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Ives Gandra: O artigo 142 da Constituição brasileira

Tendo participado de audiências públicas, durante o processo constituinte, a convite de parlamentares eleitos em 1986, assim como, repetidas vezes, apresentado sugestões ao então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, relator Bernardo Cabral e presidentes de Comissões e Subcomissões, sempre que solicitado, decidi com Celso Bastos comentar o texto supremo, em 15 volumes, por 10 anos (1988-1998), em edições e reedições veiculadas pela Editora Saraiva.

Dividimos os nove títulos permanentes e aquele das disposições transitórias entre nós, tendo eu ficado com parte do Título III (Federação, União, competências de atribuições, competências  legislativas, Estados e parte dos Municípios), IV (Processo Legislativo, Tribunal de Contas, Poder Executivo), VIII (Seguridade Social, Comunicação Social, Meio Ambiente, Família e Índios) e com os Títulos V (Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), Título VI (Sistema tributário, Finanças Públicas e Orçamentos), Título IX (Disposições Gerais) e o Ato Complementar das Disposições Transitórias.

A morte prematura de Celso Bastos levou-me, após uma reatualização realizada por André Ramos Tavares, Samantha Pflug, Rogério Gandra Martins e entregues à Saraiva, mas não publicadas, a desistir de continuar a publicação, nada obstante ter a Editora vendido mais de 150 mil exemplares da coleção.

O Título V da Carta da República corresponde ao volume 5, que ficou a meu cargo. Cuida de dois instrumentos legais para a defesa do Estado e das instituições democráticas (Estado de Defesa e de Sítio) e das instituições encarregadas de proteger a democracia e os poderes (Forças Armadas, Polícias Militares, Polícia Civil e Guardas Municipais).

Na 5ª parte da Lei Maior, por sua abrangência nacional e missão de proteção da soberania nacional, as Forças Armadas passaram a ter um tratamento diferenciado (artigos 142 e 143), tratamento este alargado quanto às demais corporações, pelas próprias atribuições outorgadas pelo constituinte às três Armas.

As funções determinadas pelo Constituinte estão no artigo 142, assim redigido:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Percebe-se que três são as atribuições das Forças Armadas, alicerçadas na hierarquia e disciplina, a saber:

  1. Defesa da pátria;
  2. Garantia dos poderes constitucionais;
  3. Garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos três Poderes.

A palavra “Pátria” aparece pela primeira e única vez neste artigo da Lex Magna.

Sobre a defesa da Pátria até mesmo os alunos do pré-primário sabem que o país será defendido contra eventuais invasões de outras nações pelas Forças Armadas. Não oferece qualquer dúvida.

Sobre a garantia dos poderes contra manifestações de qualquer natureza, compreende-se, lembrando-se que, nos estados de defesa e de sítio as polícias militares, civil e guarda municipal são coordenadas pelas Forças Armadas.

A terceira função, todavia, é que tem merecido, nos últimos tempos, discussão entre juristas e políticos se corresponderia ou não a uma atribuição outorgada às Forças Armadas para repor pontualmente lei e a ordem, a pedido de qualquer Poder.

Minha interpretação, há 31 anos, manifestada para alunos da universidade, em livros, conferências, artigos jornalísticos, rádio e televisão é que NO CAPÍTULO PARA A DEFESA DA DEMOCRACIA, DO ESTADO E DE SUAS INSTITUIÇÕES, se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante.

Alguns juristas defendem a tese que a terceira atribuição e a segunda se confundem, pois para garantir as instituições, necessariamente, estarão as Forças Armadas garantindo a lei e a ordem, já que o único Poder Moderador seria o Judiciário.

Parece-me incorreta tal exegese, muito embora eu sempre respeite as opiniões contrárias em matéria de Direito. Tinha até mesmo o hábito de provocar meus alunos de pós graduação da Universidade Mackenzie a divergirem de meus escritos, dando boas notas àqueles que bem fundamentassem suas posições. É que não haveria sentido de o constituinte usar um “pleonasmo enfático” no artigo 142 da Carta Magna, visto que a Lei Suprema não pode conter palavras inúteis.

A própria menção à solicitação de Poder para garantir a lei e a ordem sinaliza uma garantia distinta daquela que estaria já na função de assegurar os poderes constitucionais, como atribuição das Forças Armadas.

