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Corregedoria nacional encerra calendário de inspeções em Tocantins

Trabalho remoto

Corregedoria nacional encerrará calendário de inspeções em Tocantins

A Corregedoria Nacional de Justiça encerra, na próxima semana, o calendário de inspeções ordinárias programadas para o biênio 2018-2020 pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins. A última Corte a ser inspecionada pelo órgão correcional é o Tribunal de Justiça do Tocantins, no período de 22 a 26 de junho.

Agência CNJCorregedor Humberto Martins

O procedimento consta das Portarias 12 e 33 /2020, e será feito a distância, em razão da pandemia do novo coronavírus. Na inspeção feita de forma virtual, a equipe da corregedoria nacional tem acesso remoto aos dados processuais de que necessita e mantém contato direto com desembargadores e servidores do tribunal inspecionado, por videoconferência, para outros esclarecimentos.

“A Corregedoria Nacional de Justiça alterou a forma de realização das inspeções de rotina nos tribunais, cumpriu rigidamente o cronograma de inspeções, apesar da pandemia. Garantimos a segurança de todas as pessoas envolvidas sem renunciar à produtividade”, disse Humberto Martins.

Objetivos

As inspeções ordinárias buscam fiscalizar o cumprimento de leis e de normas do Conselho Nacional de Justiça e das metas estabelecidas para as corregedorias dos Estados quanto aos serviços extrajudiciais, assim como o acompanhamento dos achados de inspeções anteriores e ainda pendentes de solução. Os resultados dos trabalhos são convertidos em relatórios, submetidos à aprovação do Plenário do CNJ.

Na gestão de Humberto Martins, foram inspecionados os cinco Tribunais Regionais Federais do Brasil e, com a conclusão dos trabalhos no Tocantins, todos os tribunais de Justiça do país. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

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Revista Consultor Jurídico, 18 de junho de 2020, 13h51

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Jéssica Wiedtheuper: A importância da inspeção predial

Com o intuito de uniformizar a metodologia e nortear a prática da inspeção predial em âmbito nacional, após um longo estudo iniciado em 2013, foram publicadas no dia 21 de maio pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) as Normas Brasileiras (NBR) 16.747:2020, que tratam sobre inspeção predial, expondo diretrizes, conceitos, terminologia e procedimento.

A inspeção predial, conforme definição e objetivo delineado na própria NBR 16.747, consiste em um processo de avaliação, predominantemente sensorial, do estado de conservação e funcionamento da edificação, apontando as suas patologias e as prioridades a serem objeto de manutenção, viabilizando o acompanhamento sistêmico da vida útil da construção e de seus sistemas, a fim de manter condições mínimas de segurança e higidez do edifício e mitigar os riscos técnicos e econômicos associados à falta de manutenção.

Vale lembrar que a norma de inspeção predial não substituirá as vistorias periódicas estabelecidas nos planos de manutenção previstos na ABNT NBR 5.674 [1]. A não observância das normas pode caracterizar a ineficiência na gestão da propriedade e, muitas vezes, em disputas na esfera judicial.

Não raros são os casos em que o síndico é responsabilizado pessoalmente [2] pelos danos ocasionados aos condôminos ou terceiros, decorrentes da negligência quanto a manutenção e conservação das partes comuns da edificação, incumbência que lhe compete nos moldes do inciso V do artigo 1.348 do Código Civil (CC).

Da mesma forma, discussões judiciais por problemas sobre vícios ocultos na propriedade são comuns também na comercialização dos imóveis [3]. Com a inspeção predial, que avalia o real estado da edificação, há uma maior segurança jurídica de que o adquirente de uma unidade habitacional está comprando um imóvel sólido, ou seja, sem vícios omitidos pelo vendedor. A inspeção, assim, é mais um instrumento tanto ao gestor quanto do vendedor, que possuirão grandes chances de afastar eventual responsabilização por danos produzidos por patologias e vícios na edificação.

Vale lembrar que em ações judiciais que envolvam o aparecimento de vícios na edificação a discussão não se limita ao período de garantia de cinco anos pela solidez da edificação, nos termos do artigo 618 do CC, ou a possibilidade de sua extensão, no caso de vícios ocultos na relação consumerista, conforme entende o Superior Tribunal de Justiça [4], mas também se a causa do vício é decorrente da falta de manutenção adequada ou de falha construtiva.

Embora não haja lei no âmbito federal que obrigue a realização de inspeção predial, a nova NBR 16747 está posta e sua observância é importante, mostrando-se relevante a fim de evitar processos judiciais.

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Revogada portaria que criminalizava descumprimento de medidas contra Covid

Crimes Epidêmicos

Revogada portaria que criminalizava descumprimento de medidas contra Covid

Portaria de Moro e Mandetta criminalizava descumprimento de medidas sanitárias
Jarun Ontakrai

A portaria conjunta que criminalizava as condutas referentes a descumprimento de algumas medidas para evitar a proliferação do coronavírus foi revogada nesta quarta-feira (27/5). Trata-se de portaria 05/20, editada em março pelos Ministério da Saúde e da Justiça e Segurança Pública. Ela previa também internações e quarentena compulsórias e uso da força policial contra os recalcitrantes.

A revogação se deu por meio de outra portaria conjunta (09/20), dos mesmos ministérios, e foi publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (28/5).

A nova portaria também traz um novo dispositivo. Seu artigo 1º estipula que “deve ser assegurado, às pessoas afetadas em razão da aplicação das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais”.

