Categorias
Notícias

STF analisa ADI sobre doação de sangue por homossexuais

Julgamento é realizado no plenário virtual

Foi iniciado nesta sexta-feira (1º/5) o julgamento da ADI 5.543, ajuizada contra normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que restringem a doação de sangue por homossexuais. A ação foi proposta no STF pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2016 sob o patrocínio de Rafael Carneiro.

A ADI será apreciada no plenário virtual da Corte e o julgamento deve ser concluído na próxima sexta-feira (8/5). A relatoria coube ao ministro Edson Fachin.

Segundo Rafael Carneiro, o placar atual conta com seis votos, todos pelo reconhecimento da inconstitucionalidade das normas atacadas. A divergência, por ora, é do ministro Alexandre de Moraes, que também viu inconstitucionalidade nos dispositivos, mas com a ressalva de que o sangue doado deve ter um tratamento especial. 

O principal dispositivo questionado é o artigo 64 da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde:

Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo:

IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes;

Outra norma impugnada é o artigo 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabelece:

Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâmetros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos:

XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 (doze) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se:

d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes;

Várias entidades da sociedade civil participal da ação como amici curiae, como o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o Instituto Brasileiro de Direito Civil, a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular e a Associação Nacional dos Defensores Públicos.

ADI 5.543

Categorias
Notícias

Freitas Pinho: Manutenção do contrato de trabalho

Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil, paralisando diversas atividades como medida de prevenção ao contágio em massa da Covid-19, o governo se viu obrigado a adaptar rapidamente a legislação, com o intuito de atenuar ao máximo os efeitos da pandemia sobre a vida econômica do país, sobretudo de seus trabalhadores e empregadores.

A repercussão do aumento de casos diagnosticados deu ensejo a uma série de normas, determinadas, nos últimos dois meses, por uma lei e um subsequente decreto o qual serviu de base a duas Medidas Provisórias. Sua redação, no entanto, concede margem a questionamentos sobre sua legalidade, como veremos na sequência desta legislação recém-criada a toque de caixa.

Com prioridade à prevenção no campo da saúde pública, a série de medidas se inicia já em 6 de fevereiro, com a Lei 13.879/2020 determinado que, para o enfrentamento do coronavírus, poderiam ser adotadas as seguintes providências: I) isolamento; II) quarentena; e III) determinação da realização compulsória de exames médicos e testes laboratoriais, entre outros cuidados.

A nova lei federal também passa a considerar como falta justificada à atividade laboral privada o período de ausência decorrente dessas precauções.

Viabilizadas legalmente as providências de combate à epidemia, o Poder Executivo dá início, em 20 de março, a novas normas trabalhistas, visando ao enfrentamento dos efeitos econômicos da quarentena. Seu marco zero vem com o Decreto Legislativo nº 06/2020, pelo qual o governo reconhece estado de calamidade pública no Brasil e abre caminho para medidas provisórias a fim de preservar emprego e renda.

Editada dois dias depois a MP 927/2020, que permite aos empregadores adotar formas de manter contratos de trabalho mediante adoção de modalidades como: I) teletrabalho; II) antecipação de férias individuais; III) concessão de férias coletivas; IV) aproveitamento e antecipação de feriados; V) banco de horas; VI) suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; VII) direcionamento do trabalhador para qualificação; e VIII) diferimento do recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). 

Publicada no mesmo dia 22 de março, a Medida Provisória 936/2020 manifesta objetivo, consoante em seu artigo 2º, de: I) preservar emprego e renda; II) garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e III) reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública. 

Seu programa também prevê: I) pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda; II) redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e III) suspensão temporária do contrato de trabalho.

Mas o que essas Medidas Provisórias têm, em comum, a ponto de suscitar eventual discussão em torno de sua legalidade, mesmo que diante de um período reconhecidamente de força maior, tanto para empregadores quanto para trabalhadores?

A questão está na possibilidade que essas MPs abrem para a formalização de acordos individuais. É aí que mora o perigo, pois sabemos, como regra geral, que as condições mínimas de trabalho estabelecidas na Constituição Federal são inderrogáveis por vontade das partes.

Nessa toada, a própria Constituição impõe limites sobre a proteção a direitos mínimos dos trabalhadores que devem ser observados.

Disso se deflui que a redução de jornada com a redução de salário, por exemplo, só é cabível mediante negociação coletiva mesmo em se tratando de período excepcional, em que se visa à manutenção do pacto laboral, com o governo bancando o pagamento de um benefício complementar.

Ainda que em prol da desburocratização, não se pode amputar desse viés emergencial a participação dos sindicatos nas negociações, sob pena de se macular futuramente todas as providências tomadas para se manter a empregabilidade.

Por esse aspecto, passam justamente pela negociação coletiva eventuais permissões para flexibilização das condições de trabalho dispostas no artigo 7º da Constituição Federal. Tais normatizações estão expressas em seus parágrafos VI o qual determina a irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo e XIII, que estabelece duração normal do trabalho não superior a oito horas diárias e 44 semanais.

