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Empresas podem responsabilizar o Estado por dívidas do corona

A crise econômica causada pelas medidas de contenção do coronavírus vem afetando a saúde financeira das empresas. Passada a epidemia, elas podem pedir que o Estado seja responsabilizado por suas dívidas.

Estado pode ser responsabilizado por dívidas que empresas contraíram devido às medidas de contenção do coronavírus
Reprodução

As medidas de isolamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde desaceleram a economia. O Fundo Monetário Internacional projeta queda de 5,3% no produto interno bruto do Brasil em 2020. Com a queda no consumo, o faturamento das empresas também cai. E muitas ficarão sem dinheiro para pagar tributos, fornecedores e empregados.

Quando acabar a crise e a vida voltar ao “normal”, empresas podem pedir que o Estado seja responsabilizado por suas dívidas, com base na teoria do fato do príncipe. Trata-se, de acordo com a doutrina, do poder de alteração unilateral, pelo poder público, de um contrato administrativo. Ou de medidas gerais da administração não relacionadas a um certo contrato administrativo, mas que nele têm repercussão, pois provocam um desequilíbrio econômico-financeiro em prejuízo do contratado. No atual cenário, as medidas do governo relacionadas ao estado de calamidade pública — decretado em função da epidemia de Covid-19 — poderiam, em tese, ser considerados fato do príncipe.

Para fazer o pedido, porém, a empresa precisa demonstrar que o ato estatal era desproporcional e inadequado, em uma ponderação sobre a essencialidade de sua atividade, afirma Thiago Lins, sócio do Bichara Advogados. Ele também diz que a companhia deve provar que a medida do poder pública foi excessiva no grau de restrição e em sua onerosidade e que outra solução menos prejudicial a seu caixa era possível. Por exemplo, o funcionamento em condições restritas e com adesão a protocolos para evitar a propagação do coronavírus.

Segurador universal?

Por outro lado, José Guilherme Berman, sócio do Barbosa, Müssnich, Aragão e professor da PUC-Rio, entende que o Estado não pode ser responsabilizado por prejuízos decorrentes da crise do coronavírus.

“As medidas estão sendo tomadas no regular exercício do poder de polícia e têm se mostrado razoáveis e proporcionais, na medida em que são o único meio eficiente para reduzir os efeitos da pandemia. Admitir o contrário transformaria o poder público em uma espécie de segurador universal, além de ser inviável economicamente”.

Inconstitucionalidade superveniente

Durante a crise da Covid-19, tem havido diversos conflitos federativos e questionamentos sobre a constitucionalidade de normas editadas para combater a doença. Terminada a epidemia, atos estatais fundamentados em leis julgadas inconstitucionais podem justificar pedidos indenizatórios contra União, estados e municípios, ressalta o sócio de Direito Público do Trench Rossi Watanabe Bruno Burini.

Segundo o advogado, as empresas também deverão demonstrar o dano que efetivamente sofreram e que o ente estatal foi responsável por ele, por meio de um ato inconstitucional.

Auxílio a empresas

Ainda que o Estado não responda pelas dívidas que empresas contraíram devido à epidemia do coronavírus, deveria criar planos para facilitar o pagamento delas e a retomada das atividades das companhias, afirmam advogados.

Para facilitar o pagamento de dívidas com credores, o Estado poderia usar os bancos públicos para estender prazos, avalia o sócio de Direito Público e Regulatório do Trench Rossi Watanabe Henrique Frizzo. Dessa forma, o Estado assumiria parte desse crédito.

O problema, segundo o advogado, é que a administração pública já enfrentará dificuldades de caixa com a crise econômica, os subsídios emergenciais aos mais pobres e alívios tributários. “Assim, dificilmente os governos teriam fôlego adicional para lançar programas nessa linha”, opina.

Bancos públicos também poderiam oferecer linhas de crédito favoráveis para as atividades econômicas mais afetadas pela crise, sugere José Guilherme Berman. Ele também recomenda aumentos de prazo, descontos e parcelamentos de dívidas tributárias.

Além disso, o poder público pode estabelecer mecanismos de compensação de dívidas de empresas, analisa Thiago Lins. Outra sugestão dele é a criação de regras mais favoráveis a companhias em recuperação judicial, como vem sendo discutido pelo Congresso.

