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Joselita Nepomucento: A Covid-19 e fragilidade do sindicato

Opinião

A Covid-19 e fragilidade do sindicato durante a epidemia

Por 

Os tempos são de incerteza e insegurança. O mundo parou. Um vírus novo (Covid-19), ser invisível, maléfico e mortal, estava a ameaçar — e a ceifar — vidas, do crepúsculo de 2019 -—momento em que apareceu no continente asiático e iniciou sua jornada — até o alvorecer de 2020, quando plantou no mundo a certeza de que, efetivamente, ameaçava a humanidade, deixando uma geração inteira incrédula.

Joselita Nepomuceno Borba é mestre e doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP, nembro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, advogada, professora e procuradora do Trabalho aposentada.

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2020, 14h26

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Suicídio de preso em delegacia não gera responsabilidade do Estado

Filho de preso que cometeu suicídio em delegacia ajuizou ação por danos morais
Reprodução

O juízo da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou, por unanimidade, provimento ao recurso do autor e manteve a decisão da 5ª Vara da Fazenda Pública que julgou improcedentes os pedidos de danos morais e materiais por conta de suicídio de preso em uma delegacia de polícia no Distrito Federal.

Na ação, o autor alega que seu pai se envolveu em um acidente de trânsito com um veículo de um policial militar. Ele (pai do autor) estava alcoolizado e foi preso em flagrante. Segundo a inicial, os policiais, mesmo tendo constatado a situação de desespero do pai  — que temia perder o emprego de motorista —, o deixaram sozinho em uma cela.

Os desembargadores da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por unanimidade, negaram provimento ao recurso do autor e mantiveram decisão da 5ª Vara da Fazenda Pública, que julgou improcedentes os pedidos de danos morais e materiais, decorrentes de suicídio de preso em cela de delegacia da polícia do DF, uma vez que configurado fato imprevisível.

Enquanto aguardava o pagamento da fiança, o pai do autor da ação acabou cometendo suicídio. Em razão disso, o filho ajuizou pedido de indenização por falha do estado em garantir a segurança e a integridade física do seu pai enquanto estava preso.

Na 1ª instância, o juízo apontou que, no caso, a responsabilidade do Estado restou afastada em razão da imprevisibilidade do ato extremo de suicídio. “No caso em apreço, conforme as provas colacionadas aos autos, não há previsibilidade de que o preso praticaria o autoextermínio. O evento deve ser previsível para que o Poder Público possa adotar medidas para evitar o dano e, dessa forma, configurar a omissão estatal.”

Ao analisar o recurso, os desembargadores ratificaram a decisão de 1ª instância e mantiveram a sentença. “No caso em apreço, conforme as provas colacionadas aos autos, não há previsibilidade de que o preso praticaria o autoextermínio. O evento deve ser previsível para que o Poder Público possa adotar medidas para evitar o dano e, dessa forma, configurar a omissão estatal.”.

0708913-74.2018.8.07.0018

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Letícia Colleen: O Estado e o direito à vida

“Os direitos fundamentais, em rigor, não se interpretam: concretizam-se”.

Paulo Bonavides

Assim descreve nossa Constituição o direito à vida:

“Caput do artigo 5º: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

“Artigo 6°  São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho…”.

Conforme traz a Magna Carta, o direito à vida é um direito fundamental, e como a saúde está diretamente ligada à vida, não há qualquer motivo para qualquer cidadão não receber do Estado o custeio do seu tratamento, uma vez que comprovada a existência do quadro clínico devidamente diagnosticado.

Tão logo, entende-se que é dever do Estado praticar ações visando à garantia da saúde de seus súditos, no caso, sendo o município ente federativo, não pode este se livrar do dever de garantir a saúde aos munícipes.

Para não haver dúvida de que é dever do município fornecer tratamento médico para as pessoas carentes, vejamos o que diz a Lei 8.080/90:

“Artigo 9º  A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

(…) no âmbito dos municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.………………………

Artigo 18  À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:

planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;

(…)

dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde”.

Ora, se a descentralização do SUS prevê a atuação do município na execução de serviços de saúde, e na política para dar insumos e equipamentos a saúde, não pode haver dúvida de que o fornecimento de tratamentos para pessoas carentes é dever do poder público.

