Categorias
Notícias

Terceirização de atividades-fim é constitucional, decide STF

A flexibilização das normas trabalhistas trata de um fenômeno global, de forma que seria “temerário” isolar o Brasil deste movimento produtivo. Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes as ações contra a chamada Lei das Terceirizações (Lei 13.429/2017), que permite a terceirização de atividades-fim de empresas.

Por 7 votos a 4, ministros entenderam que a Lei das Terceirizações é constitucional 
123RF

Em julgamento virtual que se encerrou nesta segunda-feira (15/6), sete ministros acompanharam o voto do relator, ministro Gilmar Mendes.

Ao todo, foram ajuizadas cinco ações para questionar a constitucionalidade da lei. Todas elas alegam que a terceirização irrestrita de atividades é inconstitucional por precarizar as relações de trabalho. A primeira delas, de autoria da Procuradoria-Geral da República, diz que submeter o trabalhador ao regime do contrato por prestação de serviços reduz a abrangência de direitos trabalhistas.

Ao analisar as ADIs, o relator afirmou que não se trata de ter que escolher entre o modelo de trabalho formal e o informal, mas sim “entre um modelo com trabalho e outro sem trabalho; entre um modelo social utópico, como tão frequentemente nos alertou Roberto Campos, e um modelo em que os ganhos sociais são contextualizados com a realidade”.

A avaliação feita pelo ministro é que a informalidade é um indicativo de que “os agentes de mercado, não apenas empresas, mas também os trabalhadores, estão migrando para a margem do sistema super-regulado que construímos”.

“Se a Constituição Federal não impõe um modelo específico de produção, não faz qualquer sentido manter as amarras de um modelo verticalizado, fordista, na contramão de um movimento global de descentralização. Isolar o Brasil desse contexto global seria condená-lo à segregação econômica”, afirmou Gilmar Mendes.

Ainda segundo o ministro, é preciso que haja uma equalização entre o valor do trabalho e a sua contribuição no processo de desenvolvimento econômico e social. Defendeu ainda que seja superada a “orientação marxista que, reitere-se, demoniza o capital e insere o trabalho como uma mera relação de poder e submissão”.

A decisão deste julgamento reafirma a jurisprudência que vem sendo construída pela corte. Em agosto de 2018, o STF já havia debruçado sobre os temas da terceirização de atividades-fim e meio. Também por 7 votos a 4, foi declarada a constitucionalidade das normas.

Relação desigual

Foram abertas duas frentes de divergência. O ministro Marco Aurélio apontou que, embora com o passar dos anos tenha havido melhorias das condições gerais do trabalho e a fixação da remuneração mínima, “ainda é patente a desigualdade econômica em comparação com o empregador, agravada por excesso de mão de obra e escassez de emprego”. 

“O que se tem é nítida isenção no cumprimento das atribuições sociais das empresas, a implicar profundo desequilíbrio na relação entre empregador e trabalhador, em prejuízo do projeto constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária – artigo 3º, inciso I”, criticou. Marco Aurélio foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski para declarar a lei inconstitucional.

A outra divergência foi apresentada pelo ministro Luiz Edson Fachin, que teve voto seguido pela ministra Rosa Weber. Ele fez destaque ao entendimento da ministra Rosa Weber em outro julgamento sobre o tema, no qual ambos ficaram vencidos. 

Na ocasião, a ministra afirmou que a redução do amparo ao trabalhador para permitir a terceirização das atividades-fim equivaleria “a viabilizar mera intermediação de mão de obra em prol do tomador dos serviços, significa chancelar, à margem da lei, a mercantilização do trabalho humano, configuradora de repugnante exploração do homem pelo homem e desprestígio da lei pátria e da Constituição da República”.

Clique aqui para ler o voto do relator

Clique aqui para ler o voto de Marco Aurélio

Clique aqui para ler o voto de Fachin

ADIs 5.735, 5.695, 5.687, 5.686 e 5.685

Categorias
Notícias

Oliveira e Cavalcanti: A crise da Covid-19 e a garantia sobre recebíveis

Em operações de empréstimo, é comum que as empresas ofereçam, como garantia de pagamento do crédito, os valores que têm a receber em decorrência do exercício de sua atividade.

