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Facilitar o uso de garantias mobiliárias incrementaria a economia

Pandemias de larga abrangência causam inúmeros problemas dos mais variados matizes. Crédito é necessidade permanente para as empresas. Entretanto, em tempos de crise, ele torna-se fator indispensável para evitar que elas fechem ou reduzam suas atividades. Por isso, créditos com menor risco para quem empresta pode ser alternativa para aumentar a oferta e facilitar sua obtenção. Utilizar bens móveis como garantia, comum em muitos países, presta-se para tanto; sendo muito utilizado pelas empresas, mormente pelas de médio ou pequeno porte; além dos microempreendedores.

No Brasil, bens móveis como veículos, máquinas, equipamentos, estoque e ações são pouco aproveitados pelas empresas para se financiar, muito embora cerca de 90% do mercado seja formado por média, pequenas e micro empresas. Das garantias sobre tal tipo de bens, a única usada é a alienação fiduciária em garantia; ficando em plano inferior os penhores comuns, de veículos, de direitos, de caução de títulos de crédito, de animais; ademais dos contratos de compra e venda com reserva de domínio.

Credores nacionais e estrangeiros queixam-se dos obstáculos encontradiços no Brasil: falta de normas adequadas, complexidade do sistema registral, ausência de segurança jurídica, burocracia etc. Tais seriam os motivos da pouca utilização.

Qual seria o roteiro a ser seguido para propiciar maior emprego do crédito, no Brasil, tendo por garantia bens móveis?

Primeiramente, pesquisar junto aos principais representantes de diversos partícipes do mercado, titulares de cartório, bancos, registradoras privadas de valores mobiliários, Receita Federal, organismos internacionais e outras instituições ligadas ao assunto. A seguir examinar cuidadosamente a normativa nacional, com especial atenção para as dificuldades e barreiras registrais, à luz da Lei Modelo da OEA, da Lei Modelo da UNCITRAL; bem como do registro internacional da Convenção da Cidade do Cabo e de seus Protocolos Aeronáutico e MAC (mineração, agricultura e construção).

Na sequência, explorar os vários desafios jurídicos e práticos apresentados pelo tema:

(i) existência de mais de um registro para garantias mobiliárias, que impõe, frequentemente o duplo e contraditório registro no Registro de Títulos e Documentos (RTD) e no de Registro de Imóveis. A regra geral é o registro da maioria das garantias no RTD: penhor comum, penhor de veículos, penhor de direitos, de caução de títulos de crédito, penhor de animais, contratos de compra e venda com reserva de domínio e contratos de alienação fiduciária em garantia. Contudo, há garantias sobre certos bens que, apesar de serem móveis, devem ser registradas, também, no cartório de Registro de Imóveis: penhores rural, mercantil e industrial e a hipoteca de vias férreas. Isso faz com que, frequentemente, apenas parte das garantias móveis, justamente as sujeitas ao Registro de Imóveis, avancem.

(ii) dificuldade classificatória das garantias, a ausência de um corpo normativo que as reúna e a adoção, pelo legislador nacional, de definições rígidas que impedem a introdução de novas formas de garantia.

(iii) o registro de garantias mobiliárias continua sendo realizado majoritariamente em papel, gerando precariedade, insegurança e ineficiência.

(iv) variabilidade das realidades cartoriais, muitas vezes em um mesmo estado federado, que denotam distintas capacidades de os cartórios investirem em infraestrutura, tecnologia e capacitação em recursos humanos; além de perceberem emolumentos não uniformes;

(v) notória dificuldade de armazenamento e segurança dos documentos; assim como na divulgação das transações, especialmente se forem consideradas as adaptações indispensáveis para dar cumprimento aos standards da Lei Geral de Proteção de Dados, a vigorar brevemente.