Como se sabe, o tratamento fora do domicílio (TFD) é um mecanismo do SUS para garantir aos pacientes o acesso a serviços assistenciais de complexidade diferenciada em outros municípios, quando esgotados todos os recursos de diagnóstico e terapia no município de origem.

Na esfera federal, a Portaria/SAS/Nº055, de 24 de fevereiro de 1999, do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Assistência à Saúde, acerca da rotina do tratamento fora do domicílio no SUS, especifica que o auxílio serve para custeio das despesas de transporte, alimentação e estadia pelo Sistema Único de Saúde:

“Artigo 4º  As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a TRANSPORTE AÉREO, TERRESTRE E FLUVIAL; DIÁRIAS PARA ALIMENTAÇÃO E PERNOITE PARA PACIENTE E ACOMPANHANTE , devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado” (grifos da autora).

Assim, negar tratamento é negar o direito fundamental à saúde e consequentemente à vida, vejamos o entendimento de nossos tribunais:

“EMENTA: Direito Público não especificado. Sistema Único de Saúde. Tratamento especializado fora do domicílio. ILEGALIDADE NO SEU INDEFERIMENTO, NAS PECULIARIDADES DO CASO . Direito à saúde, garantia constitucionalmente assegurada, como dever do Estado. Sentença confirmada. Recurso improvido (apelação cível n° 598308955, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, julgado em 22/10/1998)” (grifos da autora).

Conforme se falou anteriormente, a matéria ora em debate já se encontra delineada na Constituição Federal em seu artigo 198, § 1º, in verbis:

“O sistema único de saúde será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.”

Vislumbra-se do texto legal que a referência é feita às três esferas do Poder Executivo para ampliar a responsabilidade, de tal forma que não há que se falar em litisconsórcio ou ilegitimidade passiva de um dos entes públicos, pois o demandante em eventual ação judicial pode requerer o custeio a qualquer um dos entes federados.

Nesse prisma, o texto do artigo 196 da Constituição Federal, ao falar genericamente em Estado, tem cunho geral, preconizando que o custeio do Sistema Único de Saúde se dê por meio de recursos orçamentários da seguridade social comum a todos os entes federados, regionalização e hierarquização nele referidas que devem ser compreendidas sempre como intenção de descentralizar e garantir sua efetividade.

Ademais, é de grande relevância registrar que não existe subordinação, concorrência ou subsidiariedade entre as esferas municipal e estadual, aliás, qualquer uma delas responde autonomamente pela proteção à saúde individual.

No que se atina ao mérito propriamente dito, é cediço que a saúde é um direito público subjetivo indisponível assegurado a todos e consagrado no artigo 196 da Constituição Federal, senão vejamos:

“Artigo 196  A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Além do que, é dever da Administração garantir o direito à saúde e a aquisição de medicamentos as pessoas carentes portadoras de doenças, máxime, quando se trata de direito fundamental, qual seja, a vida humana.

É de bom alvitre ressaltar mais uma vez que, a Lei nº 8.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde, face às exigências do parágrafo único do artigo 198 da Constituição Federal, reforça a obrigação do Estado no que concerne à política de gestão de aplicação de recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde.

Destarte, o dispositivo constitucional não pode significar apenas uma norma programática, mas deverá surtir seus efeitos concretos, devendo o Estado implementar políticas públicas capazes de transformar a realidade dos destinatários da norma, garantindo a todos o direito à saúde digna e eficaz.

Diante disso, afigura-se como obrigação do Estado o fornecimento do medicamento necessário ao tratamento de qualquer cidadão.

Destaca-se também entendimento no que diz respeito a reexame necessário:

“EMENTA:. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES: SUJEIÇÃO DA SENTENÇA AO REEXAME NECESSÁRIO E CHAMAMENTO DA UNIÃO E MUNICÍPIO AO PROCESSO. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. DOENÇA GRAVE. MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTES DO TJRN. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO”.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo este garantir, através de políticas sociais e econômicas, a redução dos riscos de doenças e de outros agravos, resguardando o acesso universal e a igualdade de ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação dos necessitados.

