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Gilmar Mendes critica inércia da PGR em ameaças a ministros do STF

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, listou diversas ocorrências e ameaças contra os ministros da Corte que foram enviadas à Procuradoria-Geral da República e não tiveram andamento. O ministro foi o oitavo a votar nesta quarta-feira (17/6) para manter o chamado inquérito das fake news (Inq 4.871), que apura ameaças contra os ministros do Supremo. 

Ministro disse que PGR não deu devida atenção às ameaças enviadas — até que inquérito fosse instaurado pela Corte
Rosinei Coutinho/SCO/STF

De acordo com Gilmar Mendes, em diversos casos de ataques sofridos pelo tribunal ou constatados nos processos, o Ministério Público Federal não adotou as providências cabíveis. 

“As ameaças à vida e à integridade dos ministros e seus familiares, que constituem objeto do inquérito, não foram interiormente apuradas pelo Parquet, embora já ocorressem com alguma frequência e sistematicidade, a indicar a realização de atos coordenados por pessoas unidas por interesses distintos”, afirmou.

As manifestações, lembrou o ministro, também foram feitas por agentes públicos, que incitaram atos inconstitucionais e antidemocráticos, como fechamento da Corte e destituição dos ministros. Ele também citou as conversas divulgadas pelo site The Intercept Brasil, que mostraram o procurador Deltan Dallagnol pedindo o endereço do ministro Dias Toffoli numa tentativa de conectá-lo a casos de corrupção. 

Tais fatos “não foram objeto da devida atenção por parte da PGR até a instauração do inquérito pelo tribunal”, afirmou o ministro. 

Gilmar também afastou o questionamento de vícios no objeto do inquérito questionado por ser muito amplo. Para ele, o objeto e os fatos foram bem delimitados e buscam apurar ataques por intermédio de uma estrutura organizada de divulgação de fake news. 

Ao tratar da liberdade de expressão, o ministro afirmou que não foram feitas meras críticas, mas sim um “movimento orquestrado que busca atacar um dos poderes responsáveis pelos direitos fundamentais e das regras do direito democrático”. Apontou que vislumbra a possibilidade de configuração dos crimes de calúnia, injúria, difamação, ameaça, organização criminosa e delitos da Lei de Segurança Nacional.

No caso do STF, disse Gilmar, “não se pode ignorar que esse poder de polícia judiciária, previsto pelo regimento, parece constituir importante garantia para coibir crimes que atentem contra o poder constitucionalmente incumbido da defesa dos direitos fundamentais e das regras do jogo democrático, em especial diante do cenário atual de ataques sistemáticos e organizados”.

Desde a manhã desta quarta, os ministros analisam uma ação, ajuizada pelo Partido Rede Sustentabilidade, para questionar a portaria que determinou a abertura do inquérito. O julgamento foi suspenso e será retomado na tarde desta quinta (18/6). Votarão os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Unanimidade até agora

O inquérito das fake news foi aberto em março de 2019, por ordem ministro Dias Toffoli, presidente do STF, com base no artigo 43 do Regimento Interno do STF. Ele designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o processo. A investigação corre sob sigilo e despertou críticas desde que foi anunciada.

Até o momento, é unânime o entendimento de que ataques em massa, orquestrados e financiados com propósito de intimidar os ministros e seus familiares, justificam a manutenção das investigações. 

O colegiado seguiu o relator da ação, ministro Luiz Edson Fachin, que embora inicialmente tenha votado para impor delimitações ao inquérito, adequou seu voto após o ministro Alexandre de Moraes apontar que as medidas sugeridas já estão sendo cumpridas.

Moraes afirmou que, no decorrer da investigação, as defesas e a Procuradoria-Geral da República tiveram acesso aos documentos. O ministro disse ter garantido a participação do Ministério Público no inquérito e entendeu que todo tribunal pode abrir inquéritos e investigações criminais sem que haja pedido do MP.

