Categorias
Notícias

OAB aprova súmula que criminaliza violação de sigilo do advogado

O Conselho Federal da OAB aprovou, nesta segunda-feira (15/6), súmula que define como crime contra as prerrogativas da advocacia a violação do sigilo do advogado, mesmo que o cliente seja alvo de interceptação.

Conselheiros propuseram súmula após força-tarefa interceptar conversas entre clientes e advogados
OAB – Conselho Federal

O tema tinha sido tirado da pauta da sessão plenária do conselho, mas retornou ao final da reunião, resultando na aprovação da súmula.

A sugestão partiu dos conselheiros federais Alexandre Ogusuku, da seccional de São Paulo, e Ulisses Rabaneda dos Santos, da OAB-MT. A proposta está sob relatoria do conselheiro Emerson Gomes.

A proposição foi feita em novembro de 2019, motivada pela reportagem do jornal Folha de S.Paulo, com conversas de Telegram obtidas pelo site The Intercept Brasil. O jornal mostrou que os investigadores da “lava jato” usaram grampos do escritório que defende o ex-presidente Lula para antecipar as estratégias da defesa.

Conforme a ConJur já tinha revelado, o grupo da “lava jato” grampeou o ramal central do escritório por quase 14 horas durante 23 dias entre fevereiro e março de 2016. Ao todo, foram interceptadas 462 ligações, nem todas relacionadas à defesa do ex-presidente, mas todas feitas ou recebidas pelos advogados do escritório.  

Para os conselheiros, as conversas divulgadas demonstram indícios de graves violações aos direitos e às prerrogativas da advocacia, além de atingir o devido processo legal e a boa-fé processual. “Interceptar as conversas entre clientes e advogados, especialmente para bloquear o exercício do contraditório e da ampla defesa é clarividente ato desleal, transgressor da boa-fé”, sustentam.

Os conselheiros também sugeriram que fosse encaminhado aos Conselho Nacional do Ministério Público um pedido de edição de norma para declarar imune, inclusive aos membros do MP, a interceptação, escuta ou gravação das conversas entre cliente e advogado relacionadas ao exercício da advocacia.

Leia abaixo a súmula aprovada:

“É crime contra as prerrogativas da advocacia a violação ao sigilo telefônico, telemático, eletrônico e de dados do advogado, mesmo que seu cliente seja alvo de interceptação de comunicações.”

49.0000.2019.012386-4

Categorias
Notícias

Raphaela da Silva: Renegociação dos contratos de locação

Como forma de frear a disseminação do novo coronavírus e evitar um colapso na economia brasileira, o governo brasileiro vem, quase que diariamente, editando leis, emitido decretos, portarias e Medidas Provisórias para impor medidas preventivas e restritivas, resultando, entre outras coisas, na redução de circulação de pessoas nas ruas, o fechamento de cinemas e teatros, bares, lojas, shopping centers, de pontos turísticos, de escolas, fronteiras e estabelecimentos públicos, na redução do movimento de clientes nos restaurantes, priorizando o serviço de delivery, com entrega sem o contato físico, além do isolamento social. Estão apenas permitidas aquelas atividades essenciais previstas no Decreto nº 10.282, de 20 de março. Medidas essas que repercutem negativamente na economia brasileira.

A realidade atual de restrições de circulação de pessoas impostas pelo governo, não apenas o brasileiro, mas de todos os países, fez com que a população se adaptasse ao home office. Diante disso, os espaços físicos de trabalho (sejam alugados, sejam próprios) não estão sendo utilizados temporariamente, mas o aluguel continua devido, assim como os demais encargos de um imóvel. Diante do desequilíbrio econômico-financeiro contratual em função do impacto causado pelo desaquecimento da economia, é impossível não pensar na redução de receita e custos.  

Nesse cenário, é nítido notar que a relação locatícia é diretamente afetada, tornando-se necessária a renegociação dos aluguéis, para assim evitar a rescisão do contrato de locação ou o despejo por falta de pagamento de aluguel e demais encargos, nos termos do inciso III do artigo 9, do inciso I do artigo 23 e do inciso IX do parágrafo primeiro do artigo 59, todos da Lei no. 8.245/91 (Lei de Locações).

Os contratos de locação em geral preveem índices de reajustes anuais do aluguel. Por outro lado, os artigos 17 e 18 da Lei de Locações estabelecem que a convenção do aluguel é livre entre as partes envolvidas e traz a possibilidade do locador e locatário, de comum acordo, negociar de boa-fé um novo valor de aluguel e modificar a cláusula de reajuste anual. Portanto, a liberdade e a autonomia das partes de estipular livremente as condições do contrato de acordo com seus interesses só reforça a necessidade de locadores e locatários de tentar a renegociação amigável, de acordo com a função social do contrato prevista no artigo 421 do Código Civil [1].