Os dispositivos da lei orçamentária e da Lei de Responsabilidade Fiscal devem ser interpretados com base no fundamento da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República, especialmente quando se está diante de uma pessoa portadora de doença grave com expressivo e iminente risco à sua própria vida, como o caso em comento. Corroborando este entendimento, temos:

“Conhecimento e improvimento da Apelação Cível. (TJRN  — Apelação Cível nº 2006.004505-7, 3ª Câmara Cível, Relator Desembargador Osvaldo Cruz – j. em 12/12/2006).

DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO, PELO ESTADO, DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. OBRIGAÇÃO DE ORDEM CONSTITUCIONAL. É dever do Estado, enquanto imperativo de ordem constitucional, a plena disponibilidade de meios que resguardem à saúde dos seus súditos, incluindo-se nessa obrigação o pleno e regular fornecimento de medicamentos. Inexistência de afronta ao princípio da separação dos poderes, ou, ainda, a necessidade de previsão orçamentária e sujeição a procedimentos licitatórios. Remessa Necessária e Apelação conhecidas e improvidas (Remessa Necessária e Apelação Cível nº 2004.001652-2, 3ª Câmara Cível, Relator Desembargador Aécio Marinho – j. em 14.06.2005)”.

No que tange à alegação de obediência ao princípio da reserva do possível, entende-se igualmente não merecer acolhida qualquer alegação nesse sentido, eis que se estará diante do conflito de normas referentes à saúde e, principalmente, o direito fundamental à vida, que não pode restar inviabilizado pelas simples argumentação de impossibilidade financeira ou qualquer obstáculo argumentado pelo município.

Inexiste um contexto lógico em que o município possa alegar que não tenha condições de arcar com o pedido da requerente, pois tal comportamento decorreria de nulificação ou aniquilação de direitos fundamentais do ser humano, o que é inaceitável e inadmissível.

A propósito, trago à luz deste juízo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS IMPOSSIBILIDADE DE EXAME – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS BLOQUEIO DE CONTAS DO ESTADO POSSIBILIDADE.

1. Não cabe a esta Corte o exame da assertiva de violação de dispositivos constitucionais, sob pena de se usurpar a competência atribuída ao STF.

2. Tem prevalecido no STJ o entendimento de que é possível, com amparo no artigo 461, § 5º, do CPC, o bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.

3. Embora venha o STF adotando a Teoria da Reserva do Possível em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada.

4. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 921590/RS, Ministra Eliana Calmon, j. em 29/8/07).”

A eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o pedido de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde, vez que a enfermidade precisa ser combatida com a máxima urgência, já que a autopoiesis não espera. Entendimento consagrado na esteira de orientação do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

Recurso ordinário conhecido e provido.

(ROMS 11129/PR. DJ 18.02.2002. PÁG. 00279. Rel. Minº Francisco Peçanha Martins. 2ª Turma. STJ).

EMENTA: Município de Porto Alegre. Pedido de custeio de exame de ressonância magnética que não consta da lista dos exames fornecidos pelo SUS. A saúde é direito de todos e dever do Estado Artigo 196 da Constituição Federal. Norma de Aplicação imediata. Responsabilidade do Poder Público. Os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público. Necessidade de preservar-se o bem jurídico maior que está em jogo: a própria vida. Aplicação dos artigos 5, par-1; 6 e 196 da CF. Embargos desacolhidos. (fls. 8).

(Embargos Infringentes 70001297084, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Francisco José Moesch. Julgado em 20/04/01).

EMENTA: Mandado de Segurança. Fornecimento de exames. Aparelhos e medicamentos essenciais e indispensáveis a saúde e vida do impetrante. Responsabilidade do Estado. E dever e responsabilidade do Estado, por força de disposição constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de exames, medicamentos e aparelhos essenciais e indispensáveis à saúde e a própria vida do impetrante. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. O direito a saúde, pela nova ordem constitucional foi elevado ao nível dos direitos e garantias fundamentais sendo direito de todos e dever do Estado. Aplicabilidade imediata dos princípios de normas que regem a matéria. Segurança concedida. (fls. 9)

(Mandado de Segurança 597258359, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis. Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Hernqie Osvaldo Poetea Roenick, Julgado em 17/3/00)“.

Comumente, o cidadão, em casos de dificuldade no fornecimento de medicamento ou tratamento, é vitimado em sérios danos de ordem psíquica pelo tamanho descaso do Estado que pode culminar em morte, o que resulta em possibilidade de gerar indenização.