Clique aqui para ler a portaria

Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2020, 17h05

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A aprovação do PL 1.179 e uma perspectiva do direito comparado

A crise sanitária mundial exigiu que os países adotassem medidas emergenciais para refrear a expansão do vírus enquanto não se lhe conhece a cura, mas também medidas político-econômico-sociais e jurídicas que se destinem a evitar consequências maiores ou  que se prorroguem no tempo e venham a comprometer implacavelmente os dias futuros.

Dada a excepcionalidade desta situação — sem precedentes em termos de contágio e alastramento internacional —, a lei aplicável durante a crise e seus efeitos também deve ser excepcional, pois nenhuma lei ordinária poderia antever a magnitude e os efeitos plúrimos de uma doença como esta que agora enfrentamos.

Antes de passarmos ao ordenamento brasileiro, notemos que, no contexto do direito dos demais países, a situação jurídica não é diferente. Dificuldades há aqui e ali. E destaco, de antemão, que é impossível fazer um escrutínio acerca dos diversos países, mas o fato de conhecermos os problemas e soluções experimentados por alguns deles amplia o nosso horizonte para a solução dos nossos próprios problemas. Embora a pandemia nivele a todos no temor de sua virulência e nos seus impactos psicológicos, é fato que cada país tem suas estruturas peculiares e deve agir a partir delas.

Em 19 de março deste, o corpo legislativo supremo do Reino Unido — o Parlamento — recebeu do Secretário de Estado para a Saúde e Assistência Social, o Coronavirus Bill, um projeto de lei que, em razão da célere tramitação legislativa, ganhou o consentimento da Rainha Elizabeth II em 25 de março último. Assim, o Reino Unido possui agora o Coronavirus Act 2020,[1] regime transitório com vigência inicial de dois anos, possibilitando revisão parlamentar semestral, mas comportando prorrogação ou abreviamento conforme a situação. O texto abrange várias áreas de atuação administrativa e alarga as atribuições governamentais e de agentes públicos, que vão do cadastramento dos profissionais das diversas áreas da saúde à permissão para que as cortes e tribunais utilizem vídeo e tecnologia de áudio para seus trabalhos e audiências.

No tocante à regulação dos contratos de direito privado, o Coronavirus Act trouxe grandes mudanças nas locações residenciais e comerciais. É sabido que o aluguel de imóveis residenciais, sobretudo na Inglaterra, corresponde à aproximadamente metade dos cerca de 30 milhões de domicílios do Reino Unido, um número bastante condizente com a situação atual dos grandes centros urbanos para os quais confluem mão de obra, turistas e estudantes, de maneira que o setor locatício será um dos mais afetados pela pandemia. O Coronavirus Act, visando a amparar o direito tanto dos proprietários de imóveis residenciais quanto dos locatários, estabeleceu o prazo de três meses para que o inquilino inadimplente desocupe o imóvel, contados da notificação de desocupação, independentemente de outra anterior previsão no contrato originário. Findo esse prazo e não havendo a desocupação, poderá o proprietário solicitar a ordem de despejo judicial para retomada da posse direta do bem imóvel, afastada a moratória para os aluguéis referentes ao período afetado pela pandemia.

Especificamente na Irlanda do Norte, no último 4 de maio, o emergencial Private Tenancies (Coronavirus Modifications), com tramitação parlamentar finalizada e já consentido por Sua Majestade, aumentou esse período de notificação de 4 a 8 semanas, como previsto na lei ordinária (Private Tenancies Order 2006), para 12 semanas, disposição esta com vigência até 30 de setembro de 2020.

A respeito dos aluguéis comerciais, o Reino Unido concede uma maior liberdade para as partes contratantes, tanto que, nos casos de retomada do imóvel por descumprimento de obrigação atribuída ao locatário, esses instrumentos não costumam ser regidos pela common law ou por uma  lei de locações, e sim por cláusulas contratuais específicas que dão ao locador maiores poderes de retomada da posse direta. Mesmo assim, o Coronavirus Act abarcou esses contratos de locação comercial, prevendo a suspensão por três meses, a contar da vigência da lei transitória, dessas cláusulas relacionadas à inadimplência dos aluguéis, mas não afetou o direito já existente de o locador se recusar à renovação contratual.

A França, tradicionalmente, possui um ordenamento não muito afeito à revisão contratual, embora nos tenha legado a teoria da imprevisão (que se forma a partir da Loi Failliot, de 1918), de modo que a revisão judicial dos contratos é um acontecimento bastante jovem no direito francês.

Essa resistência à revisão judicial dos contratos é juridicamente difícil de ser mantida nos tempos atuais, em especial neste momento de pandemia. Contudo, a Ordonnance de 10 de fevereiro de 2016, que reformou o Code Civil, é um dos sinais de que o ordenamento jurídico francês se abriu ao debate, haja vista a dicção do art. 1195,[2] que toca à possibilidade de renegociação quando uma mudança imprevisível das circunstâncias, por ocasião da conclusão do contrato, tornar a obrigação excessivamente onerosa para a parte que não consentiu em assumir o risco, a qual continuará a cumprir as obrigações ao longo dessa renegociação (se não realizado acordo direto entre as partes, poderá o juiz proceder à revisão ou rescisão contratual). O momento desta pandemia é uma grande oportunidade para o exercício da aplicação do referido dispositivo pelos magistrados franceses.

