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Gaia Silva Gaede Advogados adota praça em Curitiba

Neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o Gaia Silva Gaede Advogados externa sua grande satisfação em ter adotado o espaço público que fica em frente à sede do escritório, em Curitiba – a praça Desidério Erasmo de Rotterdam

Com suas obras de revitalização finalizadas, a praça passa a ser um local para todos os públicos, com bancos e mesas para atividades, pista de caminhada e um playground com brinquedos acessíveis. O escritório espera, assim que retomarmos o convívio social, que este novo espaço se integre à cidade como uma área que se possa aproveitar o futuro, ao ar livre, com bem-estar e alegria.

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Covid-19, mudança do clima e perda da biodiversidade

A Covid-19, sem dúvida alguma, é a maior chaga humanitária que o mundo já experimentou desde a Segunda Grande Guerra Mundial e será responsável pela maior crise econômica desde a Grande Depressão. A perspectiva de retração da economia mundial é de 3% até o final de julho, e ainda pode agravar-se. Assim não fosse, a pandemia, segundo Lawrence Summers, juntamente com os ataques terroristas ao World Trade Center (11 de setembro de 2001) e a Crise de 2008, faz parte dos três maiores choques globais do Século 21, sendo de longe o mais significativo.[1] As práticas utilitárias, o rentismo e os investimentos das nações na indústria dos combustíveis fósseis, armamentista, de produção de bens supérfluos e não essenciais acabou alocando trilionários recursos financeiros que seriam necessários para pesquisas aptas ao descobrimento de vacinas contra os vírus do estilo corona e, especialmente, para a fabricação de um antirretroviral de amplo espectro para o tratamento de pandemias como a atual.

Falta nos governos das nações e nos grandes grupos econômicos uma noção de solidariedade, de pertencimento e de uma cultura que pregue a resiliência para a vida neste novo normal. Aliás, não raras vezes, também falta prudência, serenidade e a necessária sensatez. Qualidades essas essenciais para o homem político idealizado por Aristóteles e imprescindíveis para o estadista pós-moderno inserido em uma sociedade de risco.

Relevante é o pensamento de cunho altruísta e generoso, capaz de responder aos desastres e as catástrofes humanitárias com base em constatações científicas, valendo-se de avanços tecnológicos. Este pensamento, justamente, guardado o distanciamento temporal, foi a base do Plano Marshall para reconstruir as nações e as economias arruinadas após a Segunda Guerra Mundial. A própria Organização das Nações Unidas foi criada neste cenário de reconstrução, pois é das crises que podem surgir os grandes avanços e as mudanças necessárias para a evolução da humanidade.

As externalidades negativas da pandemia, decorrente de uma zoonose[2], não são apenas econômicas, é bom que se grife, mas humanas, sociais, ambientais e políticas. Profundas são as chagas já deixadas pelo vírus que instalou-se na espécie humana via spillover.[3]

A ausência de observância dos princípios da precaução e da prevenção no plano internacional é a causa da dimensão alcançada pela Covid-19 globalmente.[4] Nações que adotaram medidas precautórias e preventivas estão sofrendo menos do que aquelas que realizaram um balanceamento entre o humano e o econômico e optaram pelo segundo, em uma visão de curto prazo. Caíram na armadilha do risco que abocanha e devora, sem nenhuma dificuldade, os pensamentos utilitários e imediatistas. Vieses, com efeito, são armadilhas perigosas nas decisões dos incautos nas políticas públicas. E o açodamento, não raras vezes, pode ser fatal e gerador do caos sem precedentes e de consequências imprevisíveis.[5]

A resposta contra a pandemia deve ser imediata, com uma perspectiva intergeracional, com o perdão da redundância, de longo prazo.[6] No momento, cabe aos governos informar à população sobre os riscos de contágio e da doença em si e buscar o achatamento das curvas de contaminação e das mortes priorizando a vida humana de acordo com as orientações da Organização Mundial de Saúde e com as disposições do Regulamento Sanitário Internacional (RSI).[7]