E, ressalve-se, a importância da indenização vai além do caso concreto, posto que a sentença tem alcance muito elevado, na medida em que traz consequências ao direito e toda sociedade. Por isso, deve haver a correspondente e necessária exacerbação do quantum da indenização tendo em vista a gravidade da ofensa à honra pela perda de um ente querido; os efeitos sancionadores da sentença só produzirão seus efeitos e alcançarão sua finalidade se esse quantum for suficientemente alto a ponto de apenar o réu e assim coibir que outros casos semelhantes aconteçam.

 é advogada, sócia do escritório Rafael Mayer, Lucena e Colleen, assessora jurídica na Autarquia Municipal de Trânsito e Transportes de Ipojuca (PE), pós-graduada em Direito Previdenciário e Seguridade Social pela Escola de Magistratura Trabalhista da 6ª Região e pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Uninassau.

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Oliveira e Cavalcanti: A crise da Covid-19 e a garantia sobre recebíveis

Em operações de empréstimo, é comum que as empresas ofereçam, como garantia de pagamento do crédito, os valores que têm a receber em decorrência do exercício de sua atividade.

Trata-se de cessão fiduciária de recebíveis [1], modalidade em que a tomadora transfere a propriedade resolúvel [2] sobre os recebíveis ao banco credor, que também passa a ser o possuidor direto de tais direitos ou títulos de crédito. A empresa, assim, não acessa esses recursos até a efetiva quitação da operação financeira. Adimplida sua obrigação, voltará a ser a plena proprietária dos recursos. Por outro lado, em caso de default, o banco poderá utilizá-los para fins de satisfação do seu crédito, observados os procedimentos legais.

Em razão da sua usual eficácia [3] e liquidez, tal garantia mitiga os riscos inerentes às atividades de financiamento e facilita a concessão de crédito pelas instituições financeiras.

Ocorre que, no atual cenário de crise econômico-financeira provocada pela pandemia da Covid-19, não tem sido rara a provocação, inclusive judicial, de empresas tomadoras de crédito para liberação dos recebíveis viabilizando-se o acesso a tais recursos. De outro lado, tem-se o credor, que, sobremaneira em um cenário como o presente, resiste em renunciar a qualquer garantia contratualmente estabelecida. Analisa, ao invés, a necessidade de reforço, nos termos contratuais, diante de eventual redução significativa do montante de recebíveis.

Cediço que nosso Direito Contratual tem por princípios básicos a força obrigatória dos contratos e a intervenção mínima. Igualmente verdadeiro, todavia, é que também são previstos remédios que autorizam, em cenários excepcionais, o afastamento da vontade originária das partes, sempre de forma a garantir o equilíbrio contratual, a exemplo da teoria da imprevisão (artigo 317 do CC) e da onerosidade excessiva (artigo 478 do CC).

Assim, se em regra permanecem válidas as garantias originalmente contratadas entre as partes, bem como as previsões de complemento para manutenção do valor garantido, sob pena inclusive de vencimento antecipado do contrato, em algumas hipóteses excepcionais o pleito de liberação dos recebíveis pode ser legítimo: quando demonstrado o significativo impacto da pandemia na atividade do tomador e a real necessidade de tais recursos para sua continuidade. Para tanto, ressalte-se, em regra deverá ser concedida uma nova garantia ao credor bastante e suficiente para o risco da operação.

Explica-se. Parece-nos um pleito, em tese [4], legítimo o formulado por empresas fortemente afetadas pela Covid-19, como, por exemplo, tende a acontecer com aquelas do setor de turismo e entretenimento, para substituir a cessão de recebíveis por garantia sobre determinado imóvel de valor suficiente. Trata-se, inclusive, de nítida operação ganha-ganha, pois, ao tempo em que a empresa terá acesso a recursos preciosos para atravessar momento tão delicado, a instituição financeira receberia uma garantia que, embora de menor liquidez, é mais sólida, afastando o risco de eventual esvaziamento decorrente da redução das vendas.

Tal operação pode, inclusive, ser transitória, voltando-se ao status inicial quando configurados determinados eventos acordados pelas partes, como o restabelecimento do volume de vendas ou da margem EBITDA em patamares anteriores à pandemia, por exemplo.

