade jurídica de empresas privadas com o objetivo de que suas decisões atinjam diretamente os sócios, acionistas ou administradores das pessoas jurídicas.

Na ação, a Corte Suprema decidirá não somente se estende uma vez mais as competências do TCU, mas também se dará um passo em direção à ampliação da insegurança jurídica vivida pelas empresas, que já enfrentam mares de imprevisibilidade durante as atuais crises econômica e sanitária que atingem o país.

O tema chegou ao STF pela primeira vez ainda em 2013, por meio do Mandado de Segurança nº 32.494, que, à época, impetramos na defesa dos interesses de empresa que teve sua personalidade jurídica desconsiderada pela corte de contas. Com base na chamada “teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica”, o TCU havia estendido a sanção administrativa que sujeitava uma empresa para outra empresa, em razão de vínculos de parentesco existentes entre os sócios das duas pessoas jurídicas. Na ocasião, o ministro Celso de Mello deferiu o pedido liminar e suspendeu a decisão do TCU, porém o caso ainda não foi submetido a julgamento colegiado.

Agora, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, vai ao Plenário o Mandado de Segurança nº 35.506, que também teve medida liminar deferida. A ação debate se o TCU dispõe de competência para decretar a indisponibilidade dos bens de empresas e para desconsiderar sua personalidade jurídica, de modo a atingir o patrimônio dos sócios.

A desconsideração da personalidade jurídica está disciplinada pelo artigo 50 do Código Civil, como medida excepcionalíssima, a ser decretada exclusivamente pelo Poder Judiciário e apenas “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial”.

O fato inarredável é que não existe no ordenamento jurídico nenhuma regra que atribua ao Tribunal de Contas competência para desconsiderar a personalidade jurídica de empresas. E não há, justamente, porque a existência das empresas, como figuras autônomas em relação aos seus sócios, acionistas ou administradores, configura elemento central do capitalismo moderno.

Em nome da segurança jurídica e da proteção aos investimentos, a autonomia da pessoa jurídica deve ser preservada ao máximo. Por isso, como mecanismo para se resguardar o princípio constitucional da livre iniciativa, a desconsideração da personalidade jurídica apenas pode ser determinada por decisão judicial (cláusula constitucional da reserva de jurisdição).

O TCU, por outro lado, é um tribunal administrativo. E suas decisões não podem interferir direta e automaticamente no patrimônio jurídico de pessoas e de empresas. Tanto é assim que, de acordo com o artigo 24 da Lei nº 8.443/1992, as decisões condenatórias da corte de contas devem ser executadas por intermédio do Poder Judiciário, no âmbito de ação promovida pela Advocacia-Geral da União.

Se não dispõe de competência legal para invadir o patrimônio de particulares e para forçar o cumprimento de suas próprias decisões, parece evidente que o TCU igualmente não dispõe de competência para desconsiderar a personalidade jurídica de empresas, de modo a atingir o patrimônio jurídico de sócios, acionistas ou administradores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Essa conclusão em nada embaraça o exercício do controle externo pelo Tribunal de Contas. Na hipótese de verificar a presença dos requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurídica, o TCU poderá solicitar à AGU que submeta o pedido de desconsideração ao crivo do Poder Judiciário.

Competências são determinadas, pela Constituição e pelas leis, para que cada agente público exerça suas atribuições de acordo com limites predeterminados pelo Poder Legislativo. Por isso, a competência representa o limite democrático ao exercício do poder. Seu regular exercício propicia segurança jurídica, promove a estabilidade nas relações sociais e protege cidadãos e empresas de atos arbitrários.

Ao desconsiderar a personalidade jurídica de empresas sem deter competência para tanto, o Tribunal de Contas introduz mais um fator de imprevisibilidade no já tão conturbado ambiente de investimentos do país. Daí a importância do julgamento que o Supremo Tribunal Federal realizará nos próximos dias.

 é doutor em Direito do Estado pela Universidade de Brasília (UnB) e sócio-fundador do escritório Barretto & Rost Advogados.

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Banca ASBZ Advogados lança plataforma jurídica de big data

Avanço tecnológico

Escritório ASBZ Advogados lança plataforma jurídica de big data

O escritório ASBZ Advogados lançou a ASBZ Neo, uma plataforma jurídica e tecnológica feita com a Neoway, uma das maiores empresas de big data da América Latina.

