Categorias
Notícias

Feferbaum e Klafke: Ensino jurídico na quarentena — parte IV

Temos pensado muito sobre a ressignificação do espaço da sala de aula no ambiente presencial e, agora, o impacto do confinamento na educação. Esse é apenas mais um motivo para que as pessoas envolvidas reflitam sobre o papel do(a) professor(a) e do quanto é urgente revalorizar o espaço da sala de aula e o papel que os discentes desempenham nele durante o processo de ensino-aprendizagem.

Enxergar docentes como facilitadores do aprendizado, e não como centro do ensino, pode ser a chave. Reduzir o papel do professor a um orador, educador ou portador do saber não dá mais conta da realidade que precisamos enfrentar. Encarar a função de ensinar como sustentação de espaços de construção de conhecimento e pensar na docência também como exercício de empatia torna factível a ressignificação. Passar conteúdo não é complicado; difícil mesmo é educar. Por isso, docentes devem continuar aprendendo a aprender.

É importante ressaltar: uma boa aula é uma boa aula em qualquer ambiente, seja virtual, seja presencial. Cada um desses espaços possui suas particularidades, que podem ser potencializadas para o bem ou para o mal. Contudo, o mais importante é saber aonde se quer chegar, isto é, que tipo de egresso se quer formar. A partir dessa meta, é possível estabelecer um plano de ensino com objetivos de aprendizagem claros. Quando o encontro é bem planejado, fruto de uma profunda reflexão e com um propósito definido, extrai-se o melhor desses dois mundos.

Se os(as) alunos(as) puderem decidir frequentar o espaço de ensino que quiserem, eles(as) só irão investir tempo naquilo que fizer sentido, virtual ou presencialmente. O confinamento evidenciou que muitas atividades podem ser feitas remotamente. Consequentemente, a sala de aula terá que valer muito a pena para manter sua importância, e isso tanto para professores(as) quanto para alunos(as). É necessário estabelecer um novo sentido para manter 30, 40, 60 ou 80 pessoas juntas e compensar os riscos sanitários de sair de casa, com o trânsito das grandes cidades e todas as dificuldades, cada vez maiores, de se deslocar fisicamente e estar num horário pré-determinado em um local, no qual deverão ficar por horas seguidas.

Se for para oferecermos aulas sumariamente expositivas, não precisamos ter o desgaste de nos reunirmos fisicamente; mas, se formos trocar vivências, aprender com o outro, nos relacionar e construir juntos, aí valerá realmente a pena o esforço, especialmente em um momento em que todos precisam falar e ser ouvidos. Tudo indica que o ensino híbrido será o grande debate para o presente e futuro. Portanto, precisamos aprender a ocupar o espaço da sala de aula com experiências que só podem acontecer no encontro com o outro.

Habilidades e competências do futuro que chegou
Ao lado da discussão humana, relacionada, por exemplo, com questões de saúde física e mental de docentes e discentes, queremos ressaltar a dimensão instrucional sobre o que a sala de aula precisa desenvolver. De uma hora para outra, as pessoas tiveram que lidar com mudanças de rotina, uso de tecnologia, novos trabalhos e, o principal, a crise social e econômica. No ensino, as habilidades exigidas de professores e alunos só evidenciaram a importância do discurso sobre as competências do futuro: capacidade de adaptação e de resiliência.

Diante de novas situações, radicalmente distintas do que poderíamos imaginar em exercícios de novos cenários, precisamos nos reinventar — e vários o fizeram — para enfrentar os desafios. Essa será uma marca do nosso futuro. Ações previsíveis e repetitivas serão realizadas por algoritmos, que farão esse trabalho muito melhor do que seres humanos, sem erros e a um custo menor. Sim, um algoritmo será mais eficiente do que um profissional mediano. O que não será substituído é justamente a capacidade de se engajar em relações sociais significativas, reconhecer a alteridade, pensar em soluções criativas e enfrentar dificuldades e situações inéditas.

Há professores(as) e alunos(as) insatisfeitos(as) com o ensino a distância. Sempre haverá resistências diversas. Contudo, assim será o futuro, cada vez mais incerto e tecnológico. E as resistências precisam levadas a sério — a discussão sobre desigualdade social e ensino a distância, por exemplo, não deveria ter sido ignorada nos últimos anos e não pode ser esquecida. Mas elas também devem ser trabalhadas. Não apenas pelo fato de as condições do retorno ao ensino presencial estarem incertas, mas também porque devemos nos reinventar em um mundo pautado pela transformação e rapidez.

