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Portuários avulsos têm direito a adicional de risco, define STF

Trabalhadores portuários avulsos devem ter garantido o direito a adicional de riscos, da mesma forma que é pago aos permanentes. O entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (3/6), em julgamento de recurso com repercussão geral.

Maioria dos ministros seguiu voto de Fachin para estender o adicional ao portuário avulso
Codesp

Foi fixada a seguinte tese: “Sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o adicional de riscos é devido, nos mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso”.

O julgamento desta quarta foi retomado com voto-vista do ministro Marco Aurélio, que ficou vencido. Em novembro de 2018, a corte já havia formado maioria para estender o adicional ao portuário avulso.

O recurso chegou ao Supremo para questionar acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que garantiu o pagamento do adicional de 40%, previsto na Lei 4.860/1965, para os trabalhadores avulsos que atuam na atividade portuária.

A maioria do colegiado seguiu o voto do relator, ministro Luiz Edson Fachin, que negou o recurso e defendeu a aplicação do princípio da isonomia. Para ele, desde que os avulsos exerçam as mesmas funções e nas mesmas condições dos trabalhadores com vínculo, eles devem ter o direito garantido.

De acordo com Fachin, o fato do artigo 14 da Lei 4.860 prever o pagamento do adicional de risco somente para o trabalhador portuário típico, não impede que o direito seja estendido ao trabalhador avulso. Não se trata, defendeu o relator, “de imprimir eficácia geral à norma especial, mas, sim, de observância dos princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade”.

Acompanharam seu voto os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes e Celso de Mello. Impedida, a ministra Rosa Weber não votou.

Ao apresentar a divergência, Marco Aurélio defendeu o seguimento estrito a letra da lei, que prevê o adicional aos trabalhadores permanentes. Segundo o ministro, seria uma inovação do Judiciário estender o pagamento para os avulsos.

Clique aqui para ler o voto do relator

RE 597.124

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Ives Gandra: O artigo 142 da Constituição brasileira

Tendo participado de audiências públicas, durante o processo constituinte, a convite de parlamentares eleitos em 1986, assim como, repetidas vezes, apresentado sugestões ao então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, relator Bernardo Cabral e presidentes de Comissões e Subcomissões, sempre que solicitado, decidi com Celso Bastos comentar o texto supremo, em 15 volumes, por 10 anos (1988-1998), em edições e reedições veiculadas pela Editora Saraiva.

Dividimos os nove títulos permanentes e aquele das disposições transitórias entre nós, tendo eu ficado com parte do Título III (Federação, União, competências de atribuições, competências  legislativas, Estados e parte dos Municípios), IV (Processo Legislativo, Tribunal de Contas, Poder Executivo), VIII (Seguridade Social, Comunicação Social, Meio Ambiente, Família e Índios) e com os Títulos V (Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), Título VI (Sistema tributário, Finanças Públicas e Orçamentos), Título IX (Disposições Gerais) e o Ato Complementar das Disposições Transitórias.

A morte prematura de Celso Bastos levou-me, após uma reatualização realizada por André Ramos Tavares, Samantha Pflug, Rogério Gandra Martins e entregues à Saraiva, mas não publicadas, a desistir de continuar a publicação, nada obstante ter a Editora vendido mais de 150 mil exemplares da coleção.

O Título V da Carta da República corresponde ao volume 5, que ficou a meu cargo. Cuida de dois instrumentos legais para a defesa do Estado e das instituições democráticas (Estado de Defesa e de Sítio) e das instituições encarregadas de proteger a democracia e os poderes (Forças Armadas, Polícias Militares, Polícia Civil e Guardas Municipais).

Na 5ª parte da Lei Maior, por sua abrangência nacional e missão de proteção da soberania nacional, as Forças Armadas passaram a ter um tratamento diferenciado (artigos 142 e 143), tratamento este alargado quanto às demais corporações, pelas próprias atribuições outorgadas pelo constituinte às três Armas.

As funções determinadas pelo Constituinte estão no artigo 142, assim redigido:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Percebe-se que três são as atribuições das Forças Armadas, alicerçadas na hierarquia e disciplina, a saber:

  1. Defesa da pátria;
  2. Garantia dos poderes constitucionais;
  3. Garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos três Poderes.