No que pesem as medidas de proteção deflagradas pelo governo, tanto empregadores quanto trabalhadores buscam a segurança jurídica necessária para seus atos. Como valer-se simplesmente de acordo individual poderá acarretar, no futuro breve, demandas trabalhistas, o mais salutar (e prudente) é se guiar pela vontade coletiva ao fazer prevalecer e o negociado sobre o legislado.

Cumpre assinalar recente decisão do STF na ADI 6636 MC/DF, a qual questiona a constitucionalidade da MP 936/2020. Inicialmente, o ministro Ricardo Lewandowski havia determinado que empresas deveriam chamar os sindicatos para acordos coletivos. Após recurso da AGU, passou a permitir que elas façam acordos individuais com seus empregados, sem intermédio sindical, de início. O relator manteve, porém, o princípio pelo qual os sindicatos ainda poderão provocar as empresas para negociações coletivas as quais prevalecerão, anulando os acordos individuais prévios.

Esta condição ocorre porque, mesmo permitidas pela medida provisória 936/2020, alternativas como redução dos salários proporcional à da jornada e suspensão temporária do contrato de trabalho dependem de aval dos sindicatos.

A decisão do Supremo Tribunal Federal reforça, portanto, a necessidade de acordos coletivos entre empresas e sindicato de trabalhadores como instrumento para garantir a segurança jurídica e manter os empregos durante o combate à pandemia do novo coronavírus.         

Há de se frisar que não é de bom alvitre ao empregador abster-se de procurar sua representação sindical, mormente neste momento de crise. Porquanto, busca-se não só a manutenção do contrato de trabalho, como também a operacionalidade de sua empresa, a participação das entidades patronais equilibra de sobremaneira o processo negocial e a traz segurança jurídica. 

Por todos esses aspectos são que os acordos coletivos entre empresas e empregados, com intermédio dos sindicatos, continuam sendo a única forma segura de passar pelo período de combate à pandemia mantendo os contratos de trabalho, afastando riscos de demandas judiciais.

Isto posto, a fim de se observar a manutenção dos princípios norteadores do Direito e, também, a proteção às empresas, faz-se necessário que tanto os sindicatos laborais quanto os patronais sejam protagonistas. Trata-se de condição essencial para se estabelecer novas condições de trabalho neste momento de crise, mediante a abertura de um canal de negociação com vistas a abrandar os efeitos decorrentes desta calamidade  mantendo empregos e afastando riscos de demandas judiciais.

Carlos Americo Freitas Pinho é advogado e consultor jurídico do Sistema Fecomércio-RJ.

Categorias
Notícias

Marco dos Anjos: O coronavírus e o respeito ao sossego

A pandemia causada pelo novo coronavírus, além do grande impacto na saúde pública, vem trazendo questões relevantes no âmbito jurídico e que merecem uma atenção especial. A necessidade de afastamento social exige que as pessoas se mantenham em suas casas, o que pode causar mais problemas de convivência familiar e entre vizinhos, principalmente no caso de moradores de prédios de apartamentos.

Esses edifícios residenciais, legalmente chamados de condomínios edilícios, são caracterizados por uma situação jurídica especial, pois, embora cada dono de apartamento exerça exclusivamente o direito de propriedade de sua unidade, todos eles são coproprietários das áreas comuns, como salão de festas e piscinas. Além disso, a proximidade entre os moradores é maior do que ocorre em casas, aumentando o potencial para divergências. Enquanto entre vizinhos de casas uma televisão com som alto dificilmente prejudicará os moradores de outros imóveis, essa mesma ocorrência pode ser muito incômoda em um prédio de apartamentos.

Procurando deixar claro o comportamento esperado nesses edifícios, o Código Civil, em seu artigo 1.336, inciso IV, dispõe que é dever dos condôminos “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, à salubridade e à segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.  

São frequentes as controvérsias quanto ao descumprimento do silêncio nos condomínios edilícios. Exemplos não faltam, como as discussões geradas por barulhentas festas em repúblicas estudantis, o incômodo causado pelo sistemático bater de portas e uso de salto alto em horário noturno ou brincadeiras de crianças. São situações de difícil solução porque, enquanto cada proprietário teria o direito de usar seu apartamento da forma como quisesse, o dono do imóvel vizinho tem direito ao sossego.

Com o surgimento da Covid-19 e o necessário afastamento social, há condomínios em que moradores estão tomando a iniciativa de buscar alguma diversão para as pessoas que ali residem, levando grupos musicais para se apresentarem em frente ao prédio ou organizando reuniões para assistirem às lives de cantores famosos. Mesmo existindo um objetivo louvável, a questão que se coloca é: a pandemia justifica que se afaste a exigência de comportamento que preserve o sossego dos condôminos?

A resposta é negativa. Embora seja claro que aspectos econômicos de contratos devam ser revisados e relativizados em razão do atual momento imprevisível e de força maior, o mesmo não deve ser dito em relação às regras de convivência entre moradores de condomínios. Há motivos mais fortes para o respeito ao sossego e que não se afastam diante de shows noturnos e som alto.