Exemplifico: vamos admitir que, declarando a inconstitucionalidade por omissão do Parlamento, que é atribuição do STF, o STF decidisse fazer a lei que o Congresso deveria fazer e não fez, violando o disposto no artigo 103, parágrafo 2º, assim redigido:

Art. 103. (…) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”

Ora, se o Congresso contestasse tal invasão de competência não poderia recorrer ao próprio STF invasor, apesar de ter pelo artigo 49, inciso XI, a obrigação de zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes. Tem o dispositivo a seguinte redação:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(…) XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

Pelo artigo 142 da CF/88 caberia ao Congresso recorrer às Forças Armadas para reposição da lei (CF) e da ordem, não dando eficácia àquela norma que caberia apenas e tão somente ao Congresso redigir. Sua atuação seria, pois, pontual. Jamais para romper, mas para repor a lei e a ordem tisnada pela Suprema Corte, nada obstante — tenho dito e repetido — constituída, no Brasil, de brilhantes e ilustrados juristas.

O dispositivo jamais albergaria qualquer possibilidade de intervenção política, golpe de Estado, assunção do Poder pelas Forças Armadas. Como o Título V, no seu cabeçalho, determina, a função das Forças Armadas é de defesa do Estado E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS. Não poderiam nunca, fora a intervenção moderadora pontual, exercer qualquer outra função técnica ou política. Tal intervenção apenas diria qual a interpretação correta da lei aplicada no conflito entre Poderes, EM HAVENDO INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OU DE ATRIBUIÇÕES.

No que sempre escrevi, nestes 31 anos, ao lidar diariamente com a Constituição — é minha titulação na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie —, é que também se o conflito se colocasse entre o Poder Executivo Federal e qualquer dos dois outros Poderes, não ao Presidente, parte do conflito, mas aos Comandantes das Forças Armadas caberia o exercício do Poder Moderador.

Nada obstante reconhecer a existência de opiniões contrárias, principalmente dos eminentes juristas que compõem o Pretório Excelso, não tenho porque mudar minha inteligência do artigo 142. Como não sou político, mas apenas um velho advogado e professor universitário, que sempre buscou exercer a cidadania, continuarei a interpretar, academicamente, o artigo 142, como agora o fiz, com o respeito que sempre tive às opiniões divergentes, não me importando com as críticas menos elegantes dos que não concordam comigo. John Rawls dizia que as teorias abrangentes são próprias das vocações totalitárias, que não admitem contestação. Só são democráticas as teorias não abrangentes, pois estas admitem contestação e diálogo.

Aos 85 anos, felizmente não perdi o meu amor ao diálogo e à democracia.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifeo, Unimeo, do CIEE-SP, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), superior de Guerra (ESG) e da magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (ARG), San Martin de Porres (PER) e Vasili Goldis (ROM), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (ROM) e da PUC-PR e RS, e catedrático da Universidade do Minho (POR); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP); ex-presidente da Academia Paulista de Letras e do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).

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Prefeitura deve indenizar por morte em acidente no Carnaval

A teoria do risco administrativo fundamentou uma sentença que condenou a Prefeitura de Santos a indenizar em R$ 200 mil a mãe e a filha de uma jovem fulminada na frente de casa com descarga elétrica de 13.800 volts. O acidente aconteceu após um carro alegórico da escola de samba Sangue Jovem esbarrar na rede de alta tensão.

Anderson Bianchi/Prefeitura de SantosA prefeitura de Santos foi considerada culpada pelo acidente que matou a jovem

Silvia Diniz Garcia e a neta Manuelly, respectivamente mãe e filha da vítima, Mirela Diniz Garcia, de 19 anos, deverão ser indenizadas em R$ 100 mil cada. A prefeitura ainda foi condenada pagar pensão mensal de um salário mínimo (R$ 1.045) a Manuelly.

Segundo a decisão da juíza Thais Caroline Brecht Esteves, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Santos, a pensão a Manuelly deverá ser paga até que ela complete 18 anos, caso pare de estudar, ou 25 anos, na hipótese de continuar estudando até essa idade e não se casar. Por ocasião da morte da mãe, em 12 de fevereiro de 2013, a menina tinha quatro anos.

Os advogados da vítima sustentaram que a prefeitura organizou o desfile carnavalesco e permitiu sua realização mesmo sem possuir Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) para a Passarela do Samba Dráusio da Cruz. Por esse motivo, requereram a responsabilização do poder público municipal pela morte de Mirela.

“Apesar de os nossos pedidos de indenização por dano moral e de pensão mensal serem acolhidos, recorreremos ao Tribunal de Justiça de São Paulo para elevar a verba indenizatória”, declarou o advogado Alex Sandro Ochsendorf. Na petição inicial, o pedido foi de 500 salários mínimos (R$ 522,5 mil) de indenização para cada autora da ação.

Independentemente do recurso de apelação dos advogados da mãe e da filha de Mirela, a sentença já seria submetida à apreciação do TJ-SP pelo chamado reexame necessário, previsto em lei quando a decisão é contra o poder público. A prefeitura também apelará ao tribunal porque quer se eximir de responsabilidade pelo acidente fatal.

