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Leonardo Carvalho: Riscos trabalhistas na volta das atividades

Com base nos preceitos legais da Constituição Federal do Brasil, do Código Civil e da CLT, temos que o empregador responde por danos que causar aos seus trabalhadores e a terceiros, os quais podem ser classificados como decorrentes de responsabilidade objetiva ou responsabilidade subjetiva.

Diferencia-se a responsabilidade subjetiva da responsabilidade objetiva em razão de que esta última dispensa a demonstração de culpa pelo causador do dano. Em outras palavras, na responsabilidade objetiva, se foi comprovado o dano e o nexo entre a conduta e o acometimento da Covid-19, pouco importa se houve culpa exclusiva do trabalhador, culpa concorrente ou culpa exclusiva da empresa para a configuração de sua responsabilidade civil. Essa discussão inclusive já foi pacificada pelo Superior Tribunal Federal por meio do Tema 932.

Portanto, indaga-se: ocorrendo o acometimento da Covid-19 pelos empregados que estejam laborando no estabelecimento, quais são as implicações trabalhistas?

Após a declaração de pandemia pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020, diversas normas jurídicas foram publicadas, entre elas a Medida Provisória 927/2020. Ela dispôs em seu artigo 29 que não se consideram como doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pela Covid-19.

Ao se caracterizar como doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho, o empregado, quando afastado por mais de 15 dias pela Previdência Social, adquire estabilidade de 12 meses e, na hipótese de permanecer com alguma sequela ou vir à óbito, poderá ensejar responsabilidade civil do empregador.

Através de inúmeras ações de inconstitucionalidade ajuizadas no STF, o plenário suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 927/2020. Portanto, prevalecem os preceitos legais anteriores à MP 927/2020.

Dito isso, caso um empregado que labore em uma empresa cuja natureza da atividade implica na exposição ao risco de contrair a Covid-19, isto é, responsabilidade objetiva, como ocorre com empregados de hospitais, presume-se que houve doença ocupacional decorrente de acidente de trabalho, caso demonstrado apenas o nexo causal.

Em atividades cuja responsabilidade é subjetiva, permanece a necessidade de demonstrar, além do nexo causal, se houve ou não culpabilidade.

Diante do que foi mencionado, vejamos sugestões de práticas a serem adotadas para mitigar os riscos de caracterização de doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho, sob o argumento de que inexistiu nexo causal, culpa exclusiva do empregador ou culpa concorrente: I) documentar por meio de políticas, comunicados ou memorandos, todos os processos adotados pelo empregador, com ampla divulgação no ambiente laboral; II) treinar os empregados sobre as medidas adotadas, com registro de presença na participação do treinamento; III) revezar o teletrabalho entre equipes, para que nem todas as equipes permaneçam juntas no local de trabalho; IV) instalar proteções e reposicionar os empregados em linhas de produção, ambiente de vendas, balcões, posto de atendimento; V) remanejar filas, salas de espera, recepção, entre outras hipóteses que possam resultar em agrupamento de pessoas; VI) estimular o uso de videoconferências, em contraponto às reuniões presenciais; VII) distribuir os novos equipamentos de proteção individual e coletiva, como pontos de utilização do álcool em gel, máscaras faciais como parte do uniforme, proteção para os pés e produtos para a higiene de equipamentos do dia a dia; VIII) divulgar regulamentos para o uso das áreas comuns como copa, lounge, salas de reuniões, provadores, banheiros e elevadores; IX) acelerar processos de automação face o momento de maior aceitação pelos clientes; X) criar protocolos de higienização de insumos e produtos manuseados pelos empregados; XI) agendar atendimento aos clientes e segmentar, na medida do possível, grupos de risco; e XII) medir temperatura dos trabalhadores para orientar o afastamento.

Caberá principalmente ao empregador evitar a demonstração de culpa exclusiva ou concorrente. Caso inexista exame laboratorial, a demonstração do dano é fragilizada, podendo-se caracterizar por inúmeras doenças similares, reforçando tese de defesa. No mesmo sentido, fica prejudicada a configuração de nexo causal daqueles que não estão comparecendo ao local de trabalho.

Por fim, adotadas as referidas medidas, face ao cenário atual de contaminação comunitária, haverá robusta documentação para eximir o empregador de culpa ou mesmo nexo causal, vez que se demonstraria terem sido adotadas as medidas preventivas. Embora não tenhamos posicionamento jurisprudencial sobre casos concretos, as medidas preventivas serão fundamentais para a mitigação dos riscos de configuração de doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho, com a consequente responsabilização civil no caso de óbito ou sequelas pelo empregado.

Leonardo da Costa Carvalho é sócio das áreas trabalhista e previdenciária do escritório BVA Advogados.

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Depoimentos de adultos que trabalharam na infância marcam campanha pelo Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil

Vídeos serão divulgados nas redes sociais do TST e dos TRTs e republicados pelas instituições parceiras da campanha.