Não se pode perder de vista que existem outras duas questões que precisarão ser enfrentadas com seriedade, por precaução e prevenção: o aquecimento global e a perda da biodiversidade. Quase um milhão de espécies da fauna e da flora podem ser extintas nos próximos anos[8] e a mudança climática vai aumentar a intensidade e a frequência de eventos extremos como secas, enchentes, ciclones, furacões, precipitações e o aumento dos oceanos com devastadoras consequências sociais, ambientais e econômicas.[9] Uma visão obscurantista, pré-medieval e de negação da ciência não é a solução, aliás, esta linha de pensamento, destituído do necessário equilíbrio, nos colocou nesta situação periclitante e de ampliação dos mega riscos.

A Organização Meteorológica Mundial divulgou recentemente dados preocupantes, mostrando que as temperaturas já aumentaram 1,1 graus centígrados acima dos níveis pré-industriais (1750).[10] Vivemos em um novo antropoceno, cujas consequências para a espécie humana são imprevisíveis. A Terra não necessita dos seres humanos, mas os seres humanos necessitam do meio ambiente, dos ecossistemas e dos serviços ambientais.[11] É intuitivo, chegando as raias da obviedade, que o desequilíbrio climático e ambiental pode levar a maior incidência e intensidade desta e de novas pandemias.

Abordar a mudança climática, a perda da biodiversidade e a Covid-19 simultaneamente e em escala suficiente requer uma resposta de governança efetiva na tutela da vida humana e não humana e dos correspondentes meios de subsistência. Nesta crise, salta aos olhos a real oportunidade para a construção de economias e de sociedades mais sustentáveis, menos egocêntricas, e mais inclusivas.

Aliás, a Agência Internacional de Energia Renovável divulgou dados que mostram que a transformação dos sistemas de energia poluente para limpa poderia impulsionar o PIB global para US$ 98 trilhões até 2050, gerando um aumento de 2,4% no mesmo se comparado aos padrões atuais de desenvolvimento carbonizado. Aumentar os investimentos em energia renovável, por si só, adicionaria 42 milhões de empregos em todo o mundo, e geraria uma economia em saúde oito vezes maior do que o custo do investimento e, assim, por certo, futuras crises seriam evitadas.[12]

Neste sentido, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, propôs, recentemente, seis ações positivas, em termos climáticos, para os governos considerarem em projetos de reconstrução das economias e da organização social após o fim desta primeira onda de pandemia da Covid-19:

Primeiro: como gastamos trilhões para nos recuperar do Covid-19, precisamos criar novos empregos e negócios por meio de uma transição limpa e verde. Os investimentos devem acelerar a descarbonização em todos os aspectos de nossa economia.

Segundo: onde o dinheiro dos contribuintes resgata empresas, ele deve criar empregos verdes, de crescimento sustentável e inclusivo. Não deve ser usado para salvar indústrias poluentes e de uso intensivo de carbono, sabidamente ultrapassadas.

Terceiro: o poder de fogo fiscal deve mudar as economias de cinza para verde, tornando as sociedades e as pessoas mais resilientes por meio de uma transição justa para todos e que não deixe ninguém para trás.

Quarto: os fundos públicos devem investir no futuro, fluindo para setores e projetos sustentáveis que ajudam o meio ambiente e o clima. Os subsídios aos combustíveis fósseis devem terminar e os poluidores devem pagar por sua poluição.

Quinto: O sistema financeiro global, quando molda políticas de infraestrutura, deve levar em consideração os riscos e as oportunidades relacionados ao clima. Os investidores não podem continuar ignorando o preço que nosso planeta paga por um crescimento insustentável.