Falando em velocidade, a temporalidade é uma outra questão importante que surge ao falarmos de competências e habilidades profissionais. Toda essa circunstância provoca uma mudança na nossa sensação do tempo. Esta crise evidenciou que o tempo da aula virtual, o tempo disponível para o desempenho dos vários papéis sociais, a influência das novas tecnologias e o período para a aprendizagem seguem lógicas diferentes. Como preparar futuros profissionais e nos prepararmos enquanto profissionais da educação para um futuro incerto? Desenvolvendo novas habilidades e sendo resilientes.

Sair desta pandemia tendo desenvolvido competências como responsabilidade, empatia, criatividade, autonomia, ética, paciência e resiliência será um enorme ganho.

Conclusões
Há uma anedota sobre o grande problema que se tornaram as fezes de cavalos no início do século XX nas grandes cidades industriais. Como resolver o problema? O advento dos automóveis, por fim, simplesmente eliminou a discussão. Pode ser que o debate sobre ensino online e ensino presencial em tempos de Covid-19 siga pelo mesmo caminho. O surgimento de uma vacina, acompanhado de produção e distribuição em massa, pode afastar várias das questões levantadas nesta série de artigos.

Ainda assim, podemos e devemos levar alguns aprendizados conosco. Primeiro, ganhamos em pouco tempo um grande conhecimento sobre ferramentas tecnológicas e organização de tempo e dos espaços pessoal e de trabalho. Utilizá-lo para aprimorar a educação é o próximo passo. Segundo, devemos atuar com planejamento e colocar em perspectiva o que será exigido de nós daqui a dois, três, cinco anos. Terceiro, um ensino de qualidade pode acontecer tanto no ambiente presencial como no ambiente virtual. Não podemos cair na tentação de achar que qualquer ensino presencial é melhor do que as aulas remotas. Finalmente, como agentes que contribuem para a reflexão social, devemos incutir nos(as) estudantes a sensibilidade para as questões humanas e sociais do nosso tempo. A crise deixou exposta a face mais cruel da desigualdade social. É nossa responsabilidade passar adiante a mensagem de que uma sociedade democrática não tolera essa realidade.

Clique aqui para ler a primeira parte do artigo

Clique aqui para ler a segunda parte do artigo

Clique aqui para ler a terceira parte do artigo

 é professora e coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito São Paulo (FGV-CEPI).

Guilherme Klafke é professor da pós-graduação lato sensu da FGV Direito São Paulo e líder de pesquisa no FGV-CEPI.

Categorias
Notícias

As crises têm duas faces: o sofrimento e o aprendizado

O mundo parou. Os humanos estão recolhidos e amedrontados. A economia preocupa e há quem diga que o ‘day after’ será mais difícil que o dia de hoje. Digladiam-se, ao invés de convergir, os que defendem a proteção da vida (isolamento social, redução de atividades) e os que defendem a proteção da economia (continuidade das atividades econômicas, proteção do emprego e da renda, proteção do trabalhador informal). Os cientistas buscam a origem da epidemia, vacinas que evitem e remédios que curem a doença: uma febre, mal estar, tosse seca que pode evoluir para uma séria pneumonia, bloqueio dos pulmões e morte por insuficiência respiratória. A doença é transmitida por contato pessoal, de pessoa a pessoa; e a rapidez com que se espalhou pelo planeta, país a país, e com que contaminou em poucos dias boa parte da população, surpreende.

Assim começava o meu último artigo em 28-3-2020[1], quando a realidade ainda não se havia mostrado por inteiro. Passados setenta dias do artigo, 120 dias desde a chegada do coronavirus ao Brasil, 615.000 infectados e 34.000 mortes aqui, vemos que algo diferente está acontecendo. Os bilhões de dólares gastos anualmente em armas e equipamentos de destruição são incapazes de destruir esse pequeno, vulnerável vírus que, se não contido por vacinas ou medicamentos, ou se não criarmos anticorpos, se trasformará em uma das maiores ameaças aos humanos desde a nossa criação.

As crises têm duas faces, o sofrimento e o aprendizado; há os que ficam só no sofrimento e carregam essa amargura pelo resto da vida, e há os que aprendem com ele, revendo e mudando para algo melhor. É preciso pensar no futuro, no que teremos amanhã e nos dilemas que vamos enfrentar. O primeiro deles é uma compreensão maior do que seja o desenvolvimento sustentável de que falamos em 13-4-2019[2], um triângulo que se assenta sobre o lado que prevalece a cada momento: o ambiental, ou o social, ou o econômico, conforme a preocupação e a atividade que se pretende realizar; e o dilema consiste na difícil convivência entre os três aspectos, uma vez que a prevalência de um implica, de algum modo, no sacrifício menor ou maior dos outros.