O dispositivo final do voto de Fachin é o seguinte: “Ante o exposto, nos limites desses processos, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, julgo totalmente improcedente o pedido nos termos expressos em que foi formulado ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da portaria GP 69/2019, enquanto constitucional o artigo 43 do regimento interno, do STF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato, com esse ato exclusivamente envolvidas”.

ADPF 572

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Maioria do Supremo vota para manter o inquérito das fake news

O Supremo Tribunal Federal formou maioria para manter o chamado inquérito das fake news, que desde 2019 apura ameaças contra os ministros da corte. O julgamento está em andamento nesta quarta-feira (17/6) e são aguardados mais dois votos, dos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, já adiantou que irá suspendê-lo após esses votos e o julgamento será retomado amanhã.

Seis ministros votaram para rejeitar o pedido de suspensão do inquérito das fake news

A investigação (Inq 4.871) foi aberta por ordem ministro Dias Toffoli, que designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o processo. O inquérito corre sob sigilo.

Logo após anunciado, o partido Rede Sustentabilidade ajuizou uma ADPF para questionar a portaria que determinou a abertura do inquérito. 

Além do relator da ação, ministro Luiz Edson Fachin, votaram até o momento os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Todos eles acompanham o relator e entendem que ataques em massa, orquestrados e financiados com propósito de intimidar os ministros e seus familiares, justificam a manutenção das investigações. 

O relator também afirmou que a regra regimental do Supremo que prevê a hipótese de instauração de inquérito, de ofício, pelo presidente da Corte, tem e deve ter “nítidos limites constitucionais”, não sendo usual o manejo desse dispositivo. Afinal, para garantir isenção e independência, aquele que julga não deve investigar e muito menos acusar.

Inicialmente, Fachin votou para o inquérito continuar, mas sugeriu delimitações. Para ele, era o caso de dar interpretação conforme à Constituição para, dentre outros tópicos, definir que o inquérito deve ser acompanhado pelo Ministério Público.

No entanto, o ministro adequou seu voto nesta tarde após o ministro Alexandre de Moraes apontar que as medidas sugeridas já estão sendo cumpridas.

Desta forma, o dispositivo final do voto de Fachin é o seguinte: “Ante o exposto, nos limites desses processos, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, julgo totalmente improcedente o pedido nos termos expressos em que foi formulado ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da portaria GP 69/2019, enquanto constitucional o artigo 43 do regimento interno, do STF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato, com esse ato exclusivamente envolvidas”.

Em seu voto, Moraes defendeu que todo tribunal pode abrir inquéritos e investigações criminais sem que haja pedido do Ministério Público. Segundo o ministro, não existe o monopólio da investigação por parte das policiais judiciárias e a determinação de instauração de inquérito por parte do MP.

O ministro também apresentou trechos que estão na investigação, que envolvem ataques cibernéticos com e-mails institucionais, ameaças de morte e perseguição. Segundo ele, não se trata de meros xingamentos, mas sim tentativas de coação.

Já o ministro Barroso afirmou que o inquérito impugnado deve ser interpretado de maneira restrita. Ele ponderou que esse tipo de ameaça não pode ser tolerado por qualquer sociedade civilizada.

Por sua vez, a ministra Rosa Weber frisou que ataques “deliberados e destrutivos” contra o Poder Judiciário, seja com a pretensão de seu fechamento ou não, “revelam não só absoluto desapreço pela Democracia, como também configuram crimes”. 

De acordo com Luiz Fux, o processo deve prosseguir como forma de acabar “no nascedouro com esses atos abomináveis que vêm sendo praticados contra o Supremo Tribunal Federal”. 

Já a ministra Cármen Lúcia lembrou do papel do Supremo como guardião da Constituição e destacou que a liberdade de expressão “não pode ser biombo para criminalidade”. Para ela, é importante resguardar a integridade de todos os magistrados do país.