A palavra “Pátria” aparece pela primeira e única vez neste artigo da Lex Magna.

Sobre a defesa da Pátria até mesmo os alunos do pré-primário sabem que o país será defendido contra eventuais invasões de outras nações pelas Forças Armadas. Não oferece qualquer dúvida.

Sobre a garantia dos poderes contra manifestações de qualquer natureza, compreende-se, lembrando-se que, nos estados de defesa e de sítio as polícias militares, civil e guarda municipal são coordenadas pelas Forças Armadas.

A terceira função, todavia, é que tem merecido, nos últimos tempos, discussão entre juristas e políticos se corresponderia ou não a uma atribuição outorgada às Forças Armadas para repor pontualmente lei e a ordem, a pedido de qualquer Poder.

Minha interpretação, há 31 anos, manifestada para alunos da universidade, em livros, conferências, artigos jornalísticos, rádio e televisão é que NO CAPÍTULO PARA A DEFESA DA DEMOCRACIA, DO ESTADO E DE SUAS INSTITUIÇÕES, se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante.

Alguns juristas defendem a tese que a terceira atribuição e a segunda se confundem, pois para garantir as instituições, necessariamente, estarão as Forças Armadas garantindo a lei e a ordem, já que o único Poder Moderador seria o Judiciário.

Parece-me incorreta tal exegese, muito embora eu sempre respeite as opiniões contrárias em matéria de Direito. Tinha até mesmo o hábito de provocar meus alunos de pós graduação da Universidade Mackenzie a divergirem de meus escritos, dando boas notas àqueles que bem fundamentassem suas posições. É que não haveria sentido de o constituinte usar um “pleonasmo enfático” no artigo 142 da Carta Magna, visto que a Lei Suprema não pode conter palavras inúteis.

A própria menção à solicitação de Poder para garantir a lei e a ordem sinaliza uma garantia distinta daquela que estaria já na função de assegurar os poderes constitucionais, como atribuição das Forças Armadas.

Exemplifico: vamos admitir que, declarando a inconstitucionalidade por omissão do Parlamento, que é atribuição do STF, o STF decidisse fazer a lei que o Congresso deveria fazer e não fez, violando o disposto no artigo 103, parágrafo 2º, assim redigido:

Art. 103. (…) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”

Ora, se o Congresso contestasse tal invasão de competência não poderia recorrer ao próprio STF invasor, apesar de ter pelo artigo 49, inciso XI, a obrigação de zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes. Tem o dispositivo a seguinte redação:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(…) XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

Pelo artigo 142 da CF/88 caberia ao Congresso recorrer às Forças Armadas para reposição da lei (CF) e da ordem, não dando eficácia àquela norma que caberia apenas e tão somente ao Congresso redigir. Sua atuação seria, pois, pontual. Jamais para romper, mas para repor a lei e a ordem tisnada pela Suprema Corte, nada obstante — tenho dito e repetido — constituída, no Brasil, de brilhantes e ilustrados juristas.

O dispositivo jamais albergaria qualquer possibilidade de intervenção política, golpe de Estado, assunção do Poder pelas Forças Armadas. Como o Título V, no seu cabeçalho, determina, a função das Forças Armadas é de defesa do Estado E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS. Não poderiam nunca, fora a intervenção moderadora pontual, exercer qualquer outra função técnica ou política. Tal intervenção apenas diria qual a interpretação correta da lei aplicada no conflito entre Poderes, EM HAVENDO INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OU DE ATRIBUIÇÕES.

No que sempre escrevi, nestes 31 anos, ao lidar diariamente com a Constituição — é minha titulação na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie —, é que também se o conflito se colocasse entre o Poder Executivo Federal e qualquer dos dois outros Poderes, não ao Presidente, parte do conflito, mas aos Comandantes das Forças Armadas caberia o exercício do Poder Moderador.