Sexto: Para resolver ambas as emergências, precisamos trabalhar juntos como uma comunidade internacional. Como o coronavírus, os gases de efeito estufa não respeitam limites. O isolamento é uma armadilha. Nenhum país pode ter sucesso sozinho.[13]

Absolutamente lúcida e correta a colocação de Guterres, uma luz, ante os obscurantismos alimentados por fake news e contaminados por debates polarizados, com argumentos pré-secularizados, isolacionistas[14], que servem apenas para aumentar a desagregação no tecido social da humanidade e vulnerabilizar o princípio da fraternidade.[15]

O Estado Socioambiental de Direito, por fim, no âmbito das suas três funções (executiva, administrativa e judicial), deve, observados os princípios da precaução e da prevenção, priorizar à vida ao lucro; a visão de longo prazo ao imediatismo; o público ao privado; o comunitário ao utilitário: e, a generosidade à avareza. A experiência do combate à pandemia da Covid-19 deve fornecer, de modo integrado e integrador, com erros e acertos, as lições necessárias para o enfrentamento das crises do aquecimento global e da perda da biodiversidade em que estamos igualmente imersos e que irão, sem sombra de dúvida, caminhar para um agudo agravamento se nada for feito nos próximos anos.

A guinada da economia calcada nos combustíveis fósseis para a economia verde, movida pelas energias renováveis, precisa ocorrer imediatamente, observados os compromissos assumidos pelos signatários do Acordo de Paris e, igualmente, os 17 objetivos e as 179 metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. O engajamento das nações, da sociedade, das empresas e dos indivíduos é fundamental para a concretização de um mundo descarbonizado e rico (no aspecto da qualidade de vida e da felicidade) nestes tempos incertos de mudança do clima, de perda da biodiversidade e de pandemia.

[1] SUMMERS, Lawrence. Covid-19 looks like a hinge in history. In: Financial Times. Disponível em: https://www.ft.com/content/de643ae8-9527-11ea-899a-f62a20d54625. Acesso em: 15.05.2020.

[2] WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO recommendations to reduce risk of transmission of emerging pathogens from animals to humans in live animal markets or animal product markets. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/coronavirus/who-recommendations-to-reduce-risk-of-transmission-of-emerging-pathogens-from-animals-to-humans-in-live-animal-markets. Acesso em: 15.05.2020.

[3] Sobre o fenômeno do spillover, ver o clássico: QUAMMEN, David. Spillover: Animal Infections and the Next Human Pandemic. New York :W.W. Norton & Company, 2012.

[4] Para uma visão mais aprofundada do princípio da precaução na era das mudanças climáticas e do aumento das catástrofes, ver: WEDY, Gabriel. O princípio constitucional da precaução: como instrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública (de acordo com o direito das mudanças climáticas e o direito dos desastres).3a. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2020.

[5] Sobre os vieses comportamentais, ver: KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Strasuss e Giroux, 2011.

[6] KRUGMANN, Paul. The Covid-19 Slump Has Arrived. In: The New York Times. https://www.nytimes.com/2020/04/02/opinion/coronavirus-economy stimulus.html?searchResultPosition=5. Acesso em: 10.04.2020.

[7] Desde o início da pandemia do novo coronavírus, os países têm tomado várias iniciativas para conter o avanço da doença. A maioria delas são baseadas no diploma mais importante no âmbito do direito internacional no combate as pandemias, o Regulamento Sanitário Internacional (RSI). Esse documento indica em quais situações se deve tomar medidas como a restrição nas fronteiras ou a quarentena, por exemplo.O RSI é um instrumento jurídico internacional vinculativo para 196 países, que inclui todos os Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) — entre os quais, o Brasil. O documento estabelece conceitos e ferramentas a serem usados pela comunidade internacional para detectar precocemente e responder aos graves riscos à saúde pública que têm o potencial de atravessar fronteiras e ameaçar os seres humanos em todo o mundo.

[8] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório da Onu mostra que 1 milhão de espécies de animais e plantas enfrentam riscos de extinção. Disponível em: https://nacoesunidas.org/relatorio-da-onu-mostra-que-1-milhao-de-especies-de-animais-e-plantas-enfrentam-risco-de-extincao/. Acesso em:23.07.2019.