(vi) não interoperabilidade razoável entre as dezoito mil serventias registrais do país e das centrais estaduais, por motivos operacionais, dificultando sobremaneira a evolução contínua do registro eletrônico e a compilação das informações;

(vii) Falta de base central a que estariam conectadas todas as unidades de serviço do país (cartórios, ofícios e centrais), ou seja, de registro centralizado nacionalmente. Sua adoção: a) acabaria com a necessidade de oficiar os registros do país para a obtenção de informações sobre pessoa física ou jurídica; barateando sensivelmente os custos de due dilligence dos financiadores na verificação da existência de gravames sobre bens oferecidos como garantia; b) melhoraria a comunicação entre as centrais e os cartórios locais, trazendo mais eficiência em razão da padronização de processos; c) ajudaria na interconecção das unidades de registro de bens móveis com o Poder Judiciário, órgãos da administração pública, empresas e cidadãos; e d) beneficiaria os usuários em geral, tornando públicas e disponíveis as certidões e informações registrais a todos.

(viii) ausência de padronização dos emolumentos cartorários, uma vez que cada localidade adota critérios próprios para definir os serviços e para fixar custos, geralmente altos. Maior homogeneidade nos serviços e menor onerosidade no registro de garantias sobre bens móveis fomentaria a economia e a eficiência no comércio. Uso incrementado desses registros, ampliaria o ganho dos cartórios.

O final do roteiro consubstanciar-se-ia em indicar alternativas e soluções para fortalecer os pontos fracos do sistema brasileiro de garantias, apontando entre outras soluções práticas a adoção de um sistema de registro de garantias centralizado, eletrônico e de baixo custo.

O Roteiro explicitado acima foi o seguido, com maestria, pela Professora do Curso de Mestrado do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), Constanza Bodini, para escrever a obra, recentemente publicada, intitulada “Registro de Garantias Mobiliárias: uma proposta para sua modernização”.

Indubitavelmente: (i) neste momento de pandemia seria de grande ajuda se já tivesse sido implantado registro eletrônico, central e de baixo custo; (ii) por outro lado, racionalizar e modernizar as garantias mobiliárias, facilitando seu uso, contribuiria para ampliar o acesso dos empreendedores ao crédito, ao mesmo tempo que beneficiaria a economia.


Bodini, Constanza, “Registro de Garantias Mobiliárias: uma proposta para sua modernização”, São Paulo, Editora CEDES, 2019.

 é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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TRF-3 condena por publicações discriminatórias contra nordestinos

A 11ª Turma do TRF-3, em decisão unânime, manteve a condenação de um homem pelo crime de discriminação. Ele publicou, em rede social, mensagens depreciativas e ofensivas direcionadas à população nordestina.

Publicações foram divulgadas em redes sociais
123RF

Para o relator da ação, desembargador federal José Lunardelli, os elementos objetivos das provas documentais e do interrogatório do réu comprovaram a ocorrência material do delito e a autoria criminosa.

“O uso de termos depreciativos, com referência expressa a estado da federação ou a todo o conjunto de brasileiros provenientes das regiões Norte e Nordeste, traduziu evidente discriminação e prática de preconceito decorrente de origem geográfica”, afirmou.

As ofensas foram publicadas em 2014, no período da eleição presidencial. O acusado efetuou quatro postagens pelo Twitter com teor preconceituoso e discriminatório e menção à segregação de nordestinos, contendo termos chulos e degradantes. Ele atribui opções políticas a origem geográfica dos eleitores.

No recurso, o réu pediu reforma da sentença, alegando que não ocorreu o crime, já que não houve dolo específico na conduta. Ele afirmou ter feito as publicações de maneira impensada.

Segundo o relator, a tese absolutória da ausência de dolo não prosperou, uma vez que o texto revelou ataque frontal e ilícito contra grande parte da população nacional, utilizando como núcleo sua origem geográfica, a partir de um inconformismo com opções eleitorais exercidas por parcela deste grupo.