12 motivos para a eliminação do trabalho infantil

12 motivos para a eliminação do trabalho infantil

15/6/2020 – Em alusão ao Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, serão divulgados a partir desta segunda-feira (15/6), 12 vídeos com depoimentos de adultos que trabalharam na infância e hoje percebem os impactos negativos desta experiência. A série, intitulada “12 motivos para a eliminação do trabalho infantil”, faz parte da campanha nacional contra o trabalho infantil realizada pela Justiça do Trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

Os vídeos, que foram produzidos pelas assessorias de imprensa dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho,  serão publicados diariamente nas redes sociais do TST e dos TRTs, bem como pelas instituições parceiras. Os depoimentos contam histórias reais sobre traumas, sequelas, lembranças e os impactos causados no desenvolvimento humano durante o trabalho realizado na infância. O objetivo é conscientizar sobre os riscos da exploração do trabalho infantil que atinge pelo menos 2,4 milhões de meninos e meninas entre 5 e 17 anos, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Um dos personagens selecionados vem do Maranhão. José Airton conta que teve uma infância marcada pela pobreza e que precisou trabalhar durante todo esse período. “Vendia frutas durante o dia e, à noite, ia para escola, mas não conseguia estudar de tão cansado! As crianças deveriam ter oportunidade de focar só nos estudos”, destaca no depoimento ao lembrar da época.

Trabalhar e não poder brincar também foi a realidade vivida pela Rosimery Castro. “Dos 9 aos 13 anos, trabalhei em serviços pesados que prejudicaram minha ida à escola. Não aprendi a brincar, eu aprendi a trabalhar exaustivamente”, detalha a moradora do Pará.

Para acompanhar todos os depoimentos, acompanhe as contas oficiais do Twitter e do Instagram do TST.

(JS/TG)

Esta matéria tem cunho meramente informativo.
Permitida a reprodução mediante citação da fonte.
Secretaria de Comunicação Social
Tribunal Superior do Trabalho
Tel. (61) 3043-4907
secom@tst.jus.br  

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STJ mantém condenação a ex-prefeito por improbidade administrativa

Decisão é da 2 Turma do STJ
STJ

Não há obrigatoriedade de formação de litisconsórcio passivo em ação de improbidade administrativa. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão que condenou um ex-prefeito da cidade de Miracatu (SP) em razão da dispensa indevida de licitação.

A ação por ato de improbidade foi ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra João Amarildo Valentin da Costa. Ele adquiriu passagens áreas e contratou hospedagem para viagens a Brasília entre janeiro e novembro de 2013, utilizando recursos públicos sem o devido processo licitatório.

As instâncias ordinárias reconheceram a ilegalidade das contratações e condenaram o ex-prefeito a restituir R$ 42.474,87 aos cofres públicos. Ele recorreu ao STJ, alegando que duas tentativas de licitação foram frustradas por falta de interessados e que as viagens tiveram caráter de urgência, para tratar de assuntos administrativos. Sustentou também que a ação precisaria ter envolvido as agências de viagem, pois haveria litisconsórcio passivo necessário no caso.

Segundo o relator do recurso especial, ministro Francisco Falcão, a eventual reforma da conclusão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a não obrigatoriedade do litisconsórcio passivo, diante da ausência de comprovação de conluio entre as agências e o ex-prefeito, exigiria o reexame das provas, o que é impedido pela Súmula 7 do STJ.

O ministro também observou que, conforme o entendimento dominante na corte, a ação de improbidade não impõe a formação de litisconsórcio entre o agente público e os eventuais terceiros beneficiados ou participantes do ato ímprobo, por falta de previsão legal e de relação jurídica entre as partes que exija decisões judiciais uniformes.

Também demandaria reanálise das provas, de acordo com Francisco Falcão, a apreciação das justificativas apresentadas pelo recorrente para a dispensa de licitação, baseadas na hipótese do artigo 24, V, da lei das licitação (Lei 8.666/93), na medida em que o TJ-SP, “soberano na análise dos fatos e das provas”, concluiu que houve indevido fracionamento dos valores contratados.

Sobre a condenação amparada no artigo 10, VIII, da Lei 8.429/1992 (ato que causa lesão ao erário), o relator afirmou que o TJ-SP considerou como requisito para a configuração da improbidade a presença de culpa grave, o que está em sintonia com a jurisprudência predominante no STJ. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

AREsp 1.579.273

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Streck: Poxa, capitão-Presidente: pare de odiar a Constituição!

Acordo domingo e recebo um vídeo (vejam, para entender o grau da insanidade!) feito na noite do dia 13 de junho para o dia 14 em frente ao Supremo Tribunal Federal. Um foguetório lançado para cima do prédio da Suprema Corte. Vozes ao fundo pregando o fechamento. Escarnio puro à Corte. Contempt of…

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Ana Maria Blanco: Súmula 610/STJ, suicídio e seguro de vida

Até pouco tempo atrás, as súmulas 105/STF [1] e 61/STJ [2] asseguravam a indenização do seguro de vida em decorrência de suicídio do estipulante, ressalvada a hipótese de premeditação do ato ao tempo da contratação. Esse entendimento judicial consolidado imperou mesmo diante de cláusulas que estipulavam prazo de carência para cobertura frente a risco de suicídio. E perdurou ainda durante um tempo após a promulgação do Código Civil de 2002, que trouxe dispositivo legal distinto do parágrafo único do artigo 1.440, CC/1916, por não fazer qualquer menção à premeditação, mas eleger critério objetivo, afastando a indenização diante de suicídio praticado nos dois primeiros anos de vigência do contrato.