De outro lado, a América do Sul tem enfrentado sérios problema no âmbito do direito de família durante esta crise. No Seminário Internacional “Covid-19 y sus efectos en la Litigación de Familia”, promovido por meio eletrônico pela Faculdade de Direito da Universidade do Chile no dia 23 de abril deste, a  professora Beatriz Ramos, da Universidade da República e da Universidade Católica do Uruguai, ponderou sobre questões como pensão alimentícia, direito de visitas, violência doméstica e alteração de regime de bens. Lembra ela que o Uruguai decretou o feriado nacional sanitário, dias em que os juízos de família têm recebido inúmeras consultas e vêm, por segurança, postergando algumas medidas cautelares e tendo de tomar várias decisões interlocutórias, como descontar dos seguros-desemprego as pensões alimentícias, a fim de garantir a sobrevivência dos alimentandos e vulneráveis.[3]

Na mesma ocasião, o professor peruano Enrique Varsi, da Universidade de Lima e da Universidade Nacional Maior de San Marcos, refletiu sobre a avalanche de situações que estão recaindo sobre o direito de família durante a pandemia, ponderando que os problemas existentes na esfera familiar se acutizaram e tendem a prosseguir (divórcios, separações, mudança de regime de casamento ou união), atraindo a necessidade de um novo marco para as famílias, com base numa solidariedade jurídica mais intensa entre seus integrantes.[4]

Mutatis mutandis, no Brasil, os Poderes estão sendo testados no limite durante esta inesperada pandemia da Covid-19. Com o Poder Judiciário, isso não é diferente: nossa experiência aponta que os momentos de crise trazem enorme aumento de judicialização de demandas (revisão contratual, aplicação da teoria da imprevisão, recuperação judicial, divórcio, alimentos, execuções, cobranças, ações penais e tributárias). Some-se a isso a necessidade de reconstrução ou de construção de bases jurídicas que amparem essas milhares ou milhões de demandas.

Há alguns dias, nesta mesma revista, tive a oportunidade de lembrar que, curiosamente, o Código Civil de 1916 não continha previsão de causas suspensivas, interruptivas ou impeditivas de prazos nos períodos de doenças com impactos gerais na sociedade, embora tal diploma seja contemporâneo a uma época marcada por surtos de dengue e febre amarela. Essa mesma ausência de previsão se repetiu no Código Civil de 2002, cujo legislador, com maiores razões, não supôs ter de enfrentar a esta altura da pós-modernidade, os efeitos jurídicos de uma nova pandemia de rápida expansão e alta virulência. O inimaginável, porém, aconteceu e o ordenamento jurídico nacional viu-se às voltas com a necessidade premente de reger as novas situações, de sorte a prevenir e evitar o colapso dos poderes e instituições, bem como proteger a saúde, as legítimas expectativas e as relações jurídicas dos cidadãos.

No Brasil, a situação exige uma regulação emergencial e transitória apta a fixar orientações para todos nós que lidamos com o direito. Há, também, a necessidade de fixação de balizas temporais para os prazos prescricionais e decadenciais das relações jurídicas especificamente influenciadas pela pandemia da Covid-19. E tudo isso, por óbvio, deve ser realizado sem deixar de observar direitos, sem prescindir da técnica jurídica e sem o intento de suplantar a legislação já existente.

No dia de ontem, 19 de maio de 2020, o plenário do Senado Federal aprovou o texto original do PL 1.179/2020 (Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado — RJET), que segue agora para apreciação presidencial. Tal aprovação se deu, após o colegiado, rejeitar por 62 votos a 15, o substitutivo a referido PL. Ao decidir o Senado pela manutenção do texto original, de autoria de Antonio Anastasia e relatado por Simone Tebet, aprovou-se um destaque que antecipa a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD para agosto de 2020. Isso tornaria o prazo da LGPD aquele previsto na MP 959/2020 (3 de maio de 2021), mas esta, caso não aprovada a tempo, corre o risco de caducar.

Vemos, pois, uma luz para as relações privadas relacionadas direta ou indiretamente à pandemia da Covid-19. Tenho acompanhado bastante de perto as questões que afligem o cidadão brasileiro na atual quadra, principalmente no que toca às relações privadas, de modo que, neste espaço cedido pelo ConJur, pela Revista de Direito Civil Atual e pela Coluna Direito Civil Comparado, procedi, de modo imparcial, à análise transparente e informativa do PL 1.179/2020 nos últimos dias.

É necessária, sim, no ordenamento brasileiro uma lei específica para as relações privadas ora afetadas pela pandemia (os aluguéis, as mensalidades escolares, os prazos prescricionais e decadenciais, os empréstimos contraídos, os alimentos, as visitas, as questões consumeristas, o condomínio, entre outros). E o PL 1.179/2020 propôs-se genuinamente a enfrentar essas tormentosas questões, sem  buscar conflito de interesses, mas com a função de regular as relações privadas durante este período emergencial e transitório, oferecendo um norte para a jurisprudência e os profissionais do direito neste momento crucial, assim como contribuindo para a celeridade e uniformidade na pacificação dos conflitos decorrentes, ainda que reflexamente, da pandemia. É um documento coerente em seu mister, porque o momento atual não é favorável a alterações impensadas da legislação já existente de direito privado.

Renovo, portanto, meus cumprimentos aos juristas que vêm concretizando o  Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) atinente ao período da pandemia da Covid-19, representado pelo PL n. 1.179/2020: o Ministro Dias Toffoli, o Ministro Antonio Carlos Ferreira e o Professor Otavio Luiz Rodrigues Jr., da Universidade de São Paulo, que incentivaram a redação do referido documento; bem como os professores Arruda Alvim (da PUC-SP), Fernando Campos Scaff,  Paula Forgioni, Francisco Satiro e Marcelo von Adamek (todos da USP), Rodrigo Xavier Leonardo (da UFPR) e Rafael Peteffi da Silva (da UFSC); além dos advogados Roberta Rangel e Gabriel Nogueira Dias. Também, a celeridade com que tem trabalhado o Congresso Nacional, em especial no regime emergencial, tem sido indispensável neste momento em que urgem as leis transitório-emergenciais e demais orientações. A aprovação do PL 1.179/2020 é, antes de mais nada, uma vitória da sociedade brasileira e, na sequência, representa um exemplo de trabalho conjunto entre juristas, acadêmicos, magistrados, advocacia, parlamentares e profissionais do direito!

