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Opinião: Súmula Vinculante nº 58 e a Zona Franca de Manaus

Em sessão virtual, o plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou por maioria a Súmula Vinculante nº 58, com o seguinte teor: Inexiste direito a crédito presumido de IPI relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis, o que não contraria o princípio da não cumulatividade”.

O referido enunciado decorre da Proposta de Súmula Vinculante nº 26, formalizada desde 14 de abril de 2009, tendo por objeto a ausência de direito ao crédito de IPI em relação à aquisição de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero, em respeito ao princípio da não-cumulatividade (artigo 153, §3º, II, CF), cuja origem do debate remonta aos julgamentos dos Recursos Extraordinários 353.657/PR e 370.682/SC.

Destaca-se que o enunciado sugerido inicialmente não incluía no verbete os insumos isentos, o que ocorreu no curso da tramitação da Proposta de Súmula Vinculante 26. Adicionalmente, o ministro Marco Aurélio destacou que os recursos ensejadores da consolidação do entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal não levaram em consideração o advento do artigo 11 da Lei nº 9.779, de 1999, dispositivo normativo que teria o condão de inovar o ordenamento jurídico e prejudicar a produção de um enunciado sumular em potencial conflito com um texto legal superveniente. Assim, o ministro manifestou-se contrariamente à edição da súmula.

Após amplo debate, o ministro Teori Zavascki pediu vista, em sessão realizada em 11 de março de 2015. Finalmente, agora em 2020, com nova composição, o tema voltou a julgamento do plenário, com a apresentação do voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou a maioria dos ministros e gerou a aprovação da edição da Súmula Vinculante nº 58.

Diante da superveniência e amplitude do enunciado sumular, seria razoável questionar se a referida súmula superou o entendimento consolidado na tese de repercussão geral (Tema 322), fixada em 25 de abril de 2019 pelo mesmo órgão julgador, no sentido de que: “Há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus sob o regime de isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante do artigo 43, § 2º, III, da Constituição Federal, combinada com o comando do artigo 40 do ADCT”. Entendemos que não é razoável prevalecer tal entendimento.

Inicialmente, destaca-se que durante toda a tramitação da proposta de súmula vinculante não houve debate acerca da aquisição de insumos originários da Zona Franca de Manaus.

Em verdade, a única referência ao tema decorreu de um aparte do ministro Toffoli, ainda em 2015, ao votar pela inconveniência da aprovação da proposta, pois se encontrava pendente ‘de análise a questão dos insumos originários da Zona Franca de Manaus, cuja matéria teve sua repercussão geral reconhecida no RE nº 592.891/SP”. Mesmo diante do questionamento, o tema não foi aprofundado ou objeto de apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal.

Assim, a aquisição de insumos originários da Zona Franca de Manaus e o precedente formado no Recurso Extraordinário nº 592.891/SP não foram objeto de apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal e, portanto, não são abarcados pela Súmula Vinculante nº 58. Até porque, como alerta Luiz Guilherme Marinoni “se a súmula vinculante é um enunciado escrito a partir da ratio decidendi de precedentes ou, excepcionalmente, de precedente que versaram uma mesma questão constitucional, é indesculpável pensar em adotá-la, revisá-la ou cancelá-la como se fosse um enunciado geral e abstrato, ou mesmo tentar entendê-la considerando-se apenas as ementas ou a parte dispositiva dos acórdãos que lhe deram origem” [1].

A tese de repercussão geral (Tema 322) está fundamentada em preceitos constitucionais distintos dos debatidos na Súmula Vinculante nº 58, especialmente os artigos 43, § 2º, III, e o artigo 40 do ADCT, enunciados que consagram a tutela constitucional da Zona Franca de Manaus.

A instituição da Zona Franca de Manaus teve por objetivo promover o desenvolvimento econômico da região, conforme determinação da Constituição Federal, que consagrou em seu artigo 3º, III, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” como um dos objetivos fundamentais da República. Para tanto, a Constituição contemplou diversos meios para implementação do referido objetivo, dentre eles os incentivos regionais, que compreenderão “isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas” [2] (artigos 43, 151 e 170, todos da CF/88).

Portanto, os casos são distintos, “seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja, porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente” [3].

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.891/SP prevaleceu a tese de que “o fato de os produtos serem oriundos da Zona Franca de Manaus reveste-se de particularidade suficiente a distinguir o presente feito dos anteriores julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o creditamento do IPI quando em jogo medidas desonerativas” [4]. Adotou-se a técnica de distinção para estabelecer cláusula de exceção à orientação geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal quanto à não cumulatividade do IPI, agora também refletida na Súmula Vinculante nº 58.