Medidas do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça aprovou uma recomendação para orientar os juízes e uniformizar o tratamento dos processos de recuperação judicial durante a epidemia do coronavírus.

Entre elas, priorizar a análise e decisão sobre levantamento de valores em favor dos credores ou empresas recuperandas e suspender assembleias gerais de credores presenciais, autorizando reuniões virtuais quando necessária para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos pagamentos aos credores. 

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Televisitas em presídios: encarceramento e convivência familiar

São diversas as repercussões causadas pela pandemia do coronavírus nos estabelecimentos penais. Nesta gama de tópicos potentes — superlotação de presídios, precariedade das questões de higiene, entre tantos outros temas-, aborda-se, nesta construção, os reflexos que a pandemia do coronavírus gera nas visitas de familiares a pessoas presas em instituições prisionais no Rio Grande do Sul.

Entende-se relevante a temática em razão do reflexo que a experiência do aprisionamento gera na vida daqueles e daquelas selecionadas pelo sistema penal, mas também das famílias e das redes de afetos a eles relacionadas. As visitas, nesse sentido, possuem caráter excepcional na manutenção dos vínculos intra e extramuros e de convivência familiar. Mas não só. A possibilidade de trânsito de familiares e amigos no interior dos estabelecimentos penais também reforça aspectos materiais do aprisionamento. São estas as pessoas que, nas visitas, levam os “jambos” aos presos, como forma de complementação de alimentação e materiais de higiene e necessidades básicas muitas vezes não fornecidos pelo ente público.

Em termos legislativos, o direito da pessoa presa de receber visitas é assegurado pelo art. 41, X, da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1.984), que garante a “visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados”. Também as Regras de Bangkok — Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres presas e Medidas não Privativas de liberdade para Mulheres Infratoras, nas regras 26,27 e 28, em complementação às Regras Mínimas de Tratamento de Reclusos, aborda a temática as visitas. Da perspectiva dos familiares, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), garante, no art. 19, que seja assegurado o direito à convivência familiar e comunitária à criança e ao adolescente, especificando que será garantida a convivência por meio de visitas periódicas a pais e mães presos. A pesquisa “Dar à Luz na Sombra” sintetiza o aporte legislativo relacionado às visitas nos diplomas legais supracitados.

A situação que se coloca hoje, porém, exige que a convivência familiar assegurada à pessoa presa a partir das visitas seja repensada. Em verdade, até a eclosão da pandemia do coronavírus as visitas eram realizadas presencialmente, sendo que, no Rio Grande do Sul, é possível que duas pessoas, parentes ou amigos, visitem o preso ou a presa por duas vezes na semana, momento esse que também é utilizado para repasse de suprimentos, como itens de alimentação e higiene. Ou seja, a visita não apenas contribui para a manutenção dos laços afetivos entre a família e/ou amigos e a pessoa presa, o que em última análise representa elemento fundamental no processo de ressocialização, como também contribui para a sobrevivência dessa pessoa enquanto ainda integrante do sistema prisional.

Como alternativa às visitas presenciais, buscando o não rompimento total do relacionamento afetivo do apenado ou apenada com o mundo exterior, foi instituído no Estado projeto de televisitas. Reguladas pela SUSEPE, as televisitas são realizadas pelo aplicativo privado Skype, com duração de aproximadamente dez minutos, e são supervisionadas por um agente prisional.

As televisivas são uma inovação no contexto prisional, e, em meio aos entraves causados pela pandemia, evidenciam-se como possibilidades de manutenção dos vínculos familiares. Os potentes questionamentos diante desse novo panorama centram-se nas capacidades de que as medidas sejam implementadas para todas as pessoas presas, considerando dificuldades estruturais já enfrentadas pelas instituições — antes mesmo da pandemia.