Trata-se de cessão fiduciária de recebíveis [1], modalidade em que a tomadora transfere a propriedade resolúvel [2] sobre os recebíveis ao banco credor, que também passa a ser o possuidor direto de tais direitos ou títulos de crédito. A empresa, assim, não acessa esses recursos até a efetiva quitação da operação financeira. Adimplida sua obrigação, voltará a ser a plena proprietária dos recursos. Por outro lado, em caso de default, o banco poderá utilizá-los para fins de satisfação do seu crédito, observados os procedimentos legais.

Em razão da sua usual eficácia [3] e liquidez, tal garantia mitiga os riscos inerentes às atividades de financiamento e facilita a concessão de crédito pelas instituições financeiras.

Ocorre que, no atual cenário de crise econômico-financeira provocada pela pandemia da Covid-19, não tem sido rara a provocação, inclusive judicial, de empresas tomadoras de crédito para liberação dos recebíveis viabilizando-se o acesso a tais recursos. De outro lado, tem-se o credor, que, sobremaneira em um cenário como o presente, resiste em renunciar a qualquer garantia contratualmente estabelecida. Analisa, ao invés, a necessidade de reforço, nos termos contratuais, diante de eventual redução significativa do montante de recebíveis.

Cediço que nosso Direito Contratual tem por princípios básicos a força obrigatória dos contratos e a intervenção mínima. Igualmente verdadeiro, todavia, é que também são previstos remédios que autorizam, em cenários excepcionais, o afastamento da vontade originária das partes, sempre de forma a garantir o equilíbrio contratual, a exemplo da teoria da imprevisão (artigo 317 do CC) e da onerosidade excessiva (artigo 478 do CC).

Assim, se em regra permanecem válidas as garantias originalmente contratadas entre as partes, bem como as previsões de complemento para manutenção do valor garantido, sob pena inclusive de vencimento antecipado do contrato, em algumas hipóteses excepcionais o pleito de liberação dos recebíveis pode ser legítimo: quando demonstrado o significativo impacto da pandemia na atividade do tomador e a real necessidade de tais recursos para sua continuidade. Para tanto, ressalte-se, em regra deverá ser concedida uma nova garantia ao credor bastante e suficiente para o risco da operação.

Explica-se. Parece-nos um pleito, em tese [4], legítimo o formulado por empresas fortemente afetadas pela Covid-19, como, por exemplo, tende a acontecer com aquelas do setor de turismo e entretenimento, para substituir a cessão de recebíveis por garantia sobre determinado imóvel de valor suficiente. Trata-se, inclusive, de nítida operação ganha-ganha, pois, ao tempo em que a empresa terá acesso a recursos preciosos para atravessar momento tão delicado, a instituição financeira receberia uma garantia que, embora de menor liquidez, é mais sólida, afastando o risco de eventual esvaziamento decorrente da redução das vendas.

Tal operação pode, inclusive, ser transitória, voltando-se ao status inicial quando configurados determinados eventos acordados pelas partes, como o restabelecimento do volume de vendas ou da margem EBITDA em patamares anteriores à pandemia, por exemplo.

Por fim, deve-se alertar que o exposto acima não pode ser caminho para reequilibrar o que não foi desequilibrado. Muitas empresas não foram fortemente impactadas negativamente pela pandemia e outras tantas inclusive cresceram em sua decorrência. São possíveis exemplos empresas de tecnologia da informação, e-commerce, farmácias, varejo de alimentos, entre outros. Para essas, a pandemia não exsurge como justificativa para pleito de modificação da garantia originalmente contratada.

Das partes, sempre serão exigidos a boa-fé objetiva e o dever de colaboração. Em momentos como este, é necessário um grande esforço de empatia e compreensão, construindo-se, à luz do originalmente contratado, alternativas sustentáveis para os contratantes. O momento pede menos litígio e distanciamento processual e mais compreensão e aproximação. É apenas com absoluta transparência e muito diálogo que se chegará às melhores soluções.

 


[1] Lei 10.931/04. Artigo 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004) […] § 3º. É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada (Incluído pela Lei 10.931, de 2004).

[2] Código Civil. Artigo 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Lucas Cavalcanti é sócio-gestor e especialista em insolvência do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.

Camila Oliveira é sócia-titular e especialista em Direito Empresarial do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.