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Veto de Alexandre Moraes a nomeação de Ramagem na PF foi destaque

Provocado por um mandado de segurança feito pelo PDT, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal na última quarta-feira (29/4).

Ao tomar a decisão, o magistrado apontou que “apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do Diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.

Ao suspender a nomeação, Moraes levou em consideração a recente decisão do ministro Celso de Mello, que autorizou inquérito para investigar o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o presidente Jair Bolsonaro. Ao anunciar sua demissão do MJ, Moro fez uma série de declarações sobre a interferência política na PF.

A decisão do ministro dividiu opiniões na comunidade jurídica. O jurista e colunista da ConJur Lenio Streck registrou sua discordância no artigo “Judiciário decide quem pode ser ministro ou diretor-geral da PF?”. 

Discordando ou não da decisão, boa parte da comunidade jurídica se uniu para reprovar os ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro contra o ministro.

Como a decisão sobre o caso foi monocrática, a AGU pode recorrer para que Moraes reavalie o próprio entendimento ou para levar o caso ao Plenário. Assim, caberia aos 11 ministros da corte decidir se a nomeação, de fato, deixou de observar os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público, como afirmou Moraes.

Há uma discussão jurídica sobre se o processo ainda pode ser julgado ou se estaria “prejudicado”, termo usado para definir situações em que o ato atacado já não tem mais efeito, já que na tarde da mesma quarta o presidente revogou a nomeação. A desistência foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União.

TV CONJUR

Veja o que foi publicado nesta semana em nosso canal do YouTube:

Saída de Emergência — Constituição em tempos de crise
Saída de Emergência — Direito de Família e Sucessões

Frase da semana

O presidente da República se equivoca ao equiparar o STF a um clube para o qual chamamos apenas amigos. É evidente que ninguém indica desconhecidos para o cargo. Deve haver uma empatia, a confiança de que ele desempenhará bem suas funções, a certeza sobre seu caráter. Mas reduzir esse momento solene a um ato de camaradagem revela a falta de clareza que o presidente tem sobre o papel e a importância do STF”
Professor e criminalista Pierpaolo Bottini ao comentar as declarações ofensivas de Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes

ENTREVISTA da semana

Uma epidemia com efeitos devastadores para economia, a possibilidade cada vez mais palpável de ver a Justiça inundada por pedidos de recuperação judicial e falência e uma massa de trabalhadores tendo de conviver com cortes de salário e desemprego.

O cenário futuro parece não ser de um céu de brigadeiro e a Justiça do Trabalho, que atualmente enfrenta o desafio de se readequar a um mercado de trabalho dinâmico que desafia normas consolidadas, tem um intenso e inédito teste pela frente.

Em entrevista à ConJur, realizada por WhatsApp, o ministro falou da necessidade de julgar ações e recursos com celeridade e a importância de ter sempre a ciência de que “a fragilização não é apenas dos trabalhadores, mas também dos empregadores, não se podendo desconhecer que a lei deverá ser aplicada, levando em conta a força maior advinda da pandemia”.

RANKING

Com 325 mil acessos, a notícia mais lida trata da decisão do ministro Alexandre Moraes que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal.

Na decisão, o magistrado dedicou especial atenção à separação dos poderes. Afirmou que o presidente da República tem amplas atribuições e concentração de poder pessoal e relembrou que a base do sistema presidencialista “garantiu sua imparcial e livre atuação, balizada necessariamente, pelos princípios constitucionais e pela legalidade dos atos do Chefe do Poder Executivo”.

A escolha e nomeação do diretor da PF pelo presidente, disse Moraes, “mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal”.

Com 264 mil acessos, a segunda notícia mais lida foi sobre a decisão do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça, que  manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que reconheceu a prescrição em uma ação de improbidade administrativa contra o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, por atos relacionados ao período em que ele ocupou o cargo de secretário de Saúde de Campo Grande.

As dez mais lidas
Alexandre suspende nomeação de Ramagem para chefia da PF
STJ mantém acórdão de prescrição em ação contra Mandetta
Maia apreciou só 1 dos 29 pedidos de impeachment contra Bolsonaro
Moro é denunciado em comissão de ética por exigir cadeira no STF
Investigação da PF contra Carlos deixa Jair Bolsonaro irritado
Alexandre determina que delegados da PF sigam em inquérito do STF
Teoria dos motivos determinantes não se aplica a exoneração na PF
Lewandowski pede vista sobre prisão após condenação do Júri
Judiciário decide quem pode ser ministro ou diretor-geral da PF?
Fachin manda STJ respeitar prazos em julgamento do caso do tríplex

Manchetes da semana
Juízes rejeitam flexibilizar legislação como se não houvesse pandemia
Crise mostra que estados e municípios precisam de mais autonomia 
Juristas discutem como aplicar a Constituição durante epidemia
Celso de Mello determina que se investigue Bolsonaro e Sérgio Moro
Concessionária não é obrigada a cumprir contrato na epidemia
Justiça determina que bens de Michel Temer sejam desbloqueados
Celso determina abertura de inquérito contra Abraham Weintraub 
TRF-1 absolve nove réus e advogados apontam desmanche da zelotes
Redução de aluguel durante epidemia divide desembargadores do TJ-SP
Epidemia justifica medidas excepcionais no Direito de Família

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Diário de Classe O presidencialismo de coalizão: um problema de Direito

Com o crescimento das cidades e do proletariado, finalmente a democracia brasileira passou na aurora da chamada Segunda República a integrar as massas ao processo político. Se em 1930 o eleitorado representava 7% da população, em 1945 já era 16%. Em 1950, alcançou 22%. Embora excluísse ainda muitos indivíduos que contribuíam significativamente para a construção da riqueza nacional, percentualmente o conjunto de eleitores aumentou, em duas décadas, mais de 300%: o poder já se horizontalizava nos partidos políticos, acenando significativamente à representatividade que caracteriza a democracia moderna. Basta ver que, nos primeiros anos desse período, também conhecido como República Populista, 31 partidos solicitaram o registro provisório, projetando plataformas bastante plurais, até mesmo antagônicas, como hoje também se verifica.