Ultrapassada a pandemia, pois há de passar um dia, corre-se o risco de dar maior atenção aos aspectos social e econômico, degradando e reduzindo mais o planeta já exaurido e o que resta das áreas preservadas[3]; de demonstrar maior precupação com o ‘desenvolvimento’ que com o ‘sustentável’. A preocupação é real, pois a noção de desenvolvimento está ligada a crescimento e progresso, reduzidos por muitos ao aspecto econômico e material, um maior nivel de vida; sendo um ‘crescimento’ e sendo essa a percepção da sociedade, acabamos formando um sistema social e econômico que implica em uma expansão contínua da população e do consumo, em que a redução das desigualdades (redução necessária, diga-se) implica em maior uso dos recursos naturais e no futuro esgotamento do que existe hoje. Não falo do futuro de nós que estamos aqui agora, mas do futuro da humanidade (já pensaram que 15.000 anos se passaram desde o início da agricultura, que molda nossa sociedade, e 6.000 anos desde a construção das primeiras pirâmides?); das futuras gerações e da vida no planeta pelos próximos mil anos, para não dizer mais.

‘Sustentável’ é o que se mantém constante, estável por um longo período; não casa bem com o desenvolvimento, que implica em crescimento e progresso. ‘Sustentável’ implica em equilíbrio, em uma consciência não romântica da realidade, em uma visão do futuro que não temos visto nos dias de hoje; o desenvolvimento será sustentável se, e apenas se, coordenar com sabedoria as suas três vertentes, dando prevalência à proteção do meio ambiente que estava aqui antes de nós e do qual dependemos para continuar a estar aqui no futuro. A pandemia, mais uma zoonose ligada à degradação dos habitats naturais e à interferência humana na vida silvestre, exige a consideração adequada do desenvolvimento que queremos, e por quanto tempo queremos.

Posto isso, podemos tirar algumas lições da pandemia em uma relação singela que não exclui, naturalmente, outras não citadas e outras que surgirão com a evolução dessa crise. Uma, a certeza de que a estreita ligação entre a degradação do meio ambiente e o aparecimento das zoonoses implica em novas pandemias em um futuro próximo. Uma pequena história das pandemias: a peste negra, 50 milhões de mortos, Europa e Ásia, 1333 a 1351, uma bactéria transmitida para o homem pela pulga de ratos; a cólera, centenas de milhares de mortos, 1817 a 1824, transmitida por água e alimentos contaminados; a tuberculose, um bilhão de mortos, 1850 a 1950, transmitida por um bacilo; a varíola, 300 milhões de mortos, 1896 a 1980, transmissão pessoa a pessoa pelas vias respiratórias; a gripe espanhola, 20 milhões de mortos, 1918 a 1919, transmitida por um vírus em gotas de saliva e espirros; o tifo, 3 milhões de mortos, Europa Oriental e Rússia, 1918 a 1922, transmitido por uma bactéria trazida por pulgas e presente em países do terceiro mundo, campos de refugiados, guerras; a febra amarela, 30.000 mortos, Etiópia, 1960 a 1962, presente nas Américas, transmitida por um mosquito; o sarampo, 6 milhões de mortos até 1963, transmitido por um vírus em secreções mucosas como a saliva de indivíduos doentes, dando sinais de retorno no Brasil; a malária, 3 milhões de mortos por ano, desde 1980, transmitida por um protozoário em picadas do mosquito ‘anopheles’, a pior doença tropical e parasitária da atualidade; a AIDS, 22 milhões de mortos desde 1981, transmitido pelo vírus HIV através do sangue, do esperma, da secreção vaginal e do leite materno[4].

Nos últimos trinta anos, para citar as mais relevantes, tivemos a SARS ou Síndrome Aguda Respiratória Grave, identificada em 2003, transmitida pelo vírus SARS-CoV, do origem animal (morcegos), que afetou 26 países com mais de 8.000 infecções; a MERS ou Síndrome Respiratória do Oriente Médio, transmitida pelo vírus MERS-CoV, identificado na Arábia Saudita em 2012 em camelos e dromedários, com surto também nos Emirados Árabes e na Coréia do Sul[5]; e agora a COVID-19, transmitida por um novo tipo de coronavirus, de origem animal (morcegos), de fácil transmissão pessoa a pessoa, já presente em 215 países, com 6.800.000 infectados, 397.000 mortos e 3.310.000 recuperados[6]. O aumento exponencial das pandemias e epidemias e sua ligação com o modo como tratamos o meio ambiente não pode ser ignorado.