ADPF 572

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STF nega HC de Weintraub para trancar inquérito das fake news

Não cabe Habeas Corpus contra ato de ministro no exercício da atividade judicial. Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 9 votos a 1, negou nesta quarta-feira (17/6) HC para trancar o inquérito das fake news (Inq 4.871) contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, seguirá sendo investigado no inquérito das fake news
Marcelo Camargo / Agência Brasil

O ministro Alexandre de Moraes convocou Weintraub para depor e explicar as declarações que deu em reunião ministerial de 22 de abril. Na ocasião, Weintraub chamou os ministros do Supremo de vagabundos e disse que eles mereciam ser presos. Segundo Mores, as declarações são gravíssimas e não só atingem a honorabilidade dos integrantes da corte como também representam ameaça ilegal a sua segurança

Em HC em favor do ministro da Educação, o ministro da Justiça, André Mendonça, argumentou que o pedido de depoimento não tem relação com o inquérito relatado por Alexandre. Isso porque as explicações de Weintraub não ajudariam o STF no inquérito das fake news. Este investiga a divulgação em massa de notícias fraudulentas com o objetivo de desestabilizar a democracia no país, atacando o Judiciário e o Legislativo para concentrar poder nas mãos do presidente Jair Bolsonaro.

O relator do caso, ministro Luiz Edson Fachin, apontou que o Supremo entende que não cabe HC contra ato de ministro no exercício da atividade judicial.

“A utilização do Habeas Corpus como alternativa ao recurso previsto na legislação, para atacar ato jurisdicional de integrante do Supremo Tribunal Federal, pode implicar desnível no quórum regimentalmente previsto para a solução da controvérsia versada no recurso, já que o prolator do ato atacado, quando incluído na condição de autoridade coatora, não participaria do julgamento do writ“, destacou.

O voto do relator foi seguido por nove ministros. Por impedimento, Alexandre de Moraes não participou da votação.

O ministro Marco Aurélio ficou vencido. Segundo ele, o HC é ação constitucional voltada a preservar a liberdade de ir e vir do cidadão. Assim, as únicas exigências ao seu cabimento dizem respeito à articulação da causa de pedir e à existência de órgão acima daquele que praticou o ato. E, acima de cada ministro do STF, há as turmas e o Plenário.

Clique aqui para ler o voto de Fachin

HC 186.296

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Para Fachin, inquérito do STF sobre fake news deve seguir

A regra regimental do Supremo Tribunal Federal que prevê a hipótese de instauração de inquérito, de ofício, pelo presidente da Corte tem e deve ter “nítidos limites constitucionais”, não sendo usual o manejo desse dispositivo. Afinal, para garantir isenção e independência, aquele que julga não deve investigar e muito menos acusar.

Ao votar pela manutenção do inquérito, ministro Luiz Edson Fachin sugeriu limites
Rosinei Coutinho/STF

O entendimento é do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ao votar pela manutenção do chamado inquérito das fake news. Fachin é relator da ação que questiona a investigação aberta de ofício pela corte. Ele foi o único a votar nesta quarta-feira (10/6), em julgamento que será retomado na manhã próxima quarta-feira (17/6).

O inquérito foi aberto em março de 2019, por ordem do Supremo, para apurar ameaças contra ministros da Corte. O processo é presidido pelo ministro Alexandre de Moraes e corre sob sigilo. Logo após anunciado, o partido Rede Sustentabilidade ajuizou uma ADPF para questionar a portaria que determinou a abertura do inquérito. 

Em extenso voto, Fachin adentrou ao entendimento de mérito. Julgou o pedido improcedente e entendeu pela declaração de constitucionalidade da portaria, deixando claro que deve haver sua interpretação conforme à Constituição para alguns tópicos. 

Dentre eles, o inquérito deve ser acompanhado pelo Ministério Público e observar integralmente a Súmula Vinculante 14. Seu objeto deve ser limitado às manifestações que apontem risco efetivo à independência do Poder Judiciário, pela via da ameaça aos membros do STF e a seus familiares, que atentam contra os poderes instituídos, contra o estado de direito e contra a democracia.  

E ainda deve seguir a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, sendo excluídos do escopo do inquérito notícias e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais. 