Por fim, deve-se alertar que o exposto acima não pode ser caminho para reequilibrar o que não foi desequilibrado. Muitas empresas não foram fortemente impactadas negativamente pela pandemia e outras tantas inclusive cresceram em sua decorrência. São possíveis exemplos empresas de tecnologia da informação, e-commerce, farmácias, varejo de alimentos, entre outros. Para essas, a pandemia não exsurge como justificativa para pleito de modificação da garantia originalmente contratada.

Das partes, sempre serão exigidos a boa-fé objetiva e o dever de colaboração. Em momentos como este, é necessário um grande esforço de empatia e compreensão, construindo-se, à luz do originalmente contratado, alternativas sustentáveis para os contratantes. O momento pede menos litígio e distanciamento processual e mais compreensão e aproximação. É apenas com absoluta transparência e muito diálogo que se chegará às melhores soluções.

 


[1] Lei 10.931/04. Artigo 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004) […] § 3º. É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada (Incluído pela Lei 10.931, de 2004).

[2] Código Civil. Artigo 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Lucas Cavalcanti é sócio-gestor e especialista em insolvência do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.

Camila Oliveira é sócia-titular e especialista em Direito Empresarial do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.

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Chaves e Cavalcante: As ciências sociais em tempos de crise

O avanço da pandemia da Covid-19 e o espraiamento de suas consequências ocasionaram uma série de impactos sobre as mais diferentes realidades: social, econômica, política, jurídica, etc.

Essa marcha de acontecimentos, por um lado, produziu um cenário de flutuações, instabilidades e incertezas; por outro, descortinou novas e inúmeras interrogações de variadas ordens.

A perplexidade de todos diante da intensificação desses efeitos e perturbações, difíceis de entender e de superar, conduziu as ciências e a academia a um movimento de reflexões em busca do oferecimento de respostas a esses problemas.

Desde as primeiras referências à possibilidade de disseminação do vírus a uma escala global, ativou-se um fluxo de produção intelectual sem precedentes na história da humanidade, que teve a sua dispersão potencializada pelas tecnologias digitais contemporâneas que possibilitam a circulação em massa dos pensamentos, sob velocidade jamais imaginada.

Proliferaram, principalmente no campo das ciências sociais, colaborações intelectuais sob a forma de artigos de opinião decorrentes da expressão de sensos e intuições particulares a respeito da crise e de suas consequências, de construção e racionalidade frequentemente baseadas em visões fragmentadas da realidade e com oferecimento de respostas simples para problemas complexos.

Essas formulações, em grande parte, revelaram uma situação de falta de articulação do conhecimento e do pensamento que assinala, de certo modo, a necessidade de empreendimento de uma reflexão mais ampla sobre as ciências e suas possibilidades em meio à crise.

Propõe-se, assim, uma breve retrospectiva histórica sobre o contexto de surgimento e trajetória das ciências, para uma reflexão (principalmente) sobre o papel das ciências sociais e dos cientistas sociais.

A ciência moderna surge a partir das atualmente denominadas ciências da natureza, na transição entre os séculos XVI e XVII. Teve como elaborações seminais os estudos astronômicos e alquímicos nos mosteiros da idade média, que partiam de uma releitura da obra de Aristóteles com foco em seus escritos sobre filosofia natural. Foram tempos marcados pelo manejo de novos procedimentos de investigação (observação e experimentação), descobertas de novos fenômenos e construção de teorias que buscavam explicá-los.

Na idade moderna, começou-se a projetar a separação entre fé e razão e assim emergiu um embrião da filosofia moral que se cristalizaria nos questionamentos iluministas e contratualistas. Desses questionamentos e reflexões acerca dessa nova sociedade que se forjava no final do século XVIII, que teve teóricos ilustres como Montesquieu, Adam Smith, Condorcet e Herder, surgiria o impulso de uma nova ciência como filha rebelde da filosofia moral.

Constituiu-se a sociedade como objeto de estudo daquela então recém-inaugurada nova ciência, forjada nos movimentos políticos, na revolução industrial e nas ideias desenvolvidas no final do século XVIII, e que se diferenciava das ciências da natureza.

A sociedade, enquanto conjunto de pessoas que estabelecem relações sociais em suas atividades cotidianas, não surge, naturalmente, no século XVIII, mas este é o período histórico no qual começa a se reconhecer como uma nova dimensão do mundo.