A rápida disseminação da doença é diretamente relacionada à movimentação das pessoas e fauna silvestre por países e continentes; decorre do modo de vida que criamos e que, como trouxe essa, disseminará com rapidez a próxima pandemia.

A forma e a rapidez da transmissão trouxeram uma sensação, uma percepção nova e assustadora; o ‘inimigo’ não é mais algo externo, mas a outra pessoa, em especial aquelas próximas de nós. Não sabemos como a sociedade vai lidar com isso e precisaremos encontrar uma forma nova de contato humano.

A noção de que a ciência não pode tudo. Temos desdenhado dos problemas e dos desafios que nós mesmos criamos dizendo que a ciência e a tecnologia encontrarão uma solução; e tem de fato solucionado muitos deles com a evolução da medicina, da produção de alimentos, da produção industrial. Mas ainda não compreendeu o ciclo de vida desse vírus que morre com água e sabão, como ele atua no organismo, qual a melhor forma de combatê-lo; e não nos protege das zoonoses futura, que deixam esse rastro de morte e sofrimento. Não dá para desafiar a natureza indefinidamente, irresponsavelmente como temos feito.

Mais uma, o vírus fez transparecer a desigualdade social, a ausência de saneamento, a precária urbanização, o problema dos aglomerados urbanos; e ligando todos os pontos, da degradação ambiental ao exaurimento do planeta e à desigualdade social, o aumento exponencial, enorme, dos humanos na Terra, uma realidade que a nossa sociedade se recusa a discutir ou enfrentar.

Como mencionei no início deste artigo, as crises produzem sofrimento e aprendizado. O maior aprendizado talvez seja a humildade, ver o planeta de joelhos, parado, frente a esse pequeno e frágil vírus que desdenha e ignora a nossa arrogância, a realidade se impondo aos nossos sonhos, preconceitos, ideologias, expectativas. Há muito que fazer.

Categorias
Notícias

STF Educa abre inscrições para dois novos cursos gratuitos

Ensino a distância

STF Educa abre inscrições para dois novos cursos gratuitos

O projeto STF Educa, parceria entre o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, abriram inscrições para o terceiro ciclo de cursos a distância a partir desta segunda-feira (1º/6). Os dois novos cursos incluídos na plataforma são: “O emprego da vírgula em 4 lições” e “A Lei Anticorrupção e o Processo Administrativo de Responsabilização: teoria e prática”. O prazo para conclusão dos cursos é em 3 de julho.

Reprodução

Disponíveis na plataforma EaD do CNJ, os cursos são gratuitos e abertos a toda a sociedade. O aprendizado é autônomo, sem tutoria. O estudante pode seguir o ritmo que desejar, sem periodicidade definida, apenas observando o prazo para encerramento do curso. Para receber o certificado, é necessário cumprir os requisitos para aprovação: acesso a todas as aulas, aproveitamento mínimo de 70% nas atividades e preenchimento da avaliação de reação.

Todos os cursos oferecidos nos ciclos anteriores continuam disponíveis: Introdução ao Direito Constitucional e ao Controle de Constitucionalidade; Atualização Gramatical; Quando nasce um pai: orientações básicas sobre paternidade responsável; Reflexões sobre a Lei de Improbidade Administrativa; e Imunidades e Isenções Tributárias na Constituição e no STF.

Veja detalhes dos novos cursos:

O emprego da vírgula em 4 lições

Com carga horaria de 20 horas/aula, o curso busca capacitar os alunos a empregar a vírgula de forma adequada por meio de uma abordagem acessível, sem terminologias gramaticais complexas. Além disso, objetiva desenvolver o estudo em 4 lições, a fim de abordar cada dificuldade de forma pontual e segmentada.

A Lei Anticorrupção e o Processo Administrativo de Responsabilização: teoria e prática

Em 19 horas/aula, pretende-se desenvolver no participante a capacidade de contextualizar a legislação anticorrupção com a realidade político-jurídico-institucional do mundo e do país, identificar hipóteses de incidência da norma e dar o devido processamento a eventuais casos concretos. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

Clique aqui para fazer a inscrição

STF Educa — Terceiro ciclo

Inscrições: de 1º a 30/6

Conclusão das aulas: até 31/7

Topo da página

Revista Consultor Jurídico, 1 de junho de 2020, 21h41