Nada obstante reconhecer a existência de opiniões contrárias, principalmente dos eminentes juristas que compõem o Pretório Excelso, não tenho porque mudar minha inteligência do artigo 142. Como não sou político, mas apenas um velho advogado e professor universitário, que sempre buscou exercer a cidadania, continuarei a interpretar, academicamente, o artigo 142, como agora o fiz, com o respeito que sempre tive às opiniões divergentes, não me importando com as críticas menos elegantes dos que não concordam comigo. John Rawls dizia que as teorias abrangentes são próprias das vocações totalitárias, que não admitem contestação. Só são democráticas as teorias não abrangentes, pois estas admitem contestação e diálogo.

Aos 85 anos, felizmente não perdi o meu amor ao diálogo e à democracia.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifeo, Unimeo, do CIEE-SP, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), superior de Guerra (ESG) e da magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (ARG), San Martin de Porres (PER) e Vasili Goldis (ROM), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (ROM) e da PUC-PR e RS, e catedrático da Universidade do Minho (POR); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP); ex-presidente da Academia Paulista de Letras e do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).

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Natália Santos: A tecnologia blockchain e o Direito

A tecnologia blockchain, também conhecida como “protocolo de confiança”, foi criada em 2008 por Satoshi Nakamoto como a principal inovação tecnológica do bitcoin, porém não se confunde com a conhecida criptomoeda. Na verdade, a blockchain é a tecnologia por trás do bitcoin e de todas as criptomoedas, mas também pode ser utilizada nos mais variados seguimentos, como no setor educacional, alimentício, automobilístico, marketing, na área da saúde e até mesmo no campo do direito.

A tecnologia propõe imutabilidade, transparência e descentralização como medida de segurança, funcionando como um livro-razão público sem o intermédio de terceiros. Trata-se de uma base de dados distribuída que guarda um registro de transações permanentes e à prova de violação, não podendo ser alterada, eis que armazena informações em blocos dependentes uns dos outros, formando uma cadeia de blocos.

Essas informações não são armazenadas em um computador central, mas sim em milhares de computadores, cada qual com o seu backup, o que significa que não há um ponto único de falha, pois se um nó deixa a rede, outros nós já têm armazenada uma cópia exata de toda a informação compartilhada. Isso faz com que a tecnologia seja segura, pois um hacker não poderia modificar informações na blockchain sem controlar toda a rede.

Quais são as vantagens e desvantagens?
A maior vantagem da tecnologia é que suas informações são criptografadas exigindo uma assinatura digital, o que gera segurança nas transações e garante a proteção contra possíveis ameaças, sendo um mecanismo inviolável para armazenamento de dados.

A dificuldade da tecnologia está na exigência de uma grande capacidade de processamento ou de uma rede capaz de aguentar um grande volume de dados, para evitar sobrecarga. Além disso, a sua implementação carece da reunião de diversos projetos, como a tecnologia da informação, dependendo da colaboração de terceiros, o que pode tornar o processo de aplicação um pouco complicado. Portanto, é importante que a implantação seja bem avaliada e planejada para o seu bom desempenho.

Diferentes tipos de blockchain
A tecnologia pode ser utilizada em diversos negócios em função da sua base de registro de transações. Na área da educação, apresentamos como principal exemplo a emissão de diplomas, certificados, credenciais e históricos de múltiplos cursos. Nesse segmento, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) foi considerada a primeira universidade do Brasil a emitir diplomas via blockchain.

A tecnologia na esfera jurídica
No campo do Direito, ela pode refletir de inúmeras formas, sendo muito utilizada em consultoria consultiva. O OriginalMy é um dos exemplos mais relevantes, por se tratar de um protocolo de verificação de identidade pessoal que aproveita a tecnologia para gerenciar as identidades digitais. Ou seja, ele pode constatar a autenticidade de diversos tipos de documentos digitais, como contratos e a identidade de pessoas. Desse modo, a segurança e a confiança oferecida têm sido comparadas à fé pública dos cartórios na autenticação, além de facilitar o registro e transferência de bens móveis e imóveis, evitando o risco de falsificação e todo o procedimento burocrático.

Segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), é possível usar a tecnologia para identificar a origem e autoria de uma obra, agilizar a concessão de registros de marcas e patentes e controlar e combater a pirataria. Isso porque o autor de uma obra pode certificar uma peça na medida em que ela será criada, aplicando-se a proteção contra plágios, ou mesmo enquanto estiver aguardando a confirmação do registro no órgão oficial, podendo ser utilizada como meio adicional de proteção.

Nos contratos, também pode ser uma importante aliada, pois por se tratar de uma base de dados imutável, as partes podem garantir a impossibilidade de adulteração do conteúdo depois que ele for assinado, conferindo integridade e autenticidade nos documentos, além de trazer maior segurança por meio do uso de identidades verificadas por assinatura eletrônica.

A tecnologia também poderá contribuir no processo de compliance da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já que pode ser facilmente integrada em sites, portais ou aplicativos, permitindo ao usuário que assine contratos ou documentos digitais e requerimentos de autorização para acessar os dados pessoais. Portanto, poderá ser incorporada na preservação dos dados e para evitar a invasão de hackers e sanções por descumprimento da legislação.

Outro importante exemplo de utilização da blockchain são os contratos inteligentes, conhecidos como smart contracts. Trata-se de contrato autoexecutável criado para facilitar a negociação, proporcionando confiança nas transações online, com objetivo de consentir que pessoas desconhecidas façam negócios online sem o intermédio de uma autoridade central. Com a referida tecnologia, um contrato de locação, por exemplo, pode ser firmado por meio de um software de automação, no qual os dados das partes e da locação são preenchidos automaticamente, com assinatura digital e os envolvidos podem acessar os documentos com uma senha única, sem possibilidade de alteração do conteúdo.

É importante ressaltar que tais aplicações ainda estão emergindo no campo do Direito, por se tratar de uma tecnologia nova, sendo necessária sua regulamentação para assegurar as relações jurídicas.

No cenário atual, com o aumento das transações online, é imprescindível maior segurança dos dados, o que pode ser perfeitamente fornecido pela tecnologia blockchain, mas ainda é preciso crescimento e credibilidade frente ao novo mercado virtual.

Natália Marques dos Santos é advogada do escritório Costa Marfori.

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Cecília Mello: Extensão de trabalho remoto do Judiciário

O contexto de pandemia e isolamento mundialmente vivido levou e está levando a sociedade a vários ajustes e adaptações, de maneira a assegurar a manutenção de suas atividades essenciais. São muitas as mudanças, necessárias. Mas o alerta é no sentido de que essas mudanças possam se tornar permanentes mesmo após o estado de emergência de saúde pública. E isso precisa ser muito bem avaliado.

O Poder Judiciário, investido de competência para solucionar conflitos, de realizar o Direito, seja evitando a violação da ordem jurídica, seja determinando a sua restauração, é um dos sustentáculos do Estado democrático, o guardião da Constituição Federal, tão demandada nesses tempos. Consciente da sua relevância no cenário nacional, o Judiciário rápida e eficientemente se estruturou para evitar a interrupção de atendimento à sociedade e aos jurisdicionados.

O CNJ editou as Resoluções 313 e 314, em 19 de março e 20 de abril, respectivamente, disciplinando de maneira uniforme o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio e, ao mesmo tempo, garantir o acesso à Justiça no período de emergência de saúde pública. Além da suspensão dos prazos processuais, cuja contagem será retomada para os processos eletrônicos em 4 de maio, restou assegurada a apreciação de matérias mínimas, tais como habeas corpus, mandado de segurança, medidas liminares e de antecipação de tutela, comunicações de prisão em flagrante, pedidos de concessão de liberdade provisória, imposição e substituição de cautelares diversas da prisão, dentre outras medidas revestidas de urgência.

Referidas resoluções facultaram aos tribunais disciplinar o trabalho remoto de magistrados, servidores e colaboradores. A Resolução 314 determina que sejam buscadas soluções colaborativas com os demais órgãos do sistema de Justiça, para a realização dos atos processuais virtualmente. Ou seja: as diretrizes devem ser encontradas no senso comum das necessidades e, evidentemente, por meio de regras claras, realistas e objetivas.