[9] UNITED NATIONS ENVIRONMENTAL PROGRAMME – (UNEP). Intergovernmental Panel on Climate Change. Global Warming of 1,5C. Disponível em: http://www.ipcc.ch/report/sr15/. Acesso em: 22.04.2020.

[10] WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION. Earth Day highlights Climate Action. Disponível em: https://public.wmo.int/en/media/press-release/earth-day-highlights-climate-action. Acesso em: 14.05.2020.

[11] Ver: LOVELOCK, James. A Rough Ride to the Future. London: Penguin Group, 2014. p. 169.

[12] INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY.
Renewable Energy Can Support Resilient and Equitable Recovery. Disponível em: https://www.irena.org/newsroom/pressreleases/2020/Apr/Renewable-energy-can-support-resilient-and-equitable-recovery. Acesso em: 14.05.2020.

[13] GUTERRES, António. A Time to Save the Sick and Rescue the Planet. In: The New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/04/28/opinion/coronavirus-climate-antonio-guterres.html?smid=fb-share&fbclid=IwAR0TBid8sUXgpBuc_zWkC_W-HDGajG-Da0DT6uJTuIvbXzJzGwl5L9OSUoM. Acesso em: 14.05.2020.

[14] Joseph Stiglitz defende uma ação conjunta e coordenada das nações para o combate à pandemia. WORLD ECONOMIC FORUM. World Leaders Must Unite in Tackling COVID-19, says Joseph Stiglitz. Disponível em: https://www.weforum.org/agenda/2020/04/internationalizing-coronavirus-covid19-globalization-leadership. Acesso em: 10.04.2020.

[15] Sobre o princípio da fraternidade e sua relevância, consultar a recente e paradigmática obra do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (STJ): FONSECA, Reynaldo Soares da. O princípio constitucional da fraternidade: seu resgate no sistema de justiça. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019.

 é juiz federal, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e na Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe), pós-doutor em Direito e visiting scholar na Columbia Law School no Sabin Center for Climate Change Law e professor visitante na Universität Heidelberg- Instituts für deutsches und europäisches Verwaltungsrecht. Foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (2010-2012) e da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (2008-2010) e representante da magistratura federal no Conselho da Justiça Federal (2010-2012) e no Conselho do Prêmio Innovare (2010-2012). Autor de diversos artigos jurídicos no Brasil e no exterior e de livros, entre os quais, “Desenvolvimento Sustentável na Era das Mudanças
Climáticas: um direito fundamental”.

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A pandemia, os humanos e a natureza

“O mundo parou. Os humanos estão recolhidos e amedrontados. A economia preocupa e há quem diga que o day after será mais difícil que o dia de hoje. Digladiam-se, ao invés de convergir, os que defendem a proteção da vida (isolamento social, redução de atividades) e os que defendem a proteção da economia (continuidade das atividades econômicas, proteção do emprego e da renda, proteção do trabalhador informal). Os cientistas buscam a origem da epidemia, vacinas que evitem e remédios que curem a doença: uma febre, mal-estar, tosse seca que pode evoluir para uma séria pneumonia, bloqueio dos pulmões e morte por insuficiência respiratória. A doença é transmitida por contato pessoal, de pessoa a pessoa; e a rapidez com que se espalhou pelo planeta, país a país, e com que contaminou em poucos dias boa parte da população surpreende.

Assim começava o meu último artigo, em 28 de março [1], quando a realidade ainda não se havia mostrado por inteiro. Passados 30 dias do artigo, 90 dias desde a chegada do coronavírus ao Brasil, 135 mil infectados e dez mil mortes aqui, vemos que algo diferente está acontecendo. Os bilhões de dólares gastos anualmente em armas e equipamentos de destruição são incapazes de destruir esse pequeno, vulnerável vírus que, se não contido por vacinas ou medicamentos, ou se não criarmos anticorpos, se transformará em uma das maiores ameaças aos humanos desde a nossa criação.