Os primeiros usos da ideia e do termo “ciência social” datam do início do século XIX. Foram os chamados socialistas utópicos, Fourier, Saint-Simon e Comte, a partir de outra tradição do pensamento, que primeiro trabalharam com a noção de uma ciência sobre a sociedade. Já em meados do século XIX, o conceito de uma ciência social chegaria à Inglaterra através de Stuart Mill, sob a influência da obra de Comte.

Em sua trajetória, a ciência social seguiu um impulso de subdivisão em disciplinas do pensamento social como a Sociologia, a Antropologia, a História, a Ciência Política, a Economia e o Direito, portanto, uma orientação de especialização do conhecimento e de sua produção. O caminho trilhado desaguou numa tendência de fechamento de portas a outros saberes e, consequentemente, ao encapsulamento dentro de uma realidade particular e à fragmentação do próprio pensamento.  

No momento atual, a sociedade se vê diante de uma ameaça biológica até então não controlada ou compreendida adequadamente pelas ciências da natureza. Seus impactos incidem sobre as mais diferentes realidades, mais do que nunca, complexas e interligadas.

Especialmente em tempos de crise, ao Estado, enquanto consolidador de um contrato social, cabe o uso de instrumentos econômicos, jurídicos e de política social no sentido de proteger as pessoas e garantir uma mínima estabilidade da ordem social. Para tanto, além das imprescindíveis ações e estudos conduzidos pela “linha de frente” (áreas da saúde, por exemplo) no combate ao vírus e na mitigação de seus impactos sobre as pessoas, será necessário um profundo conhecimento das estruturas sociais e dos mecanismos de atuação institucionais, não apenas para organizar a sociedade durante a pandemia, mas principalmente para reestrutura-la depois.

Está posto, assim, o maior desafio das ciências sociais e dos cientistas sociais neste início de século XXI: contribuir com o oferecimento de soluções adequadas para o enfrentamento e a mitigação dos efeitos da pandemia sobre as mais variadas realidades.

Prognósticos sobre a dimensão exata, o desenvolvimento futuro ou o resultado desta pandemia são arriscados. Mais arriscadas (e limitadas!), contudo, parecem ser as tentativas de compreensão e, principalmente, de oferecimento de soluções para esse problema, complexo e multidimensional, tão somente a partir de opiniões fragmentadas decorrentes da expressão de sensos e intuições particulares a respeito da crise e de suas consequências.

Os problemas decorrentes da pandemia demandam não apenas respostas transdisciplinares, mas principalmente o reconhecimento dos limites e possibilidades da própria ciência em seu sentido mais amplo, que abarca não apenas a dimensão biológica da vida, mas também a dimensão social.

Não é momento, portanto, para o pensamento humano medir forças ou para se estabelecer hierarquias entre as ciências e os saberes. Apresenta-se, sim, uma ocasião propícia a uma reunião sem precedentes de esforços contra um inimigo comum, um vírus que, ao mesmo tempo em que ameaça a nossa vida biológica, permite a expressão maior daquilo que nos une enquanto humanidade.  

Faz-se, assim, uma exortação às ciências sociais e, principalmente, aos cientistas sociais, a um esforço de desvendamento conjunto, um convite à reflexão sobre a necessidade, conveniência e oportunidade de estabelecimento de canais mais amplos de interfaces e diálogos, fluxos intelectuais mais unificados resultantes da associação e articulação de conhecimentos, pensamentos e visões sobre a realidade e seus desdobramentos.

 é professor permanente do PPGD da Unesa, professor adjunto de Direito Comercial da FND/UFRJ, professor adjunto de Direito Comercial da UFF e doutor em Direito pela UERJ.

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Roberta Campos: O direito adquirido à pena unificada

Inconformado com a data do término da sua pena de 30 anos constante no atestado de pena, um executado da Comarca de Patrocínio (MG) peticionou ao Juízo da Vara da Execução Criminal local para que a corrigisse, fundamentado no artigo 75, §2º, do CP.

O executado foi condenado a um total de 93 anos de pena que, unificada no início da execução penal, passou para 30 anos. Cumpridos longos anos de cárcere, fugiu depois de 20 anos e praticou um crime, em que foi condenado a um ano de detenção, pena suspensa por determinação judicial. Recapturado, o juízo determinou nova unificação de penas, desprezo do período de pena cumprido e a contagem de mais 30 anos a partir da sua recaptura.