Os processos físicos permanecem com os seus prazos suspensos, salvo a hipótese de conversão em eletrônicos, vedado o restabelecimento do expediente presencial. Essas regras têm vigência até 15 de maio, podendo haver ampliação ou redução por ato da Presidência do CNJ.

Os tribunais de todo o país diligenciaram na busca de soluções, procurando manter as atividades de prestação jurisdicional, porém por meio de trabalho remoto e mediante a disponibilização de canais de comunicação virtual franqueados em seus respectivos sites. Além dos trabalhos jurisdicionais propriamente ditos, os tribunais ainda precisaram solucionar inúmeros procedimentos correlatos aos processos, especialmente aqueles pertinentes aos levantamentos de valores decorrentes de pagamentos judiciais, de extrema relevância neste momento, tanto para os advogados quanto para os jurisdicionados.

Embora o sistema ainda não apresente uma nova sistemática que possa ser qualificada de forma plenamente satisfatória, há que se considerar o curto espaço de tempo transcorrido desde a sua implementação e a complexidade dessa nova dinâmica, que impõe ajustes não apenas materiais, mas também humanos, haja vista a necessidade de servidores e magistrados adaptarem-se ao trabalho de atendimento a distância. Mas, independentemente do sentimento geral de apreensão, fato é que os tribunais têm apresentado índices bastante elevados de produtividade, no que diz respeito a decisões proferidas.

Com base no êxito dos resultados obtidos pelo STF com a implementação de atividades remotas, a possibilidade de manutenção desse sistema diferenciado de trabalho foi estendida por meio da Resolução 677, de 29/4/2020, até 21 de janeiro de 2021, outorgando-se aos gabinetes dos ministros liberdade para adotarem outras formas de gestão das suas atividades. Embora não haja novas disposições acerca das sessões de julgamento, tudo leva a crer que também permaneçam por sistema de videoconferência, assim como o atendimento judicial, por meios eletrônicos

Na outra ponta dessa relação, sem absolutamente desconsiderar os demais operadores que a compõem, estão os jurisdicionados, assistidos e representados por seus advogados. Aqui, diferentemente dos tribunais que integram o Poder Judiciário, não há uma uniformidade de recursos materiais e humanos. Ao contrário, pode-se dizer que a diversidade da advocacia guarda relação direta com a diversidade da população e, portanto, dos jurisdicionados. Dessa forma, partir da premissa de que todos os advogados têm condições técnicas e materiais de pronta adaptação ao sistema de trabalho remoto é tão equivocado quanto imaginar que todos os alunos da rede de ensino, seja pública ou privada, têm condições de acesso e aproveitamento a aulas on-line.

As prerrogativas previstas na Lei 8906/94 asseguram aos advogados o direito de exercer a defesa plena de seus clientes e aqui se inclui o direito de postular e argumentar oralmente com o objetivo de convencer o julgador sobre o direito postulado. Em suma: o advogado tem o direito de ser ouvido pelo julgador e esse direito está imbricado no próprio exercício do pleno direito de defesa.

As medidas adotadas no âmbito do STF podem trazer resultados promissores à mais alta Corte de Justiça do país, inclusive ampliando e desonerando o exercício da advocacia perante as suas sessões de julgamento, a medida que sustentações orais ou atendimentos judiciais não dependerão de viagens e deslocamentos. Entretanto, o mesmo não se pode dizer quanto à manutenção desse sistema pelos demais tribunais e, especialmente, pela primeira instância, o que poderá resultar prejuízos incalculáveis de acesso à Justiça.

Não se trata de simples “adaptação” quando a maioria dos advogados e da população não dispõe de condições materiais para implementar essa modalidade de trabalho, que demanda recursos tecnológicos de custos incompatíveis com os auferidos por essa significativa parcela da população. Aqui, a Justiça ficaria reservada a poucos, e a advocacia também.

As alternativas encontradas para a manutenção dos serviços e atividades da sociedade em tempos de pandemia precisam ser rigorosamente avaliadas antes de se tornarem perenes, sob pena de criarmos “bolhas” instransponíveis em diversos segmentos, que ficarão reservadas a poucos, mas em detrimento de muitos.  Como diz Yuval Harari: “O verdadeiro antídoto para epidemias não é a segregação, mas a cooperação”.