Em 1972, assisti por acaso no Cine Bijou, um pequeno cinema de arte situado na Praça Roosevelt, em São Paulo, que há muito deixou de existir, a um filme denominado “A Crônica de Hellstrom” [2]; o filme não fez muito sucesso na ocasião e, segundo sei, nunca foi exibido depois, embora tenha me impressionado tanto que dele me lembro após todos esses anos. Seu tema, nada romântico e com cenas impressionantes do mundo natural (a vida depende da morte), cuida da batalha diária pela sobrevivência e conclui que das milhões de espécies que popularam a Terra apenas duas sobreviveram e aumentaram a própria população após as diversas hecatombes de nossa história geológica: os insetos (e aqui incluo, para o efeito deste artigo, os vírus, as bactérias e quetais) e os humanos. O filme anota que a sobrevivência dos dois decorre de uma especial adaptação às mudanças que ocorreram na planeta, e que sobreviverá quem melhor se adaptar às mudanças ainda por vir. Não conto o final da batalha para não estragar o interesse de quem se animar a ver o filme.

Desmond Morris em “O Macaco Nu” (nós), escrito por um biólogo, zoólogo e etólogo, escreveu: “Sou zoólogo e o macaco pelado é um animal. É, portanto, caça ao alcance de minha pena e recuso-me evitá-lo mais tempo, só porque algumas de suas normas de comportamento são bastante complexas e impressionantes. A minha justificativa é que, apesar de ter se tornado tão erudito, o homo sapiens não deixou de ser um macaco pelado e, embora tenha adquirido motivações muito requintadas, não perdeu nenhuma das mais primitivas e comezinhas. Isso causa-lhe muitas vezes certo embaraço, mas os velhos instintos não o largaram durante milhões de anos, enquanto os mais recentes não têm mais de alguns milhares de anos e não resta a menor esperança de que venha a desembaraçar-se da herança genética que o acompanhou durante toda a sua evolução” [3].

Os humanos nasceram e evoluíram na natureza. Mas o que é “a natureza” de que tratamos? Como se vê em uma busca rápida na internet, “Latim, naturacomp. pelo tema natus, p.pass. de nascere = nascer e urus = sufixo do particípio futuro de oritur = surgir, gerar, a força que gera. Aquilo que surge, que se dá por nascimento. Aquilo que é e faz por nascimento segundo leis universais aplicadas a um preciso contexto. Ordem ou sistema de leis que precedem a existência das coisas e a sucessão dos seres. O conjunto de todos os seres que compõem o universo” [4]. A natureza é a força que gera a ordem ou sistema de leis que precedem a existência das coisas e a sucessão dos seres; a natureza não “nasce”, mas é nela, segundo suas regras, que coisas e seres nascem, vivem e morrem.

A natureza contém as regras que regulam a formação das galáxias, estrelas, planetas e tudo que é contido no Universo; mas é a natureza na Terra que nos preocupa. Não adentro a discussão da presença de Deus na criação da natureza, própria a outro momento e local; basta-nos aqui anotar a existência de regras que precedem a existência das coisas que existem, inclusive a vida, lembrando a sedutora Hipótese ou Teoria Gaia de James Lovelock, segundo a qual a Terra é um organismo vivo com suas regras, nas quais nos movimentamos [5]. Uma dessas regras é o equilíbrio, que sempre retorna após rompido, ainda que em uma relação diferente da anterior.

Assim são as coisas inanimadas, que após o terremoto voltam a imobilizar-se em outra posição. Assim são as coisas vivas, que dependem da conversão de energia e não podem consumir mais do que a energia disponível: as plantas convertem em energia o sol, o carbono do ar, os nutrientes do solo; são a fonte de energia de animais, insetos, micróbios que delas vivem, que são a fonte de energia de outros seres que deles se alimentam, até o topo final da cadeia alimentar. O desequilíbrio implica na adequação de toda a cadeia alimentar, com a extinção de alguns, a alteração de outros, a chegada de seres novos, até que se estabeleça um novo equilíbrio em um movimento lento, próprio à evolução e aos processos naturais.