Sem mais, se lhes posso dizer algumas palavras, minha cara leitora e meu caro leitor, é que, no contexto brasileiro, se torna ainda mais fundamental garantir o acesso à justiça neste momento gravado por complexidades, o que hoje temos procurado suprir, quase diuturnamente, pelos atendimentos eletrônico e remoto. E não basta o acesso à justiça: temos de buscar e apresentar as mais justas soluções para os cidadãos nas relações privadas ou públicas por eles firmadas, cidadãos esses que constituem a razão pela qual trabalha o Poder Judiciário.

Aos magistrados, advogados, promotores de justiça, defensores públicos, mediadores em geral e toda sociedade, estejamos todos preparados para muito trabalho (que não obstante a quantidade, deverá conservar a qualidade de sempre e até mesmo ser aperfeiçoada).

Instituições democráticas fortes, cidadania respeitada!

 é ministro, presidente eleito do Superior Tribunal de Justiça e corregedor nacional de Justiça.

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Corregedor solicita informações sobre subsídios pagos no TJ-AL

Sem autorização

Corregedor quer informações sobre subsídios a magistrados e servidores do TJ-AL

Corregedor quer informações sobre subsídios pagos a servidores e magistrados no Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas
Divulgação

O corregedor nacional de Justiça substituto, ministro Emmanoel Pereira, solicitou informações ao Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas sobre eventual ato da presidência que teria autorizado pagamento a magistrados e servidores da corte por serviços extraordinários.

Esses trabalhos teriam sido prestados no âmbito de programas denominados “Justiça Efetiva” e “Comitê de crises” e proporcionariam acréscimos aos subsídios e vencimentos sem a devida autorização legal e aprovação da Corregedoria Nacional de Justiça.

No pedido de providências, o ministro determina que “havendo qualquer ato nos termos acima referidos, determino, desde já, que a Presidência do Tribunal de Justiça de Alagoas, em igual prazo, proceda à sustação de tais pagamentos”.

Clique aqui para ler o ofício na íntegra

Revista Consultor Jurídico, 18 de maio de 2020, 17h38

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Corregedoria nacional inicia semana de inspeção no TJ-PB

O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, inicia, na próxima segunda-feira (18/5), os trabalhos de inspeção no Tribunal de Justiça da Paraíba. O procedimento, que vai até sexta-feira (22/5), tem como objetivo verificar o funcionamento dos setores administrativos e judiciais da corte e das serventias extrajudiciais no estado. Em razão das restrições decorrentes da pandemia do novo coronavírus, todo o trabalho será feito remotamente.

Humberto Martins começará auditoria na Justiça da Paraíba
Luiz Silveira/Agência CNJ

Segundo Humberto Martins, as inspeções ordinárias permitem uma avaliação mais aprofundada da realidade do Poder Judiciário brasileiro. “Queremos melhorar cada vez mais a Justiça do país, torná-la mais célere, atuante, de qualidade e responsiva aos anseios dos cidadãos. Judiciário forte significa cidadania respeitada, por isso devemos buscar essa melhoria contínua”, declarou o corregedor nacional.

Trigésimo tribunal

Durante a inspeção, atuarão, junto com o ministro Humberto Martins, o desembargador Ricardo Oliveira Paes Barreto (TJ-PE) e os juízes auxiliares da corregedoria nacional: Kelly Cristina Oliveira Costa (TRF-2); Alexandre Chini Neto (TJ-RJ) e Sandra Aparecida Silvestre de Frias (TJ-RO), além de sete servidores.

O TJ-PB será o 30º Tribunal de Justiça a ser inspecionado pela corregedoria nacional durante a gestão de Humberto Martins. Além dos cinco Tribunais Regionais Federais, já passaram pelo procedimento os Tribunais de Justiça de Sergipe, Piauí, Amapá, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Alagoas, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro, Pará, Roraima, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Amazonas, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Acre, Ceará, Rondônia e Santa Catarina. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.

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Ítalo Farias: Ativismo judicial e direito à saúde

As discussões que envolvem o ativismo judicial são tão antigas quanto o próprio surgimento da jurisdição constitucional. Alexis de Tocqueville (1805-1859), por exemplo, já relatava o imenso poder político de que dispunham os juízes norte-americanos para inclusive desaplicar uma lei que estivesse em desacordo com a Constituição [1].

Entretanto, a expressão judicial activism é de forma corrente atribuída a Arthur Schlesinger Jr. que a usou pela primeira vez em um artigo publicado em 1947. Na ocasião o autor analisava a tendência de alguns juízes (justices) da Suprema Corte em adotar posturas mais ativistas, de autocontenção ou moderadas [2].

De fato, não existe um consenso geral sobre o significado da expressão, dada a ambiguidade que isso gera, pois o ativismo é tanto conservador como liberal ou progressista. Na verdade, a postura ativista ou de autocontenção só adquire significado dentro de uma conjuntura específica que envolve determinado momento político e a atuação dos juízes.

Por outro lado, uma postura de autocontenção, ou seja, a opção dos juízes em não interferir em questões políticas, também faz parte do mesmo fenômeno e adquire um significado político quando estão em jogo assuntos que envolvem valores constitucionais.