 é criminalista, sócia do Cecilia Mello Advogados. Foi desembargadora federal por 14 anos no TRF-3.

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A “descoberta” da mediação no Brasil

O último relatório estatístico anual — “Justiça em Números 2019″ [1] — publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que foi o 15º da série, inovou ao englobar a fase pré-processual no índice de conciliação total. O CNJ, desde que implantou o Movimento pela Conciliação, em agosto de 2006: I) vem proporcionando as Semanas pela Conciliação, com o intuito de estimular acordos, nas fases pré-processual e processual; II) criou os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), que se tornaram Unidades Judiciárias por força da Resolução CNJ 219/2016, e os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemecs  — Resolução CNJ 125/2010); III) fortificou o Programa Resolve, que incentiva a autocomposição de litígios — conciliação e mediação — em questões previdenciárias, bancárias, habitacionais, consumeristas e trabalhistas, além de execuções fiscais; e IV) estabeleceu o índice de conciliação (percentual de sentenças e decisões resolvidas por homologação de acordo em relação ao total de sentenças e decisões terminativas exaradas).

Os Cejuscs alcançaram o número de 1.088 nas Justiças Estaduais ao final do ano de 2018.

Naquele ano, o percentual de sentenças homologatórias de acordo, em comparação com o total de sentenças e decisões terminativas exaradas, foi de 11,5%, índice esse em queda se comparado com o ano anterior. No mesmo ano, as sentenças homologatórias de acordo, na fase de execução, corresponderam a 6%, enquanto na de conhecimento, a 16,7%.

Se o índice de conciliação total levar em conta os procedimentos pré-processuais e as classes processuais como inquéritos, reclamações pré-processuais, termos circunstanciados, cartas precatórias, precatórios, requisições de pequeno valor, etc., o índice de conciliação sobe de 11,5% para 12,3% [2].

Em matéria de solução de litígios, o Brasil, ao independizar-se politicamente de Portugal, herdou a tradição lusa de solução judiciária. Realizada por juízes em nome do Estado, tal espécie de solução era, praticamente, a única que seria ensinada, por largo tempo, nas escolas de direito do país, que seguiam a tradição conimbricense. Tardiamente, por ocasião do quarto ordenamento processual [3] — o Código de Processo Civil de 1973 (artigos 447 e 448) — seria instituída a conciliação prévia obrigatória (hoje regida pelos artigos 165 a 175 do CPC/2015). Em 1996, acolheríamos a arbitragem pela Lei 9.307 (que, profundamente alterada pela Lei 13.129/2015, continua regendo o instituto). Unicamente por meio da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, aderiríamos à mediação [4], que continua sendo regida por essa lei.

Os três institutos — arbitragem, conciliação e mediação — possuem duas características em comum: não fazer parte da jurisdição estatal e contar com a participação de um terceiro. Na arbitragem o terceiro é escolhido pelas partes, a quem compete exarar uma decisão (heterocomposição). Na conciliação, o terceiro aproxima os litigantes, cabendo-lhe sugerir decisões (autocomposição). Na mediação, auxilia os contendores a chegar a um acordo, sem apontar solução (autocomposição). Portanto, a diferença entre conciliação e mediação é somente de grau [5].

A Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação) é aplicável à solução de conflitos, tanto no âmbito particular quanto na esfera da administração pública; desde que referentes a direitos disponíveis ou a direitos indisponíveis que admitam transação (artigos 1º, caput, e artigo 3º, caput). Esse diploma legal conceitua mediação como sendo a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (artigo 1º, parágrafo único).

Logo no início da lei, são explicitados os princípios que devem presidir a mediação e, por conseguinte, servir de guia para a interpretação de todo o seu articulado: imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade [6] e boa-fé (artigo 2º, caput).

O mediador será designado pelo tribunal ou escolhido pelas partes (artigo 4º, caput), devendo conduzir o procedimento na busca do entendimento, do consenso e facilitando a resolução do conflito (artigo 4º, § 1º), sendo a ele aplicáveis as hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz (artigo 5º, caput), além de ser equiparado a servidor público com relação aos efeitos da legislação penal (artigo 8º).