“Trata-se de praticar discurso não apenas inaceitável, mas criminalizado pelo ordenamento pátrio no artigo 20 da Lei 7.716/89, o qual, com amparo direto na Constituição da República, reprime todo comportamento — inclusive discursivo — voltado a diminuir e discriminar grupos de pessoas por sua origem, etnia, raça, cor ou religião”, destacou o magistrado.

O desembargador federal afirmou, ainda, que a reiteração e a agressividade das palavras eliminaram qualquer dúvida sobre o elemento subjetivo da conduta, “que escapou por completo ao âmbito lícito da crítica política assertiva ou da reação forte e ingressou no terreno ilícito da propagação de discurso de ódio e menosprezo”, concluiu.

A pena fixada foi de dois anos de reclusão, em regime inicial aberto, com pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, e dez dias-multa. A Décima Primeira Turma também julgou cabível a concessão do benefício da gratuidade de justiça.

0003585-56.2015.4.03.6130/SP

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Opinião: Assembleias Legislativas e as mensalidades escolares

Muito se tem noticiado a respeito de projeto de várias assembleias legislativas buscando prever descontos nas mensalidades escolares durante o período de isolamento.

Com certeza, tal iniciativa serve para amenizar a aflição dos responsáveis pelo custeio da educação, tendo em vista a diminuição do poder aquisitivo provocada pela pandemia.

Muitos especialistas têm invocado dois precedentes do Supremo Tribunal Federal, mais precisamente a ADI 1.007/PE e a ADI 1.042/DF, para defender a inconstitucionalidade de leis estaduais que vierem a versar sobre matérias e obrigações típicas de direito civil, como as mensalidades escolares.

No entanto, entende-se que tais julgados não possuem a especificidade necessária.

Pois bem, começa-se pela competência dos Estados em se tratando do Direito do Consumidor.

Com efeito, a Constituição da República, em seu artigo 24, incisos V e VIII, atribui competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre produção e consumo e responsabilidade por dano ao consumidor.

O §1º desse artigo esclarece que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

E o §2º que a competência da União para as normas gerais não exclui a suplementar dos Estados.

Não se pode deixar de registrar que a jurisprudência mais recente da Suprema Corte é “no sentido de conferir uma maior ênfase na competência legislativa concorrente dos Estados quando o assunto gira em torno dos direitos do consumidor”. (ADI 6195, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 27/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 14-04-2020 PUBLIC 15-04-2020)

Na invocada ADI 1.007/PE, julgada há mais de uma década, percebe-se que a lei impugnada estabeleceu prazo para o pagamento das mensalidades escolares naquela unidade da federação.

No julgamento final, entendeu-se que referido diploma tratou de matéria cuja competência foi atribuída à União, nos termos do disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição da República, por entender que tal previsão tinha natureza de norma de Direito Civil (relações contratuais), de competência da União.

Já na ADI 1.042/DF, também julgada há bastante tempo, a situação, aparentemente, aproxima-se mais da que está sendo aqui objeto de estudo, por ter a lei objurgada tratado de mensalidades escolares, taxas, descontos obrigatórios etc, de forma permanente, tendo, no caso, entendido o STF, por maioria, que a legislação distrital tratou de tema próprio de contratos, usurpando competência legislativa privativa da União. No voto condutor, fez-se referência, inclusive, à ADI 1.007, ao se elaborarem as seguintes indagações: “Quais peculiaridades? As do Estado. Que peculiaridades há no Estado de Pernambuco que justifiquem devam as mensalidades escolares ser pagas em dias diferentes dos outros? O que, a respeito, há de particular em Pernambuco, para que o Estado, supondo-se que houvesse lacuna normativa – mas não há-, pudesse legislar sobre mensalidades escolares?”. De fato, diante desses questionamentos, percebe-se que as legislações de PE e do DF tratavam de regras perenes, invadindo, sem dúvidas, a competência da União.

Aqui a situação é totalmente diversa, peculiar, fato este que permite sim aos Estados legislar a respeito do impacto da pandemia nas relações de consumo, até porque a cada Estado tem sido afetado de forma diferente.