Hoje em dia, as discussões sobre o ativismo judicial ganharam o mundo, sendo relatadas em várias jurisdições constitucionais e tomando conta dos debates políticos. Talvez um de seus momentos mais marcantes tenha acontecido nos Estados Unidos, no segundo mandato do presidente Franklin Delano Roosevelt (1933 até 1945), envolvendo o Poder Executivo e a Suprema Corte na implementação das medidas relacionadas ao New Deal.

Apesar dos sérios efeitos da crise econômica causada pela Grande Depressão, a Suprema Corte mantinha uma visão conservadora e de oposição às reformas por estar apegada a uma visão doutrinária do capitalismo liberal. O presidente utiliza nessa disputa um forte apelo ao apoio popular que havia somado, o que na reeleição de 1936 lhe confere a vitória com mais de 60% dos votos válidos. Diante disso, inicia uma proposta para alterar a composição da Suprema Corte, o que acaba por ser rechaçado inclusive por membros do seu próprio partido.

Depois dessa queda de braços resulta que em 1937 começa a haver uma certa inflexão da Suprema Corte em favor das reformas que estavam a ser implementadas por Roosevelt, como no caso West Coast v. Parrish. No referido caso, a Suprema Corte não considerou inconstitucional uma lei do Estado de Washington que estabelecia um salário mínimo, em detrimento da ideia de liberdade contratual.

Com a reabertura política que houve a partir da promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passou a adotar os valores que integram o constitucionalismo. Entre esses valores a ideia da normatividade constitucional e, mais ainda, do seu caráter dirigente e a crença de seu poder em transformar a realidade social e política.

Impossível que o texto constitucional não influenciasse o Poder Judiciário, ainda mais em um país com grandes desigualdades sociais. O ativismo judicial em relação ao direito à saúde começa a se manifestar já nos anos 90. Até que no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286/RS (RE nº 271.286-8) [3], de 12 setembro de 2000, o STF reconhece como dever do Estado distribuir gratuitamente medicamentos para tratamento do HIV a indivíduos desprovidos de recursos financeiros para arcar com seus custos.

A decisão trata o direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição Federal como um direito subjetivo, afastando a interpretação dos direitos sociais como meras normas de caráter programático. O tema foi sendo ampliado na jurisprudência constitucional e no RE nº 407.902/RS[4], de 26 de maio de 2009, o STF também reconheceu ao Ministério Público a legitimidade para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamentos, dando ao direito à saúde caráter indisponível.

A temática ganha relevo no debate jurídico constitucional brasileiro do início do nosso século dada a inércia da Administração Pública em fazer frente às necessidades da população. Assim, o Direito Constitucional desenvolveu em relação aos direitos sociais a teoria do “mínimo existencial”, como fora revelado naquela que passou a ser muitas vezes citada ADPF 45 [5].

Essa ideia pode ser explicada como a parcela de “fundamentalidade” do direito social em análise, como o direito à saúde, que constitui o seu “núcleo essencial”, ou seja, a manifestação concreta do princípio-valor da dignidade de pessoa humana. A força dessa vinculação é tão intensa no Direito Constitucional brasileiro que os tribunais reconhecem a sua capacidade de gerar obrigações imediatas para o Poder Público.

É o que afirma a decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes na ADPF 672 [6], ao invocar fundamento já defendido na ADPF 45, de que mecanismos processuais podem ser utilizados “com o objetivo de se evitar condutas do poder público que estejam ou possam colocar em risco os preceitos fundamentais da República, entre eles, a proteção à saúde”.

Por tudo isso, não nos parece que o texto constitucional deixou a cargo de qualquer gestor público a possibilidade de fazer uma escolha em relação à preservação da economia em detrimento do sistema de saúde. Ao contrário, o texto constitucional tornou a defesa e a concretização do direito à saúde um dos valores fundamentais da ordem jurídica, com capacidade de vincular as iniciativas dos poderes públicos constituídos e dos particulares, inclusive, através do controle judicial.

É lógico que a disputa institucional que se coloca entre o presidente da República e o Supremo Tribunal Federal pode rever a sua posição até aqui delineada para uma proposta de autocontenção. Porém, como advertimos no início desse artigo, até mesmo uma posição de autocontenção esconde uma posição política, dada a natureza dos valores que estão em jogo.

 é advogado, professor do Centro Universitário Luterano de Santarém (Ceuls/Ulbra), conselheiro estadual da OAB-PA, doutorando no Programa “Administración, hacienda y justicia en el Estado Social” da Universidade de Salamanca, na Espanha, e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra.

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Demócrito Reinaldo Filho: Prorrogação da LGPD é risco à sociedade (página 1 de 3)

Edição extra do Diário Oficial da União foi publicada na noite do dia 29 de abril contendo o texto da Medida Provisória 959/2020, que prorroga a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para o dia 3 de maio de 2021. A MP foi editada para facilitar o pagamento de benefícios instituídos como ajuda financeira para os brasileiros durante o período da pandemia do coronavírus a Caixa Econômica Federal perde a exclusividade no pagamento dos benefícios, que agora podem ser recebidos também nas agências do Banco do Brasil —, mas destinou um único artigo para ampliar a vacatio legis da Lei nº 13.709/2018 (LGPD)[1], que entraria em vigor em 16 de agosto deste ano.

A medida pegou a todos de surpresa, pois atropelou o Congresso, onde tramita projeto de lei (PL 1179/2020), já aprovado pelo Senado e em análise na Câmara Federal, que prorroga a vigência da LGPD para janeiro de 2021 [2]. No dia 29, mesmo dia da publicação da MP, havia inclusive sido aprovado regime de urgência para tramitação do PL [3].  