Segundo o ministro, o regime jurídico da liberdade de expressão garante a impossibilidade de censura prévia e a possibilidade da responsabilidade civil e criminal futura.

Nem além, nem aquém

Na ADPF, a Rede apontou que não é competência do Judiciário conduzir investigações criminais. Ao analisar esse ponto, Fachin buscou explicação no Regimento Interno da corte que, em seu artigo 42, dispõe que o presidente responde pela polícia do tribunal no exercício da qual poderá requisitar auxílio de outros órgãos.

Citou também que o artigo 43 prevê que o presidente instaure o inquérito, mas apontou mais de uma vez que, nestes caso, há uma “competência investigatória atípica”. “Não é, nem deve ser usual ao Judiciário e ao Supremo Tribunal Federal, valer-se dessa hipótese legal que emerge na inércia ou omissão dos órgãos de controle. (…) O STF não pode ir além, mas não pode ser impedido a ficar aquém”, defendeu.

“Quando o artigo 42 dispõe que o presidente responde pelo polícia do tribunal no exercício da qual poderá requisitar o auxílio de outros órgãos e o artigo 43 prevê que o presidente ‘instaurará’ o inquérito, estabelece-se uma competência investigatória atípica, eis que não é (nem deve ser) usual o STF valer-se dessa hipótese legal.”

O julgador, disse Fachin, “não deve investigar, menos ainda acusar, eis que a premissa é da isenção, sinônimo de independência”. Ele também defendeu que existe uma congruência entre a Constituição e as práticas que demandam contenção, consistência, nexo e lógica adstrita a normatividade jurídica. “Essa fenda há de ser moderada passagem e não insustentável fissura com a ordem jurídica.”

Já sobre a crítica de que o inquérito foi instaurado pelo STF e não pela polícia ou pelo Ministério Público, não tendo havido sorteio para o relator, Fachin explicou que o artigo 43 no regimento interno também não prevê a redistribuição entre todos os ministros. A previsão é que caberá ao presidente a possibilidade de afastar a distribuição por sorteio. 

No entanto, assentou seu entendimento de que a livre distribuição é “mais coerente e mais consentânea com o processo no estado democrático de direito”, de forma que evitaria possíveis questionamentos de ofensas à imparcialidade do juiz natural.

Incompatibilidades

Noutro momento, o relator tratou da importância de proteção do estado democrático e dos poderes, ressaltando que decisões judiciais devem ser respeitadas. Caracterizou como inadmissíveis as manifestações que defendem o fechamento do Congresso, do Supremo ou a volta de regimes totalitários. 

“São inadmissíveis no estado de direito democrático a defesa da ditadura, a defesa do fechamento do Congresso ou a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos”, afirmou.

E foi além. O relator afirmou que quem faz esse tipo de defesa “precisa saber que este Supremo não os tolerará”. Fachin disse que não há direito ou princípios que possam ser invocados para autorizar tamanha transigência dos direitos fundamentais. “Não há no texto constitucional qualquer norma que autorize outro poder ou instituição a última palavra sobre e a Constituição, que cabe ao Judiciário. A espada sem a justiça é o arbítrio.”

Início da sessão

Na tarde da sessão falaram o procurador-Geral da República, Augusto Aras, e o advogado-Geral da União, José Levi Amaral. O PGR manifestou-se pela concordância com o inquérito e pediu interpretação conforme a Constituição ao artigo 43 do regimento interno. 

O AGU, por sua vez, defendeu a regularidade da portaria e propôs que, entre a liberdade de expressão e uma possível notícia fraudulenta, deve ser assegurada a liberdade de expressão. 

Também falaram os amici curiae admitidos: o Colégio dos Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, a Associação Nacional das Empresas de Comunicação Segmentada (Anatec), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

Clique aqui para ler o voto do relator

ADPF 572

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Marcello Miller: Notas sobre o caso Moro x Bolsonaro

Ao discorrer publicamente sobre os motivos por que pediria exoneração do cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro atribuiu ao presidente da República condutas que, se provadas, tendem a constituir múltiplos crimes, em especial os de falsidade ideológica e prevaricação ou embaraço à investigação de organização criminosa.