A relação contratual de que se cuida aqui é sim travada entre prestador do serviço e consumidor, em uma situação excepcional de pandemia, e não meramente entre aquele e usuário do serviço público. Não seriam normas estaduais de caráter geral sobre contratos!

Há, na espécie, portanto, pura e simplesmente uma relação de consumo, o que enseja a ponderação do disposto no artigo 24, inciso V, da Constituição da República.

Enfatize-se, ao contrário do que se decidiu nas referidas ADI’s, eventual lei estadual que obrigue as escolas a concederem descontos na mensalidade durante a pandemia não estaria tratando de Direito Civil (contratual), mas sim de Direito do Consumidor, em situação emergencial, adequando-se à realidade local do Estado. Nesse sentido:

Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR PARA LEGISLAR SOBRE CONSUMO EM QUESTÕES QUE EVIDENCIAM O INTERESSE LOCAL. […] 7. O princípio geral que norteia a repartição de competência entre os entes componentes do Estado Federal brasileiro é o princípio da predominância do interesse, tanto para as matérias cuja definição foi preestabelecida pelo texto constitucional, quanto em termos de interpretação em hipóteses que envolvem várias e diversas matérias, como na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade. 8. A própria Constituição Federal, portanto, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori , diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-membros e Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 9. Verifica-se que, na espécie, o Município, ao contrário do que alegado na petição inicial, não invadiu a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para a edição de normas geral ou suplementar atinentes aos direitos do consumidor (CF, art. 24, V e VIII). Em realidade, o legislador municipal atuou no campo relativo à competência legislativa suplementar atribuída aos Municípios pelo art. 30, I e II, da Constituição Federal. 10. Com efeito, a legislação impugnada na presente Ação Direta atua no sentido de ampliar a proteção estabelecida no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, o qual, apesar de apresentar amplo repertório de direitos conferidos ao consumidor e extenso rol de obrigações dos fornecedores de produtos e serviços, não possui o condão de esgotar toda a matéria concernente à regulamentação do mercado de consumo, sendo possível aos Municípios o estabelecimento de disciplina normativa específica, preenchendo os vazios ou lacunas deixados pela legislação federal (ADI 2.396, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, DJ de 1º/8/2003). 11. Não há que se falar, assim, em indevida atuação do Município no campo da disciplina geral concernente a consumo. 12. Agravo Interno a que se nega provimento. (RE 1181244 AgR, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-265 DIVULG 04-12-2019 PUBLIC 05-12-2019)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI ESTADUAL 18.752/2016 DO ESTADO DO PARANÁ. SERVIÇO PÚBLICO DE TELEFONIA MÓVEL E INTERNET. OBRIGAÇÃO DE FORNECER AO CONSUMIDOR INFORMAÇÕES SOBRE A VELOCIDADE DIÁRIA MÉDIA DOS SERVIÇOS DE INTERNET. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS (CF, ART. 24, V). IMPROCEDÊNCIA. 1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 3. Entendimento recente desta SUPREMA CORTE no sentido de conferir uma maior ênfase na competência legislativa concorrente dos Estados quando o assunto gira em torno da defesa do consumidor. Cite-se, por exemplo, a ADI 5.745, Rel. ALEXANDRE DE MORAES, Red. p/ acórdão: Min. EDSON FACHIN, julgado em 7/2/2019. 4. A Lei Estadual 18.752/2016, ao obrigar que fornecedores de serviço de internet demonstrem para os consumidores a verdadeira correspondência entre os serviços contratados e os efetivamente prestados, não tratou diretamente de legislar sobre telecomunicações, mas sim de direito do consumidor. Isso porque o fato de trazer a representação da velocidade de internet, por meio de gráficos, não diz respeito à matéria específica de contratos de telecomunicações, tendo em vista que tal serviço não se enquadra em nenhuma atividade de telecomunicações definida pelas Leis 4.117/1962 e 9.472/1997. 5. Trata-se, portanto, de norma sobre direito do consumidor que admite regulamentação concorrente pelos Estados-Membros, nos termos do art. 24, V, da Constituição Federal. 6. Ação Direta julgada improcedente. (ADI 5572, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 06-09-2019 PUBLIC 09-09-2019)