Sem responsabilidade

A prefeitura alegou em sua defesa ilegitimidade passiva, ou seja, que sequer poderia figurar como ré. Os argumentos são que o acidente ocorreu fora da área de desfile, a responsabilidade pela rede elétrica é da concessionária CPFL Piratininga e a morte foi provocada pela escola de samba.

“Comprovou-se nestes autos que a requerida (prefeitura) atuava ativamente na dispersão dos carros alegóricos, tudo a indicar que é, sim, responsável pelo evento danoso daí oriundo, com base no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal”, decidiu a juíza, rechaçando os argumentos da prefeitura.

A referida regra constitucional adota a teoria do risco administrativo, segundo a qual “as pessoas jurídicas de Direito público e as de Direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. A juíza destacou que o acidente poderia ter sido evitado caso a prefeitura adotasse “todas as cautelas necessárias”.

Absolvição geral

Além de Mirela, três rapazes morreram fulminados no acidente. O episódio ficou conhecido como Tragédia do Carnaval. Na esfera criminal, cinco pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público por quatro homicídios culposos, nas modalidades imprudência e negligência. A Justiça absolveu o grupo e a decisão se tornou definitiva.

Um dos réus da ação penal foi o presidente da Sangue Jovem. Três diretores de harmonia da escola de samba também foram denunciados, assim como um servidor público da área de eventos da Secretaria Municipal de Cultura (Secult).

Com exceção de Mirela, as vítimas, sob a orientação do pessoal da prefeitura, participavam da dispersão do carro alegórico Rei Pelé, após o desfile da Sangue Jovem. Dois dos rapazes conduziam a alegoria até uma área perto da passarela do samba. O terceiro estava embaixo do Rei Pelé desinstalando um gerador que alugou à escola de samba. 

Notícia originalmente publicada no Vade News

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TJ-SP suspende dívida de agência de viagens por Covid-19

Diante de um cenário de prejuízo na casa dos bilhões, uma companhia aérea não pode se permitir a ressarcir bilhetes e viagens em prazo elástico e, ao mesmo tempo, cercear seus fornecedores e parceiros exigindo pagamentos à vista durante a epidemia de Covid-19.

Vadim GuzhvaTJ-SP suspende cobrança de dívida de agência de viagens por Covid-19

Com esse entendimento, o desembargador Carlos Abrão, da 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou a suspensão da cobrança de uma dívida de uma agência de viagens com uma companhia aérea, pelo prazo de 60 dias contados do respectivo vencimento, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

Nos autos, a agência de viagens alegou que está sem operação comercial e fluxo de caixa há quase três meses, com portas fechadas, em razão da epidemia do coronavírus, e, por isso, afirmou que não tem como arcar com a cobertura do valor exigido pela companhia aérea.

O desembargador reconheceu “os maléficos efeitos” da pandemia na economia, “acarretando verdadeiro terremoto para grandes empresas e um tsunami para médias e pequenas”, de modo que o setor de turismo está entre os mais atingidos, com a proibição de circulação e limitação imposta por questão sanitária.

“Nenhum cenário de ficção poderia prever o que hoje se passa no mundo, com abalo frontal, e as companhias aéreas de porte internacional estão sendo carcomidas, basta olhar as empresas americanas, e também a Lufthansa, em estágio de renegociar dívidas, já que o governo alemão se recusa a injetar capital na companhia”, disse Abrão.

O relator afirmou ainda que, sem previsão de reabertura da agência de viagens com o retorno das vendas como era antes da epidemia, “e jamais poderíamos admitir que o mundo será o mesmo pós-pandemia”, estão presentes os “relevantes aspectos da plausibilidade para a concessão parcial da tutela de urgência” pleiteada pela autora da ação.

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TJ-SP nega pedido de surfistas para ter livre acesso a praias

As normas que impedem o uso das praias durante a quarentena não podem ser interpretadas de maneira absoluta, pois encontram fundamento na proteção à vida e à saúde da população, tuteladas na Constituição Federal. Com esse entendimento, o desembargador James Siano, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou pedido de um grupo de surfistas amadores para ter livre acesso às praias do município de Praia Grande.

Dollar Photo ClubTJ-SP nega pedido de surfistas para ter livre acesso a praias durante quarentena

Os surfistas impetraram habeas corpus, com pedido de salvo conduto, conta os decretos do Governo de São Paulo e da Prefeitura de Praia Grande, que regulamentam a quarentena e os serviços essenciais durante a epidemia. Eles alegam que estão impedidos de praticar o esporte por “atos arbitrários das autoridades coatoras”, citando, por exemplo, o artigo 5º do Decreto Municipal, que proíbe o acesso à faixa de areia das praias.