A Lei versa sobre mediação judicial e extrajudicial, sendo disposições comuns ao procedimento de mediação: I) poderá haver mais de um mediador (artigo 15); II) em havendo processo arbitral ou judicial em curso, deverá ser requerido ao juiz ou ao árbitro a suspensão do processo pelo prazo suficiente, sendo irrecorrível tal decisão (artigo 16, § 1º); III) mesmo suspenso o processo, o juiz ou o árbitro poderá conceder medidas de urgência (artigo 16, § 2º); IV) ficará suspenso o prazo prescricional durante o transcurso do procedimento de mediação (artigo 17, parágrafo único); V) a primeira reunião da mediação marca a data de sua instituição (artigo 17, caput), que se encerra com a lavratura do termo final (artigo 20, caput); e VI) na hipótese de acordo, o termo final possui a força de título executivo extrajudicial e, após homologação judicial, de título executivo judicial (artigo 20, parágrafo único).

As principais regras sobre a mediação extrajudicial encontram-se a seguir. Os únicos pressupostos para atuar como mediador extrajudicial são possuir capacidade e deter a confiança das partes (artigo 9º). As partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos (artigo 10º). O convite à outra parte para iniciar procedimento de mediação, feito por qualquer meio de comunicação, conterá objetivo da negociação, data e local da primeira reunião (artigo 21), convite esse que será tido por rejeitado se não houver resposta até o trigésimo dia do recebimento (artigo 21, parágrafo único). Se a parte convidada não comparecer à primeira reunião de mediação e, posteriormente, vier a vencer procedimento arbitral ou judicial com escopo idêntico ao da mediação proposta, deverá pagar 50% de custas e honorários sucumbenciais (artigo 22, § 2º, inciso IV). A previsão contratual deverá conter os itens seguintes: prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação, local da primeira reunião, critérios de escolha do mediador e penalidade para o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião (artigo 22 e incisos de I a IV). Entretanto, essa exigência poderá ser substituída pela adesão a regulamento, publicado, de instituição idônea prestadora de serviços de mediação. (artigo 22, § 1º).

Regras mais relevantes sobre mediação judicial: o mediador judicial deverá ser graduado, ao menos há dois anos, por instituição de ensino superior e capacitada por escola de formação de mediadores, ambas reconhecidas, além de cumprir requisitos do CNJ e do Ministério da Justiça (artigo 11); os tribunais regulamentarão a inscrição e o desligamento de seus mediadores, mantendo cadastro dos habilitados, assim como fixarão a respectiva remuneração, a ser paga pelas partes (artigo 12, caput e §§ 2º e 3º e artigo 13); cabe aos tribunais criar centros judiciários de solução consensual de conflitos e desenvolver programas que facilitem a autocomposição, em consonância com normas do CNJ (artigo 24 e parágrafo único); a aceitação dos mediadores pelas partes não é pressuposto (artigo 25); é regra geral as partes serem assistidas por advogados ou defensores públicos (artigo 26); sendo apta a petição inicial, o juiz designará audiência de mediação (artigo 27), devendo o procedimento ser concluído, em princípio, em até 60 dias da primeira audiência (artigo 28); em havendo acordo, o juiz determinará o arquivamento do processo e, a requerimento das partes, homologará por sentença o acordo, bem como o termo final da mediação e arquivará o processo (artigo 28, parágrafo único); e se antes da citação do réu o conflito for resolvido por mediação, não serão devidas custas (artigo 29).

O capítulo II da lei (artigos 32/40) refere-se detalhadamente à autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público. Abre-se a possibilidade para que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios criem câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos junto aos seus órgãos da Advocacia Pública,  desde que competentes para: dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, em controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público; e promover celebração de termo de ajustamento de conduta (artigo 32 e incisos). A prescrição ficará suspensa caso instaurado procedimento administrativo (artigo 34). Poderão ser objeto de transação por adesão as controvérsias jurídicas que envolvam a Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações, uma vez cumpridos certos pressupostos (artigo 35 e incisos). 