A convivência familiar é direito fundamental de crianças e adolescentes, assegurado pelo artigo 227 da Constituição Federal, direito este que somente pode ser obstado através de decisão judicial, quando houver alguma das hipóteses de destituição do poder familiar, ou quando a convivência representar algum risco para a criança e seja necessária a aplicação de medida protetiva. Ausentes tais situações, a criança tem o direito de conviver com seus pais, ainda que um deles esteja recolhido junto ao sistema prisional, conforme expressamente previsto pelo artigo 19, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ainda nesta linha, aponta-se que a garantia dos direitos de crianças e adolescentes é um dever conjunto da família, da sociedade, e do Estado. Todavia, em que pese seja conjunto, deve o Estado garantir o suporte necessário para a concretização de tais direitos, por meio de políticas públicas que visem a superação de eventuais barreiras que possam impedir que a família consiga propiciar à criança um local adequado ao seu desenvolvimento. Tal é a situação da convivência familiar com pais privados de liberdade, em que se demanda que haja por parte do Estado a criação de uma sistemática de visitação nos estabelecimentos prisionais capaz de garantir o contato familiar. O atual estado de pandemia mundial do novo coronavírus, que demanda isolamento social para evitar sua propagação, requer reflexões e inovações sobre a manutenção do direito de visitas às pessoas presas, sem que seja colocada em risco a saúde pública, para o qual as televisitas se apresentam como alternativa possível.

Em que pese, à primeira vista, as televisitas se mostrem como uma adequada forma de garantia do direito de convivência neste período de suspensão das visitas presenciais, é preciso que se olhe a questão a partir das implicâncias práticas e fatores que podem interferir em sua efetividade.

Em primeiro lugar, necessário que se atente à população carcerária no estado, que supera os 40 mil. Dado este contingente, parece pouco provável que as visitas virtuais sejam disponibilizadas a todas as pessoas presas, de modo que parte – se não a maioria delas – não poderá exercer seu direito à visitação, ponto ainda mais sensível quando pensarmos naquelas que tenham filhos menores de idade, os quais, consequentemente, também estarão tendo violado o seu direito à convivência familiar com os pais.

O segundo ponto a ser destacado é o do curto tempo de duração das televisitas, que, conforme a regulamentação, deverão ser de, no máximo, dez minutos. Este período de tempo se mostra ínfimo e incapaz de caracterizar efetiva convivência familiar, especialmente se comparado com o tempo normal das visitas presenciais, que geralmente superam uma hora de duração. A convivência familiar com pais que estejam presos, em razão da especificidade desta situação, não pode ser tão intensa quanto seria se estivessem em liberdade, e certamente a determinação de isolamento social impõe certas barreiras ao exercício deste direito. A convivência por meio de chamadas virtuais se mostra uma excelente alternativa, contudo, estando limitada ao máximo de dez minutos, não demonstra uma atitude do Estado em garantir que esse direito seja efetivamente exercido – mas apenas garantido em seu patamar mínimo o suficiente para que o ente estatal se exima de eventual responsabilidade por obstar a convivência familiar.

Terceiro, as visitas virtuais exigem que o visitante tenha acesso à internet em sua residência, com aparelho e conexão que tenham capacidade de suportar o aplicativo Skype. Deve ter-se em mente a realidade da parcela da população brasileira que, em geral, é selecionada pelo sistema penal – ou seja, as camadas sociais mais baixas.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), de 2017, há um crescimento no acesso à internet pela população brasileira. De acordo com os dados da referida pesquisa, 79% dos domicílios da zona urbana da Região Sul possuem banda larga, dos quais 20,1% possuem somente banda larga fixa, e 19,4 % somente banda larga móvel, sendo o celular o principal meio de acesso à internet, utilizado por 97% dos usuários. Porém, esses dados variam de acordo com a localidade, tendo em vista que, na zona rural, o percentual de domicílios permanentes na Região Sul com acesso à internet somente por banda larga fixa é de 61,1%, e somente por banda larga móvel de 37,4%. Os dados também são diferentes quando isoladas as classes sociais, verificando-se na camada mais pobre, as classes D e E, que o acesso à internet está presente em 48% dos domicílios.

Para além disso, considerando que os familiares e amigos não mais se farão presentes fisicamente no estabelecimento prisional, há de se considerar a possibilidade de que a pessoa presa se veja estruturalmente desassistida, dado que não poderá contar com os suprimentos que lhe são entregues durante as visitas.

Assim, ainda que se pudesse garantir a todos os aprisionados acesso ao sistema de televisitas, não é possível garantir que suas famílias teriam a mesma oportunidade, haja vista que o acesso à internet não está presente em todas as residências – e, nas que estão, considerável parcela usa somente a rede móvel, mais instável para a realização de chamadas virtuais. E, novamente trazendo o Estatuto da Criança e do Adolescente, não é possível que os filhos sejam obstados do convívio familiar em razão da sua pobreza, sendo dever do Estado garantir as condições para o exercício deste direito.