 

Com acesso simplificado a serviços exclusivos e diversas opções customizáveis, a ferramenta permite, a partir de fontes públicas de informação, visualizar as oportunidades e problemas que as companhias enfrentam — e muitas vezes não se dão conta.

A ferramenta terá aplicação multidisciplinar, como em operações societárias, identificação de ativos jurídicos, gestão de contencioso e compliance, entre outras.

Para Alexandre Gleria, sócio conselheiro e diretor de inovação e tecnologia do ASBZ, a ferramenta permitirá a resolução mais rápida e eficaz de problemas de clientes.

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Revista Consultor Jurídico, 17 de junho de 2020, 10h00

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Profissionais de saúde enfrentam risco maior com a Covid

A tabela de Acompanhamento Mensal do Benefício Auxílio-Doença Acidentário emitida pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia referente ao ano de 2019 indica que naquele período foram registrados na base de dados 5.158 acidentes de trabalho apenas na atividade econômica de atendimento hospitalar — CNAE 8610. Esse número dá a média de mais de 429 acidentes do trabalho por mês e desconsidera, pelos CNAEs específicos, os serviços de atendimento a urgências, remoção, atenção ambulatorial e outros que são, também, tipicamente atividades de saúde.

Tais índices mantém o trabalho em atividades de saúde no Brasil como um dos mais perigosos na prática, atrás apenas dos trabalhos em transporte rodoviário de carga e no comércio varejista, superando as indústrias da construção e as atividades agropecuárias. E mesmo essa predominância do transporte rodoviário de carga e do comércio varejista se dá, aparentemente, em números absolutos e não percentuais, eis que se tratam de atividades com centenas de milhares de trabalhadores envolvidos.

Já no ano de 2011 o Ministério Público do Trabalho havia chegado à conclusão de que as atividades de saúde eram preocupantemente perigosas e causadoras de acidentes do trabalho. Nesse sentido, decidiu colegiadamente, mediante a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública — Conap, pela criação de um Projeto Estratégico focado na proteção e promoção da segurança do trabalho dos profissionais da saúde nos estabelecimentos públicos. Tal projeto tinha como bases as normas específicas de cada atividade — enfermagem, medicina e radiologia, especialmente — e a dicção da Norma Regulamentadora nº 32, do extinto Ministério do Trabalho, que fixa os parâmetros de segurança e saúde das atividades profissionais nessa área, cobrindo desde o atendimento até as lavanderias, descarte de resíduos sólidos e regras de vestimenta.

No manual de atuação elaborado sobre o tema são listados os alarmantes índices de acidentes do trabalho, bem como os de subnotificação de acidentes. Também são identificadas rotinas padrão que as unidades de saúde poderiam implementar por meio das Comissões Internas de Controle de Infecção Hospitalar — CCIH, previstas no art. 2º, inc. IV do Decreto nº 77.052, de 19 de janeiro de 1976. O manual ainda apresenta um rol de diligências conforme as peculiaridades de cada setor de uma unidade de saúde, bem como modelos de peças e ações judiciais.

Como o manual pontua, também deve ser considerada na análise desse risco a questão do excesso de trabalho. Os profissionais de saúde estão submetidos à perversidade da chamada “jornada de 12×36”, que significa doze horas de trabalho seguidas de trinta e seis horas de repouso. Tais trinta e seis horas são, na verdade, uma ficção, eis que abarcam as onze horas de descanso interjornadas prevista no art. 66 da Consolidação das Leis do Trabalho. E apesar de documentos de conselhos profissionais avalizarem tal jornada — como o Parecer nº 008/2017/Cofen/CTLN, elaborado pelo Conselho Federal de Enfermagem, estudos existem que questionam a efetiva existência das pausas de trinta e seis horas na prática, eis que os trabalhadores acabam por obter um segundo vínculo intercalado entre aquele gerador das 12×36, ficando, assim, presos em jornadas de doze horas todos os dias. Assim aponta Rêgo em estudo sobre o problema:

Maurício Martins de Almeida (2012) constata que é perceptível que após essa jornada exaustiva, em que o trabalhador labora normalmente por oito horas e depois, trabalha de maneira excedente mais quatro, é causadora de um grande stress e gera inúmeros prejuízos biológicos ao profissional. Soma-se isso ao fato de que, como já explicitado, geralmente o trabalhador da área da saúde acaba por aprovar a jornada 12×36, devido à viabilidade de conciliar mais de um local de trabalho no período de 36 horas equivalente ao seu tempo de descanso e lazer. (ALVES, 2013).