O adiamento da vigência da LGPD constitui grave erro e acentuado risco para a sociedade brasileira, no atual momento.

É bastante frágil o argumento de natureza econômica, utilizado pelos defensores da prorrogação da vigência da LGPD. Alega-se que as empresas brasileiras não tiveram tempo de se adaptar à lei e ainda serão obrigadas a realizar despesas para se adequar às suas exigências. Sobrecarregá-las num momento desses, em que se inicia uma recessão econômica profunda, como decorrência da crise de saúde, vai dificultar a recuperação da economia brasileira. As empresas terminarão sofrendo com as pesadas multas previstas na nova LGPD, inviabilizando a recuperação em tempos extremamente difíceis, concluem.

Essa visão não espelha a realidade, do ponto de vista jurídico. As empresas não deixarão de ser responsabilizadas pelos danos que causarem por manipulação ou uso indevido de dados pessoais durante o período da pandemia. O nosso ordenamento jurídico já dispõe de diversos instrumentos normativos que atribuem responsabilização por danos causados a consumidores de produtos e serviços. A Constituição, o Código Civil (Lei nº 10.406/2002), o CDC (Lei 8.078/90), o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei 12.414/2011 (que disciplina bancos de dados com informações de crédito) são suficientes para atribuir dever de reparação por danos causados por qualquer empresa que, no desenvolvimento de atividade de tratamento de dados, cause danos a consumidores ou terceiros. Em caso de vazamento de informações, manipulação indevida de dados de saúde, compartilhamento não autorizado de dados ou qualquer acidente informacional, que ocorra durante o período ou logo após a pandemia, o controlador não conseguirá fugir à responsabilização pelos danos causados (quer sejam de ordem material ou moral). Poderá ser responsabilizado na esfera judicial e também sofrer a imposição de multas. É bom não esquecer que o artigo 12, II (c/c artigo 11), do Marco Civil (Lei nº 12.965/2014) prevê multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício”, por acidente que ocorra “em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet”. Com base no Marco Civil e no CDC, o Procon-SP multou ano passado a Google e a Apple em R$ 10 milhões e R$ 7,7 milhões, respectivamente, pela distribuição de um aplicativo que compartilhava os dados dos usuários com terceiros [4].

As empresas tiveram, sim, tempo para se adaptar e conhecer o conteúdo da LGPD. O projeto de lei tramitou durante anos no congresso nacional até se transformar na Lei nº 13.709/2018 e, antes mesmo da iniciativa legislativa, o debate sobre a proteção de dados pessoais no Brasil já se tinha iniciado sob a coordenação do Ministério da Justiça. O prazo de vacatio legis estipulado inicialmente já foi bastante extenso –— de 18 meses a partir da publicação da lei [5]. Depois, foi estendido para 24 meses [6] e agora a MP o alongou para 32 meses e 18 dias. Nem códigos inteiros tiveram prazo de vacatio tão amplo. Se a prorrogação estipulada na MP 959/2020 for mantida, a LGPD se tornará a lei de maior vacatio legis na história do país, desde a instituição da República.

Com a prorrogação da vigência da LGPD, as empresas continuarão a ser responsabilizadas, mas com base em legislação não especializada (em proteção de dados pessoais). Os intérpretes e julgadores trabalharão com princípios e normas mais abstratas, gerando mais insegurança jurídica. Por isso é muito importante para as próprias empresas, que desenvolvem atividades de tratamento de dados, que a LGPD entre em vigor. A nova LGPD traz diversos conceitos e estabelece os limites para uso dos dados pessoais. Assegura mais transparência e dá mais segurança para os controladores de sistemas informatizados, ao indicar as situações em que dados sensíveis podem ser tratados e para quais finalidades. No período da pandemia, é fundamental para o setor público e o setor privado poder contar com texto legal que esclareça o que pode e o que não pode ser feito em termos de coleta e processamento de dados de saúde. Postergar a entrada em vigor da LGPD nos deixará em um ambiente de insegurança jurídica, o que é pior para os negócios do que a própria pandemia.

No período da pandemia os mecanismos e ferramentas de vigilância disseminam-se numa velocidade nunca antes experimentada [7]. Para combater a expansão do coronavírus, empresas privadas estão desenvolvendo sistemas de monitoramento e realizando vasta coleta de informações pessoais. Assistimos a uma proliferação de aplicativos [8] e plataformas de coleta de dados de saúde, sem prévia autorização de órgãos sanitários ou teste de condições de segurança, proteção de dados e eficácia [9]. Dados de geolocalização estão sendo utilizados para mapeamento da concentração de pessoas e controle dos movimentos [10]. A privacidade das pessoas está em risco como nunca esteve antes, pois empresas privadas adquiriram o discurso que lhes faltava para se apropriar dos dados de saúde: o combate à pandemia.

Uma legislação para a proteção de dados é necessária para estabelecer as bases e limites do tratamento de dados, como atividade necessária para uma adequada biopolítica de combate à pandemia. Sem ela, as consequências nefastas da biovigilância serão sentidas no futuro, quando talvez não se tenha como revertê-las. Se as ferramentas de vigilância em massa (mass surveillance) proliferarem sem limites ou supervisão regulatória adequada, estaremos criando uma doença social muito maior e com efeitos inimagináveis para a sociedade futura.

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Severi, Maito e Moyses: Os direitos humanos das mulheres

Ficar em casa. Essa é uma das principais orientações de governos e de organismos internacionais de saúde para o enfrentamento à pandemia da Covid-19. Mas essa recomendação não é algo simples de ser cumprido para muitas pessoas e grupos sociais. Como se manter em casa, por exemplo, quando não se tem acesso à moradia, ou quando a diminuição da renda decorrente das medidas de distanciamento social impacta negativamente na capacidade de se manter em dia o contrato de aluguel?