Se não é possível garantir que todos os familiares terão acesso à ferramenta utilizada para as televisitas, pelo menos que seja disponibilizado às famílias o equipamento à disposição nos órgãos estatais para esta finalidade. Uma possível solução a isto seria a regionalização dos atendimentos, com agendamento conjunto entre o estabelecimento prisional e os serviços de atendimento à população, como os CRAS, Conselhos Tutelares, e até mesmo escolas e universidades que se disponibilizem e contem com os equipamentos necessários para a realização das televisitas, para garantir que aqueles familiares que não possam acessar o Skype de suas residências ainda assim tenham acesso a essa modalidade de visitação.

Por certo, a pandemia do coronavírus é a maior crise sanitária e de saúde vivida nos últimos tempos. De forma ainda embrionária, e trazendo mais perguntas do que respostas, pretende-se dar eco a questões urgentes e graves que, dentre tantos atravessamentos, são (in)visíveis para muitos. Em um sistema de justiça criminal seletivo, mais uma vez, serão famílias vulnerabilizadas as mais afetadas, o que exige atenção e complexidade de análise. Os tempos atuais são nebulosos, incertos e desconhecidos; os problemas já existentes, contudo, se potencializam e se reinventam. Este artigo, pois, junta-se ao coro de escritos que pretendem abrir caminhos para potenciais debates acerca do sistema de justiça criminal em tempos de pandemia: diálogo urgente e necessário.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).


Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Bangkok: Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras. Brasília, 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf. Acesso em: 14 abr 2020.

Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. § 4o Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão. Brasília, 2015. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/201clugar-de-crianca-nao-e-na-prisao-nem-longe-de-sua-mae201d-diz-pesquisa/pesquisa-dar-a-luz-na-sombra-1.pdf. Acesso em: 15 de abr de 2020.

SUSEPE. Portaria nº 160/2014, de 29 de dezembro de 2014. Disponível em: <http://www.susepe.rs.gov.br/upload/1461590367_Portaria%20de%20Visitas%20SUSEPE%202014%20V13.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2020.

SEAPEN E SUSEPE. Portaria Conjunta nº 002/2020, de 8 de abril de 2020. Disponível em: <http://www.intrasusepe.rs.gov.br/upload/1586368502_Portaria%20visitas-2.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2020.

DEPEN. Levantamento Nacional 2019. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/infopen>. Acesso em: 20 abr. 2020.

SUSEPE. Horário das visitas. Disponível em: <http://www.susepe.rs.gov.br/upload/1577458130_Horários,%20regulamentação%20e%20%20confecção%20de%20carteiras.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2020.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2017. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2020.

 é mestranda bolsista CAPES no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 é advogada e economista. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 é mestranda bolsista CAPES no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Lei do Agro, patrimônio de afetação e efeitos fiscais (página 1 de 3)

No último mês de abril tivemos a publicação da “Lei do Agro”, consubstanciada na Lei n. 13.986/2020 (conversão da MP 897/2020), a qual traz inovações como o Fundo Garantidor Solidário (FGS), patrimônio rural em afetação, cédula imobiliária rural, além de alterações na cédula de produtor rural (CPR) e outros títulos do agronegócio.

Neste breve texto pretendemos traçar algumas considerações a respeito de efeitos fiscais no tocante ao patrimônio rural de afetação.

Este instituto jurídico é conhecido do setor imobiliário, nos termos do art. 31-A, da Lei n. 4.591/64, inserido por meio da Lei n. 10.931/2004, onde enuncia que:

“Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

§ 1º O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.”

De forma sintética, o patrimônio de afetação no setor imobiliário diz respeito à constituição de uma universalidade de bens (imóveis e móveis) com a finalidade específica a consecução de determinada incorporação e entrega de unidades aos respectivos adquirentes. Com isso, tem-se segurança jurídica em tais relações, eis que referido patrimônio seria uma forma de proteger o empreendimento e os respectivos adquirentes, impedindo que dívidas e obrigações que não tenham relação com este atinjam este patrimônio afetado.