Com claro intuito de dar maior abrangência à lei, ressaltem-se as regras inseridas na Disposições Finais. No que couber, ela é aplicável nas áreas de competência de outras formas de resolução conflitual (mediações comunitárias, escolares e em serventias judiciais), muito embora não o seja no âmbito trabalhista (artigo 42 e parágrafo único). Havendo acordo das partes, poderá ser feita mediação por meios que permitam transação à distância (internet, etc.). facultando-se aos domiciliados no exterior submeterem-se à mediação nos termos dessa lei (artigo 46 e parágrafo único).

A contar da entrada em vigor da Lei 13.140/2015, a mediação tem-se revelado bastante hábil como meio de solução não judicial de controvérsias. O fato de agora ser dotada de quadro legislativo descomplicado, adaptável e ao mesmo tempo abrangente, fez com que a mediação despontasse. Se o Judiciário já se encontrava assoberbado, mais o estará em razão da desarrumação que a pandemia vem causando no mundo jurídico. Urge ser a mediação mais conhecida e utilizada, tanto no setor privado, quanto no público. Por essa razão, o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) oferecerá, gratuitamente, online, palestra do especialista professor Rubens Tilkian, no dia 13 de maio, das 8h30 às 10h. Ele exporá as dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário e os benefícios proporcionados pela mediação às empresas e às pessoas físicas. Abordará, em detalhe, as diferenças entre mediação judicial e privada; em quais áreas a mediação é cabível; e os caminhos possíveis para iniciá-la e levá-la a bom termo. Ao final, apresentará case de sucesso, além de reflexões sobre o futuro do instituto no Brasil. Inscrições gratuitas: cursos@cedes.org.br.  

Com toda a certeza, a mediação fará com que o índice anual de conciliação apresentado pela “Justiça em Números”, atualmente em 11,5%, avançará de modo célere. Tanto questões de baixo valor econômico entre pessoas físicas quanto milhares de ações repetitivas entre pessoas jurídicas de grande porte, prestadoras de serviço, e pessoas físicas serão resolvidas.

 

[6] A Seção IV do Capítulo I da Lei intitula-se “Da Confidencialidade e suas Exceções”, possuindo dois artigos.

 é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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Exigir CPF para receber R$ 600 prejudica vulneráveis, diz DPU

Auxílio contra pandemia

Exigir CPF para benefício emergencial prejudica vulneráveis, diz DPU

Ao exigir inscrição regularizada no Cadastro de Pessoa Física (CPF) de todos os membros da família para obtenção do benefício emergencial de R$ 600 concedido por conta da pandemia do coronavírus, o governo prejudica a população mais vulnerável e que mais precisaria dele. Por isso, a Defensoria Pública da União enviou ofício ao governo pedindo readequação da norma.

Para DPU, apresentação de RG pode suprir necessidade de CPF para garantir auxílio Reprodução

“Conquanto a inscrição no CPF seja importante para a prática dos atos da vida civil, sobretudo para nacionais e residentes permanentes, ela pode se tornar irregular por motivos unicamente burocráticos, como pendências na Justiça Eleitoral ou, mesmo, pendências meramente cadastrais perante a Receita Federal do Brasil”, afirma ofício, assinador por Atanasio Darcy Lucero Júnior, defensor nacional de Direitos Humanos.

O benefício foi instituído pela Lei 13.982/2020 e regulamentado pelo Decreto 10.316/2020. O ofício da Defesoria Pública da União foi enviado a Onyx Lorenzoni, ministro da Cidadania, e destaca ainda que as exigências destacadas um tanto secundárias em momento de emergência.

O documento cita como exemplo crianças das camadas mais vulneráveis da população que não possuam, ainda, o cadastro. Por isso, sugere que certidão de nascimento ou identificação civil sejam suficientes para suprir a obrigação. O mesmo valeria para imigrantes forçados que, ao buscar refúgio no país, talvez não tenham ainda acionado nenhum órgão governamental.

“Evidentemente, diverso é o quadro do CPF cancelado em razão de fraude, óbito ou decisão judicial transitada em julgado, em razão do caráter definitivo dessas situações”, destaca o ofício da DPU.

Clique aqui para ler o ofício

Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2020, 12h02