Retomou-se, por tal razão, o debate, sendo paradigmático o REsp 1.334.005/GO, julgado pela 2ª Seção STJ em 8 de abril de 2015, prevalecendo o voto da ministra Maria Isabel Gallotti no sentido de aplicação do critério objetivo do artigo 798, CC/2002. Posteriormente, sobreveio, com isso, a Súmula 610, segundo a qual “o suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada” (DJe de 7/5/2018).

A despeito da nova compreensão consolidada, remanesce relevante questão que não permite dar por pacificado o tema seguro de vida e suicídio no curso do prazo de carência legal, e o REsp 1.721.716/PR é a clara demonstração disso. Nesse caso analisado, o pleito de indenização securitária fora julgado procedente em primeira instância, com base nas Súmulas 105/STF e 61/STJ vigentes à época. Em sede de recurso de apelação cível, o TJ-PR deu provimento ao apelo da seguradora com base na nova interpretação ao artigo 798, CC. Promovido o recurso especial, teve sua admissibilidade negada, situação somente modificada em agravo. Ao proferir seu voto, a ministra Nancy Andrighi inicia delimitando a controvérsia: novo entendimento judicial consolidado alcança os litígios iniciados sob as súmulas anteriores?

Como destaca a relatora, a hipótese examinada diz respeito a julgamento proferido em 2014, antes mesmo do caso paradigmático da mudança de entendimento do STJ (REsp 1.334.005/GO, j. 8/4/2015). No entendimento da ministra Nancy, é o caso de aplicar-se a chamada teoria da superação prospectiva da jurisprudência (prospective overruling), de que teria sido precursor o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Benjamin Cardozo (por ocasião do julgamento do caso Great Northern Railway v. Sunburst Oil and Refining Company, de 1932, na linha de conferências que vinha proferindo desde 1921, posteriormente reunidas na obra The Nature of Judicial Process). Atenta aos critérios então estabelecidos, a julgadora conclui que a teoria da superação prospectiva tem a “finalidade de proteger a confiança dos jurisdicionados”.

Quanto ao Brasil, a relatora refere que a questão da eficácia retroativa de decisões sequer costumava ser discutida, o que passou a ser enfrentado nas matérias de jurisdição constitucional, sobrevindo somente depois as primeiras disposições legais a respeito (artigo 27 da Lei nº 9.868/99, artigo 12 da Lei nº 9.882/99, e artigo 4º da Lei nº 11.417/06), culminando com a regra específica contida no artigo 927, §3º, NCPC. No pensamento da ministra Nancy, essa aproximação com a common law, mediante a flexibilização da tradição processual da civil law, tem por propósito maior “garantir a isonomia de ordem material a partir da qual questões semelhantes devem receber respostas equivalentes, na medida de suas desigualdades e a proteção da confiança e da expectativa legítima do jurisdicionado, fornecendo-lhe um modelo seguro de conduta de modo a tornar previsíveis as consequências de seus atos”. Reconhece, contudo, não ser qualquer precedente capaz de justificar a aplicação da teoria, uma vez que há de ser observado o sistema de precedentes e seus elementos estruturantes, conforme deveres instituídos no artigo 926, NCPC.

A seguir, a relatora menciona precedente da 2ª Seção do STJ, qual seja REsp 1.312.736/RS, 2ª Seção, Dje 16/08/2018, que reconhece como critério à modulação de efeitos o “interesse social” e “segurança jurídica”. Aponta, outrossim, para a abordagem doutrinária segundo a qual é necessária uma “confiança qualificada” em dado entendimento judicial, concluindo que a modulação propiciada pela prospective overruling deve ser articulada com prudência. No caso sob exame, finaliza a relatora, a aplicação da teoria é “medida que se impõe, pois, mesmo se houve alteração legislativa, que alterasse todo o arcabouço regulatório dos seguros de vida, mesmo em situações de suicídio, a hipótese da recorrente não seria afetada pela irretroatividade das leis, com mais razão não se poderia aplicar retroativamente nos autos que já contava com sentença favorável o novo entendimento jurisprudencial”.

Ainda que, diferentemente do que ocorre nos sistemas common law, as ideias de precedente e vinculabilidade na experiência brasileira estejam sob peculiar processo de construção e consolidação, a adoção da prospective orverruling não se trata de uma importação irrefletida. A solução verificada no REsp 1.721.716/PR sob exame é acertada, não só porque se alinha aos termos da legislação processual civil em vigor responsável por parte da concretização do peculiar processo antes mencionado , como também observa o raciocínio mais elementar subjacente à teoria aplicada.

As primeiras notícias acerca das ideias elementares que ensejaram a prospective overruling são, na realidade, anteriores ao juiz Cardozo, mas todas caminhavam à promoção da segurança jurídica, que é, em última análise, o que se pretende resguardar como fator de promoção de justiça em concreto, opondo-se a oscilações de entendimento judiciais que surpreendam jurisdicionados.