[…] COMPETÊNCIA NORMATIVA – CONSUMIDOR – PROTEÇÃO – AMPLIAÇÃO – LEI ESTADUAL. Ausente a instituição de obrigações relacionadas à execução contratual da concessão de serviço de telecomunicações, surge constitucional norma estadual a vedar a realização de “cobranças e vendas de produtos via telefone, fora do horário comercial, nos dias de semana, feriados e finais de semanas”, ante a competência concorrente dos Estados para legislar sobre proteção aos consumidores – artigo 24, inciso V, da Constituição Federal. Precedente do Plenário: ação direta de inconstitucionalidade nº 5.745, julgada em 7 de fevereiro de 2019. (ADI 6087, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 20-09-2019 PUBLIC 23-09-2019)

Tanto é tema de Direito do Consumidor que o senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou o PL 1.163/2020, dispondo sobre a “redução de, no mínimo, 30% (trinta por cento) no valor das mensalidades das instituições de ensino fundamental, médio e superior da rede privada cujo funcionamento esteja suspenso em razão da emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020”. Na justificação fica clara a natureza do normativo em questão:

Vale lembrar que tal medida não implicará sacrifícios financeiros às instituições escolares, já que, no período de suspensão de suas atividades, elas terão redução de seus custos (água, energia, alimentação, manutenção, entre outros). O projeto ainda prevê que o descumprimento da redução da mensalidade sujeita o infrator à multa, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, veja-se que, no projeto de lei federal, fala-se em desconto mínimo, permitindo, pois, aos demais entes federado que estipulem, se assim desejarem, normas com percentuais maiores, como deveria ocorrer em Estados em que a gravidade é maior, como, por exemplo, no Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo.

E, como foi dito, o eventual diploma estadual que venha a trazer tal previsão, para situação específica e com “prazo de validade” expresso (“durante a pandemia”, ou melhor, durante a proibição governamental de abertura das escolas), não poderia ser acoimado de inconstitucional, por não exorbitar dos limites da competência legislativa estadual (suplementar), nem ter invadido a esfera de competência concorrente da União, seja a que ficou expressa no Código do Consumidor, seja na legislação correlata, inclusive aquela concernente à proteção do consumidor.

Como se sabe, a norma geral não pode e nem está impedindo o exercício da competência estadual de suplementar as matérias arroladas no artigo 24, sendo aqui constitucionalmente admitido que a legislação estadual possa disciplinar a matéria em questão, homenageando o mínimo de unidade normativa almejado pela Constituição da República.

Para finalizar, insiste-se que o contexto atual é peculiar, único, como asseverou recentemente o Ministro Gilmar Mendes, ao conceder medida cautelar na ADPF 645-DF, em 13 de abril de 2020:

É óbvio que o sistema protetivo-constitucional incide em toda e qualquer circunstância. Já tive oportunidade de afirmar que as salvaguardas constitucionais não são obstáculo, mas instrumento de superação dessa crise. O momento exige grandeza para se buscarem soluções viáveis do ponto de vista jurídico, político e econômico.

As consequências da pandemia se assemelham a um quadro de guerra e devem ser enfrentadas com desprendimento, altivez e coragem, sob pena de desaguarmos em quadro de convulsão social.

Tudo isso demonstra que a identificação precisa do âmbito de proteção de determinado direito fundamental exige um renovado e constante esforço hermenêutico, a autorizar a edição da lei pelo Parlamento estadual.

Pensar o contrário, seria violar a autonomia dos entes da Federação, a revelar adequado o afastamento da exclusividade da União para dispor sobre as referidas providências.