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STJ nega federalizar investigações da morte de Marielle Franco

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) e do motorista Anderson Gomes é uma grave violação a direitos humanos e pode fazer com que o Brasil responda internacionalmente. Porém, não há indícios de que as instituições do Rio de Janeiro não tenham capacidade de desvendar o crime e punir seus autores. Pelo contrário: os inquéritos, denúncias e diligências apontam que a Polícia Civil e o Ministério Público fluminenses estão empenhados em resolver o caso.

Vereadora Marielle Franco foi assassinada em março de 2018 no Rio

Reprodução/Facebook

Com esse entendimento, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou, nesta quarta-feira (27/5), a federalização das investigações sobre as mortes de Marielle e Anderson.

O pedido de federalização foi feito em setembro de 2019 por Raquel Dodge, então procuradora-geral da República. Ela argumentou que, passados à época 18 meses do cometimento dos crimes, a polícia do Rio ainda não teria dado respostas satisfatórias sobre o crime, o que poderia fazer com que o Brasil fosse responsabilizado perante organismos e cortes internacionais de direitos humanos.

Raquel também ressaltou que milícias teriam influência nas investigações. Por isso, requereu a transferência da investigação sobre o mandante dos assassinatos da esfera estadual para a federal, ficando na esfera estadual o processo relativo aos executores já identificados.

A relatora do caso, ministra Laurita Vaz, afirmou que o incidente de deslocamento de competência (IDC), estabelecido pelo parágrafo 5º do artigo 109 da Constituição Federal, pode ser instaurado se três requisitos estiverem presentes no caso. O primeiro é haver grave violação de direitos humanos. O segundo é que essa grave violação seja contrária a tratados internacionais assinados pelo Brasil, podendo fazer com que o país responda perante organismos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. E o terceiro requisito é que as autoridades estaduais não tenham capacidade de oferecer respostas efetivas ao crime.

Para a magistrada, a gravidade do crime é inquestionável. “O caso chocou o país e a comunidade internacional. Parece que foi uma execução planejada por uma organização criminosa, o que configura gravíssima ofensa a direitos humanos.” Além disso, Laurita declarou que o Brasil deve garantir que os executores de Marielle e Anderson sejam levados à Justiça, sob pena de ser responsabilizado por entes internacionais.

Contudo, a relatora destacou que a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio estão tendo atuação firme na solução do crime. Considerando o vasto acervo já formado no caso, com centenas de diligências cumpridas, o deslocamento das investigações para a Polícia Federal traria mais atraso às investigações, ressaltou.

Por não estar presente o terceiro requisito — incapacidade das autoridades locais em oferecer respostas efetivas ao crime —, Laurita votou por negar o IDC. Todos os demais integrantes da 3ª Seção seguiram o entendimento da relatora.

Sustentações orais
Em sustentação oral, o vice-procurador-geral da República Humberto Jaques de Medeiros afirmou que o caso deveria ser federalizado, uma vez que o crime ocorreu durante a intervenção federal no Rio de Janeiro.

As defesas de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, apontados como executores do crime, também pediram que as investigações saíssem do Rio, alegando inconsistências e falhas da polícia.

Por outro lado, a promotora de Justiça Simone Sibilio, representando o MP-RJ, defendeu o trabalho da instituição e da Polícia Civil. Segundo ela, Raquel Dodge tinha “obstinação” em federalizar as apurações e não provou que as entidades fluminenses não fossem capazes de oferecer respostas ao delito.

Representantes de Mônica Benício, viúva de Marielle, e a Defensoria Pública do Rio, em nome da viúva de Anderson e da mãe da vereadora, também pediram que as investigações continuassem no estado.  

Votos de ministros
Em seu voto, o ministro Jorge Mussi disse que, além de entidades do Rio estarem conduzindo bem as apurações, não há informação de que o Estado brasileiro seja alvo de procedimento no exterior pelo crime.

Por sua vez, o ministro Rogério Schietti Cruz apontou que o fato de ser mulher pesou para Marielle e criticou a persistência de homicídios de defensores de direitos humanos.