O primeiro teria consistido em fazer publicar no Diário Oficial da União ato de exoneração do diretor-geral do Departamento de Polícia Federal com falso referendo do ministro da Justiça e falsa informação de que o ato se dera a pedido do exonerado. O segundo, em substituir o diretor-geral para que o novo nomeado pudesse ser contraparte de interação direta do presidente da República para fins de colheita de informações e por preocupação com inquéritos sob supervisão do Supremo Tribunal Federal.

O procurador-geral da República requereu ao Supremo Tribunal Federal que determinasse a instauração de inquérito para apurar o que chamou de supostos fatos noticiados. Destaca-se o seguinte parágrafo do requerimento:

“A dimensão dos episódios narrados, especialmente os trechos destacados, revela a declaração de ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao presidente da República o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”.

O esforço de cautela é evidente (“A dimensão… revela a declaração… de atos que revelariam…”), embora desnecessário: a narrativa de um relato não traduz, por si só, fé em seu conteúdo, tanto mais em requerimento de instauração de investigação criminal.

O aspecto mais controvertido do requerimento está na parte final desse parágrafo: “…o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”. Esse segmento provocou discussão sobre o escopo do inquérito a ser instaurado, em especial sobre se abrangia a conduta de Sergio Moro em sua fala final como ministro de Estado.

O procurador-geral da República declarou à imprensa que “o inquérito apura fatos” e que “vai apurar fatos relativos a ambos”. Esse é, com efeito, o discurso mais frequente das autoridades de persecução penal a propósito do objeto das investigações criminais que elas investigam fatos, e não pessoas.

O presente trabalho pretende examinar, contra o pano de fundo desse pedido de instauração de inquérito, três questões:

I  Qual é o escopo jurídico de uma investigação criminal?

II — O que é necessário para a instauração de uma investigação criminal a partir de uma notícia-crime?

III — A investigação criminal pode ser bifronte, com apuração simultânea dos fatos noticiados e de possível crime contra a administração da Justiça do noticiante ao efetuar a notícia?

Não há, no presente trabalho, viés de opinião sobre os personagens envolvidos e suas hipóteses de conduta. Ele pretende apenas examinar questões jurídicas pouco debatidas, mas  postas em evidência pelo caso.

O escopo jurídico das investigações criminais
O bordão segundo o qual “o inquérito apura fatos” não resiste à análise da casuística. Perante o próprio Supremo Tribunal Federal, é comum que o procurador-geral da República requeira a instauração de inquérito cujo balizamento não é apurar quem praticou determinado fato ou elucidar todas as circunstâncias da prática desse fato, e, sim, investigar o que exatamente determinada pessoa fez, a partir de elemento inicial que aponta para essa pessoa como autora de fatos incertos ou ilícitos ainda por elucidar.

Ainda que a linguagem comporte contorcionismos diversos, o escopo da investigação é, na segunda hipótese, claramente subjetivo: a investigação partirá da pessoa para os fatos. Se a descrição tivesse de ser binária, faria mais sentido dizer e é o que normalmente ocorre que a pessoa apontada será investigada.

Mas o dilema que opõe pessoas a fatos a propósito do escopo das investigações criminais é falso. Investigações criminais não têm por objeto nem pessoas, ao menos não no Estado Democrático do Direito, nem fatos, cujos contornos e dimensões a princípio não se conhecem os fatos podem, inclusive, nem ter ocorrido. O componente inicial de toda investigação criminal é uma suspeita, isto é, uma percepção inicial, geralmente incompleta, que remete a uma hipótese de infração penal.

Os contornos iniciais da suspeita podem ser predominantemente objetivos ou predominantemente subjetivos conforme as circunstâncias. O encontro de cadáver com sinais de morte violenta criará suspeita em torno do fato e ensejará investigação concentrada em apurar a autoria de provável homicídio. A visão de pessoa ensanguentada, mas não ferida, com faca na mão, criará suspeita em torno da pessoa e ensejará investigação da materialidade de provável crime violento.