Ressalte-se, ainda, que a súmula vinculante pode versar sobre questão com repercussão geral reconhecida, conforme estabelece o artigo 354-E do RISTF: “A proposta de edição, revisão ou cancelamento de Súmula Vinculante poderá versar sobre questão com repercussão geral reconhecida, caso em que poderá ser apresentada por qualquer ministro logo após o julgamento de mérito do processo, para deliberação imediata do Tribunal Pleno na mesma sessão”. Todavia, apesar se ser posterior ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.891/SP, essa não foi a hipótese da edição da Súmula nº 58, que consolidou a orientação geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal quanto à não cumulatividade do IPI em uma acepção lata, sem prejuízo da regra de exceção.

Assim, visando à unidade do Direito Constitucional, deve-se concluir que o conteúdo da Súmula Vinculante 58 convive harmonicamente com a tese de repercussão geral (Tema 322), fixada após julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.891/SP, que trata especificamente da aquisição de insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus, afastando questionamentos sobre o tema e a total insegurança jurídica.

Além dos efeitos jurídicos relacionados ao direito em vigor, o debate sobre o tema é relevante e atual, especialmente diante das propostas de emendas constitucionais que visam a simplificar a tributação do consumo. A PEC 45/2019 (Câmara dos Deputados) propõe a gradual redução dos incentivos da ZFM no prazo de transição de convivência do regime antigo com o novo regime simplificado a ser instituído. Por sua vez, a PEC 110/2019 (Senado Federal) anuncia a sua integral manutenção.

Eraldo Ramos Tavares Júnior é advogado em São Paulo e na Bahia, sócio do escritório Advocacia Tavares Novis.

 é advogado em São Paulo e na Bahia, aluno do Mestrado Profissional da FGV Direito SP, membro do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/FGV), Núcleo de Direito Tributário Aplicado da mesma instituição.

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Conselhos profissionais não são isentos de custas da execução

Isenção das custas de execução, benefício de que gozam entes públicos, não se aplica a conselhos profissionais. O entendimento foi firmado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que revisou sua jurisprudência para decidir que os conselhos de fiscalização profissional devem pagar custas processuais no âmbito das execuções propostas, o que inclui as despesas para a citação, seguindo entendimento da corte no julgamento do Recurso Especial 1.338.247, Tema 625 dos recursos repetitivos.

Segundo o ministro Gurgel de Faria, relator do recurso analisado pela 1ª Turma, a alteração jurisprudencial busca restabelecer harmonia com o precedente firmado pelo STJ em 2012.

Ele explicou que as duas turmas que compõem a 1ª Seção vinham até o momento deferindo pedidos de isenção em favor dos conselhos com base em outro recurso repetitivo, o REsp 1.107.543 (Tema 202), julgado em 2010.

Dispensa

No repetitivo de 2010, a seção consolidou o entendimento de que a Fazenda Pública está dispensada do pagamento antecipado das despesas com a citação postal, as quais estão abrangidas no conceito de custas processuais. Apenas no caso de ser vencida, a Fazenda deverá ressarcir no fim do processo o valor das despesas feitas pela parte vencedora, nos termos do artigo 39 da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal).

No recurso analisado agora, o Conselho Regional de Contabilidade do Paraná se insurgiu contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que determinou a ele, como exequente, o pagamento das custas para o envio da citação.

O conselho regional afirmou que o entendimento do TRF-4 é contrário ao que decidiu a 1ª Seção do STJ por ocasião do julgamento do REsp 1.107.543. Segundo alegou, não cabe ao exequente o custeio das despesas postais das cartas expedidas no feito executivo fiscal, bem como das demais diligências para o envelopamento e envio, uma vez que o inciso II do artigo 152 do Código de Processo Civil deixaria claro que esse encargo é de responsabilidade da Justiça.

Extensão afastada

O ministro Gurgel de Faria lembrou que é dever dos tribunais uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la íntegra, estável e coerente. Ele disse que, após pesquisa jurisprudencial, foi possível verificar que tanto a 1ª quanto a 2ª Turma vêm deferindo pedidos de isenção de custas processuais com base no entendimento do REsp 1.107.543.

De acordo com o relator, posteriormente ao julgamento do REsp 1.107.543, a 1ª Seção definiu a tese do Tema 625 dos repetitivos, pacificando o entendimento segundo o qual, a partir da vigência da Lei 9.289/1996, os conselhos de fiscalização profissional não mais gozam da isenção de custas.

Para o ministro, tendo em vista que a legislação afastou expressamente a extensão da isenção referente às custas processuais, modificação reconhecida pelo STJ em 2012, deve ser negado provimento ao recurso do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná e mantido o entendimento do TRF-4 no caso julgado. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

REsp 1.849.225