A busca pela preservação da tranquilidade no lar existe principalmente para proteger quem eventualmente esteja em situação mais frágil, como pessoas doentes, trabalhadores que precisam descansar ou crianças recém-nascidas. O objetivo da legislação é atender às necessidades mais prementes. A exigência de boa convivência entre os moradores de apartamentos se impõe e, até mesmo, fica ainda mais importante em tempos de grave pandemia e muito sofrimento. 

Marco Antonio dos Anjos é professor universitário e doutor em Direito Civil pela USP.

Categorias
Notícias

Paulo Gomes: Auditoria em tempos de confinamento

Um recado a fraudadores e pessoas mal-intencionadas diante da nova rotina de home office: saibam que a auditoria interna continua atenta, trabalhando remotamente, com respaldo de recursos tecnológicos avançados como big data e inteligência artificial, utilizados para manter a integridade da governança corporativa das empresas.

Em momentos de crise aguda, como as restrições e confinamentos impostos diante da pandemia do coronavírus, em que as pessoas estão mais fragilizadas e tentando se adaptar à nova rotina temporária de trabalho em casa, costumam surgir aproveitadores e oportunistas prontos a cometer fraudes ou atitudes ilícitas contra companhias dos mais diversos setores.

É fácil pressupor que nesse cenário atípico a auditoria abrirá a guarda. Doce engano. O auditor pode e deve ter acesso a qualquer equipamento que pertença à empresa, podendo acessar, por exemplo, um notebook de um funcionário remotamente.

As normas internas, principalmente das grandes empresas, devem prever esse tipo de verificação, mas é preciso deixar claro que essa intervenção ou inspeção deve ser realizada somente em caso de necessidade e no momento em que o auditor estiver executando um trabalho de auditoria oficial. Os gestores da empresa também devem ser comunicados, caso haja a necessidade de uma ação dessas.

É evidente que há desafios relevantes causados pela falta da presença física de um profissional de auditoria dentro da organização em que atua. Faz parte da rotina diária de um auditor interno acompanhar de perto áreas como expedição, produção, logística, contratação de materiais e serviços e até de visitas externas em fornecedores, parceiros e clientes. O auditor é, hoje, considerado pelo mercado corporativo como um agente fundamental da boa governança um profissional dotado de visão holística sobre toda a estrutura da empresa.

Porém, graças à tecnologia, muitas dessas limitações do confinamento podem ser minimizadas ou até mesmo mitigadas com o uso de recursos e de análises disponíveis nos bancos de dados das empresas. Os chamados programas “Analytics” usados nas principais auditorias internas têm revolucionado a profissão. Com o apoio do uso de inteligência artificial, as avaliações contábeis e financeiras sobre a “saúde estrutural” da empresa são, hoje em dia, feitas em poucas horas e de qualquer parte do mundo. Antes, exigia-se um número bem mais elevado de profissionais e semanas de trabalho.

O que antes era visto apenas como uma habilidade de um hacker hoje é corriqueiro: entrar no notebook de um colaborador, seja para consertar algum problema técnico ou para avaliar arquivos que foram extraídos ou não do banco de dados da empresa.

Em 1989, quando atuava como auditor no setor elétrico, cheguei a participar de um protótipo de auditoria à distância, via acesso discado, no chamado “sistema telefônico microondas”. Tratava-se de uma tecnologia de transporte de dados através de cabos de fibra ótica, instalados em torres de transmissão de energia elétrica. Há mais de 30 anos, os resultados já eram surpreendentes. Hoje, as conquistas são quase surreais.

Com uma suspeita de fraudes no radar, em consenso com a alta administração da empresa, o auditor interno poderá entrar nos notebooks corporativos e vasculhar qualquer dado que ele julgue relevante para o processo de investigação em curso. Muitas vezes, é necessário entrar na máquina de um colaborador que não está envolvido na possível fraude, a fim de levantar provas ou evidências que exponha o verdadeiro fraudador.

Além do trabalho investigativo, o auditor interno pode, remotamente, realizar diversas ações que o colocam como um profissional de importância fundamental na gestão de riscos e na governança corporativa. Pode, por exemplo, cruzar os dados acessados, identificando divergências e solicitando explicações e evidências eletrônicas. Algumas poucas pendências que exijam verificação física também poderão ser enviadas por foto ou vídeo.

Em alguns casos de extrema urgência, o auditor interno, pode, inclusive, pedir à direção que corte o acesso do funcionário investigado ao banco de dados da empresa, se as evidências apontarem para reais ameaças. Caberão, posteriormente, as devidas ações administrativas e até judiciais, se a situação assim exigir.

Ser o guardião da ética e da boa conduta nesse momento de isolamento social é papel relevante do auditor interno. Porém, cabe a ele também ser um agente capaz de identificar oportunidades de redução de despesas e sugerir novas fontes de receitas, por meio de soluções criativas, rápidas e eficazes, que contribuam com a diminuição das perdas e danos que a pandemia invariavelmente causará. Em um momento de incertezas e riscos, a atuação do auditor poderá ser um bálsamo em dias desafiadores.

 é diretor-geral do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA Brasil).