Com relação ao patrimônio rural em afetação, sua disciplina consta do Capítulo II, da Lei n. 13.986/2020 (Lei do Agro), ao dispor o art. 7º que “O proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, poderá submeter seu imóvel rural ou fração dele ao regime de afetação”.

A finalidade deste instituto será, conforme parágrafo único do art. 7º:

“No regime de afetação de que trata o caput deste artigo, o terreno, as acessões e as benfeitorias nele fixadas, exceto as lavouras, os bens móveis e os semoventes, constituirão patrimônio rural em afetação, destinado a prestar garantias por meio da emissão de Cédula de Produto Rural (CPR), de que trata a Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, ou em operações financeiras contratadas pelo proprietário por meio de Cédula Imobiliária Rural (CIR).”

Trata-se, portanto, de uma forma de estabelecer uma garantia quanto à emissão de cédula de produtor rural (CPR) ou operações financeiras por meio da cédula imobiliária rural (CIR).

Ele será constituído por solicitação do proprietário por meio de registro no cartório de imóveis (art. 9º), sendo que os bens e direitos integrantes do patrimônio “não se comunicam com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do proprietário ou de outros patrimônios rurais em afetação por ele constituídos”, desde que: (i) – vinculado o patrimônio rural em afetação a CIR ou a CPR; (ii) – na medida das garantias expressas na CIR ou na CPR a ele vinculadas; (iii) – somente CIR e CPR podem ser constituída sobre este patrimônio; (iv) – o imóvel afetado “não poderá ser objeto de compra e venda, doação, parcelamento ou qualquer outro ato translativo de propriedade por iniciativa do proprietário”.

Deste modo, por ser um patrimônio destinado a garantir CIR e CPR, não pode ser utilizado para realizar ou ser garantia “de qualquer outra obrigação assumida pelo proprietário estranha àquela a qual esteja vinculado” (art. 10, § 3º), sendo “impenhorável e não poderá ser objeto de constrição judicial” (art. 10, § 3º). Da mesma forma, não poderá ser atingido “pelos efeitos da decretação de falência, insolvência civil ou recuperação judicial do proprietário de imóvel rural” ou mesmo integrar massa concursal (art. 10, § 4º), tendo como exceções à esta proteção “obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural” (art. 10, § 5º).

Para o registro do patrimônio rural de afetação, haverá necessidade de o titular instruir com os seguintes documentos (art. 11 e 12): (i) – inscrição do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), do domínio do requerente e da inexistência de ônus de qualquer espécie sobre o patrimônio do requerente e o imóvel rural; (ii) – inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR); (iii) – regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária do requerente; (iv) – certificação, perante o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do georreferenciamento do imóvel do qual a totalidade ou a fração está sendo constituída como patrimônio rural em afetação; (v) – prova de atos que modifiquem ou limitem a propriedade do imóvel; (vi) – o memorial de que constem os nomes dos ocupantes e confrontantes ( com a indicação das respectivas residências;(vii) – planta do imóvel, obtida a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a Anotação de Responsabilidade Técnica, que deverá conter as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional adotada pelo Incra para a certificação do imóvel perante o Sigef/Incra; e (viii) – coordenadas dos vértices definidores dos limites do patrimônio afetado, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional adotada pelo Incra para certificação do imóvel perante o Sigef/Incra.

Segundo esclarecido acima, este patrimônio de afetação tem por destino garantir dois tipos de títulos de crédito ligados à atividade rural: (i) – CIR; e (ii) – CPR.

A cédula imobiliária rural (CIR) está prevista no Capítulo III da Lei do Agro, esclarecendo art. 17, que se trata de título de crédito “nominativo, transferível e de livre negociação, representativa de promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade” e “obrigação de entregar, em favor do credor, bem imóvel rural, ou fração deste, vinculado ao patrimônio rural em afetação, e que seja garantia da operação de que trata o inciso I do caput deste artigo, nas hipóteses em que não houver o pagamento da operação até a data do vencimento”.