O preceito da segurança jurídica não se trata de novidade no sistema jurídico brasileiro, sobretudo no plano constitucional, que alça à categoria de direito fundamental a preservação de fatos consumados (artigo 5º, XXXVI, CRFB/88). Se a lei, como regra e em vista da segurança jurídica, não retroage, por que a modificação de entendimento judicial retroagiria?

Não se está com isso sustentando que um entendimento judicial consolidado abstratamente considerado possa ter a mesma repercussão de um direito adquirido, ato jurídico perfeito e da coisa julgada no plano concreto de dada relação. Todavia, é inegável que entendimento judicial consolidado em um sentido, como norma interpretativa, possa subsidiar e pautar a conduta do jurisdicionado, sendo, por essa razão, imperiosa a necessidade de modular efeitos diante da modificação substancial do entendimento outrora verificado.

Percebe-se, outrossim, dois aspectos importantíssimos da prospective overruling: I) a existência de um posicionamento judicial consolidado que inspire a “confiança qualificada” do jurisdicionado; e II) sua posterior modificação, com repercussão clara sobre o resultado então legitimamente esperado. Registra-se: quando a doutrina refere “confiança qualificada”, deve-se compreender que não esteja sob questionamento o entendimento consolidado, é dizer, que sua modificação ou revogação não seja previsível.

No caso do seguro de vida, é possível cogitar que, desde a promulgação do CC/2002, seria esperada a revogação das Súmulas 105/STF e 61/STJ. Mas há algo questionável nessa “intuição” que não a autorizaria como algo evidente: o fato de que a interpretação esperada do artigo 798, CC, seria aquela mais consentânea com as súmulas precedentes ora revogadas, ao menos em sua racionalidade mais elementar quanto à presunção.

Isso porque tais súmulas trabalhavam com a ideia de “indenização, salvo premeditação”. Logo, persistia a ideia de presunção da boa-fé do segurado, o que, aliás, é o que costuma pautar o ordenamento jurídico e sua aplicação, facultada prova por parte da seguradora quanto à premeditação. A presunção de “não premeditação” era, de qualquer forma, relativa. A interpretação esperada e mais razoável do artigo 798, CC, deveria se dar na mesma linha.

No entanto, a interpretação dada ao critério objetivo para afastar a garantia e o alcance do capital estipulado ao beneficiário por suicídio do segurado/estipulante no período dos dois primeiros anos, sobretudo após a promulgação da Súmula 610/STJ, indica a presunção absoluta de premeditação durante esse período. Exclui-se, com isso, a possibilidade de o beneficiário demonstrar que, por exemplo, no curso desse prazo, o segurado/estipulante fora acometido por grave patologia que o levou ao ato extremo, circunstância distinta da premeditação.

Dois pesos, duas medidas. Quando interpretada, a norma securitária contida no CC/1916 era compreendida em favor do segurado/estipulante cogitando da sua boa-fé e a presunção em tal sentido era relativa. A partir de dado momento, mais de dez anos após a promulgação do CC/2002, a norma securitária então vigente passou a ser interpretada e compreendida de forma a favorecer a seguradora, instituindo-se uma presunção absoluta no período de dois anos objeto do artigo 798, CC. A situação fática subjacente, à margem das modificações legislativas e de entendimento judicial, segue sendo a mesma: contingências da existência humana que, conforme suas interações e intensidade, pode levar qualquer pessoa, em qualquer tempo e independente de vigências contratuais, à prática de suicídio.

No caso examinado, com mais razão era pouco ou nada esperado que sobreviria interpretação na contramão da proteção do segurado/estipulante e beneficiário, frisa-se, partes mais vulneráveis da relação contratual de especial complexidade técnica e formada por adesão. A sentença de primeira instância, subjacente ao REsp 1.721.716/PR, no sentido de procedência do pleito de indenização securitária data de 2014. Em que pese à essa época já houvesse voto no sentido da atual interpretação ao 798, CC (AgRg no Ag 1.244.022-RS, julgado em 13/4/2011), por maioria a 2ª Seção, nessa ocasião, ratificou os termos das Súmulas 105/STF e 61/STJ.

Quanto ao “interesse social” expressado no voto da ministra Nancy como critério à aplicação da prospective overruling, é de se questionar se a adoção de nova posição judicial, revogando-se a anterior, não é, por si, de extrema relevância a justificar a modulação de efeitos em razão do preceito da segurança jurídica. Se assim não for, e o interesse social se dá em sentido estrito e relativo ao tema objeto do novo entendimento judicial consolidado, tratando-se de cobertura de seguro de vida, a relevância é latente. É inegável a função social desse tipo de contrato e, considerado o ato extremo praticado, são conhecidas as consequências perenes e nefastas aos beneficiários, normalmente familiares, e muitas vezes sob dependência econômica do segurado/estipulante.

Assim, se Súmula 610/STJ é, desde sua promulgação, a consolidação do novo tratamento dos casos de suicídio, é crucial que tenha seus efeitos modulados em relação a fatos e litígios precedentes para que a aplicação desse questionável entendimento judicial seja justa, ao menos nesse aspecto.