O Estado Democrático de Direito acomoda sem dificuldades investigações criminais originadas por suspeitas predominantemente subjetivas. Há clara distinção entre investigar uma suspeita, ainda que ancorada em uma pessoa, e investigar uma pessoa. A questão-chave é a viabilidade jurídica da suspeita, o que remete à segunda questão

II  Standard probatório para a instauração de investigação criminal

Chama-se de notícia-crime a transmissão formal à autoridade de persecução penal da suspeita de um ilícito penal
ainda que o grau de convicção do noticiante seja mais elevado, a autoridade não deve, ao receber a notícia-crime, ir além de um juízo de suspeita. Como é intuitivo, não é qualquer suspeita nem qualquer notícia-crime que determinará a instauração de investigação criminal. Por um lado, uma notícia-crime aparelhada, isto é, acompanhada de elementos de convicção, pode abreviar ou até tornar dispensável a investigação criminal, conforme a solidez e o potencial de elucidação de seus  elementos. Por outro lado, haverá notícias-crime tão vagas ou tão improváveis que a instauração de investigação criminal não será cabível.

A viabilidade jurídica da suspeita dependerá de plausibilidade fática, objetividade perceptiva e concretude narrativa. A plausibilidade fática exige contraste do conteúdo da suspeita com a realidade sensível a notícia de um grande complô, com ramificações internacionais, que empreende perseguição implacável de pessoa comum, embora não seja impossível, não tem plausibilidade fática, ou seja, não faz sentido à luz da normalidade. A objetividade perceptiva remete à origem intelectual da suspeita ela deve basear-se em apreensão racional e racionalmente explicável de fato, dado, elemento ou informação; sonhos e palpites não autorizam atuação estatal investigativa. A concretude narrativa mensura a proximidade contextual entre sujeito e objeto da suspeita noticiar que “há corrupção no governo” ou que “a milícia matou Marielle” pode até fazer sentido e decorrer de apreensão intelectual da informação, mas a distância contextual entre o noticiante e o possível fato tende a ser tamanha que seu relato é demasiado vago para autorizar a atuação estatal investigativa.

Deve ser afastada a noção de que a instauração de investigação criminal exige justa causa. A menos que a expressão esteja aí empregada em sentido próprio e específico, o sistema de Justiça criminal estaria incorrendo em autofagia procedimental se impusesse standard probatório para instaurar investigação criminal idêntico ao que impõe para avaliar a viabilidade probatória de ação penal.

III — Investigação criminal bifronte?

A investigação criminal parte, como visto, de uma suspeita, que precisa ser plausível quanto à hipótese fática, objetiva quanto à percepção e concreta quanto à narrativa. Como se trata de juízo inicial e precário sobre o que possa ter acontecido, admite-se razoável fluidez de seus contornos e mesmo alguma grau de alternatividade de hipóteses. A título de exemplo, a descoberta de grande quantidade de moeda estrangeira oculta no interior de uma parede pode ser o fio da meada de variadas modelagens penalmente relevantes ou até de nenhuma, sem que haja obrigação de apostar, já de início, em uma única hipótese.

Mas a flexão da suspeita inicial encontra limites, determinados pelo próprio conceito de suspeita e pelo imperativo de racionalizar o acionamento do aparato estatal investigatório. A suspeita não pode ser, ao mesmo tempo, uma coisa e seu contrário, sob pena, inclusive, de não se poder considerar existente e criar situação hamletiana para o investigador criminal.

Não é de se excluir que surja, na formação da suspeita, dúvida sobre a veracidade da notícia, tanto mais quando resulta apenas ou essencialmente de um relato trata-se de suspeitar da própria suspeita. Mas, para a autoridade instaurar a investigação criminal, a soma vetorial dessas duas suspeitas a de que houve o ilícito penal noticiado e a de que a notícia seja deliberadamente falsa não pode ser zero; se for, a autoridade não terá, a rigor, formado juízo de suspeita algum.