O equilíbrio foi rompido pelos humanos ao desenvolver uma forma de vida fora desse tempo e dessas regras, como anota Jared Diamond (em tradução livre): “Na maior parte dos seis milhões de anos da evolução humana, todos os humanos e proto-humanos viveram como um tipo diferenciado de chimpanzés, em uma população de baixa densidade espalhada pela paisagem como famílias ou pequenos bandos. Apenas nos últimos seis mil anos, uma pequena fração da histórias humana, alguns de nossos antepassados se juntaram em cidades. Mas hoje mais da metade da população do mundo vive nesses novos locais, alguns com dezenas de milhões de habitantes” [6].

Esse crescimento da população humana implicou na apropriação de parte cada vez maior do mundo natural através do desenvolvimento de novas formas, ou técnicas, de conversão de energia: a caça e a extinção das espécies desde a pré-história, a agricultura e a pecuária, a conversão de matas para a produção de alimentos, de bens e para a criação de cidades. Esse desequilíbrio terá um fim, pois como visto acima a natureza caminha sempre para o equilíbrio, com uma ordem diferente desta que conhecemos.

Curiosamente, a parte mais antiga da vida no planeta é pouco conhecida por nós e está em nosso entorno, inclusive no ar que respiramos, como anota Nathan Wolfe depois de 15 anos de pesquisa sobre micróbios (em tradução livre): “Como resultado, comecei a pensar no ar como o meio para a próxima pandemia, mais que um modo de sustento da vida. Mas respire sem medo: a maioria dos micróbios no ar nos causa pouco ou nenhum mal, e alguns certamente nos faz bem. A verdade é, nós ainda sabemos muito pouco sobre eles” [7]. Esse pouco conhecimento é manifesto no caso da Covid-19, como informa Nísia Trindade, presidente da Fiocruz: “Nossos estudos já apontam mutações que é uma característica dos vírus. Mas ainda estamos estabelecendo correlações entre essas mutações e o tipo de manifestações clínicas relacionada. Não quero causar pânico, mas esse vírus é um grande desconhecido, um estrangeiro” [8].

Sabemos que as pandemias têm origem na transmissão de vírus por animais e pássaros, as chamadas zoonoses, e que essa transmissão vem ocorrendo com mais facilidade por causa da redução dos habitats, pelo contato de espécies que antes pouco ou não se encontravam e pelo contato dessas espécies com os humanos, como decorre do tráfico de animais, dos mercados de animais vivos, da proximidade dos humanos com a natureza de que se separou; decorrem das intervenções mal pensadas e do simples crescimento exponencial dos humanos, de uma forma de vida perdulária e da perda de respeito pela natureza.

Não basta aprender mais sobre os micróbios, pois eles e os insetos continuarão sua rápida mutação e a transmissão de doenças; a simples multiplicação da nossa população, somada às mudanças climáticas, à destruição dos habitats e das espécies, trará novas pandemias e novas crises. A tecnologia e a ciência têm limites e lembro se desenvolvem na natureza, dentro da natureza, cujas regras não prevalecem contra as regras da natureza. É preciso que os humanos vejam o que está à sua volta e repensem a estrutura maior em que estão inseridos, deixem de lado a arrogância do nosso aparente sucesso e lembrem que essa nossa forma de vida não apaga, como disse Desmond Morris, que “o macaco pelado é um animal” que não submete a natureza, mas a ela está submetido.

Retorno à crônica de Hellstrom. A dimensão da pandemia causada por um pequeníssimo vírus nos força a enfrentar perguntas que evitamos no dia a dia e a pensar em nossa espécie e em nosso planeta, decidindo agora o que vai moldar a vida dos humanos que ainda não nasceram. Difícil? Sim, mas necessário, pois a natureza não reclama, ela se vinga.