 

Por sua vez, a cédula de produtor rural (CPR) tem previsão no art. 1º, da Lei n. 8.929/94, o qual preceitua:

“Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas. (Redação da pela Lei nº 13.986, de 2020)

 é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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O juiz das garantias e o fim do faz-de-conta

Que blindagem psíquica possuem os juízes brasileiros que os diferenciam dos demais? E não só os diferencia dos demais juízes, senão dos demais seres humanos? Nenhuma. A premissa é: o juiz, enquanto ser-no-mundo, também constrói imagens mentais a priori (no sentido kantiano adaptado, ou seja, antes da “experiência completa”), também decide primeiro para depois buscar os argumentos que justificam a decisão já tomada (parafraseando a clássica passagem de Franco Cordero) e também padece com a dissonância cognitiva e o efeito primazia. São diversos os estudos e pesquisas de campo demonstrando o imenso prejuízo cognitivo que decorre dos pré-juízos.

Por outro lado, quantos estudos comprovam a fantástica “blindagem” psíquica dos juízes brasileiros? Como justificar que uma mesma pessoa possa atuar na investigação preliminar, proferindo diversas decisões complexas e invasivas, para depois entrar no processo com “abertura cognitiva” suficiente para dar ensejo a um contraditório real e efetivo? Podemos prescindir do modelo de doble juez ou da prevenção como causa de exclusão da competência (no sentido de que não pode ser o mesmo juiz da fase pré-processual aquele que ao final irá instruir e julgar)? Não existe nenhuma teoria de base e pesquisa para justificar esse argumento!

A realidade do processo penal e que não se quer desvelar é: a defesa sempre entra correndo atrás de um imenso “prejuízo cognitivo”. Ela sempre chega à fase processual em desvantagem e não raras vezes, já perdendo por um placar cognitivo negativo considerável, quando não irreversível. O processo não é mais que um faz de conta de igualdade de oportunidades e tratamento. O juiz já está na imensa maioria dos casos psiquicamente capturado [1] pela tese acusatória, até então tomada como verdadeira e geradora de graves consequências decisórias.

Enquanto não houver preservação da originalidade cognitiva do juiz o que somente é possível com juízes diferentes para as fases pré-processual e processual, a fim de que o julgador do caso conheça dos fatos livre de pré-juízos formados pela versão unilateral e tendenciosa do inquérito policial —, o processo penal brasileiro não passará de um jogo de cartas marcadas e um faz de conta que existe contraditório. O próprio conceito de contraditório precisa ser reconfigurado para exigir também a igualdade de tratamento e oportunidades na dimensão cognitiva.

É preciso que se entenda isso de uma vez por todas, porque a oportunidade que se tem em mãos com o juiz das garantias suspensa atualmente pela famigerada “liminar Fux” pode não aparecer de novo, mantendo o Brasil como exemplo de modelo (neo)inquisitório do século XXI.

Qual é a dificuldade, afinal, de se compreender que todos os seres humanos juízes, inclusive! possuem uma tendência de equilíbrio cognitivo (leia-se coerência entre crenças, opiniões, ações, etc. cognições) cujo rompimento, por insuportável, busca-se sempre evitar, ou, não sendo possível, restaurar, por meio de processos cognitivo-comportamentais involuntários [2] como desde a década de 50 revela a teoria da dissonância cognitiva [3] ; sendo inconcebível que alguém que criou uma imagem mental unilateral sobre um fato, receba uma versão oposta acerca do mesmo fato sem desacreditá-la, diante do mal estar psíquico que inexoravelmente representa?

Ou, então, que uma vez fixada uma primeira impressão sobre alguém, serão mais facilmente aceitáveis informações que a corroborem do que outras que a contrariem, como também já comprovou a psicologia social pelo denominado “efeito primazia”, revelando que as informações posteriores a respeito de alguém são, em geral, consideradas no contexto da informação inicial recebida [4], a qual exerce um direcionamento não apenas das demais cognições a respeito da respectiva pessoa como também do comportamento em relação a ela, fundamento do jargão popular de que “a primeira impressão é a que fica” [5]?

Porque se não há dificuldade, como é que se pode duvidar da inevitável contaminação do juiz pela investigação preliminar na estrutura processual penal atual, considerando que os elementos investigativos constantes no inquérito (entre outros sistemas de investigação), unilaterais por natureza, são as primeiras informações/impressões disponíveis ao juiz a respeito do fato, as quais exercerão forte influência sobre as informações posteriores recebidas no processo, no sentido de adequação a essa primeira imagem mental, para evitar dissonância cognitiva e seus efeitos perniciosos correlatos?