De acordo com a definição ampla e genérica do artigo 393 da Lei 10.406/02 (Código Civil), as hipóteses de caso fortuito ou força maior geram efeitos que são possíveis de evitar ou de impedir e, sendo configurada, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado. A pandemia da Covid-19, que fez com que governos emitissem determinações de fechamento de shoppings centers, parece-nos se caracterizar como caso fortuito ou força maior, sendo a pandemia um fato imprevisto e superveniente à locação.

Outro fator importante é com relação às medidas que vêm sendo tomadas no âmbito dos condomínios edilícios quanto à prevenção da contaminação pelo coronavirus. Pode-se entender que o condomínio edilício é a união entre a propriedade exclusiva (apartamento, sala, loja) com a propriedade condominial (áreas comuns dos condôminos, como piscina, salão de jogos, banheiro) [2]. A área de uso comum é também de propriedade do condômino da unidade imobiliária e possui o direito de usar e fruir livremente das suas unidades, conforme artigo 1.335 do Código Civil.

Com o isolamento social e a solicitação de evitar aglomerações, muitos condomínios têm adotado a proibição ou restrição do uso das áreas comuns [3] e surgem os questionamentos sobre o pagamento de aluguel e do condomínio. Apesar da pandemia, há um rateio das suas despesas ordinárias (tais como faturas de energia elétrica, água, gás, o pagamento dos funcionários) e a necessidade de arrecadar o percentual correspondente a cada morador. Caso não consiga negociar amigavelmente com o locador ou com administração do condomínio, é possível recorrer ao Judiciário para pedir a redução do aluguel e da taxa condominial? Quais são as consequências se não conseguir pagar integralmente?

De acordo com a Teoria da Imprevisão dos Contratos (Rebus sic stantibus), no ordenamento jurídico brasileiro é possível que um contrato seja alterado, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra. Portanto, não basta que a pandemia da Covid-19 seja imprevisível e inevitável, a comprovação do nexo causal entre a pandemia e o não cumprimento do contrato é fundamental para aplicação da teoria.

Para reforçar a questão da relação da força maior com o não cumprimento da obrigação, no dia 3 de abril os senadores votaram e aprovaram o texto do Projeto de Lei N° 1179/2020 [4], com os devidos ajustes, que seguirá para votação da Câmara dos Deputados.

O projeto atualiza uma série de normas jurídicas para adequá-las, temporariamente, à crise do coronavírus e apenas suspende os efeitos de determinados artigos, pois são medidas temporárias e transitórias diante da emergência da saúde pública, isto é, nenhum artigo será revogado (artigos 1º e 2º do Projeto de Lei). Ainda, é importante também chamar a atenção para o texto do artigo 6º do Projeto de Lei, pois destaca-se que os efeitos jurídicos não retroagirão ao momento anterior à pandemia, ou seja, a força maior não retroage em hipótese alguma para que não haja vantagem indevida para uma das partes.

Na Alemanha, por exemplo, foi elaborada e publicada em 27 de março uma lei denominada Lei para Amenização dos Efeitos da Pandemia do Covid-19 no Direito Civil, Falimentar e Processual Penal, a qual estabelece, entre outras medidas, que durante a pandemia: I) o aluguel é devido, mas o locador não pode exigir o pagamento e nem denunciar o contrato por esse motivo; II) o locador só não pode despejar o inquilino em mora por falta do pagamento dos alugueis vencidos no período de abril a junho de 2020 (período de crise); e III) o locatário deverá demonstrar o nexo de causalidade entre a pandemia da Covid-19 e a ausência da prestação.

No Brasil, no caso de não acontecer uma renegociação amigável, é possível que o locatário recorra ao Judiciário para reduzir ou suspender os pagamentos durante o período de pandemia. No entanto, há uma divergência nas decisões da Justiça quanto ao deferimento desses pedidos. Enquanto o entendimento, por exemplo, do relator e desembargador senhor Arantes Theodoro do Tribunal de Justiça de São Paulo (36ª Câmara de Direito Privado) é de que “nos casos de força maior ou caso fortuito, o direito positivo autoriza a parte a resolver o contrato ou postular a readequação do valor real da prestação, mas não a simplesmente suspender o cumprimento da obrigação” [5], a 8ª e a 28ª Varas Cíveis, também de São Paulo ,atenderam aos pedidos de suspender os aluguéis [6].

Neste atual momento de incerteza econômica e nas divergências de decisões do Judiciário brasileiro, a melhor solução é a renegociação dos contratos, de boa-fé, entre locadores e locatários, de forma a beneficiar as partes envolvidas para reequilibrar a relação contratual e evitar um efeito dominó de perdas na economia brasileira.

 


[1] “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Raphaela Esperança Moreira da Silva é advogada do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.