A ONU Mulheres, por exemplo, publicou um documento [1] em março de 2020 alertando para a necessidade de que os poderes públicos considerassem a dimensão de gênero, em perspectiva interseccional, na gestão da situação de emergência da Covid-19, a fim de mitigar os efeitos desproporcionais das medidas de distanciamento social sobre a vida das mulheres e meninas. Já temos acompanhando o efeito da redução da atividade econômica sobre as trabalhadoras informais, por exemplo. Muitas mulheres, chefes de família, perderam seu meio de subsistência imediatamente e tiveram um acréscimo da carga de trabalho não remunerado relacionada ao cuidado de familiares.

A incorporação da perspectiva de gênero no processo de tomada de decisão pública, em todos os processos de tomada de decisão, já era uma exigência decorrente da Lei Maria da Penha e dos diversos tratados internacionais de direitos humanos das mulheres, antes da pandemia se instalar. Mas vamos deixar para outro momento a discussão sobre o grau de compromisso com o qual os poderes públicos brasileiros vinham realizando tal empreitada antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus se instalar. Aqui, nosso interesse é discutir uma das respostas recentes do sistema de Justiça sobre revisão temporária de contrato de aluguel. Entendemos que ela buscou levar a sério as consequências econômicas extremas que mulheres chefes de família estão enfrentando em tempos de pandemia e constitui um tipo de resposta do sistema de Justiça que pode servir de referência tanto na decisão de outros casos semelhantes, quanto na expansão do uso da abordagem de gênero na análise de casos judiciais em outras áreas do Direito.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), procurada por uma mulher, chefe de família, ingressou com uma ação judicial de revisão contratual com pedido de tutela provisória de urgência cumulado com interdito proibitório de despejo. Por meio da atuação das defensoras Gabriele Estábile Bezerra e Carolina Gurgel Lobo, o processo tramitou perante a 2ª Vara Cível do Foro Regional VII Itaquera do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A ação buscou garantir o direito à moradia da família, na qual a mãe, única responsável por suas duas filhas menores, ficou desempregada como consequência das medidas de distanciamento social e, por isso, não conseguia mais arcar com o aluguel de sua moradia em sua totalidade, pois única fonte de renda da família passou a ser a pensão alimentícia recebida por uma de suas duas filhas. Como locatária do imóvel em que reside, ela havia pedido ao locador uma diminuição temporária do valor de R$ 1 mil referente à prestação do aluguel. Além de não aceitar qualquer acordo, o locador ameaçou expulsar a mulher e as filhas à força caso ela não pagasse o valor previsto.

As defensoras embasaram o pedido nas chamadas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva (artigos 317, 478 e 480 do Código Civil). A primeira prevê, como medida de garantia da justiça contratual, que o valor das prestações de uma obrigação possa ser corrigido judicialmente, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier uma desproporção entre o valor devido no ato da contratação e o momento de sua execução. A teoria da imprevisão admite a revisão ou resolução do contrato em caso de acontecimento superveniente e imprevisível que desequilibre a base econômica do negócio, impondo a uma das partes uma obrigação excessivamente onerosa.

O contrato em questão estava vigente desde novembro de 2019 e tinha o prazo de duração de um ano, portanto, não cumpria o requisito de três anos de vigência previsto na lei do inquilinato (Lei nº 8.245/1991) para a revisão judicial do aluguel. Por isso, foram invocadas as teorias acima apontadas, considerando que a pandemia da Covid-19 e a consequente perda do emprego da inquilina são acontecimentos supervenientes e imprevisíveis que desequilibraram a base econômica do aluguel, impondo-lhe uma obrigação impossível de ser adimplida nas atuais circunstâncias.

O juiz Antonio Marcelo Cunzolo Rimola, reconhecendo a situação excepcional em que se encontram a autora do pedido e sua família, deferiu, liminarmente, a diminuição do aluguel, no valor de 30% do valor original, e concedeu o interdito proibitório para assegurar a posse da locatária no imóvel. A decisão, ao mesmo tempo em que assegurou o direito de moradia da família, reconheceu também a necessidade de manutenção de algum valor a título de aluguel, para que o proprietário não tenha prejuízos desproporcionais. Não há, na decisão, menção explícita de que o juiz tenha feito uso da abordagem de gênero na apreciação do caso. Mas, ao analisarmos a resposta judicial sob essa perspectiva, podemos perceber um tipo de juízo que dirigido a assegurar a garantia do direito à igualdade e não-discriminação.

No Brasil, a maioria da população que vive abaixo da linha da pobreza é composta de mulheres negras e chefes de família [2]. Em 2018 [3], a participação das mulheres no mercado de trabalho era quase 20% inferior à dos homens e, além disso, das mais de 6,2 milhões de pessoas desempregadas, 4,5 milhões eram mulheres. Em relação aos rendimentos das pessoas ocupadas [4], as mulheres, de um modo geral, recebem 78,7% do valor dos rendimentos dos homens e as mulheres negras, 44,4% do valor dos rendimentos dos homens brancos. Aliado a essa situação há o fato de que, segundo o CNJ [5], no ano de 2011 cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes não tinham o nome do pai no registro de nascimento. São esses grupos de mulheres, portanto, que possivelmente sofrerão os efeitos econômicos extremos da pandemia.