A hipótese mais frequente é, contudo, a de que uma das suspeitas seja mais densa. Deverá ser ela, então, a nortear o escopo da investigação. A suspeita menos densa só pode tornar-se o norte da investigação se a suspeita antes tida por mais densa se revelar, com alguma nitidez, falsa. Deve haver consecutividade, e não concomitância, não só a bem da lógica, como ainda para fazer uso mais eficiente do aparato investigatório.

IV — O caso concreto
O ex-ministro Sergio Moro fez relato capaz de ensejar juízo de suspeita de clara viabilidade jurídica o que ele relatou era plausível diante das circunstâncias; ele articulou racionalmente o relato, indicando como e onde e quando teria apreendido os fatos; e ele tinha inteira proximidade contextual com os fatos. Ademais, ele apresentou elementos de corroboração em princípio críveis.

Os fatores que poderiam respaldar a hipótese de que o relato de Sergio Moro constitua denunciação caluniosa são pouco densos. A mágoa e o vezo de prejudicar o presidente da República, caso existam, não parecem capazes de ensejar relato tão extenso e detalhado, com tão clara ancoragem contextual. Os elementos de corroboração apresentados pelo ex-ministro, bem como a já comprovada inexistência de assinatura dele no ato de exoneração do diretor-geral do Departamento de Polícia Federal e de pedido deste de exoneração, tornam a hipótese de denunciação caluniosa ainda mais remota.

A suspeita de que Sergio Moro tenha cometido denunciação caluniosa só pode ganhar corpo, portanto, caso a suspeita em torno do presidente da República se revele, ao menos indiciariamente, falsa. A investigação só terá condições práticas de avançar se puder nortear-se, ao menos em seus primeiro movimentos, por apenas uma dessas suspeitas.

Não há sentido processual, de resto, em que a hipótese de denunciação caluniosa por Sergio Moro seja investigada em inquérito supervisionado pelo STF. A competência do foro especial para supervisionar investigação de  não-titular de prerrogativa de foro é estreita: limita-se às hipóteses de conexão ou continência e, mesmo assim, conforme jurisprudência do próprio STF, desde que haja alto grau de imbricação entre as condutas do titular e do não titular de prerrogativa de foro, a ponto de recomendar, a bem da coerência das decisões judiciais, a reunião das investigações.

Mas não há como falar em conexão ou continência entre as condutas atribuídas ao presidente da República e a hipótese de denunciação caluniosa de Sergio Moro, pois o delineio das suspeitas não comporta a ideia de que um e outro possam ter cometido crimes se o presidente da República tiver delinquido, Moro não o terá feito, e vice-versa. Por isso, a investigação só pode passar a apurar a suspeita de denunciação caluniosa do ex-ministro se ficar demonstrado, com alguma nitidez, que os crimes que ele atribuiu ao presidente da República não ocorreram.

V — Conclusões
Investigações criminais apuram, antes de tudo, suspeitas. Para respaldar a instauração de investigação, a suspeita deve ser plausível, objetiva e concreta. A suspeita contra o presidente da República, conforme levantada por Sergio Moro, assim se afigura; a suspeita contra Sergio Moro, não.

Pode ser que o procurador-geral da República tenha pretendido apenas externar cautela e imparcialidade com a ressalva da possibilidade de denunciação caluniosa de Sergio Moro. Nesse caso, contudo, a ressalva terá sido redundante: esse crime sempre é possível em tese quando alguém dá causa à instauração de investigação criminal.

Caso a intenção tenha sido a de impor ao aparato investigatório apuração simultânea da conduta de Sergio Moro, a imposição é inexequível. Múltiplos passos investigatórios em torno da outra suspeita têm de ser cumpridos antes que a suspeita de denunciação caluniosa ganhe corpo, porque esta depende da demonstração, ainda que por indícios, de que aquela é falsa.