Mais: como é que se pode esperar que um juiz, depois de decretar uma série de medidas restritivas de direitos fundamentais com base nesse mesmo arcabouço informativo parcial interceptações telefônicas, quebras de sigilo bancário e fiscal e até prisões cautelares —, reforçando cada vez mais a conformação da sua cognição contra o investigado, receba a versão dos fatos apresentada pela defesa na futura fase processual com a mesma tranquilidade cognitiva que receberá a versão da acusação?

Simplesmente não há como concordar com todas essas problematizações ao mesmo tempo. Ou se adere ao argumento inicial fundamentado teórica e empiricamente ou se adere a uma negação genérica e irracional, sem fundamento algum.

E nem precisariam ter sido testadas tais hipóteses teóricas na própria dinâmica de um processo penal concreto para se concluir que o juiz condena mais frequentemente quando conhece a investigação preliminar do que quando é apresentado aos fatos somente na fase processual. Mas foram [6], havendo, inclusive, subsídio empírico específico atualmente para se comprovar que sem juiz das garantias o juiz não passa de um terceiro manipulado no processo penal.

Aliás, tal pesquisa evidencia também outro ponto fundamental à criação do juiz das garantias: a indispensabilidade da exclusão física (ou não inclusão) dos autos do inquérito, exceto provas de natureza cautelar, antecipadas e irrepetíveis [7], sob pena de se esvaziar complemente a eficácia da proposta, na medida em que o contato direto do juiz da fase processual com tais elementos investigativos unilaterais impede, por tudo o que aqui se viu, a preservação da sua necessária originalidade cognitiva para instruir e julgar o caso. 

Em suma, ou se permanece na fantasia infantil de que a jurisdição criminal brasileira é exercida por seres dotados de superpoderes imunes a fenômenos naturais à condição humana ou se admite a falibilidade das decisões e dos julgamentos humanos, sempre influenciados por pré-julgamentos e pré-conceitos, reconhecendo-se a imprescindibilidade do juiz das garantias para acabar com o faz-de-conta-que-existe-igualdade-cognitiva vigente no processo penal brasileiro.

Ruiz Ritter é advogado criminalista, professor de Direito Processual Penal, doutorando, mestre e especialista em Ciências Criminais (PUC-RS), especialista em Direito Administrativo (PUC-MG) e presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-NH.

 é advogado, doutor em Direito Processual Penal e professor titular da PUCRS.

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O Dia do Trabalho e a Justiça do Trabalho em Outros Países – 1o de Maio: Diálogo entre lutas e conquistas

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Estatísticas da Justiça do Trabalho – 1o de Maio: Diálogo entre lutas e conquistas

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var i;
var x = document.getElementsByClassName(“mySlides”);
if (n > x.length) {slideIndex = 1}
if (n < 1) {slideIndex = x.length}
for (i = 0; i < x.length; i++) {
x[i].style.display = "none";
}
x[slideIndex-1].style.display = "block";
}

 

 

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Vídeos Institucionais – 1o de Maio: Diálogo entre lutas e conquistas

.mySlides {display:none;}

 

 

 

var slideIndex = 1;
showDivs(slideIndex);

function plusDivs(n) {
showDivs(slideIndex += n);
}

function showDivs(n) {
var i;
var x = document.getElementsByClassName(“mySlides”);
if (n > x.length) {slideIndex = 1}
if (n < 1) {slideIndex = x.length}
for (i = 0; i < x.length; i++) {
x[i].style.display = "none";
}
x[slideIndex-1].style.display = "block";
}

 

 

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Pôsteres – 1o de Maio: Diálogo entre lutas e conquistas

 

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Filmes Sugeridos – 1o de Maio: Diálogo entre lutas e conquistas

.mySlides {display:none;}

 

 

 

var slideIndex = 1;
showDivs(slideIndex);

function plusDivs(n) {
showDivs(slideIndex += n);
}

function showDivs(n) {
var i;
var x = document.getElementsByClassName(“mySlides”);
if (n > x.length) {slideIndex = 1}
if (n < 1) {slideIndex = x.length}
for (i = 0; i < x.length; i++) {
x[i].style.display = "none";
}
x[slideIndex-1].style.display = "block";
}