Há diversas perspectivas jurídicas feministas que, há muito tempo, têm desenvolvido críticas profundas aos modelos de tomada de decisão com base em raciocínios puramente abstratos, essencialistas ou formulados em modelos de opostos duais. Em substituição, elas sugerem modelos de tomada de decisão que partem das experiências sociais de exclusão das mulheres ou de outros grupos e categorias vulneráveis para a construção de verdades situadas contextualmente que possam diminuir a arbitrariedade. Há, nesse campo, muitos modelos críticos que ajudam a revelar aspectos de um problema jurídico que os métodos tradicionais tendem a ignorar.

A autora Katharine Bartlett [6] é conhecida por sistematizar alguns destes métodos, classificando-os da seguinte maneira: 1) a “pergunta pela mulher”, que consiste tentar compreender quais as implicações de determinada norma ou decisão para as mulheres afetadas, levando em consideração outros marcadores da diferença que se interseccionam com o gênero; 2) o “raciocínio prático feminista”, que, à semelhança da razão prática aristotélica, busca a atenção às múltiplas particularidades de cada caso, que podem determinar novas interpretações de regras e princípios abstratos (no caso da razão prática feminista, explicitamente, busca-se a atenção a dimensões e perspectivas não representadas por teorias e raciocínios jurídicos tradicionais, que geralmente refletem uma estrutura de subordinação feminina); e 3) o “aumento da consciência”, que consiste em compartilhar experiências individuais, de modo a ser possível encontrar padrões que emergem destas e teorizar a respeito destes, em uma relação dialética entre teoria e prática.

Na decisão mencionada, a pergunta pela mulher foi realizada, ao se considerar a condição socioeconômica concreta da autora e os efeitos desproporcionais que a manutenção dos termos do contrato ou do seu rompimento trariam para a mulher e filhos em meio à atual crise sanitária. As particularidades do caso foram o suporte para organização da argumentação jurídica realizada pelas defensoras e acatadas pelo juiz responsável pela análise do caso. Além de atender às especificidades do caso concreto, a decisão também amplia os contornos das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva e se coloca como um precedente importante tanto para outros casos similares, quanto para a discussão sobre os direitos das mulheres.

A aplicação de uma perspectiva de gênero na tomada de decisão judicial permite explicar como as relações entre as pessoas são perpassadas pelo poder e como a desigualdade no exercício do poder gera violência e discriminação. Uma decisão judicial que toma como ponto de partida a situação de maior vulnerabilidade das mulheres, que se encontram hoje expostas às consequências econômicas mais severas da gestão da crise sanitária, contribui, sem dúvida, para evitar a perpetuação da violência e para ampliar a consciência jurídica em favor do respeito ao princípio da igualdade e não-discriminação.

 


[1] Ver: ONU Mulheres. Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta. ONU Mulheres, março de 2020. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONUMULHERES-COVID19_LAC.pdf?fbcl id=IwAR0EEDjzesLlTMu4tHG7P5hvBwZ_aDbnY0bPnZ4LMC2RTNrRGDlbz71OuZ4.

[6] Publicado em Harvard Law Review, v. 103, n. 4, fevereiro de 1990. Tradução de Diego Aranda. BARTLETT, Katharine. Métodos Legales Feministas. Seminario de Integración en Teoría General del Derecho: Feminismo y Derecho. 2008.

 é professora no curso de graduação e no programa de pós-graduação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) e coordenadora do Centro de Estudos em Direito e Desigualdades (CEDD) da FDRP-USP.

Juliana Fontana Moyses é advogada, mestra pela FDRP-USP, doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professora no Centro Universitário Unifafibe.

Deíse Camargo Maito é advogada, mestra pela FDRP-USP e doutoranda na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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Plenário do CNJ aprova relatório de inspeção feita no TJ do Ceará

O relatório final sobre a inspeção ordinária realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça no Poder Judiciário do Ceará foi aprovado, por unanimidade, pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça. A decisão foi tomada durante a 64ª Sessão Virtual, realizada no período de 30 de abril a 8 de maio de 2020.

CNJPlenário do CNJ aprova relatório de inspeção ordinária feita no TJ do Ceará

O Tribunal de Justiça do Ceará foi inspecionado no período de 9 a 13 de março de 2020. O procedimento resultou na elaboração de um relatório, apresentado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, com recomendações e determinações para a melhoria da prestação jurisdicional no estado.

Entre as recomendações feitas pela corregedoria nacional, constam: a elaboração, num prazo de 120 dias, de planejamento anual de contratações de bens e serviços; a capacitação e treinamento de servidores para utilização do SEI; a elaboração de um projeto piloto de implantação do PJe em uma unidade judiciária fora do sistema dos juizados especiais.

Atualização e desenvolvimento de ferramentas tecnológicas para melhorar a eficiência e gerenciamento dos trabalhos na corte; realização de inspeções ordinárias pela corregedoria local na Secretaria Judiciária de primeiro Grau da capital e do interior e elaboração de um plano de trabalho conjunto entre a presidência e corregedoria visando à diminuição do quantitativo de unidades com taxa de congestionamento acima de 70% também estão entre as medidas recomendadas.

Os achados de maior relevância culminaram com a expedição de determinações, dentre elas: a aprovação, em 30 dias, de cronograma de digitalização do acervo processual; a substituição de todos os interinos do serviço extrajudicial com o impedimento de nepotismo comprovado e a apresentação, no prazo de 30 dias, de cronograma para utilização completa das tabelas processuais unificadas.

A Corregedoria local também deverá, em conjunto com a presidência e o setor de informática, adotar, num prazo de 60 dias, sistema eletrônico que possibilite a emissão de relatórios estatísticos necessários para melhor gerir as rotinas de trabalho da unidade. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.