 

[1] Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.

[2] O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

 é advogada, sócia do escritório Ernesto Tzirulnik Advocacia, mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e membro do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS).

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Sara Winter é presa em Brasília por ordem de Alexandre de Moraes

A ativista Sara Winter, uma das líderes da milícia armada que comanda ataques contra o Supremo Tribunal Federal, foi presa pela Polícia Federal nesta segunda-feira (15/6), por determinação do ministro Alexandre de Moraes.

A decisão foi tomada no âmbito de um inquérito que investiga atos antidemocráticos promovidos em março, segundo a Folha de S.Paulo.

Sara Winter é uma das líderes do grupo “300 do Brasil”, que acampou na Praça dos Três Poderes em Brasília sob o pretexto de apoiar o presidente Jair Bolsonaro, com convocações de guerra e integrantes armados.

Segundo o G1, outras cinco pessoas também foram presas, todas ligadas ao grupo.

No sábado, a polícia militar do Distrito Federal desmontou o acampamento. Em seguida, os integrantes invadiram o Congresso e estouraram fogos de artifício em cima do prédio do Supremo, simulando um ataque, enquanto xingavam os ministros.

Além disso, depois de virar alvo do inquérito das fake news, Sara Winter tinha gravado um vídeo ameaçando o ministro Alexandre de Moraes, dizendo que iria descobrir onde ele morava e infernizar a vida dele.

Narrador do vídeo

Na véspera, outro militante bolsonarista também foi preso, suspeito de ter narrado o vídeo em que os manifestantes lançam fogos contra o STF.

Renan Sena, que, segundo o G1, é ex-funcionário terceirizado do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, foi detido pela Polícia Civil neste domingo (14) e liberado após assinar termo de comparecimento em juízo.

Também de acordo com o G1, Sena já tinha sido indiciado por injúria durante outro protesto, no início de maio, por xingar enfermeiras que participavam de ato em memória a vítimas da Covid-19.

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Morre advogado e ex-professor da PUC-SP Renan Lotufo

O advogado e consultor Renan Lotufo morreu nesta segunda-feira (15/6), por Covid-19. Lotufo estava internado no hospital Sírio-Libanês.

Era da turma 132 (1963) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e foi professor de Direito Civil e da da pós-graduação da PUC-SP, da Escola Paulista da Magistratura e do CEU.

Presidiu a Associação de Advogados de Santo André, e ingressou na magistratura pelo quinto constitucional, chegando a presidir o antigo 1º Tribunal de Alçada Civil.

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Construtora é condenada a fazer reparo mesmo após garantia

Edifício apresenta rachaduras, manchas de umidade e deslocamento das cerâmicas
Reprodução

O juízo da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou uma construtora a reparar defeitos construtivos em um edifício de Águas Claras. O edifício apresenta rachaduras, manchas de umidade nas paredes e deslocamento das cerâmicas da fachada. A obra foi orçada pela perícia em aproximadamente R$ 700 mil. 

No processo, a construtora argumentou que os defeitos eram decorrentes da falha de manutenção, no entanto, após a perícia judicial, foram comprovados os vícios construtivos no imóvel, detectados no prazo de garantia legal. Na decisão, o juízo reconheceu que, independentemente do prazo de garantia previsto em contrato, a construtora deve assegurar a qualidade da construção e dos materiais empregados pelo prazo legal de cinco anos.

No entendimento do colegiado, a expressão “solidez e segurança da obra”, não se vincula à garantia apenas de eventual desabamento ou ameaça, mas refere-se também à solidez das partes componentes, de modo que manchas de umidade nas paredes, trincas e rachaduras na alvenaria, deslocamento de peças de cerâmica, concavidades e empoçamentos de água são defeitos englobados na garantia quinquenal prevista no Código Civil.

Segundo a advogada que representou o condomínio no caso, Alice Navarro, do Lecir Luz e Wilson Sahade Advogados, as construtoras precisam garantir a qualidade de seus empreendimentos, e, para tanto, o Código Civil instituiu prazo de garantia de cinco anos, que corresponde a período de durabilidade razoável para bens imóveis. Ela explica que, após a entrega do edifício, a Construtora permanece responsável, por defeitos no imóvel, decorrentes de má-prestação de serviços e pelos defeitos decorrentes da solidez e segurança do trabalho, sejam em relação aos materiais ou do solo.

Neste caso, a advogada afirma que o imóvel foi entregue aos proprietários em dezembro de 2011, mas, algum tempo depois, os moradores observaram diversos problemas estruturais, dentre os quais a queda de cerâmicas da fachada do prédio, que, além de comprometer a estética, causa graves riscos aos condôminos.

“A construtora indicou que não realizaria qualquer reparo em decorrência do vencimento das garantias e da suposta falta de manutenção preventiva do condomínio, por isso, a administração do prédio ajuizou ação em busca da reparação de defeitos construtivos. Para verificar a existência dos vícios na construção e a responsabilidade da construtora, foi elaborada perícia técnica que confirmou a existência dos danos, e reconheceu que estes possuíam origem construtiva”, explica.