No último dia 27 de abril, o juízo execucional assim decidiu:

“O sentenciado, por meio de sua procuradora, requer a retificação do atestado de pena para que a data do término da pena seja calculada a partir da primeira prisão do sentenciado, observando-se o limite de 30 anos de prisão previsto no artigo 75 do Código Penal (arquivos 126.1 e 131.1).

O Ministério Público pugnou pelo indeferimento do pedido (arquivo 129.1).

Decido.

Razão não assiste ao sentenciado.

Extrai-se dos autos que o sentenciado vinha cumprindo pena por várias condenações quando empreendeu fuga na data de 25/11/2013.

Na data de 13/3/2014, estando foragido, o sentenciado praticou novo crime, cuja pena somada às demais condenações ultrapassa 30 (trinta) anos, conforme guia de arquivo 1.63.

Dispõe o artigo 75, §1º do CP que:

Artigo 75 — O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. (Redação anterior à Lei nº 13.964, de 2019)

Por sua vez, o § 2º do mesmo artigo supracitado determina:

§ 2º — Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

Com a condenação do sentenciado pela prática do novo crime posterior ao início da execução (13/03/2014), foi realizada unificação das penas e desprezado para esse fim o período de pena já cumprido, nos termos do artigo supracitado.

Dessa forma, vê-se que o atestado de pena encontra-se correto, sendo estritamente observados e cumpridos os ditames legais aplicáveis à espécie”.

Data venia, parece estar equivocada a interpretação judicial quanto a qual “restante de pena” deve ser somado à nova pena. É o restante da pena unificada ou o restante da pena total?

O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser perpétuo na democracia brasileira (artigo 5º, XLVII, “b”, CF/88). É garantia e direito constitucional de todo condenado brasileiro.

O artigo 75 do Código Penal brasileiro, embora anterior à Constituição brasileira democrática, já fixava um limite máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade 30 anos, que foi alterado recentemente para 40 anos pelo Pacote Anticrime.

Se nenhum dispositivo penal cuidasse, de forma expressa, do tempo máximo de execução das penas privativas de liberdade, a garantia constitucional poderia ser tangenciada e o condenado acabar cumprindo pena perpétua.

Mesmo que alguém seja condenado a um total de penas superior a esse limite, não estará obrigado a cumprir mais de 40 anos.

Quando alguém é condenado por um ou vários crimes e a pena ou a soma das penas for superior ao limite, o artigo 75, §1º, do CP e o artigo 111 da LEP determinam que, no início da execução, as penas devem ser unificadas para atender ao limite máximo de 40 anos. A unificação das penas deve ser feita também para determinação do regime penitenciário.

Assim, a unificação de penas passou a ser um direito e uma garantia em prol do condenado (RT 612/347; TJSP: RT 603/324, 606/297, 607/306; TACRSP: JTACRIM 87/173, 88/198 e 414, 92/188 e 202).

Com a unificação, o Estado renuncia ao direito de executar o restante das penas impostas.

Uma vez unificada a pena no início da execução penal, a decisão judicial faz coisa julgada e o condenado passa a ter o direito adquirido à pena unificada (artigo 5º, XXXVI, CF/88). A partir daí, a sua pena passa a ser a pena unificada. Se a soma das penas ultrapassava o limite estabelecido pelo artigo 75 do CP, com a unificação, a sua pena passa a ser de 40 anos. E é isso que ele deverá cumprir. A pena excedente ao limite (40 anos) deverá ser descartada, já que não será cumprida.

É possível afirmar, então, que há uma única unificação sobre cada somatório de penas.

Traçando um paralelo, a unificação das penas assemelha-se à novação, instituto do Direito Civil (artigo 360 do CC), que é a extinção de uma obrigação pela formação de outra, destinada a substituí-la. Dessa forma, a novação é o ato jurídico pelo qual se cria uma nova obrigação com o objetivo de, substituindo outra anterior, a extinguir.

A novação permite a formação de outra obrigação e a primitiva relação jurídica será considerada extinta, sendo substituída pela nova.

Similis à unificação das penas.

A unificação autoriza a extinção da pena excedente ao limite de 40 anos encontrada no somatório inicial da execução penal para substituí-la pela pena-limite, qual seja, 40 anos.