Ao indeferir a liminar, o desembargador James Siano reconheceu a privação que os pacientes passam neste momento em virtude das determinações do estado e do município. Porém, segundo ele, o direito administrativo é regido por diversos princípios, um deles o da supremacia do interesse público sobre o interesse particular.

“Desta máxima se extrai a ideia de superioridade do poder público em relações mantidas com os particulares, em especial no momento atual, em que o interesse do coletivo deve preponderar sobre o individual”, disse. Ele também destacou que a restrição é temporária e, além da privação da prática esportiva, não se verificam presentes os pressupostos legais a motivar a concessão da tutela preventiva.

Segundo o desembargador, o isolamento social é, até o momento, o melhor remédio contra o coronavírus, vindo de encontro ao esforço empreendido pela sociedade em geral. “A adoção de medidas restritivas, com imposição de distanciamento das pessoas e a suspensão de atividades visam a redução do contágio e o número de mortos”, completou.

O simples fato de o pedido ter sido formulado de maneira coletiva, em favor de vários pacientes, segundo Siano, já demonstra a pretensão da participação coletiva no surf. “Por fim, inexiste vedação à liberdade de circulação, mas sim, ordenamento que visa impedir aglomeração de pessoas, seja para que finalidade for”, concluiu o relator do caso.

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Katherine Lucato: Deveres contra o enriquecimento ilícito

Muito se discute sobre a vedação ao enriquecimento ilícito, sem causa. E, apesar de essencial, a boa-fé não encerra a discussão. O enriquecimento ilícito é essencialmente vinculado ao Direito obrigacional, em especial, às relações não contratuais, como as indenizatórias. Constitui abuso, principalmente ofensivo ao primado da dignidade social.

Na maioria das vezes, a coibição e a reparação pelo enriquecimento ilícito mostram-se mais simples em tema de contratos, em que as relações entre as partes regem-se não só por disposições contratuais, mas também por disposições legais.

Por exemplo, diversas disposições legais contemplam instrumentos que visam a impedir ou, ao menos, a reparar o enriquecimento ilícito, mediante a recomposição do equilíbrio entre as partes, como as disposições que tratam da resolução e da revisão dos contratos por onerosidade excessiva.

Em matéria de responsabilidade extracontratual, que demanda maior cuidado, o solidarismo constitucional ganha relevância para a contenção do enriquecimento ilícito.

A Constituição Federal consubstancia princípios fundamentais que constituem, ainda, vetores de interpretação normativa. O Direito obrigacional não só não se excepciona de uma necessária interpretação, sob o viés constitucional, como possivelmente é uma das searas que mais a requerem.

O artigo 3°, inciso I, da Constituição Federal dispõe quanto à solidariedade como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. Apesar de a liberdade também constituir objetivo fundamental, sem que seja compatibilizada com a solidariedade, prejudicará a preservação da Justiça.

Portanto, a solidariedade é mais que um objetivo: passa a ser um princípio fundamental de ordem pública, com ampla aplicabilidade às relações jurídicas, em regra, contribuindo para uma interpretação mais justa do Direito, especialmente do Direito obrigacional.

Em síntese, a solidariedade possui especial importância por sua função limitadora, mas em benefício do valor maior da Justiça, ostentando conotação social, afinal, é representativa de garantia do bem comum.

Dignidade, principalmente sob o viés social, e igualdade se inter-relacionam como referenciais do solidarismo constitucional e legitimam decisões estatais, na medida em que o Estado obriga-se a garantir que interesses particulares não preponderem sobre interesses sociais.

Torna-se mais que claro que a solidariedade pode ser considerada como base da vedação ao enriquecimento ilícito.

Por isso, a solidariedade não deve ser entendida como mero valor simbólico, sem repercussão, mas como valor imperativo e essencial à Justiça, ensejando deveres, sob pena de enriquecimento ilícito e abuso de direito.

E, assim, não basta que se alegue boa-fé para a isenção de responsabilidade quando o exercício de um direito implica enriquecimento ilícito, ainda mais em prejuízo social.

Por fim, propõe-se a análise da constitucionalidade de uma norma, sob o prisma do solidarismo constitucional, para a consecução de fins obrigacionais, que cooperem com a coletividade, e não com o exercício abusivo de direito, por particulares, ou com o propósito de enriquecimento ilícito.

Em cotejo mesmo entre valores constitucionais, não é razoável e nem mesmo o escopo da ordem vigente que valores inerentes ao interesse social se prejudiquem, em virtude de valores restritos a interesses particulares.

 

Referência bibliográfica

NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 é advogada e pós-graduada em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Público.