À questão da inexequibilidade, soma-se a da competência: o STF não seria competente para supervisionar a investigação criminal relativamente a Sergio Moro, pois, se ele tiver cometido crime, o presidente da República necessariamente não o terá, não havendo de se falar em conexão ou continência, e, sim, em alternatividade mutuamente excludente de hipóteses delitivas.

Marcelo Miller é procurador da República no Rio de Janeiro.

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Celso autoriza diligências em inquérito sobre declarações de Moro

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, autorizou diligências solicitadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, no Inquérito (INQ) 4831, instaurado para apuração de fatos noticiados pelo ex-ministro Sergio Moro (Justiça) em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro. Entre as diligências autorizadas estão a oitiva dos ministros da Casa Civil, do Gabinete de Segurança Institucional e da Secretaria de Governo.

Reprodução

Celso determinou, ainda, que o inquérito tramite em regime de ampla publicidade, em respeito ao princípio constitucional da transparência, pois a investigação “tem por objeto eventos supostamente criminosos, consistentes em fatos, em tese, delituosos revestidos de extrema gravidade, que podem envolver, até mesmo, o presidente da República”.

Depoimentos

O ministro autorizou que sejam colhidos os depoimentos dos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno Ribeiro Pereira (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), e Walter Souza Braga Netto (Casa Civil).

Segundo Aras, o objetivo é esclarecer fatos sobre “eventual patrocínio, direto ou indireto, de interesses privados do presidente da República perante o Departamento de Polícia Federal, visando ao provimento de cargos em comissão e a exoneração de seus ocupantes”.

Com a mesma finalidade, foi autorizada a oitiva da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e dos delegados da Polícia Federal Maurício Valeixo, Ricardo Saadi, Carlos Henrique de Oliveira Sousa, Alexandre Saraiva, Rodrigo Teixeira e Alexandre Ramagem Rodrigues.

De acordo com a decisão, os ministros de Estado e a parlamentar federal poderão ser ouvidos em local, dia e hora previamente ajustados com a Polícia Federal, conforme previsto no Código de Processo Penal (artigo 221). O ministro acolheu, ainda, a sugestão de Aras para que as testemunhas sejam ouvidas em até cinco dias úteis após sua intimação.

Registros audiovisuais

O decano do STF também determinou, a pedido de Aras, que a Secretaria-Geral da Presidência da República envie cópia dos registros audiovisuais da reunião realizada entre o presidente, o vice-presidente da República, ministros de Estado e presidentes de bancos públicos, ocorrida no último dia 22/4, no Palácio do Planalto. Segundo o procurador-geral, o objetivo é confirmar a afirmação de Moro de que Bolsonaro teria cobrado a substituição do superintendente da Policia Federal no Rio de Janeiro.

Outra diligência autorizada é a a obtenção de comprovantes de autoria e integridade das assinaturas digitais no decreto de exoneração de Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal, publicada no Diário Oficial da União em 23/4, além de eventual documento com pedido de exoneração encaminhado por Valeixo ao presidente.

Celso de Mello não acolheu o pedido de elaboração de laudo pericial pelo setor técnico-científico da PF sobre os dados informáticos da mídia do celular do ex-ministro Sergio Moro e de relatório de análise das mensagens de texto e áudio, imagens e vídeos. Segundo o ministro, a medida seria explorativa e deveria se limitar aos arquivos que guardem conexão com os fatos investigados.

Liberdade de imprensa

Ao afastar o sigilo do inquérito, o ministro afirmou que a liberdade de imprensa, no sentido de projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, deve ser abrangente. “Daí a razão de não se impor, como regra geral, regime de sigilo a procedimentos estatais de investigação, notadamente naqueles casos em que se apuram supostas práticas criminosas alegadamente cometidas por autoridades em geral e, particularmente, por aquelas que se situam nos mais elevados postos hierárquicos da República”, destacou o decano.

“Na realidade, os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo – que tem na transparência a condição de legitimidade de seus próprios atos – sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e transgridem-se os direitos dos cidadãos”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

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Inq 4.831