Clique aqui para ler a decisão
0008056-34.2016.8.07.0020

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Atividade não exclusiva de advogados deve ser tributada?

À primeira vista o caso pode parecer pequeno e isolado, pois se refere apenas à atividade de arbitragem, mas tem tudo para se tornar explosivo no âmbito da advocacia como um todo. O ponto central é saber se atividades não privativas de advogados podem ser tributadas através da sociedade de advogados ou se devem ser tributadas diretamente na pessoa física do advogado prestador de serviços.

O leading case no âmbito federal foi julgado em 3 de março de 2020, Acórdão nº 2402-008.171, pelo Carf, por voto de qualidade. Foi decidido que os serviços de árbitro seriam prestados de forma personalíssima por uma pessoa física, de forma que a tributação não poderia se dar no âmbito da pessoa jurídica.

O caso em tela envolvia uma sociedade simples pura constituída por advogados e inscrita perante a Ordem dos Advogados do Brasil. A sociedade recebeu honorários decorrentes da prestação de serviços jurídicos no processo arbitral, o que se deu por meio da atuação como árbitro por um de seus sócios.

O relatório de fiscalização que acompanhou o auto de infração partiu do pressuposto de que as atividades de natureza civil ou comercial praticadas com o fim especulativo de lucro deveriam ser tributadas por contribuintes pessoas jurídicas, ao passo que os rendimentos do trabalho pessoal, como salários, honorários do livre exercício de profissões, proventos de ocupações ou prestação de serviços não comerciais e royalties, deveriam ser tributados como rendimentos de pessoas físicas.

No voto vencedor e nas declarações de voto dos conselheiros que acompanharam o voto vencedor, preponderou o entendimento de que seria impossível a tributação dos honorários obtidos pelo exercício da arbitragem seja feita na pessoa jurídica.

De fato, a lei de arbitragem estabelece que o árbitro pode ser qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes [1]. Tal dispositivo normativo é utilizado como fundamento para a inferência de que o serviço de arbitragem é exclusivo de pessoa física, não sendo passível de exercício e tributação por uma pessoa jurídica.

Como se observa, trata-se de argumento falacioso, pois, levado tal argumento ao extremo, não poderia haver incidência tributária pelas sociedades de advogados, uma vez que apenas advogados podem advogar. Sabe-se que, ainda que as atividades dos advogados sejam exercidas individualmente, os honorários serão revertidos para a sociedade nos termos do artigo 37 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB [2].

Nessa linha, o Código de Ética e Disciplina da OAB menciona que a prestação de serviços profissionais por advogado, individualmente ou integrado em sociedades, será contratada, preferentemente, por escrito, sendo que tal prestação individual ou pela sociedade pode se dar igualmente na mediação, conciliação ou arbitragem [3].

Ademais, a regra de sigilo profissional presente no Código de Ética e Disciplina da OAB menciona expressamente que o advogado pode exercer a função de mediador, conciliador e árbitro, devendo sempre se submeter a tal regra [4].

A partir da leitura do voto vencedor e das declarações de voto no mesmo sentido, é possível observar o argumento de que, como a atividade de arbitragem não é exclusiva de advogados, havendo inclusive item diverso da advocacia na lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03, ela deveria ser prestada e tributada na esfera da pessoa física que a efetua. Ora, isso não faz com que tais rendimentos devam ser necessariamente auferidos pela pessoa física.

Ainda que tal argumento tivesse alguma importância, nota-se que a Resolução CNJ nº 75/09 determina que o exercício de atividade de arbitragem é considerado atividade jurídica [5].

Em igual sentido, conforme a Ementa nº 24/13 do Conselho Federal da OAB, a arbitragem faz parte da natureza da advocacia, sendo que as receitas de tal atividade podem ser tratadas como receitas da sociedade de advogados [6].

Diferentemente do exposto no acórdão do Carf, não há que se falar que a OAB está determinando a sujeição passiva ou a forma de tributação dos serviços de árbitro ao prescrever que tais receitas podem ser tratadas como da sociedade de advogados. Muito pelo contrário, o tratamento contábil e tributário de tais receitas no campo da pessoa jurídica tem fundamento na lei tributária.

Tendo em vista que o caso envolve a prestação de serviços profissionais de profissão regulamentada por sociedades civis, isto é, a advocacia, o artigo 55 da Lei nº 9.430/96 prevê que essas sociedades são tributadas pelo Imposto de Renda de acordo com as normas aplicáveis às demais pessoas jurídicas [7].

Logo, há fundamento legal para a tributação na pessoa jurídica da prestação de serviços profissionais de profissão regulamentada e, considerando que a atividade de arbitragem é modalidade de atividade jurídica, não há óbice para que tal tributação se dê na pessoa jurídica.

Ainda que descartássemos o referido dispositivo legal, vale lembrar que o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 estabelece que a prestação de serviços intelectuais, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, sujeita-se tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas para fins fiscais e previdenciários [8].