Ainda em concordância com Cássia Alves (2013), conclui-se que no contexto socioeconômico brasileiro contemporâneo, grande parte dos trabalhadores recebem salários aquém do necessário para com seus gastos, atraídos dessa forma, pela possibilidade de aumento da renda mensal familiar a partir de mais de um vínculo empregatício. Logo, depreende-se que não é diferente no caso dos profissionais da saúde, que se submetem ao extenuante regime 12×36 atribuído de mais de um local de emprego, para enfim conseguirem renda salarial satisfatória.

Tais profissionais não apenas trabalham quatro horas a mais do que as oito constitucionais, visando aumentarem seus rendimentos, como, ainda, trabalham todos os dias nessas superjornadas, o que, sem dúvidas, gera efeitos sobre sua performance e atenção, como a literatura médica, acidentária e jurídica aborda há décadas, tema objeto de análise nesta coluna em texto anterior.

Reitere-se que os dados de acidentes do trabalho de 2019 evidenciam que o risco no setor continua alto, o que fortalece, forçosamente, a constatação de que os trabalhadores hospitalares sob a pandemia do Covid-19 são o principal grupo profissional exposto aos riscos da doença, o que vem sendo apontado pela cobertura jornalística contemporânea.

Nesse sentido o Conselho Nacional de Saúde editou a Recomendação n. 020 de 07 de abril de 2020, tratando do trabalho de tais profissionais sob os efeitos da pandemia do Covid-19. Essa documento recomenda a adoção de medidas de proteção que envolvem desde o acesso a informações sobre as unidades de saúde, riscos de contágio e direitos dos trabalhadores, como, também, medidas de organização e adequação às normas técnicas pertinentes e medidas de preservação da saúde mental Mas o foco principal é o treinamento dos trabalhadores e a manutenção de ambientes de trabalho seguros por meio da adoção e uso de equipamentos de proteção individuais — EPIs — tais como máscaras e luvas, e equipamentos de proteção coletivas — EPCs — que são placas, exaustores, torneiras, sabões, álcool em gel, etc.

Não destoam desse entendimento as manifestações do SindSaúde-SP, Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde do Estado de SP e da Abrasco — Associação Brasileira de Saúde Coletiva, que em textos sobre a saúde dos profissionais de saúde realçam o alto risco de suas atividades e a necessidade de adoção de medidas de proteção inclusive quanto a jornadas e assédio.

Os profissionais de saúde têm o dever de prestar suas atividades a quem esteja em perigo ou em grave risco, mormente em situação emergencial como a ora vivida com o advento da pandemia do Covid-19, como reconhecem Souza, Mobelli e Alencar em estudo dedicado ao direito de resistência de tais profissionais durante a pandemia. Mas essas autoras reconhecem, consequentemente, que “os gestores públicos e particulares dos centros hospitalares e de pronta resposta ao Covid-19, sob pena de sujeição aos crimes de periclitação da vida e da saúde e responsabilização civil e trabalhista, tem o dever de garantir a salubridade no meio ambiente de trabalho”.

Esse dever de garantir a saúde e segurança dos trabalhadores nas unidades de saúde em meio à pandemia do Covid-19 é tutelado e perseguido pelos sindicatos, conselhos profissionais e pelo Ministério Público do Trabalho, os quais buscam tanto prover a população com os serviços de saúde indispensáveis ao seu tratamento na pandemia, como, também, garantir a saúde das médicas, enfermeiras e demais profissionais de saúde que se ativam nessa heroica missão. Afinal, profissionais de saúde doentes não poderão tratar da saúde da população.

REFERÊNCIAS

ÁSFORA, Marcela; CAVALHEIRO, Ruy F. G. L. Saúde na Saúde – Manual de Atuação da CONAP. MPT, Brasília, DF, 2014. Disponível em <https://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/legislacao/norma%20sem%20numero/Cartilha%20Sa%C3%BAde%20na%20Sa%C3%BAde_Manual%20de%20Atua%C3%A7%C3%A3o%20da%20CONAP.pdf>, acesso em 10.06.2020.

 é procurador do Trabalho, mestre em Direito, especialista em Filosofia do Direito e em História e Filosofia da Ciência, além de associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

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Crimes tributários em tempos de epidemia da Covid-19

1. Os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus são notórios, afinal, a principal medida preventiva do momento é o isolamento social, necessariamente afetando as operações de toda sorte de prestação de serviço, comércio e indústria.
Nesse cenário, muitas empresas enfrentam uma reduçã…