Tal qual a novação, a unificação tem um duplo efeito: ora se apresenta como força extintiva, porque faz desaparecer a antiga obrigação penal, ora como energia criadora, por criar uma nova relação obrigacional. Exerce, concomitantemente, uma dupla função: pela sua força extintiva, é ela liberatória, e como força criadora, é obrigatória.

Portanto, o principal efeito da unificação quanto à pena excedente ao limite, o que podemos chamar de pena inicial, é a sua extinção e, por conseguinte, a sua substituição pena pena-limite.

Com a novação há a extinção da obrigação anterior, desaparecendo todos os seus efeitos.

Entretanto, no Brasil, lamentavelmente, a jurisprudência, representada pela Súmula 715 do STF, continua considerando a pena— inicial para fins de concessão dos benefícios da LEP, in verbis: a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo artigo 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.

Caso sobrevenha condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido (CF, artigo 75, §2º, do CP).

O §2º do artigo 75 do CP constitui-se uma exceção ao limite máximo de cumprimento de penas privativas de liberdade estabelecido no seu caput.

A família Delmanto, quando discorre sobre o artigo 75, §2º, do CP explica-o com um exemplo: “Condenado a penas que somavam 50 anos, o sentenciado as tem unificadas no limite de trinta anos da pena unificada. Quando já cumprira 15 anos da pena unificada, o preso mata um companheiro de cela e é condenado a mais de 20 anos. Para atender à limitação legal de 30 anos, faz-se nova unificação, somando—se o resto da pena que ainda tinha a cumprir (15 anos) com a nova pena (20 anos), mas sem permitir que o resultado ultrapasse o limite legal”. (Celso Delmanto et.al.. Código Penal Comentado. 6.ed.. Rio de Janeiro:Renovar, 2002, p. 150/151.)

Os Delmantos não deixam de registrar que o sistema favorece os condenados que pratiquem novo crime logo no início da execução da pena unificada. No exemplo já dado, se o crime posterior fosse cometido logo no primeiro ano de execução da pena unificada, o condenado seria beneficiado: teria acrescido ao restante da pena unificada que tinha por cumprir (29 anos) a outra condenação (20 anos), mas sempre se obedecendo, na nova unificação, à limitação de trinta anos.

Cléber Masson explica que:

“Em caso de fuga o condenado do estabelecimento prisional, e desde que não seja praticado nenhum novo crime durante este período, o limite de 30 (trinta) anos deve ser contado a partir do início do cumprimento da pena, e não de sua eventual recaptura. Em outras palavras, a fuga não interrompe a execução da pena privativa de liberdade. Provoca apenas a suspensão. Contudo, durante o período de fuga o condenado praticar um novo delito, em relação ao qual venha a ser condenado, deverá ocorrer nova unificação das penas (restante da pena anterior acrescido do montante correspondente à nova condenação), e o limite de 30 anos terá início na data da recaptura”. (MASSON, Cléber. Código Penal Comentado. 6. ed. — Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 416)

Portanto, feita a unificação das penas, o condenado deve cumprir 30 anos de pena. Se durante o cumprimento destes 30 anos, o condenado foge, pratica novo delito e é condenado, deverá ocorrer nova unificação das penas — restante da pena anterior acrescido do montante correspondente à nova condenação. No caso, o restante da pena anterior é o que restava dos 30 anos e não do total unificado de penas, acrescido do montante da nova pena.

Nesse sentido, também Fernando Capez (“Curso de Direito Penal. Parte Geral”. São Paulo: Saraiva, 2017, p.563), Guilherme de Souza Nucci (“Manual de Direito Penal”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.540), Alberto Silva Franco e outros (“Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Parte geral”. V.1. TI. 6.ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 1.218.), Ney Moura Teles (“Direito Penal parte geral”. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.420) e Paulo Queiroz (“Direito Penal parte geral”. 6.ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.419) e Júlio Fabrini Mirabete (“Código Penal Interpretado”. São Paulo: Atlas, 2004, p.607/611).

Deve-se registrar, por fim, que o artigo 111, parágrafo único, da LEP é expressíssimo: “Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime”. E qual é a pena que está sendo cumprida? A pena unificada.

Parafraseando o professor Lênio Streck, “por que é tão difícil cumprir a letra da lei”?