No voto vencedor, entendeu-se que o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 apenas seria aplicável quando há um vínculo entre o tomador dos serviços e a empresa prestadora de serviços, sendo que na arbitragem o árbitro não possui vínculos com as partes contratantes.

Tal interpretação nos parece forçosa, visto que inexiste tal restrição no texto do referido dispositivo normativo. O afastamento do artigo somente seria possível caso houvesse comprovação de que não se tratava de serviço intelectual, o que não acontece no caso em tela.

Em uma das declarações de voto de conselheiro que acompanhou o voto vencedor, consta que o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 exige que o serviço deva ser realizado pela sociedade prestadora de serviços, o que não ocorre no caso de atividade de árbitro, que é feita por pessoa natural.

Mais uma vez, resta notória uma confusão no que tange ao próprio conceito de pessoa jurídica. No caso de qualquer prestação de serviço por pessoa jurídica, há uma atividade laboral realizada por uma pessoa natural, visto que a pessoa jurídica é uma abstração.

A título de ilustração, quando um mecânico constitui uma pessoa jurídica para exercer as suas atividades de reparos automotivos, ele possivelmente fará os reparos (com auxílio ou não de empregados) em nome da pessoa jurídica por ele detida.

Não é diferente do caso em que há a contratação de uma pessoa jurídica constituída por um intérprete de música brasileira para a realização de um sarau com duração de uma hora. Por mais incrível que pareça, quem irá efetivamente cantar será aquele intérprete musical, e não a pessoa jurídica.

Projetemos isso para outros casos em que a atividade prestada por advogados não é exclusiva da profissão, tal como nos casos de Habeas Corpus, defesas perante tribunais administrativos fiscais, pareceres, entre vários outros. Constatar-se-á a explosividade do tema em debate.

A decisão do Carf acertou nos árbitros, mas muitas outras atividades não privativas da advocacia estão na mira. É necessário ter cautela muita cautela. A OAB deveria se atentar a isso e acompanhar de perto a necessária judicialização do tema.

 é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; é professor da Universidade de São Paulo e doutor em Direito pela mesma Universidade.

 é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), coordenador do MBA IFRS da Fipecafi e professor do mestrado profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi.

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Profissionais de saúde enfrentam risco maior com a Covid

A tabela de Acompanhamento Mensal do Benefício Auxílio-Doença Acidentário emitida pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia referente ao ano de 2019 indica que naquele período foram registrados na base de dados 5.158 acidentes de trabalho apenas na atividade econômica de atendimento hospitalar — CNAE 8610. Esse número dá a média de mais de 429 acidentes do trabalho por mês e desconsidera, pelos CNAEs específicos, os serviços de atendimento a urgências, remoção, atenção ambulatorial e outros que são, também, tipicamente atividades de saúde.

Tais índices mantém o trabalho em atividades de saúde no Brasil como um dos mais perigosos na prática, atrás apenas dos trabalhos em transporte rodoviário de carga e no comércio varejista, superando as indústrias da construção e as atividades agropecuárias. E mesmo essa predominância do transporte rodoviário de carga e do comércio varejista se dá, aparentemente, em números absolutos e não percentuais, eis que se tratam de atividades com centenas de milhares de trabalhadores envolvidos.

Já no ano de 2011 o Ministério Público do Trabalho havia chegado à conclusão de que as atividades de saúde eram preocupantemente perigosas e causadoras de acidentes do trabalho. Nesse sentido, decidiu colegiadamente, mediante a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública — Conap, pela criação de um Projeto Estratégico focado na proteção e promoção da segurança do trabalho dos profissionais da saúde nos estabelecimentos públicos. Tal projeto tinha como bases as normas específicas de cada atividade — enfermagem, medicina e radiologia, especialmente — e a dicção da Norma Regulamentadora nº 32, do extinto Ministério do Trabalho, que fixa os parâmetros de segurança e saúde das atividades profissionais nessa área, cobrindo desde o atendimento até as lavanderias, descarte de resíduos sólidos e regras de vestimenta.

No manual de atuação elaborado sobre o tema são listados os alarmantes índices de acidentes do trabalho, bem como os de subnotificação de acidentes. Também são identificadas rotinas padrão que as unidades de saúde poderiam implementar por meio das Comissões Internas de Controle de Infecção Hospitalar — CCIH, previstas no art. 2º, inc. IV do Decreto nº 77.052, de 19 de janeiro de 1976. O manual ainda apresenta um rol de diligências conforme as peculiaridades de cada setor de uma unidade de saúde, bem como modelos de peças e ações judiciais.