Enquanto a UDN, por exemplo, de viés liberal, era contra o intervencionismo do Estado, opunha-se ao varguismo e espelhava o interesse das classes médias urbanas, o PSD outro exemplo era uma espécie de braço desse mesmo varguismo, ligando-se às bases do interior e às elites regionais. Esse era o seu público. Já o PTB outra importante sigla era reformista, reguladora, interventora, nacionalista e com bases no movimento sindical urbano. Era, portanto, o oposto da UDN, como também eram tanto o PC do B, na legalidade apenas entre 1945 e 1947, que contava com a simpatia de intelectuais e camponeses, quanto o PSB, com bases, sobretudo, nas universidades.

Nesse esboço, que serve para demonstrar, finalmente, a incorporação das massas ao processo político[1], com a formação de quadros por interesse e agendas representativas, claramente já não era mais possível acessar o poder desvinculando-se dos interesses populares. Bom e emblemático exemplo disso é a derrota de Eduardo Gomes para Eurico Dutra em 1945. Mesmo sem bases populares, ainda que com o apoio de Getúlio Vargas, Dutra venceu o pleito, com seu adversário político dizendo que não precisava do voto dos marmiteiros. Precisava. Com um país que transitava das velhas bases patriarcais do café para a indústria, Gomes não percebeu a ruptura que finalmente incluía o interesse dos representados. Talvez a derrota de Gomes e a ascensão de Dutra marquem a primeira eleição efetivamente democrática no país com um impressionante atraso: era a décima quarta eleição presidencial e a décima segunda direta. Pouco mais de meio século após o advento da República, finalmente o povo importava. Já era tempo. Nossas demandas populares, enfim, encontraram a democracia.

Reflexivamente, desse tardio encontro marcado, em um país com históricos gaps sociais e interesses tão plurais como o Brasil, o multipartidarismo foi uma óbvia consequência, assim como também foi (é, na verdade) o fato de que a sigla que elegesse o presidente precisaria costurar coalizões que permitissem a governabilidade. No imenso catálogo de interesses e desejos populares, afinal, dificilmente a eleição do presidente viria colada à eleição de uma base de governo pura. Isso, de fato, nunca ocorreu, e essa possibilidade sempre esteve presa a limites meramente teóricos, impondo uma série de acordos prévios, entre o Executivo (nacionalizado e reformista) e o Legislativo (paroquializado e conservador). Esse arranjo, em tese o retrato do passado e conhecido como presidencialismo de coalizão, é o mesmo que, entretanto, reorganizou o poder com a Constituição de 1988, diante da abertura democrática.

Grosso modo, embora concentrasse na sua versão 2.0 ainda mais poder no Executivo, com a prerrogativa de legislar por Medida Provisória, por exemplo, o sistema era o mesmo: a governabilidade era assentada em uma espécie de acordo político que, pauta a pauta, entrelaçava as agendas legislativa e executiva. A perversão dessa espécie de solução de compromisso moldada em uma República, paradoxalmente, com instituições pouco republicanas é o conhecido toma-lá-dá-cá. Nesse contexto, como o tempo tem mostrado, não há almoço grátis. Tudo tem um preço.

Entre outras razões, mas sobretudo pelo esboço até aqui apresentado, muito desse ambiente em que se negocia uma inapropriável agenda pública termina não no Congresso e, menos ainda, no Executivo, mas no Judiciário, encarregado da última palavra. Ou seja, talvez a contingencial judicialização da política[2] seja, também, uma espécie de extensão de nosso presidencialismo de coalizão, demarcado não apenas por um amplo catálogo multipartidário a “defender” (entre aspas mesmo) os mais variados interesses, mas, sobretudo, por uma inegável embora muito discutida tradição patrimonialista a nos empregar sentido.

Esse cenário, claro, acena a um pouco republicano espaço público, em que o conflito democrático é cristalinamente transformado em busca pela hegemonia de um pessoalizado interesse. A política não apenas permite essa nada generosa equivalência de forças, bem medida por coalizões, mas, ainda, legitima tudo isso. Por outro lado, é diante dessa paisagem que fica ainda mais latente a importância de se combater fazendo coro à vasta obra de Lenio Streck o ativismo e o realismo jurídicos (que, na verdade, não passam de formas distintas para fazer pender a disputa política para o lado escolhido). Flexibilizar a autonomia do Direito, aceitando decisionismos e egoístas subjetividades de toda sorte, só atrasa o passo de nosso contínuo processo de republicanização, bem demarcado por tão próprias características ao longo do tempo.

Esse é o ponto. O presidencialismo de coalizão é uma dessas peculiaridades que, se não merecem ser combatidas (a perversão não está na formação de coalizões, mas no que condiciona, muitas vezes, essas mesmas e tão íntimas coalizões), também não podem, a seu turno, dispor de um irrestrito catálogo de possibilidades, como se enredassem realidades distintas. A República não admite esse dualismo. Ao contrário, ao cobrar uma postura ortodoxa em relação à Constituição[3], impõe uma unidade que fixa limites jurídicos a fins políticos através do Direito que não apenas em harmônicas condições institucionais, mas, sobremodo, em tempos difíceis de polarização, como esses atuais deve ser sempre preservado. Fora dele, afinal, não há res publica.

 é doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em estágio pós-doutoral na mesma instituição.