“Esse caso é evidência cabal de que, no Brasil, continuamos a presenciar assassinatos de pessoas que se arriscam a defender minorias e cobrar dos políticos atitudes mais ousadas no enfrentamento às violações de direitos sofridas pela população. A morte de Marielle parece não constranger os que reverberam discursos de intolerância”.

Respeito ao Judiciário
Ao abrir a sessão de julgamento, o presidente da 3ª Seção do STJ, ministro Nefi Cordeiro, afirmou que o Judiciário não toma decisões de forma política.

“O maior dano ao indivíduo, que é o crime contra a vida, tem gerado também debates políticos. Não faremos debate político. O Judiciário não discute e não decide política, que – como lícita intervenção pelo bem do povo – é promovida por seus representantes e pela sociedade. O Judiciário criminal faz o enquadramento jurídico do fato pela culpa provada. Como poder da República, não é favorável a partidos ou correntes ideológicas, e não pode atuar sob ameaças ou pressões”, declarou o ministro.

Nefi Cordeiro repudiou os ataques que o Judiciário tem sofrido e afirmou que a sociedade precisa de uma Justiça independente, que exerça suas funções na integralidade. Segundo o presidente da seção, sua manifestação é necessária no momento em que se veem “ataques personalizados a juízes em decorrência de suas decisões” e “ataques institucionais ao Judiciário, que atua na sua estrita função de guardião das promessas da Constituição e das leis”.

“A sociedade precisa de um Judiciário realmente independente, que exerça com integralidade as suas funções. É preciso proteger o Judiciário, não como proteção aos juízes, mas como proteção à sociedade. Não se podem admitir ataques pelos resultados de decisões judiciais, que já possuem na lei os recursos próprios para tanto. É momento de se fazer a defesa do Judiciário como instrumento de cidadania. E neste papel atuamos na 3ª Seção do STJ”, avaliou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

IDC 7

*Texto atualizado às 19h54 do dia 27/5/2020 para acréscimo de informações. 

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Município não pode usar verba da educação para transporte de alimento

Municípios não podem usar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para fins não relacionados ao ensino.

Desembargadores do TRF-2 proibiram uso de verbas da educação para transporte
Reprodução

Com esse entendimento, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) suspendeu liminares que autorizaram os municípios fluminenses de Petrópolis e Duas Barras a destinar, durante a epidemia do coronavírus, o dinheiro da merenda escolar para o transporte de cestas básicas para as famílias dos alunos.

Em agravos de instrumento, o FNDE, representado pelo procurador federal Ricardo Marques de Almeida, apontou que o artigo 212 da Constituição determina que cada município deve aplicar 25% da receita de seus impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. E os artigos 70 e 71 da Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei 9.394/1996) listaram quais são, e quais não são, as despesas que serão consideradas para esse fim.

Ocorre que os dispositivos não incluem despesas com transporte dos alimentos — como é o caso de distribuição de cestas básicas a famílias de alunos. Trata-se de decisão discricionária do prefeito, que deve ser custeada com recursos próprios do município, sem o uso das verbas da educação, sustentou o FNDE.

“Qualquer decisão judicial que autorize utilizar os recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar para despesas outras para fins do cálculo do percentual de 25% para educação estará afastando o artigo 212 da Constituição Federal, o que equivale a sua declaração de inconstitucionalidade”, afirmou o fundo.

Ao suspender a liminar que permitiu que Petrópolis usasse os recursos do fundo para distribuição de cestas básicas, o desembargador federal Guilherme Diefenthaeler disse que há risco de irreversibilidade da decisão, uma vez que as verbas dificilmente serão devolvidas ao FNDE.

Já o desembargador federal Poul Erik Dyrlund, que suspendeu a liminar de Duas Barras, destacou que Lei de Diretrizes Básicas da Educação não autoriza o uso de dinheiro do fundo para o transporte de alimentos.

Clique aqui para ler a decisão de Petrópolis e aqui para ler a de Duas Barras

Processos 5003983-26.2020.4.02.0000 (Petrópolis) e 5003985-93.2020.4.02.0000 (Duas Barras)

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.