Como o manual pontua, também deve ser considerada na análise desse risco a questão do excesso de trabalho. Os profissionais de saúde estão submetidos à perversidade da chamada “jornada de 12×36”, que significa doze horas de trabalho seguidas de trinta e seis horas de repouso. Tais trinta e seis horas são, na verdade, uma ficção, eis que abarcam as onze horas de descanso interjornadas prevista no art. 66 da Consolidação das Leis do Trabalho. E apesar de documentos de conselhos profissionais avalizarem tal jornada — como o Parecer nº 008/2017/Cofen/CTLN, elaborado pelo Conselho Federal de Enfermagem, estudos existem que questionam a efetiva existência das pausas de trinta e seis horas na prática, eis que os trabalhadores acabam por obter um segundo vínculo intercalado entre aquele gerador das 12×36, ficando, assim, presos em jornadas de doze horas todos os dias. Assim aponta Rêgo em estudo sobre o problema:

Maurício Martins de Almeida (2012) constata que é perceptível que após essa jornada exaustiva, em que o trabalhador labora normalmente por oito horas e depois, trabalha de maneira excedente mais quatro, é causadora de um grande stress e gera inúmeros prejuízos biológicos ao profissional. Soma-se isso ao fato de que, como já explicitado, geralmente o trabalhador da área da saúde acaba por aprovar a jornada 12×36, devido à viabilidade de conciliar mais de um local de trabalho no período de 36 horas equivalente ao seu tempo de descanso e lazer. (ALVES, 2013).

Ainda em concordância com Cássia Alves (2013), conclui-se que no contexto socioeconômico brasileiro contemporâneo, grande parte dos trabalhadores recebem salários aquém do necessário para com seus gastos, atraídos dessa forma, pela possibilidade de aumento da renda mensal familiar a partir de mais de um vínculo empregatício. Logo, depreende-se que não é diferente no caso dos profissionais da saúde, que se submetem ao extenuante regime 12×36 atribuído de mais de um local de emprego, para enfim conseguirem renda salarial satisfatória.

Tais profissionais não apenas trabalham quatro horas a mais do que as oito constitucionais, visando aumentarem seus rendimentos, como, ainda, trabalham todos os dias nessas superjornadas, o que, sem dúvidas, gera efeitos sobre sua performance e atenção, como a literatura médica, acidentária e jurídica aborda há décadas, tema objeto de análise nesta coluna em texto anterior.

Reitere-se que os dados de acidentes do trabalho de 2019 evidenciam que o risco no setor continua alto, o que fortalece, forçosamente, a constatação de que os trabalhadores hospitalares sob a pandemia do Covid-19 são o principal grupo profissional exposto aos riscos da doença, o que vem sendo apontado pela cobertura jornalística contemporânea.

Nesse sentido o Conselho Nacional de Saúde editou a Recomendação n. 020 de 07 de abril de 2020, tratando do trabalho de tais profissionais sob os efeitos da pandemia do Covid-19. Essa documento recomenda a adoção de medidas de proteção que envolvem desde o acesso a informações sobre as unidades de saúde, riscos de contágio e direitos dos trabalhadores, como, também, medidas de organização e adequação às normas técnicas pertinentes e medidas de preservação da saúde mental Mas o foco principal é o treinamento dos trabalhadores e a manutenção de ambientes de trabalho seguros por meio da adoção e uso de equipamentos de proteção individuais — EPIs — tais como máscaras e luvas, e equipamentos de proteção coletivas — EPCs — que são placas, exaustores, torneiras, sabões, álcool em gel, etc.

Não destoam desse entendimento as manifestações do SindSaúde-SP, Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde do Estado de SP e da Abrasco — Associação Brasileira de Saúde Coletiva, que em textos sobre a saúde dos profissionais de saúde realçam o alto risco de suas atividades e a necessidade de adoção de medidas de proteção inclusive quanto a jornadas e assédio.

Os profissionais de saúde têm o dever de prestar suas atividades a quem esteja em perigo ou em grave risco, mormente em situação emergencial como a ora vivida com o advento da pandemia do Covid-19, como reconhecem Souza, Mobelli e Alencar em estudo dedicado ao direito de resistência de tais profissionais durante a pandemia. Mas essas autoras reconhecem, consequentemente, que “os gestores públicos e particulares dos centros hospitalares e de pronta resposta ao Covid-19, sob pena de sujeição aos crimes de periclitação da vida e da saúde e responsabilização civil e trabalhista, tem o dever de garantir a salubridade no meio ambiente de trabalho”.

Esse dever de garantir a saúde e segurança dos trabalhadores nas unidades de saúde em meio à pandemia do Covid-19 é tutelado e perseguido pelos sindicatos, conselhos profissionais e pelo Ministério Público do Trabalho, os quais buscam tanto prover a população com os serviços de saúde indispensáveis ao seu tratamento na pandemia, como, também, garantir a saúde das médicas, enfermeiras e demais profissionais de saúde que se ativam nessa heroica missão. Afinal, profissionais de saúde doentes não poderão tratar da saúde da população.

REFERÊNCIAS

ÁSFORA, Marcela; CAVALHEIRO, Ruy F. G. L. Saúde na Saúde – Manual de Atuação da CONAP. MPT, Brasília, DF, 2014. Disponível em <https://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/legislacao/norma%20sem%20numero/Cartilha%20Sa%C3%BAde%20na%20Sa%C3%BAde_Manual%20de%20Atua%C3%A7%C3%A3o%20da%20CONAP.pdf>, acesso em 10.06.2020.

 é procurador do Trabalho, mestre em Direito, especialista em Filosofia do Direito e em História e Filosofia da Ciência, além de associado do Movimento do Ministério Público Democrático.